CAPÍTULO 25
Governator
FUI A SEGUNDA PESSOA NA HISTÓRIA DOS Estados Unidos a se eleger governador em uma eleição revogatória e fui empossado após a mais curta campanha da história moderna da Califórnia. O período de transição foi três semanas mais breve que no caso da transferência normal entre governadores. Sem qualquer experiência anterior como representante eleito pelo povo, assumi o cargo em uma época de crise, em que o estado enfrentava graves déficits orçamentários e uma recessão econômica.
Eu estudara política durante muito tempo, e fiz meu dever de casa na Universidade Schwarzenegger, mas, mesmo que se estude 12 horas por dia, só é possível absorver parte das informações por meio da leitura. O elenco de personagens de Sacramento era uma incógnita para mim: não só os membros do legislativo em si, mas também os milhares de lobistas, especialistas em políticas públicas e traficantes de influência que fazem boa parte do trabalho – e elaboram a maioria das leis.
Eu sequer conhecia a maior parte da minha própria equipe. Todos queriam me ver, mas era difícil contratar um time tão depressa. Nossa situação era particularmente difícil: tínhamos apenas cinco semanas após a eleição para preencher as 180 vagas do gabinete de governo, incluindo cerca de 40 cargos de confiança. Nosso leque de escolha era pequeno, pois poucos profissionais da política esperavam que eu vencesse, e alguns dos melhores candidatos já haviam arrumado empregos novos após a eleição de 2002. Tentei não perder tempo e comecei logo a procurar pessoas que já tivessem experiência no cenário político da Califórnia, fossem elas republicanas ou democratas. Mas poucos desses políticos veteranos tinham experiência comigo, e mesmo os que haviam trabalhado na minha campanha só me conheciam havia poucos meses.
Acabamos recorrendo a vários antigos integrantes do governo de Pete Wilson. Como chefe de gabinete, contratei Patricia Clarey, que fora sua subchefe de gabinete. Conservadora do ponto de vista fiscal, organizada e trabalhadora, Patricia havia estudado na John F. Kennedy School of Government, a faculdade de políticas e administração públicas de Harvard, e já trabalhara nas áreas de seguros e petróleo. Rob Stutzman, meu diretor de comunicação, era outro aguerrido veterano de Wilson que já tinha enfrentado inúmeras batalhas.
Levei comigo alguns assessores-chave que já me conheciam havia muitos anos: Bonnie Reiss, meu braço direito no movimento em prol dos programas extracurriculares; David Crane, investidor de São Francisco que era meu principal conselheiro em questões de economia e finanças; e Terry Tamminen, ambientalista inovador que escolhi para presidir a Agência de Proteção Ambiental da Califórnia. Eram todos democratas, mas isso pouco importava – pelo menos para mim. Quando os bastiões do Partido Republicano reclamaram, expliquei com todo o respeito que eu queria os melhores profissionais, independentemente de sua filiação partidária, contanto que compartilhassem minhas opiniões em determinada área. Esses novos colaboradores eram todos pessoas inteligentes, sensíveis e de mente aberta, mas, assim como eu, não conheciam Sacramento nem seus estranhos costumes.
A única forma de entender a capital do estado, percebemos, era jogando fora nossos livros de estudos cívicos. De nada adiantava saber como Washington ou as capitais de outros estados americanos funcionam, pois Sacramento é administrada segundo princípios completamente diferentes. E o bom senso não está entre eles: nada lá faz sentido.
Um exemplo: a maior atribuição de Sacramento é alocar recursos para os ensinos pré-escolar, fundamental, médio e superior básico, conhecido nos Estados Unidos como K-14. Graças à Proposta 98, aprovada pelos eleitores em 1988, quase metade do orçamento de educação do estado é direcionada ao K-14. Esse dinheiro não inclui recursos para a construção de escolas, nem o financiamento das aposentadorias dos professores, e tampouco os bilhões de dólares da loteria estadual reservados para a educação. A Proposta 98, Lei da Melhoria Educacional e da Responsabilidade em Sala de Aula, garante o aumento anual do orçamento da educação, independentemente de o estado arrecadar ou não mais dinheiro. A fórmula que rege essa lei é tão obscura que só o sujeito que a inventou, John Mockler, sabe exatamente como ela funciona. Ele gosta de dizer, brincando, que elaborou a fórmula assim de propósito e que pagou os estudos do filho em Stanford com o que recebia para ensinar como usá-la. O Escritório de Análises Legislativas, órgão não partidário, teve que produzir um vídeo de 20 minutos para explicar aos membros do legislativo do estado como funciona a lei, e mesmo assim foi preciso contratar Mockler como consultor.
Basta multiplicar a fórmula de financiamento da educação por mil e você terá uma ideia do absurdo que é Sacramento. Seu sistema legislativo, que opera em tempo integral, aprova tantas leis novas por ano – mais de mil – que seus membros sequer têm tempo de lê-las antes de votá-las. De tão frustrados, os eleitores acabam aprovando as leis mais importantes por votação popular, como no caso da Proposta 98, para forçar a Assembleia Legislativa a se concentrar em problemas reais como o financiamento da educação. Um absurdo.
Sacramento cresceu graças à prosperidade: a cidade foi o principal entreposto comercial da grande Corrida do Ouro na Califórnia, em 1849. Quando os californianos fizeram da cidade a capital do estado, construíram um Capitólio grandioso para rivalizar com o da capital do país, Washington. Não chegaram a construir uma Casa Branca, contudo, de modo que não há um local separado para o governador trabalhar. Em vez disso, ele e sua equipe dividem o prédio do Capitólio Estadual com os membros do legislativo, e cada governador decide onde será sua moradia. Todos os meus antecessores haviam se mudado para Sacramento com as respectivas famílias, mas Maria e eu decidimos que não queríamos tirar nossos filhos do ambiente ao qual estavam acostumados. Assim, ela ficou em Los Angeles com os quatro, enquanto eu aluguei a suíte do último andar de um hotel próximo ao Capitólio. Eu planejava ficar indo e vindo semanalmente, a fim de passar mais tempo com eles.
Os escritórios do governador são conhecidos como Ferradura, pois ocupam três lados de um pátio interno descoberto no térreo do Capitólio. As salas dos membros do poder legislativo ficam nos andares superiores. De acordo com o protocolo, o governador deveria ficar em sua sala e os membros do legislativo que quisessem vê-lo teriam que descer. Mas para mim não funcionava assim. Muitas vezes eu saía da sala e pegava o elevador até os andares superiores para falar pessoalmente com os legisladores. Ter trabalhado no cinema, na verdade, revelou-se uma grande vantagem: um membro do legislativo podia não saber o que pensar de mim como governador, mas sua equipe queria tirar fotos comigo e pedia autógrafos para dar aos filhos. Se algum deles se sentisse intimidado, pensando que eu talvez fosse mesmo o Exterminador – é gozado como as pessoas levam esses papéis ao pé da letra –, eu tentava fazer com que pensasse mais em mim como Julius, o grandalhão de mente aberta de Irmãos gêmeos.
Eu havia prometido resultados rápidos aos eleitores. Uma hora depois de tomar posse, cancelei o aumento da taxa de emplacamento de veículos, que triplicaria de valor, e logo depois, com a ajuda dos legisladores dos andares de cima, acabei com a lei que concedia carteiras de habilitação a imigrantes ilegais. “Isso é que é ação”, falei para as câmeras.
Duas semanas depois de assumir, apresentei ao legislativo o pacote de recuperação fiscal que servira de base para a minha campanha e incluía o refinanciamento da dívida do estado, uma ampla reforma orçamentária e uma reforma do regime de seguros e indenizações dos trabalhadores, que estava afugentando os empregadores do estado. Estávamos tentando fazer com que a âncora da proposta de reforma orçamentária fosse um rígido teto de despesas. Foi então que os democratas disseram basta, e logo já estávamos rumando para a guerra. Quando o diálogo com eles se tornou impossível, recebi diversos conselhos de todo o espectro político, e muitos deles contraditórios.
Os veteranos republicanos do governo de Pete Wilson que faziam parte do meu gabinete me incentivaram a assumir uma postura firme: levar todas as minhas reformas às urnas para que os eleitores decidissem no ano seguinte. Os legisladores republicanos, preparando-se para entrar em guerra, sugeriram que deixássemos o governo do estado ficar sem dinheiro nenhum e ter que cessar suas atividades até os democratas cederem. Eu próprio estava me sentindo bastante belicoso. No entanto, em um jantar naquela semana – por ironia, em comemoração ao bipartidarismo –, apresentei a ideia a George Shultz e Leon Panetta, amado político californiano que já servira tanto a republicanos quanto a democratas e mais recentemente fora chefe de gabinete de Bill Clinton na Casa Branca. Ambos arquearam as sobrancelhas.
– É assim que você vai começar seu mandato, com um confronto? – indagou George. – O seu pessoal tem razão: os eleitores estão embalados para votar a seu favor, e você certamente vai ganhar. Mas a batalha vai ser longa, sangrenta, e, nesse meio-tempo, o que vai acontecer? O estado vai virar um caos e todo mundo vai ficar deprimido ao ver que nada mudou em Sacramento. A Califórnia vai sofrer, porque as empresas não vão ter confiança para investir ou criar mais empregos.
Panetta concordou.
– O mais importante é chegar a um acordo – disse ele. – Mesmo que você apenas adie os problemas de orçamento, é uma maneira de mostrar ao público que é capaz de trabalhar com os dois partidos e avançar. Depois você pode tentar de novo uma reforma mais ampla do orçamento.
Levei os conselhos a sério. Depois de tomar posse e conquistar algumas grandes vitórias imediatas usando o entusiasmo que garantira minha eleição, era importante mostrar aos eleitores que o governador e o poder legislativo podiam trabalhar em conjunto para solucionar os problemas fiscais da Califórnia. Assim, voltei para a capital do estado, convoquei os líderes dos dois partidos na Assembleia e falei: “Vamos nos reunir e tentar mais uma vez.”
Meus colegas republicanos reagiram como se tivessem levado um soco no estômago. “Eles estão quase beijando a lona. Então vá lá e acabe com isso!”, disseram. Este foi meu primeiro gostinho verdadeiro da nova ideologia republicana: todo acordo é sinal de fraqueza. Os democratas ficaram aliviados por evitar uma briga feia, mas alguns interpretaram minha disposição para negociar como sinal de que eu preferia recuar a arriscar minha popularidade junto aos eleitores. Isso tornou as negociações mais difíceis. Após tantos anos de disputas ferrenhas e inúteis em Sacramento, ambos os lados haviam desaprendido a arte de negociar. Na realidade, os distritos legislativos tinham tendência a eleger o membro mais linha-dura, mais rígido de cada partido: aqueles eram legisladores moldados para brigar, como galos criados para a rinha.
Após uma negociação de muitos dias, conseguimos chegar a um acordo no qual obtive uma emenda orçamentária equilibrada, a proibição de usar títulos da dívida pública para pagar despesas operacionais e uma versão enfraquecida de meu fundo emergencial. O legislativo conseguiu seu dinheiro para a recuperação econômica. A proposta foi submetida a votação na eleição de março e aprovada pelos eleitores na proporção de dois contra um. Poucas semanas depois, concluímos uma reforma importante no regime de seguros e indenizações dos trabalhadores. Isso demonstrou liderança e nos proporcionou um ótimo começo. O refinanciamento da dívida aumentou radicalmente a avaliação de crédito da Califórnia, poupando ao estado mais de 20 bilhões de dólares em juros da dívida pública ao longo de 10 anos. Além disso, quando a comunidade empresarial viu que eu conseguia lidar com os dois partidos, parte do pessimismo em relação à economia começou a desaparecer.
Meu relacionamento com o legislativo, porém, logo ficou complicado. Parte dessa complicação se devia à grande diferença de popularidade entre mim e eles. Quando provei que era capaz de fazer as coisas acontecerem, minha taxa de aprovação superou os 70%, enquanto a do legislativo não chegava a 30%. Eu estava sendo ovacionado como o “Governator” – um trocadilho com o título original de O exterminador do futuro, Terminator –, não apenas na Califórnia, mas também pelos meios de comunicação nacionais e internacionais. Em um ano de eleição presidencial nos Estados Unidos, os jornalistas começaram a especular sobre uma futura candidatura minha, embora isso fosse exigir uma mudança na Constituição que ninguém de fato imaginava possível. Minha popularidade se manteve alta o ano inteiro e sobreviveu à eleição de novembro de 2004, quando os eleitores da Califórnia me apoiaram em todas as propostas de votação popular nas quais me posicionei. As mais expressivas foram medidas para impedir processos extorsivos contra empresas e a histórica votação sobre o uso de células-tronco, na qual adiantamos 3 bilhões de dólares para pesquisas científicas inovadoras depois de o governo Bush restringir os recursos federais. Também conseguimos derrubar duas propostas de votação popular que teriam aumentado os já exorbitantes privilégios das tribos indígenas proprietárias de casas de jogos.
Meu mandato estava indo tão bem que líderes republicanos pediram que eu ajudasse na campanha de reeleição do presidente Bush. Fui convidado para fazer o discurso de abertura na Convenção Nacional Republicana, em horário nobre. Pouco importava que eu fosse muito mais centrista em relação à maioria das questões do que o governo Bush, que havia se posicionado cada vez mais como de direita. Mas eles sabiam que eu poderia atrair atenção.
Assim, na noite de 31 de agosto, subi ao palanque do Madison Square Garden – minha primeira aparição sob aqueles holofotes desde a vitória na disputa de Mister Olympia, 30 anos antes. Na época, porém, o evento fora realizado no Felt Forum, diante um público de 4 mil fãs. Agora, 15 mil representantes republicanos me aplaudiam na arena principal, em horário nobre, com transmissão em rede nacional de televisão. Maria, que no passado teria feito a cobertura da convenção como correspondente da NBC, estava sentada com nossos filhos ao lado de George Bush pai. Toda vez que as câmeras se viravam para captar a reação dele, o sorriso de minha mulher aparecia na imagem. Fiquei comovido com quanto ela me ajudou naquela noite.
Meu coração batia disparado, mas os vivas da plateia me fizeram pensar no dia que venci o Mister Olympia, e isso me acalmou. Quando comecei a falar e ouvi a plateia reagir, tive a sensação de que aquilo não era muito diferente de posar nas competições de fisiculturismo. Aquela plateia estava na minha mão.
Eu havia me preparado para aquele discurso mais intensamente que nunca. O texto sofrera inúmeras revisões e eu ensaiara dezenas de vezes, repetindo as falas à exaustão. Aquilo era um ápice na minha vida.
“Quem diria que um garoto austríaco franzino iria crescer e se tornar governador do estado da Califórnia, depois vir aqui, ao Madison Square Garden, falar em nome do presidente dos Estados Unidos da América... Esse é o sonho de qualquer imigrante”, falei.
Minha parte favorita do discurso era uma espécie de fórmula mágica sobre “como saber se você é republicano”. Acreditar que o governo deve se responsabilizar perante o povo, acreditar que uma pessoa deve ser tratada como indivíduo, acreditar que nosso sistema educacional deve ser responsabilizado pelo progresso de nossas crianças – esses eram alguns dos meus critérios. Finalizei com um apelo para reconduzir George W. Bush à Casa Branca por mais um mandato e puxei um coro da plateia: “Mais quatro anos! Mais quatro anos!” Choveram aplausos.
No dia seguinte, Maria e eu tomamos café da manhã no hotel com Eunice e Sarge, que haviam assistido a tudo pela TV. Minha sogra tinha gostado muito de meu tema sobre inclusão. “Do jeito que você falou, até eu sou republicana!”, brincou.
De volta à Califórnia, meus adversários políticos tentaram me pintar como truculento, em parte por causa da minha popularidade. Nesse primeiro ano, porém, me esforcei bastante para encantar e conquistar os membros do legislativo, e incentivá-los a trabalhar a meu favor. No dia do aniversário de suas mães, eu ligava para elas a fim de dar os parabéns. Eu os convidava para conversar na tenda que me servia de “fumódromo”, montada no pátio interno em frente à minha sala. Ela tinha o tamanho de uma aconchegante sala de estar e era mobiliada com poltronas confortáveis feitas de ratã, uma mesa de reuniões de tampo de vidro com uma linda caixa para a conservação de charutos, luminárias e piso de grama sintética. Fotografias enfeitavam as paredes, penduradas na estrutura de metal por fios de aço. Eu mandara montar a tenda para ter um lugar onde pudesse fumar meus charutos – pois é proibido fumar nos prédios públicos da Califórnia –, mas as pessoas a haviam apelidado de minha tenda das negociações.
Eu prestava atenção especial em líderes como John Burton, presidente temporário do Senado estadual, e Herb Wesson, presidente da Assembleia Legislativa. John era um democrata de São Francisco de temperamento difícil, que na realidade havia boicotado minha cerimônia de posse. Usava óculos redondos de armação metálica e tinha um farto bigode branco. Na primeira vez em que nos encontramos, ele quase não quis apertar minha mão. Então lhe mandei flores. Quando nos conhecemos melhor, descobrimos ter coisas em comum. Como ficara estacionado na Europa durante a guerra, ele sabia um pouco de alemão e era fascinado pelo príncipe Klemens Wenzel von Metternich, grande diplomata austríaco do século XIX. Muitas vezes discordávamos, sobretudo no início. Com o tempo, contudo, vimos que tínhamos opiniões parecidas em relação a questões sociais importantes, como planos de saúde e tutela pública de menores, e chegamos a ponto de dizer: “Vamos esquecer as grandes brigas em público e descobrir temas em que possamos trabalhar.” Colaboramos um com o outro e acabamos nos tornando amigos. Ele às vezes passava na tenda só para me levar Apfelstrudel e Schlag (creme chantili) para eu pôr no meu expresso.
Herb Wesson, o presidente da Assembleia, era um sujeito de 1,65 metro, afável, originário de Los Angeles, que implicava comigo perguntando se eu tinha mesmo 1,88 metro como afirma minha biografia. Eu respondia à provocação chamando-o de meu Danny DeVito e até lhe mandei de presente uma almofada para que ele pudesse ficar mais alto na cadeira. Não cheguei a conhecê-lo tão bem quanto John, porque ele estava chegando ao final do mandato. Seu sucessor, um inteligente ex-líder sindical chamado Fabian Núñez, também de Los Angeles, viria a se tornar um de meus mais próximos aliados entre os democratas.
Também desenvolvi um relacionamento sólido com o novo líder da minoria na Assembleia, Kevin McCarthy, um cara de 39 anos cheio de energia originário de Bakersfield, cujo distrito incluía o Vale dos Antílopes, local planejado para a construção de meu aeroporto supersônico. Kevin começara a vida de empresário aos 19 anos, com uma sanduicheria que o ajudou a pagar os estudos universitários, e esse lado empreendedor fez com que nos identificássemos. Ele hoje é o representante da maioria na Câmara de Deputados federal, responsável por assegurar que todos os membros votem de acordo com as posições do partido.
LANÇAR MÃO DO CHARME PARA CONQUISTAR os membros do legislativo ajudou a incluir minhas ideias de reforma no debate, gerando alguns acordos que foram um importante começo. No entanto, depois de tentar várias manobras diferentes, descobri que meu instrumento mais poderoso era, disparado, o mecanismo de propostas de votação popular. Graças a minhas fortes taxas de aprovação, eu podia ameaçar uma consulta direta aos eleitores e assim pressionar o legislativo a fazer coisas que de outra forma ele teria recusado.
Foi assim que acabamos com o abuso da política de seguros e indenizações trabalhistas. Eu fizera disso uma das minhas principais promessas de campanha, pois ela estava envenenando nossa economia e afastando empresas do estado. Assim como nos outros estados do país, os empregadores da Califórnia precisam contratar seguros para cobrir despesas médicas e compensar os salários de funcionários que tiverem acidentes de trabalho. Na Califórnia, porém, o custo desses seguros era, na época, o dobro da média nacional. Como isso havia acontecido? O principal motivo era que as leis tinham sido formuladas de forma tão vaga pelos democratas que era fácil para as pessoas abusarem do sistema. Eu conhecia um cara que havia machucado a perna esquiando no fim de semana. Ele esperou para ir ao médico depois do trabalho, na segunda-feira, e disse: “Machuquei a perna trabalhando.” Quando as empresas contestavam pedidos falsos como esse, os trabalhadores sempre ganhavam. Também conhecia um cara na academia que fazia agachamentos com 180 quilos.
– Estou de licença médica do trabalho – disse ele.
– Como assim? – perguntei. – Você pega mais peso que eu no agachamento!
– Precisava cuidar da minha família – respondeu ele.
Sindicatos, advogados e médicos usavam a legislação para relaxar tanto as regras que um funcionário podia usar o sistema para conseguir tratamento para praticamente qualquer doença – não apenas lesões relacionadas ao trabalho – e receber reembolso integral, sem qualquer teto ou sequer uma coparticipação. Isso significava tratamentos médicos gratuitos e ilimitados e licenças remuneradas, tudo bancado pelo setor privado. Era uma forma dissimulada de os democratas conseguirem o que queriam. Certa vez, John Burton declarou sem rodeios: “O regime de seguros e indenizações dos trabalhadores é a nossa versão de sistema universal de saúde.” O que nada mais é do que outra forma de dizer que a lei foi escrita para ser burlada.
Como Warren Buffett trabalhava na área de seguros, tornei-me uma espécie de especialista no assunto, e ele me explicou, muito antes de eu me candidatar a governador, quanto a Califórnia estava encrencada. Pedi que aliados meus na comunidade empresarial redigissem uma proposta de votação popular que pusesse fim a essa situação. A proposta era muito mais rígida que a lei que eu havia apoiado no legislativo – ou seja, tirava mais dos trabalhadores. Mas a estratégia era essa. Se os trabalhadores, advogados e médicos ficassem com medo dessa proposta, talvez se dispusessem a ceder mais um pouco em um acordo legislativo.
Defendi a proposta com afinco. Sempre que as negociações com o legislativo começavam a empacar, eu saía de Sacramento e percorria o estado para ajudar a coletar assinaturas para a votação popular em lojas da gigante atacadista Costco.
A população achou isso bem divertido, e a estratégia deu certo. Os grupos de democratas e trabalhadores de fato ficaram assustados e fizeram um acordo que permitiria aos empregadores pouparem muito dinheiro nos seguros. Os democratas, porém, detestaram ser ameaçados com a votação popular e ficaram arrastando as negociações e propondo mais alguns ajustes sempre que eu lhes mostrava uma nova pilha de assinaturas recolhidas. Conseguimos chegar ao acordo ao mesmo tempo que alcançamos 1 milhão de assinaturas a favor da votação popular – o bastante para poder ir às urnas. A pressão funcionou. Graças à nossa reforma, ao longo dos anos seguintes o preço dos seguros caiu 66%, e um total de 70 bilhões de dólares foi devolvido às empresas da Califórnia nos primeiros quatro anos.
Mesmo assim, o orçamento em si continuou muito desequilibrado. Quando apresentei ao legislativo uma proposta de 103 bilhões de dólares para o ano fiscal que começaria em 1o de julho de 2004, eles protelaram a aprovação durante mais de um mês de negociações inúteis, fazendo o orçamento atrasar. A data chegou, passou, seguiu-se outra semana, depois mais uma. Era exatamente o que eu havia prometido aos eleitores que iríamos evitar, e de repente me lembrei do alerta que aqueles dois ex-governadores haviam me feito no dia de minha posse: você vai passar vários verões em Sacramento, sozinho e suando. Isso não parecia ter dado muito certo para eles, então lancei mão de meus altos índices de aprovação popular e recorri aos eleitores. Em um discurso diante dos clientes de um megashopping do sul da Califórnia, afirmei que os membros do nosso poder legislativo faziam parte de um sistema político “fora de forma, antiquado, desconectado da realidade e definitivamente descontrolado. Eles não têm coragem de vir aqui e dizer a vocês: ‘Não quero representar a população. Quero representar interesses especiais dos sindicatos e dos advogados de tribunal.’”
Não me arrependo de ter dito nada disso. Na frase seguinte, porém, exagerei: “Para mim, eles são um bando de mocinhas. Deveriam voltar ao trabalho e concluir o orçamento.”
Nem é preciso dizer que isso não fazia parte do discurso. Era justamente o tipo de improvisação sem limites que minha equipe sempre temia que eu fizesse diante de uma plateia. A piada provocou muitas risadas. O público sabia que eu estava me referindo à paródia que o programa Saturday Night Live fazia de mim usando os personagens Hans e Franz. Também incentivei os eleitores a “agirem como exterminadores” no dia da eleição, rejeitando os legisladores que tivessem votado contra o meu orçamento.
Minha brincadeira causou indignação e manchetes país afora. Fui criticado por ser sexista, contra os gays, propenso a xingamentos e agressivo. As críticas mais iradas foram as do presidente da Assembleia Estadual, Núñez, que disse: “Esse é o tipo de coisa que não deveria sair da boca de um governador.” Ele acrescentou que sua filha de 13 anos, que eu conhecia e que gostava de mim, ficara chateada com o que eu dissera.
De certa forma, ele estava certo. Os eleitores tinham escolhido Arnold, e falar como se fala no cinema e dizer coisas absurdas me ajudara a vencer. Uma vez empossado, porém, eu representava o povo, e não podia mais ser apenas Arnold. Precisava trabalhar com os membros do legislativo, que são parte constitucional do sistema, e não podia menosprezá-los.
Além disso, despertar a inimizade do legislativo era uma idiotice. Um governador não aprova leis, apenas as ratifica ou veta. Quem tem que aprovar as leis são eles. É assim que o sistema político funciona. Portanto, se você precisa dos legisladores para fazer sua visão do estado se tornar realidade, por que ofendê-los? Sim, você pode pressioná-los, constrangê-los, deixar a população ver que eles não estão cumprindo o seu trabalho. Mas há outras formas de fazer isso em vez de chamá-los de mocinhas.
Decidi que, se eu quisesse realizar coisas importantes, precisava adquirir novas habilidades diplomáticas. Teria que ser mais cauteloso ao proferir discursos – não apenas os discursos escritos, mas também as declarações de improviso. Mesmo assim, é claro que logo tornei a falar demais.
UMA DAS DECISÕES DE MARIA AO SE tornar primeira-dama foi transformar uma conferência de mulheres da Califórnia que datava da década de 1980 em um evento de importância nacional. Em dezembro de 2004, 10 mil mulheres se reuniram no Centro de Convenções de Long Beach para passar um dia discutindo o tema “Mulheres: Arquitetas da Mudança”. Entre as palestrantes estavam figuras proeminentes do setor empresarial e de serviços sociais do estado, além de celebridades como a rainha Noor, da Jordânia, e Oprah Winfrey.
Como o nome oficial do evento era Conferência sobre Mulheres e Famílias do Governador da Califórnia, foi natural que eu pronunciasse o discurso inaugural. Brinquei que, pela primeira vez na vida, conseguiria me apresentar antes de Maria. Quando iniciei um discurso cuidadosamente preparado sobre as contribuições das mulheres para o estado, um grupo de manifestantes se levantou e causou um rebuliço na plateia. Desfraldaram uma bandeira, começaram a acenar com cartazes e a entoar “Equipes seguras salvam vidas!”.
Eram integrantes do sindicato das enfermeiras e estavam bravas porque eu suspendera um decreto de Gray Davis que teria diminuído a carga-padrão de trabalho das enfermeiras de hospital de seis pacientes por profissional para cinco. A maior parte do público na gigantesca sala de conferências mal pareceu reparar na confusão, mas as câmeras da imprensa deram um close nas 15 mulheres sendo conduzidas para fora da sala, ainda entoando seu hino. Achei o comportamento delas realmente irritante. Se o seu desagrado era comigo, por que estragar o evento de Maria? Virando-me para a plateia, falei: “Não deem atenção àquelas vozes ali. Elas representam os interesses de grupos específicos. E esses grupos não gostam de mim em Sacramento porque eu não dou mole para eles. Mas eu gosto deles mesmo assim”, concluí.
Foi um grave erro. Para começar, ridicularizar as manifestantes deixou Maria constrangida. Além disso, o sindicato das enfermeiras transformou minhas palavras em uma declaração de guerra. Por meses depois disso, a cada aparição pública que fazia eu era recebido por piquetes de profissionais da classe entoando palavras de ordem.
Na primeira gaveta da minha mesa de trabalho eu guardava uma lista com as 10 principais reformas que tinha prometido realizar ao me candidatar. Sabia que determinado nível de confronto era inevitável, porque eu estava desafiando os poderosos sindicatos que controlavam os democratas e exploravam o estado. No alto dessa lista estavam abusos como estabilidade no emprego para professores medíocres, pensões milionárias para funcionários públicos do estado e a divisão desigual dos distritos políticos a fim de proteger a classe eleita.
Acima de tudo, havia uma necessidade gritante de reforma orçamentária. Muito embora finalmente houvéssemos conseguido aprovar um orçamento equilibrado para 2004 e a economia do estado estivesse começando a renascer, o sistema apresentava sinais claros de deficiência. Enquanto o crescimento da receita projetado para 2005 girava em torno de 5 bilhões de dólares, a previsão era que as despesas se elevassem em 10 bilhões, isso por causa das estranhas fórmulas orçamentárias que permitiam aumentos independentemente de qualquer outro fator. Esses aumentos incluíam importantes expansões de programas e generosas aposentadorias que os democratas haviam garantido para os sindicatos de funcionários públicos no auge do avanço tecnológico. Nossa perspectiva para 2005 era mais um déficit multibilionário. Ou fazíamos mudanças radicais ou esse mesmo desequilíbrio iria continuar nos prejudicando ano após ano.
Eu considerava nossa vitória em relação aos seguros e indenizações trabalhistas um modelo. Tinha usado a ameaça de uma proposta de votação popular para forçar a outra parte a negociar e firmar um acordo. Por que então não aplicar a mesma estratégia para garantir reformas em uma escala muito maior? Esse sucesso, bem como outro que tivéramos em relação ao dinheiro da recuperação econômica, havia me deixado animado. Movidos por esse otimismo, nos últimos meses de 2004 minha equipe e eu começamos a redigir um novo arsenal de propostas de votação popular.
Em relação à educação, queríamos dificultar a obtenção da estabilidade no emprego para os professores de desempenho inferior. Em vez de passarem por uma reciclagem ou serem demitidos, os maus professores muitas vezes iam sendo transferidos de escola em escola, em um processo conhecido como “a dança dos indesejados”. Em relação ao orçamento, queríamos evitar que o estado gastasse um dinheiro que não tinha e nos livrar dos aumentos automáticos para a educação. Pretendíamos mudar o sistema de aposentadoria do funcionalismo público, tornando-o mais parecido com o moderno sistema de planos de aposentadoria empresariais do setor privado, conhecidos nos Estados Unidos como 401(k), em razão da seção do código tributário americano em que estão previstos. E queríamos enfraquecer o domínio dos sindicatos sobre o legislativo, exigindo que tivessem permissão de seus membros antes de usarem as contribuições para financiar campanhas políticas. Talvez tenha sido ingênuo pensar que fôssemos conseguir realizar tantas coisas, mas meu instinto natural depois desse primeiro ano foi simplesmente continuar percorrendo minha lista de objetivos.
Essas propostas de votação popular passaram a ser conhecidas como minha agenda de reformas. Quando as divulguei, em janeiro, falei para o legislativo: “Amigos, chegou a hora de escolher... Eu acordo todo dia de manhã querendo ajeitar as coisas aqui em Sacramento. E hoje estou pedindo a vocês: me ajudem a fazer isso.” Proclamei em tom grandioso que 2005 seria o ano da reforma na Califórnia. O que não percebi, na época, foi quão exagerada soou essa minha retórica. Para resumir, eu havia declarado guerra aos três mais poderosos sindicatos de funcionários públicos do estado: guardas penitenciários, professores e funcionários públicos estaduais em geral. Pessoas que ouviram o discurso me disseram depois que das duas, uma: ou aquela era uma estratégia camicase e brilhante para esvaziar todo o cofre de guerra dos sindicatos antes da eleição no ano seguinte, ou então era apenas camicase – um suicídio político.
Não me dei conta do tamanho do meu erro. A maneira como apresentei meus planos fez todos no movimento trabalhista dizerem: “Xiii. Esse é um Arnold totalmente diferente. É melhor nos mobilizarmos.” Até então, os sindicatos de funcionários públicos não queriam briga. Teria sido possível convencê-los a se sentar à mesa e chegar a um acordo razoável. Em vez disso, eu os havia bombardeado – como os japoneses haviam feito em Pearl Harbor –, dando-lhes assim um motivo para se unir e lutar.
Professores, bombeiros e policiais logo se juntaram às enfermeiras para protestar durante minhas aparições públicas. Sempre que eu chegava a algum evento, lá estavam eles acenando com cartazes, vaiando, entoando musiquinhas e tocando sinetas. Os sindicatos formaram coalizões batizadas com nomes como Aliança para uma Califórnia Melhor e começaram a gastar milhões de dólares com anúncios de TV e rádio. Um dos comerciais mostrava um bombeiro convencido de que as minhas reformas das aposentadorias iriam retirar benefícios de viúvas e órfãos. Outro mostrava professores e membros das associações de pais e mestres manifestando sua decepção comigo por tentar jogar nas costas das crianças a culpa pelos problemas orçamentários do estado.
A energia dos protestos me surpreendeu, mas as reformas eram importantes demais para que eu desistisse delas. Meu porta-voz disse à imprensa: “Estaremos disponíveis, 24 horas por dia, para qualquer democrata realmente disposto a negociar. Mas eles nunca se mostraram dispostos antes, e não podemos esperar para sempre.” Comecei a veicular peças publicitárias como resposta para tentar minimizar a pior parte das distorções criadas pelos sindicatos e lembrar aos eleitores que a Califórnia precisava mudar. Em um dos comerciais, eu aparecia na fila de um café abordando pessoas e pedindo que elas me ajudassem a reformar a Califórnia para que pudéssemos reconstruí-la.
Se você passa a impressão de que está atacando professores, bombeiros e policiais, porém, sua popularidade irá cair. Meus índices de aprovação despencaram como se tivessem sido eletrocutados: de 60% em dezembro para 40% na primavera. Segundo as pesquisas, muitos eleitores também estavam frustrados com o fato de eu vir me transformando em apenas mais um político de Sacramento e me envolvendo em brigas de facções cujo único efeito seria paralisar ainda mais as atividades.
Maria ficou extremamente incomodada com minha campanha do Ano da Reforma. Os Kennedy e os Shriver sempre tinham sido próximos da classe trabalhadora e agora ali estava eu, liderando ações antitrabalhistas. Ela se retraiu. Pude sentir a diferença: eu deixara de ter uma companheira constantemente do meu lado; de repente, ela se tornara mais ou menos neutra. “Não vou falar sobre essas questões em público”, disse ela.
Apesar da diferença de opiniões, a política nunca tinha sido uma questão no nosso casamento. A meu ver, eu não estava sendo antitrabalhista, mas apenas arrumando a bagunça da Califórnia. Na campanha de Teddy Kennedy para seu sétimo mandato de senador, em 2000, Maria e eu ajudáramos dando uma festa para 500 pessoas em nossa casa. Todos os líderes sindicais importantes do país foram lá apoiá-lo e fazer lobby com ele para obter acordos, e depois mandaram cartões de agradecimento muito educados para mim e Maria. Eu me lembro de andar pelo gramado cumprimentando as pessoas e de pensar: “Me sinto bastante à vontade recebendo esses líderes trabalhistas na minha casa.” Havia muitos sindicatos – de bombeiros hidráulicos, açougueiros, especialistas em encanamento, carpinteiros, pedreiros, cimenteiros –, e eu sempre tivera um bom relacionamento com todos. Eram os excessos dos sindicatos de funcionários públicos que eu considerava intoleráveis.
No início do verão, cumpri a ameaça de que, caso os democratas e seus partidários não se sentassem à mesa de negociações, deixaríamos que os eleitores decidissem. Exerci meu direito de governador e convoquei para novembro um pleito especial sobre minhas propostas de reforma. Com isso, Maria passou a ser ainda mais pressionada. Ela começou a receber telefonemas e cartas de líderes trabalhistas do país inteiro dizendo: “Se eu fosse você, conversaria com Arnold sobre isso.” Ela sempre me informava sobre esses contatos, mas nunca defendeu o ponto de vista de meus adversários.
Minha mulher também teve que me defender junto aos pais. Eunice e Sarge passaram a fazer perguntas do tipo: “Arnold precisa mesmo atacar os sindicalistas dessa forma? Tem que ser tão duro assim? Por que ele não tenta ser igualmente rígido com as empresas?”
“Arnold está tentando lidar com um déficit de 15 bilhões de dólares, e os sindicalistas querem mais dinheiro”, explicava Maria. “Além do mais, ele prometeu reformas na campanha e agora está tentando cumprir. É claro que os sindicalistas não estão gostando nada disso! Entendo a posição de vocês, mas também compreendo as preocupações dele.” Estar no meio desse fogo cruzado foi difícil e esquisito para ela.
E meu telefone não parava de tocar. Líderes empresariais e conservadores me diziam: “Sei que aqueles Kennedy estão tentando convencê-lo a recuar, mas lembre-se: precisamos continuar essa batalha.” A ideia de eu morar e dormir com o inimigo sempre os deixara malucos. Era quase possível escutar os mais radicais pensando: “Puta merda, é agora que Teddy Kennedy vai assumir as rédeas da Califórnia.”
Nos bastidores, as negociações avançavam aos trancos e barrancos. A resistência dos sindicatos não era meu único obstáculo: muitos membros de meu próprio gabinete também discordavam de mim. Pat Clarey e outros veteranos republicanos viam com ceticismo nossas chances de algum dia conseguir que os sindicatos negociassem de boa-fé e assumiam uma postura rígida. Eles pareciam ainda mais ávidos que eu por uma grande briga política.
Em vez de discutir com esses opositores, tentei contorná-los lançando mão de meu próprio poder de persuasão. Sem alarde, me reuni com o sindicato dos professores, que tinha sido meu aliado durante a campanha em prol dos programas extracurriculares, embora isso parecesse pertencer a um passado remoto. Procurei líderes dos sindicatos de policiais e bombeiros com quem já tinha trabalhado bem. E pedi a meu amigo Bob Hertzberg, o “Huggy”, ex-presidente democrata da Assembleia, que agendasse reuniões secretas com o presidente em exercício, Fabián Núñez.
Essas conversas me permitiram avançar, sobretudo as que tive com Núñez, que ocorreram não na sede do governo, mas na varanda da minha casa. Meu objetivo era estabelecer acordos que pudessem substituir as votações populares. Caso isso acontecesse, eu poderia retirar cada uma das propostas de votação e trabalhar com o legislativo para implementar as reformas, ou então substituí-las por versões intermediárias aprovadas por ambos os lados.
O secretário de Estado Bruce McPherson, um republicano, nos informou que o prazo para rever as propostas de votação popular era meados de agosto. Quando a data foi se aproximando, Fabián e eu estávamos quase chegando a um acordo. Duas coisas, porém, ainda não tinham sido resolvidas. Alguns dos sindicatos continuavam a resistir, muito embora eu estivesse disposto a ceder mais da metade do terreno para agradá-los. Tenho certeza de que seus consultores políticos estavam apontando para as pesquisas de opinião pública e perguntando: “Por que fazer um acordo agora, se vocês podem arrasá-lo no pleito especial?” Eles estavam preparados para gastar 160 milhões de dólares em uma campanha contra mim e já podiam sentir gosto de sangue. De repente, os leões viram que podiam devorar o domador. O chicote já não os assustava.
O segundo problema era o fato de minha própria equipe ainda não estar convencida de que os sindicatos um dia fossem aceitar negociar. Eles também consideravam minha lista de objetivos ambiciosa demais para ser cumprida no prazo disponível. Eu não parava de ouvir que era assim mesmo que o governo funcionava e que os membros do legislativo simplesmente não eram tão ágeis quanto eu gostaria. Fabián e eu corremos contra o relógio para concluir o acordo a tempo de cancelar o pleito especial. Após negociações que vararam noites, conseguimos chegar a um denominador comum – mas então o secretário de Estado nos disse que era tarde demais para cancelar, que não havia tempo hábil para redigir e aprovar as novas propostas no legislativo antes da data-limite para a postagem dos votos dos residentes no exterior. O pleito especial foi mantido – não havia como voltar atrás.
O PLEITO ESPECIAL SE TRANSFORMOU EM uma causa célebre para os sindicatos de funcionários públicos de todo o país. Quando dei por mim, o New York Times, o Washington Post e o Wall Street Journal estavam publicando matérias a respeito e o assunto ganhara repercussão até mesmo na imprensa internacional. Era a notícia política mais importante da Califórnia desde a eleição revogatória de Gray Davis, só que agora o que estava em xeque era o meu governo. Eu não previra um combate tão acirrado, mas de certa forma fiquei contente. Estávamos informando ao povo americano até onde os sindicalistas estavam dispostos a ir para proteger os próprios interesses, mesmo quando a situação era injusta.
Alguns dias depois, quando fui passar uns dias com Maria e as crianças em Hyannis Port, encontrei Teddy Kennedy.
– Se você quiser que eu converse com os líderes sindicais nacionais ou que entre na roda, é só dizer – ofereceu ele.
– Então diga a eles que eu sei que estão mandando dinheiro para a Califórnia para derrotar a mim e minhas propostas – falei. – Tente acalmá-los e explicar que um ajuste é inevitável. Não só na Califórnia, mas em todos os estados. Não podemos nos dar ao luxo de continuar honrando esses contratos caros agora que temos menos dinheiro em caixa.
Fiz a melhor campanha que pude pelas propostas, mas fomos ofuscados pela campanha publicitária. A Associação de Docentes da Califórnia hipotecou sua sede no subúrbio de Burlingame, na região da baía de São Francisco, e levantou mais dezenas de milhares de dólares para nos atacar. As ondas de rádio foram tomadas de assalto por comerciais reclamando que a Califórnia estava pior que antes e transformando o pleito especial em um referendo sobre mim: Arnold não está cumprindo o que prometeu. Arnold está abandonando as crianças. Arnold está abandonando os idosos. Arnold está abandonando os pobres. A associação espalhou outdoors pelo estado com os dizeres “Arnold Schwarzenegger não é quem pensamos que fosse”. Chegaram até a contratar astros como Warren Beatty, sua mulher, Annette Bening, e o diretor Rob Reiner para fazer campanha contra mim.
Também adotamos uma estratégia agressiva para levantar dinheiro. Gastamos os recursos do fundo de campanha para minha possível reeleição em 2006 e cheguei a doar 8 milhões de dólares do meu próprio bolso. No entanto, mesmo tendo arrecadado 80 milhões, não podíamos competir com o dinheiro dos sindicatos. As campanhas acabaram consumindo mais de 250 milhões de dólares, fazendo desse pleito o mais caro da história da Califórnia.
Já tive derrotas boas e derrotas ruins. Uma derrota boa é quando, mesmo perdendo, fica-se um pouco mais perto de seu objetivo final. Perder a primeira disputa de Mister Olympia para Sergio Oliva, em 1969, foi bom porque, na preparação, posso dizer sinceramente que não deixei pedra sobre pedra. Eu me alimentei de maneira adequada, tomei os suplementos que devia, treinei cinco horas por dia, pratiquei as poses, me preparei psicologicamente e estava na melhor forma da minha vida – nunca tivera um bronzeado tão bonito até então. Quando Sergio venceu, eu sabia que tinha dado o melhor de mim e que voltaria ainda mais forte no ano seguinte.
Essa derrota política, no entanto, não teve o mesmo efeito. Doeu de verdade. Foi como perder para Frank Zane em Miami, logo depois que cheguei aos Estados Unidos, quando entrei em uma competição importante excessivamente confiante mas sem o preparo adequado. Na ocasião, quando perdi, a culpa foi só minha. Dessa vez, porém, tinha dito aos eleitores que resolveria seus problemas, mas, em vez disso, apenas 24 meses depois de uma cansativa eleição revogatória, esgotara sua paciência forçando-os a voltar às urnas e a digerir vários tipos de questões complexas. Eu colocara em suas costas o fardo de solucionar os problemas, quando na verdade eles queriam que eu cuidasse do assunto. Até mesmo Maria reclamou que era impossível ler tudo o que era necessário para tomar decisões conscientes em relação às propostas apresentadas. Quando me escolheram, os eleitores pensaram que estavam tomando um remédio para emagrecer. Mas, em vez de cumprir o prometido, eu voltara atrás e pedira a eles que me encontrassem na academia às cinco da manhã para fazer 500 flexões.
Não esperei o pleito em si para analisar qual fora o meu erro. Em uma noite do final de outubro, sentado na banheira de hidromassagem da varanda da minha casa, fumando um charuto, fiquei olhando para a lareira acesa e pensando. Então me lembrei do dia em que tomei posse e conheci o pai de um bombeiro que morrera em serviço.
– Que tragédia terrível – eu lhe disse. – Se houver algo que eu possa fazer, é só me dizer.
E a resposta dele foi:
– Se o senhor quiser fazer alguma coisa por mim, que seja em homenagem ao meu filho. Quando chegar a Sacramento, por favor acabe com as brigas. Chegue a um entendimento e siga em frente.
Essas palavras ecoaram em minha mente. E me forcei a encarar o fato de que o fracasso de minhas propostas de votação popular não se devia apenas à intransigência dos sindicatos. Minha abordagem fora excessivamente confrontadora, eu me mostrara apressado demais, e na realidade não havia escutado a população. Tínhamos deixado a ambição falar mais alto, e o tiro saíra pela culatra.
Além disso, eu permitira que minha cruzada reformista ameaçasse o outro grande compromisso que assumira ao me tornar governador: revitalizar a economia da Califórnia e reconstruir o estado. Havia liderado meu gabinete em uma batalha impossível de ganhar e podia constatar os efeitos que isso provocara. Eu tinha uma boa equipe, sobretudo considerando o fato de ter sido formada na correria após a eleição revogatória. Aquelas pessoas haviam me ajudado a conquistar os importantes sucessos de nosso primeiro ano de governo. No entanto, com a iminente derrota de nossa agenda de reformas, a equipe vinha sendo minada por confusões e desentendimentos. O moral estava muito baixo. Alguns estavam inseguros em relação ao próprio emprego. Informações vazavam para a imprensa. Havia conflito de objetivos entre os membros da equipe e entre mim e eles.
Nós vínhamos cometendo erros não apenas nos bastidores, mas também em público. Em uma coletiva de imprensa convocada para promover a reforma dos limites distritais, a equipe me mandou para o lugar errado. O evento deveria ocorrer na fronteira entre dois distritos cujos limites haviam sido traçados de forma desigual, fato que tentamos dramatizar usando fita adesiva de cor laranja para traçar uma linha no meio de um bairro – só que a verdadeira fronteira ficava a vários quarteirões dali.
Tudo isso pôs muita pressão em cima de Pat. Ela estava cansada de tanta briga.
– Quando chegar a hora, vou seguir meu caminho – falou. – Quero voltar para o setor privado, e você deveria arrumar outra pessoa para ocupar meu lugar.
– O que quer que aconteça nesta votação, aconteceu e pronto – retruquei. – Vamos esperar um pouco até as pessoas recuperarem o fôlego, mas depois vai ser a hora certa. Tenho que trazer gente nova.
Ela concordou.
As pesquisas de opinião não estavam enganadas: 8 de novembro de 2005 foi um verdadeiro desastre. Todas as minhas quatro propostas de votação popular perderam, e os eleitores rejeitaram a mais importante – a reforma orçamentária – por uma margem de 24 pontos percentuais. Nessa noite, em uma reunião, Maria ficou do meu lado enquanto eu fazia um discurso conciliatório. Agradeci aos eleitores por terem ido às urnas, incluindo os que tinham votado contra as minhas propostas. Prometi me reunir com líderes democratas para tentar chegar a um consenso. Pouco depois, durante uma coletiva de imprensa no Capitólio, afirmei não desejar que o gabinete levasse a culpa por erros que eram meus. “A culpa é minha. Assumo total responsabilidade por essa eleição. Assumo total responsabilidade por esse fracasso.”
Prometi que não haveria mais brigas. O ano seguinte começaria em outro tom.