CAPÍTULO 11
O homem dos músculos de aço
GEORGE JÁ TINHA RODADO METADE DO filme quando seu dinheiro acabou. Em vez de desistir do projeto, ele teve a ideia de organizar uma demonstração de poses em um museu de arte de Nova York para tentar atrair patrocinadores ricos. Não sabíamos muito bem se era uma ideia idiota ou realmente brilhante. O Museu Whitney de Arte Americana, conhecido por exibir obras pouco convencionais, aceitou a proposta.
O evento foi divulgado com o título “Músculos articulados: O corpo masculino na arte” e, para promovê-lo, o museu abriu as portas em uma sexta-feira à noite em fevereiro de 1976. A ideia era mostrar poses de modelos vivos – Frank Zane, Ed Corney e eu – ao lado de slides de estátuas gregas e grandes obras de Michelangelo, Da Vinci e Rodin. Uma banca de professores universitários e artistas fez comentários durante e depois da apresentação. Era a primeira vez que alguém fazia um debate público sério sobre o significado do fisiculturismo.
George esperava algumas centenas de pessoas, mas, apesar da nevasca que caiu nessa noite, mais de 2.500 convidados apareceram e a fila deu a volta no quarteirão. A galeria no quarto andar do museu ficou lotada de gente em pé e sentada em cada pedacinho de chão disponível. Bem no meio foi montada uma plataforma giratória onde nos revezaríamos para posar.
Provavelmente dois terços do público nunca tinham visto um fisiculturista na vida. Eram pessoas da mídia e do mundo da arte nova-iorquino: críticos, colecionadores, patrocinadores e artistas de vanguarda como Andy Warhol e Robert Mapplethorpe. As revistas People e New Yorker e os jornais New York Times e Daily News haviam mandado repórteres para cobrir o evento e a atriz Candice Bergen tirava fotos para o programa de TV Today. Ela era ótima fotógrafa, além, é claro, de ser lindíssima. De repente, o fisiculturismo estava em voga. Conseguíramos sair do mundo dos esportes e do circo para adentrar a cultura pop internacional.
Frank, Ed e eu ficamos orgulhosos por estar posando em um museu de verdade. Tínhamos planejado uma exibição artística, deixando de lado poses mais agressivas do fisiculturismo como a “mais musculoso”. Queríamos que cada pose fosse como uma escultura, sobretudo por estarmos em cima de uma plataforma giratória. Quando chegou a minha vez, Charles Gaines se encarregou da narração enquanto eu fazia as poses costumeiras e algumas de minhas marcas registradas, como a três quartos de costas. “Essa pose é típica do Arnold”, explicou Gaines. “E nela vocês podem ver todos os músculos das costas, as panturrilhas e todos os músculos da coxa.” Encerrei meus 10 minutos de apresentação com uma imitação perfeita de O pensador, de Rodin, e fui muito aplaudido.
Depois que posamos, nos vestimos e fomos participar do debate com os especialistas em arte. De certa forma, o que eles disseram foi fascinante. Para começar, mostraram que se pode debater qualquer assunto. Um dos professores universitários disse que aquele evento sinalizava “o ingresso da forma masculina altamente desenvolvida e bela na esfera da cultura oficial”. O próximo a falar afirmou que, por causa do Vietnã, os Estados Unidos estavam procurando uma nova definição de virilidade e que a resposta éramos nós. Mas então ele estabeleceu um vínculo entre o fisiculturismo e o racismo ariano da Europa na década de 1920, junto com a ascensão do nazismo, e alertou que nós simbolizávamos um possível crescimento do fascismo nos Estados Unidos. Outro professor comparou nossas poses aos piores exemplos de kitsch da era vitoriana. Ele foi vaiado.
Aquilo tudo foi principalmente um golpe de publicidade, é claro. Mas eu achei que falar sobre o corpo como escultura fazia sentido. Era assim que Joe Santo, meu personagem em O guarda-costas, o descrevia. A arte me fascinava, e, se a comparação com a escultura fosse atrair a atenção de pessoas de fora para o esporte e ajudá-las a entendê-lo, ótimo! Qualquer coisa era melhor que o estereótipo de fisiculturistas como aberrações burras, gays, narcisistas e obcecadas por músculos.
Infelizmente, havia muito menos coisas acontecendo em Hollywood do que em Nova York. O guarda-costas foi minha primeira experiência sobre como o marketing cinematográfico pode dar errado. Quando o filme estreou, em abril, as críticas foram boas, mas o número de espectadores decepcionou. Ele passou 10 ou 12 semanas em cartaz e depois sumiu dos cinemas. O problema era que os relações-públicas e marqueteiros da United Artists não conseguiam bolar um jeito de promovê-lo. Rafelson deixou que eu assistisse a uma reunião antes do lançamento, na qual se falou em colar cartazes nas academias. Então, quando o filme estreou, mandaram que eu e Sally Field participássemos do programa The Mike Douglas Show ensinando ao apresentador de 50 anos a se exercitar. Sempre que fazíamos algo assim, eu tinha a sensação de que estávamos indo na direção errada. O guarda-costas deveria ter sido vendido como um filme de Bob Rafelson – “do mesmo diretor de Cada um vive como quer!” –, e o quesito exercício deveria ter sido uma surpresa. Aí os espectadores teriam saído do cinema dizendo: “Rafelson é assim: sempre nos apresenta algum mundo diferente.”
Embora meus instintos me dissessem que o marketing do filme era constrangedor, faltavam-me sofisticação e segurança para verbalizar isso. Imaginei que o estúdio saberia fazer o seu trabalho bem melhor que aquilo. Mais tarde, claro, entendi que os estúdios funcionam de acordo com fórmulas. Se algo foge à norma, nem que seja só um pouquinho, eles não sabem o que fazer.
Rafelson também não estava feliz, mas o problema com diretores que têm grande reputação é que eles podem ser os piores inimigos de si mesmos. Querem meter a mão em tudo: editar o trailer, fazer a publicidade. Ninguém pode dar nenhuma opinião. É aí que começam os desentendimentos, e as letras miúdas dos contratos em geral determinam o vencedor. Nesse caso, quem venceu foi o estúdio. Bob ficou batendo cabeça com o pessoal do marketing, mas não conseguiu chegar a lugar algum. Segundo eles, o diretor não sabia trabalhar em equipe.
Apesar dos pesares, isso tudo teve um resultado bom. Coestrelar O guarda-costas finalmente me fez encontrar um agente: Larry Kubik, cuja pequena agência de talentos Film Artists Management também representava Jon Voight e Sylvester Stallone. Ele recebia ligações me oferecendo trabalho, só que com o tipo errado de proposta. Estava à procura de papéis principais nos quais eu pudesse me encaixar, e, enquanto isso não acontecia, tivemos que recusar uma porção de porcarias. Alguém queria que eu interpretasse um leão de chácara. Outros queriam que eu fizesse um oficial nazista, um praticante de luta-livre, um jogador de futebol americano, um presidiário etc. Nunca aceitei trabalhos assim, pois pensava: “Isso não vai convencer ninguém que eu nasci para ser um astro.”
Poder me dar ao luxo de dizer não era muito bom. Com o lucro das minhas empresas, eu não precisava ganhar dinheiro sendo ator. Nunca quis estar em uma posição vulnerável, na qual tivesse que fazer um papel de que não gostasse. Via isso acontecer o tempo todo com os atores e músicos que malhavam na academia. Certa vez um ator reclamou:
– Estava há três dias fazendo o papel de um matador. Ainda bem que acabou.
– Se odiou o papel, por que aceitou fazer? – perguntei.
– Porque o cachê era de 2 mil dólares e eu tenho que pagar meu apartamento.
Era possível argumentar que, por pior que fosse o papel, estar diante das câmeras sempre constituía um bom treino. Mas eu sentia que nascera para ser o personagem principal. Tinha que aparecer nos cartazes, precisava ser o ator mais importante do filme. É claro que eu entendia que isso parecia uma grande maluquice para todo mundo, exceto para mim. Acreditava, porém, que o único jeito de me tornar protagonista era tratar a mim mesmo como tal e trabalhar duro para isso. Se eu não acreditasse em mim mesmo, como é que os outros iriam acreditar?
Na academia, mesmo antes de O guarda-costas, eu já era conhecido por recusar papéis. Alguém ligava e pedia: “Será que vocês podem mandar uns fortões aqui para fazer um teste?” Alguns de nós iam, e o coordenador de dublês ou assistente de direção dizia: “O que nós queremos que vocês façam é subir naquele telhado ali, atravessá-lo correndo, trocar uns socos, depois pular do telhado para cima de um colchão...” E eu pensava: “Isso não é o tipo de coisa que constrói a carreira de um protagonista”, e respondia que não estava interessado.
– Mas nós adoramos você. O diretor adorou você. Você é o mais forte de todos, tem o rosto adequado, a idade certa... Pagamos 1.700 dólares por dia.
– Adoraria ganhar 1.700 dólares por dia, mas na verdade não preciso do dinheiro – eu respondia. – Deem para um dos meus amigos. Eles precisam bem mais.
Larry apoiava essa minha postura, mas Craig Rumar, seu sócio, ficava louco ao nos ver recusar trabalho. Sempre que Larry saía de férias eu ficava nervoso. Craig ligava para mim e dizia: “Não sei se vou conseguir alguma coisa para você. Ninguém está fazendo filmes no momento. Só dá filme estrangeiro. A situação está bem difícil. Que tal fazer comerciais?”
A maior vitória de Larry naquele ano, depois de inúmeras tentativas, foi me conseguir uma reunião com Dino de Laurentiis. Verdadeira lenda do cinema, Dino produzira clássicos como A estrada, de Federico Fellini (1954), e Barbarella (1968), além de inúmeros fracassos. Depois de enriquecer fazendo filmes na Itália, fora à falência e recomeçara do zero em Hollywood. Ultimamente vinha tendo uma sequência incrível de sucessos: Serpico, Desejo de matar, Mandingo – O fruto da vingança e Três dias do condor. Gostava de adaptar histórias em quadrinhos para o cinema e estava procurando alguém para interpretar Flash Gordon.
Quando Larry e eu chegamos ao escritório de Dino, foi como entrar em um cenário de O poderoso chefão. Ele estava sentado atrás de sua mesa em um dos cantos da sala, e no outro canto, atrás de nós, havia um conhecido seu da Itália, um produtor chamado Dino Conte.
De Laurentiis parecia um imperador. Sua mesa era uma imensa antiguidade rococó: comprida, larga e talvez um pouco mais alta que uma mesa de trabalho normal. “Nossa, que mesa!”, pensei. Já Dino era um cara miúdo, bem baixinho, e tive o impulso de dizer algo elogioso mas ao mesmo tempo engraçado. O que saiu da minha boca foi:
– Por que um cara baixote feito você precisa de uma mesa tão grande?
Ele me encarou e disse, num inglês carregado:
– Você tem sotaque. Não serve para mim. Não pode fazer Flash Gordon. Esse personagem é americano.
Achei que ele estivesse de brincadeira.
– Como assim, eu tenho sotaque? – disparei. – E você?
O encontro estava azedando. De Laurentiis então anunciou:
– A reunião terminou.
Larry e eu ouvimos Dino Conte se levantar atrás de nós e dizer:
– Por aqui, por favor.
Assim que chegamos ao estacionamento, Larry explodiu.
– Um minuto e quarenta segundos! – gritou ele. – Foi a entrevista mais curta que eu já tive com um produtor, e isso porque você decidiu cagar tudo! Sabe por quanto tempo eu batalhei para conseguir essa porra dessa reunião? Sabe quantos meses levei para podermos entrar na porra daquela sala? E você vai e diz que o cara é baixote em vez de dizer, sei lá, o contrário? Que ele é alto; que é muito, muito mais alto do que você pensava! Que o cara é um gigante! Ou então, sei lá, você não podia simplesmente esquecer a mesa e sentar para conversar com ele sobre a sua carreira de ator?
Percebi que ele tinha razão. Minha boca grande tinha estragado tudo. Outra vez.
– O que você quer que eu diga? – respondi. – Você tem toda a razão. Foi coisa de cabeção, mesmo. Sinto muito. – Cabeção era uma palavra que eu pegara emprestada do meu amigo fisiculturista Bill Drake, que vivia dizendo isso. “Olhe só aquele palhaço ali”, dizia ele. “Que cabeção!” Ou seja, que imbecil.
Só consegui outro papel importante mais de um ano depois das filmagens de O guarda-costas, dessa vez em um dos episódios de uma famosa série de televisão chamada The Streets of San Francisco (As ruas de São Francisco), estrelada por Karl Malden e Michael Douglas, que interpretavam dois detetives de polícia. No episódio em questão, “Dead Lift” (Peso morto), eles têm que localizar meu personagem, um fisiculturista que perde a cabeça e quebra acidentalmente o pescoço de uma garota que zomba do seu corpo. A investigação os faz mergulhar fundo na cena do fisiculturismo e da queda de braço em São Francisco, o que me permitiu conseguir papéis para Franco e vários outros amigos meus. Estar no set com toda a turma da Gold’s foi muito engraçado. Por acaso, faltavam poucas semanas para as edições de 1976 do Mister Universo e do Mister Olympia, então os caras estavam mais preocupados em se preparar do que em atuar. Levaram o diretor à loucura de tanto fugir para malhar.
Eu sabia que The Streets of San Francisco seria um bom cartão de visita e que poderia ajudar Hollywood a me levar mais a sério. A série também era uma forma de conquistar o reconhecimento do público de TV. A cena em que eu mato a garota, porém, foi um desafio. Machucar uma mulher, gritar, arrancar quadros da parede e atirar móveis não tinha nada a ver comigo. Quando li o roteiro, pensei: “Meu Deus, como é que fui entrar nessa?” Considerando as centenas de pessoas que posteriormente viria a matar no cinema, chega a ser engraçado pensar nisso agora. No final das contas, fiz a cena e pronto, sem pensar muito no assunto, e o diretor gostou.
Minha maior preocupação era ficar marcado por fazer sempre o mesmo tipo de papel. Na minha cabeça, fazer um vilão ou um cara violento no cinema era a pior coisa do mundo. Quando Robert de Niro mata em Taxi Driver, ele é um cara pequeno e as pessoas o defendem totalmente, então isso foi bom para sua carreira. Para um homem do meu tamanho, porém, com minha aparência e meu sotaque, os papéis de vilão pareciam um beco sem saída. Conversei com Bob Rafelson sobre isso e ele concordou. Sua sugestão foi que eu agisse de forma inesperada para contrabalançar os papéis estereotipados. Fiquei fascinado com a ideia de fazer uma refilmagem de “The Killers” (Os assassinos), um conto de Ernest Hemingway em que um ex-boxeador chamado Sueco é perseguido por dois assassinos da Máfia. Eu me imaginava fazendo a vítima, Sueco. Mas a ideia nunca saiu do papel.
Por sorte, a expectativa em torno de O homem dos músculos de aço não parava de aumentar. George Butler conseguira o dinheiro necessário para finalizar o filme e estava trabalhando feito um louco na divulgação. Sua jogada mais inteligente com certeza foi contratar Bobby Zarem, o rei das relações públicas de Nova York. Bobby era um cara já meio careca de uns 40 anos, criado na Geórgia, que começara a atuar na área assim que se formara em Yale. Ele gostava de fazer o estilo professor maluco: usava a camisa para fora da calça, sem gravata, e tinha tufos de cabelo eriçado nas laterais da cabeça. Sempre falava como se não estivesse entendendo nada e o mundo estivesse acabando. Vivia se lamentando: “Não sei o que estou fazendo, nunca vi uma situação ruim como esta, preciso ir ao analista, o cara não retorna meus telefonemas, acho que o projeto inteiro está indo por água abaixo.” Ouvi-lo falar assim sobre O homem dos músculos de aço me deixou assustado, até eu entender que era uma estratégia. Inevitavelmente, alguém sempre lhe dizia: “Não, Bobby, está tudo bem. Você vai conseguir.” E ele adorava.
Fazia apenas um ou dois anos que Bobby abrira a própria agência, e acho que ele assumiu a divulgação de O homem dos músculos de aço em parte para provar que era capaz. Com certeza George Butler não estava lhe pagando um valor alto pelo trabalho. No entanto, nos 11 meses que transcorreram entre o evento no Whitney e o lançamento do filme, Zarem trabalhou nos bastidores para criar expectativa. Organizava sessões especiais e convidava umas 20 pessoas importantes do mundo da arte, da literatura e das finanças para mostrar cenas do filme ainda em finalização. Embora essas exibições fossem informais, ele sempre fazia questão de que um ou dois membros da imprensa comparecessem. Eu o acompanhava com alguma frequência, e foi assim que conheci o jornalista de TV Charlie Rose, por exemplo, cuja esposa na época, Mary, se tornou uma das patrocinadoras do filme. Bobby sempre começava a projeção com um discurso rápido a respeito de como o fisiculturismo era uma ligação fascinante entre o esporte e a arte ou sobre como era um importante indicador da valorização atual da boa forma física – isso era suficiente para dar aos convidados a sensação de estar na vanguarda. Depois da projeção, choviam perguntas.
Eu ficava boquiaberto ao ver Bobby interagir com os veículos de comunicação. Ele me ensinou que os releases de imprensa normais eram uma perda de tempo, sobretudo quando se tentava atrair a atenção dos repórteres de TV. “Ninguém lê esses releases!”, dizia ele. Em vez de mandar esse material de divulgação padronizado, ele aproveitava o fato de conhecer pessoalmente dezenas de jornalistas e seus editores. Criava uma matéria para um jornalista específico, ligava para ele e dizia: “Estou lhe mandando um material agora. Por favor, me ligue assim que receber. Se não ligar, vou assumir que não quer a matéria e não vai sobrar muita coisa para você.” Bobby era famoso por suas propostas longas e antiquadas, escritas à mão. Certa vez ele me deixou ler uma carta de quatro páginas que enviou para o editor da Time explicando por que a revista deveria publicar uma reportagem grande sobre fisiculturismo. Editores e diretores de redação de toda Nova York se dispunham a encontrá-lo para conversar. Caso jornais ou canais de televisão diferentes estivessem competindo por uma mesma reportagem, ele criava um ângulo distinto para cada veículo, de modo que eles não ficassem simplesmente seguindo o que os outros faziam. Estudava a matéria, a aprimorava e depois conversava com as pessoas a respeito – ele costumava frequentar o Elaine’s, ponto de encontro de personalidades do mundo literário, jornalistas e celebridades do Upper East Side.
O trabalho de Bobby era promover O homem dos músculos de aço, mas eu me inspirei no estilo dele para ser reconhecido por meu trabalho em O guarda-costas. Embora o filme não tivesse tido um grande público, eu fora indicado ao Globo de Ouro de melhor ator estreante. (Hércules em Nova York fora um fracasso tamanho que O guarda-costas era considerado meu filme de estreia!) Éramos cinco indicados – entre os outros estavam Harvey Spencer Stephens, o menino de 5 anos que fizera o papel de Damien no filme de terror A profecia, e o escritor Truman Capote, por sua participação na comédia Assassinato por morte. Naturalmente, a indicação despertou meu lado competitivo. Como eu poderia me destacar? A estratégia que escolhi foi publicar anúncios nas revistas Variety e Hollywood Reporter, especializadas no show business, agradecendo à Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood pela indicação – são os seus membros que escolhem os vencedores do prêmio.
Também convidei membros da associação para um jantar e uma sessão particular de O homem dos músculos de aço. Bobby Zarem não gostou muito da ideia, pois eu fora indicado por O guarda-costas, e não pelo documentário, e na sua opinião o filme de George Butler era vanguardista demais para a imprensa estrangeira de Hollywood. Mas eu achei que mal não poderia fazer. Para começar, os críticos apreciam ver o trabalho mais recente de um artista, ainda que não seja o que estão julgando, pois gostam de sentir que estão votando em alguém que está em uma boa fase profissional. Além disso, no documentário eu podia me soltar muito mais, então por que não dar aos críticos as duas visões: O guarda-costas pela atuação e O homem dos músculos de aço pelo atrevimento? Também imaginei que a imprensa estrangeira fosse simpatizar imediatamente com um imigrante se esforçando para divulgar um esporte nos Estados Unidos. E, mesmo que nenhuma dessas razões se sustentasse, eu tinha muito orgulho do trabalho que fizera em O guarda-costas e queria chamar atenção para ele de todas as formas possíveis. Vários jornalistas foram assistir à projeção e, no final, as pessoas me abraçaram e disseram coisas como “Você arrasou!” ou “Que maravilha!”, mostrando que a estratégia tinha funcionado.
Uma semana antes da estreia, em janeiro de 1977, O homem dos músculos de aço apareceu nas colunas de fofocas por causa de um almoço que Bobby havia promovido no Elaine’s. Delfina Rattazzi era a anfitriã, eu, o convidado de honra, e entre os demais participantes estavam celebridades como Andy Warhol, George Plimpton, Paulette Goddard, Diana Vreeland e o editor da Newsweek. Quem roubou a cena, porém, foi Jackie Onassis. Ela era conhecida pela discrição e por nunca dar entrevistas, e fiquei lisonjeado que estivesse ali mesmo sabendo que a imprensa iria cobrir o evento. Acho que compareceu em parte como um favor – Delfina era sua assistente editorial na Viking – e em parte por curiosidade, porque gostava de estar envolvida com arte, tendências e novidades.
Jackie ficou até o fim do almoço e pude conversar com ela por 15 minutos. Quando eu era criança, considerava John Kennedy sinônimo dos Estados Unidos, então conhecer Jackie foi como um sonho. O que mais me impressionou foi sua sofisticação e elegância. Ficou claro que tinha se preparado para o evento, pois não perguntou nada grosseiro ou vago do tipo “Sobre o que é o filme?”. Pelo contrário: me fez sentir que o documentário era importante e que ela valorizava o que estávamos tentando fazer. Fez várias perguntas bem específicas: “Como você treina?”, “Como é ser jurado em uma competição?”, “Qual é a diferença entre Mister Olympia e Mister América?”, “Esse esporte seria bom para meu filho adolescente?”, “Com que idade se pode começar a malhar?”. Eu já tinha predisposição para gostar dela antes mesmo de nos conhecermos, e essa conversa fez de mim um grande fã.
É claro que pessoas do calibre de Jackie têm as habilidades sociais necessárias para fazer parecer que prestam muita atenção em você e sabem várias coisas sobre as suas atividades. Era muito difícil dizer se ela estava de fato interessada. Meu palpite é que ela devia ser uma pessoa naturalmente curiosa. Ou quem sabe achasse mesmo que John Kennedy Jr. poderia gostar de malhar. Ou, ainda, talvez estivesse apenas fazendo um favor a Delfina. O fato é que ela com certeza deu uma grande injeção de publicidade em O homem dos músculos de aço, e o fato de ter levado o filho à estreia em Nova York, na semana seguinte, convenceu-me de que seu interesse era genuíno.
Para a estreia, Bobby Zarem e George Butler não pouparam esforços. Convidaram 500 pessoas para a sessão no Plaza Theater, sala localizada na Rua 58. Houve fotógrafos, câmeras de TV, barreiras policiais, limusines, holofotes riscando o céu – tudo a que se tinha direito. Apesar do frio abaixo de zero, uma dezena de fãs adolescentes ficou à minha espera na porta do cinema e se pôs a entoar “Arnold! Arnold!” quando apareci. Cheguei cedo com minha mãe, que viera da Áustria especialmente para a ocasião, pois queria circular, beijar todas as garotas bonitas e receber as pessoas que fossem chegando. Pela primeira vez na vida, usei um smoking. Tive que mandar fazer a roupa sob medida, porque, mesmo pesando 102 quilos na ocasião, nenhum lugar tinha trajes para alugar em que coubessem um peito de 145 centímetros e uma cintura de 81.
O público era uma mistura fantástica de escritores, socialites, criadores de tendências, profissionais do entretenimento, executivos, críticos, artistas, modelos e fãs de fisiculturismo. Estavam presentes Andy Warhol; Diana Vreeland; as atrizes Carroll Baker, Sylvia Miles e Shelley Winters; o ator Tony Perkins com a mulher, a fotógrafa de moda Berry Berenson; o escritor Tom Wolfe; a modelo Apollonia van Ravenstein; o astro pornô Harry Reems, e metade do elenco de Saturday Night Live. James Taylor apareceu com a esposa, Carly Simon, grávida. Ela flexionou um bíceps para as câmeras e contou a um jornalista que sua música “You’re So Vain” (“Como você é vaidoso”) fora escrita para um fisiculturista.
Os praticantes do esporte fizeram uma entrada triunfal. Enquanto os convidados estavam todos no saguão bebendo vinho branco, seis gigantes que apareciam no filme adentraram o recinto, entre eles Franco, Lou Ferrigno e Robby Robinson, o “Príncipe Negro”, usando uma capa de veludo negra e um brinco de diamante.
O homem dos músculos de aço estava finalmente fazendo o que esperávamos: tornando o fisiculturismo popular. Eu passara a semana inteira dando entrevistas e várias resenhas mostravam que os críticos estavam entendendo o recado. “Esse documentário inteligente e aparentemente simples humaniza um mundo que tem seu próprio heroísmo torto”, escreveu a Newsweek, enquanto a Time afirmou que o documentário tinha “belas fotografia e edição, uma estrutura inteligente e – correndo o risco de usar o que à primeira vista pode parecer um adjetivo bastante inapropriado – encanto. Sim, é um filme encantador”.
O público do Plaza também gostou e aplaudiu com entusiasmo no final da sessão. Todos ficaram para assistir à demonstração de fisiculturismo que veio em seguida. Minha principal tarefa naquela noite era apresentar o evento. Começamos com a exibição de força de Franco, que incluía dobrar uma barra de aço com os dentes e explodir uma bolsa de água quente de borracha com a força dos pulmões. Logo antes de a bolsa explodir, deu para ver os convidados sentados nas primeiras filas tapando os ouvidos. Então os outros fisiculturistas se juntaram a Franco no palco e começaram a fazer poses enquanto eu narrava o espetáculo. No final, a atriz Carroll Baker correu para o palco usando um vestido provocante e começou a apalpar os tríceps, peitorais e coxas de todos antes de fingir desmaiar de êxtase nos meus braços.
Fui com meu smoking novo a outro evento importante duas semanas depois, na entrega do Globo de Ouro. A cerimônia foi no hotel Beverly Hilton, e novamente compareci acompanhado de minha mãe. Ela só falava algumas palavras em inglês e, se eu não traduzisse em seguida, mal conseguia entender o que estava sendo dito. Mas tinha achado o agito de Nova York divertido e, quando os fotógrafos gritaram para mim “Pose com a sua mãe!”, ela abriu um sorriso e deixou que eu lhe desse um grande abraço. Ficou impressionada quando o estúdio mandou uma limusine nos buscar para a cerimônia. Estava animadíssima para ver Sophia Loren.
Vários astros compareciam ao Globo de Ouro, porque a cerimônia era menos formal e mais divertida que a entrega do Oscar. Vi os atores Peter Falk, Henry Fonda e Jimmy Stewart perto do bar. As atrizes Carol Burnett, Cybill Shepherd e Deborah Kerr também estavam lá. Fiz piadas com Shelley Winters e paquerei a deslumbrante Raquel Welch. Henry Winkler veio me elogiar por O guarda-costas e expliquei à minha mãe, em alemão, que ele fazia o personagem Fonzie em uma importante série de televisão chamada Happy Days (Dias felizes). Quando fomos jantar, vi Dino de Laurentiis com Jessica Lange do outro lado do salão. Ela era a sexy protagonista do filme King Kong, produzido por Dino, e estava concorrendo ao prêmio de Melhor Atriz Estreante. Ele sequer tomou conhecimento da minha presença.
Sentado ao nosso lado estava Sylvester Stallone, que eu conhecia porque tínhamos o mesmo agente, Larry Kubik. Seu filme Rocky: Um lutador era o sucesso do ano, tendo feito todos os outros filmes que concorriam a prêmios, incluindo Rede de intrigas, Todos os homens do presidente e Nasce uma estrela, comerem poeira nas bilheterias, além de ser indicado a Melhor Filme. Dei-lhe os parabéns e ele me contou, animado, que estava escrevendo um novo filme sobre lutadores e que talvez houvesse um papel para mim.
Depois do jantar, o apresentador da cerimônia, Harry Belafonte, subiu ao palco. Senti meu corpo tomado pela mesma serenidade que me invadia durante as competições – ali, assim como nas disputas de fisiculturismo, eu sabia que podia relaxar, pois fizera o possível para vencer. Quando minha categoria foi anunciada e eu venci, foi Sylvester Stallone quem puxou as palmas. Em seguida, quando Rocky também venceu, ele ficou maluco e saiu beijando todas as mulheres pelo caminho até chegar ao palco.
Receber meu primeiro prêmio como ator foi uma sensação incrível. Ganhar o Globo de Ouro foi uma confirmação de que eu não tinha ficado doido: estava no caminho certo.
EU AGORA PASSAVA QUASE TANTO TEMPO em Manhattan quanto em Los Angeles. Para mim, Nova York parecia uma loja de doces. Conviver com todos aqueles personagens fascinantes era muito divertido. Eu estava orgulhoso e feliz por ser aceito e me sentia um sortudo por ter o tipo de personalidade que deixa as pessoas à vontade. Ninguém se sentia ameaçado pelo meu corpo. Pelo contrário: todos queriam me estender a mão, me ajudar e entender o que eu estava tentando fazer.
Elaine Kaufman, dona do Elaine’s, era conhecida por ser durona e difícil, mas comigo era um amor. Assumiu o papel da minha mãe em Nova York. Sempre que eu aparecia, ela me levava de mesa em mesa e me apresentava a personalidades como o diretor Robert Altman, Woody Allen, Francis Ford Coppola, Al Pacino. “Vocês precisam conhecer este rapaz”, dizia ela. “Arnold, por que não puxa uma cadeira e se senta aqui? Vou buscar algo para você comer.” Às vezes eu ficava muito sem graça, porque ela interrompia a conversa e podia ser que aquelas pessoas não quisessem a minha presença. No entanto, ali estava eu.
Cometi alguns erros estúpidos, como dizer ao grande bailarino Rudolf Nureyev que ele não deveria perder contato com seu país de origem e que precisava voltar para visitá-lo, sem me dar conta de que ele saíra fugido da Rússia em 1961. Os habitués do restaurante, contudo, em geral se mostravam curiosos e simpáticos. Coppola fez várias perguntas sobre o universo do fisiculturismo. Andy Warhol quis intelectualizar o esporte e escrever sobre o seu significado: como uma pessoa pode ficar igual a uma obra de arte? Como pode ser a escultora de seu próprio corpo? Identifiquei-me com Nureyev porque ambos estávamos tendo nossos retratos pintados por Jamie Wyeth, artista plástico renomado e filho do famoso pintor Andrew Wyeth. Às vezes, o bailarino convidava a mim e a Jamie para ir ao Elaine’s. Aparecia já tarde da noite, depois de um de seus espetáculos, usando um casaco de pele extraordinário com uma gola imensa e um cachecol esvoaçante. Não era um homem alto, mas tinha uma atitude que tomava conta do lugar. Ele era o rei. Dava para ver isso na sua forma de andar e no jeito como tirava o casaco, cada movimento justo e perfeito. Assim como quando estava no palco. Eu pensava o seguinte: diante de alguém como Nureyev, a imaginação assumia as rédeas e fazia a pessoa parecer um gigante. Ele era um doce de pessoa e me falou de seu amor pelos Estados Unidos e por Nova York. Mesmo assim, continuei intimidado. Ser um astro do balé era diferente de ser um astro do fisiculturismo. Eu podia ser Mister Olympia por 4 mil anos, mas jamais teria a mesma importância de Nureyev. Ele pertencia a outra esfera, assim como Woody Allen, que podia aparecer em um evento de gala de smoking e tênis brancos sem que ninguém comentasse nada. Era a sua maneira de dizer: “Vocês que se fodam. O convite dizia traje de gala, então eu vim de smoking, mas também vim calçado de Woody Allen.” Eu admirava a audácia que tanto ele quanto Nureyev tinham.
Na região sul de Manhattan, o restaurante One Fifth, no Greenwich Village, era um ótimo lugar para se frequentar. Aos sábados, já tarde da noite, após o Saturday Night Live, era para lá que iam os integrantes do elenco – John Belushi, Dan Aykroyd, Gilda Radner e Laraine Newman. Muitas vezes eu ia assistir ao programa nos estúdios da NBC no Rockefeller Plaza, depois os encontrava no One Fifth – e de lá íamos todos para o Elaine’s.
As melhores festas do sul de Manhattan eram as de Ara Gallant, sujeito macérrimo de 40 e poucos anos que sempre usava roupas justas de couro ou jeans, botas de caubói de salto alto com ponteira de prata, uma boinazinha preta com vários amuletos de ouro pendurados, suíças e, à noite, delineador nos olhos. No mundo da moda, ele era famoso como fotógrafo, além de ser o cabeleireiro e maquiador que inventara o look disco dos anos 1970: boca vermelha, roupas extravagantes, cabelos volumosos. Convidava todos os modelos que conhecia para as festas que dava em seu amplo e exótico apartamento, onde havia luzes vermelhas, música bate-estaca ao fundo e uma névoa constante de fumaça de maconha. Dustin Hoffman frequentava essas festas, assim como Al Pacino, Warren Beatty e o melhor amigo de Gallant, Jack Nicholson – todos os grandes nomes do mundo do cinema. Para mim, era o paraíso. Eu ia todas as vezes que era convidado e estava sempre entre os últimos a sair.
Andy Warhol alugara um espaço em seu célebre estúdio The Factory para Jamie Wyeth pintar meu retrato. Em geral, eu ia posar no final da tarde e às oito ou nove da noite ele terminava de trabalhar e saíamos para jantar. Certa noite, porém, Warhol disse: “Se quiserem ficar, são mais do que bem-vindos. Vou tirar umas fotos daqui a uma meia hora.”
Eu era fascinado por Warhol, com seus cabelos louros espetados, suas roupas de couro pretas e suas camisas brancas. Quando ele falava com você, mesmo que fosse durante uma festa, estava sempre com uma câmera em uma das mãos e um gravador na outra. Dava a sensação de que sempre poderia publicar algo da conversa em sua revista, a Interview.
Aceitei o convite, porque estava curioso para vê-lo trabalhar. De repente, meia dúzia de rapazes apareceu e tirou a roupa toda. Pensei: “Acho que vou participar de algo interessante aqui.” Estava sempre disposto a descobrir alguma coisa ou ter uma experiência nova. “Se as coisas fugirem ao controle”, disse a mim mesmo, “foi Deus quem me pôs neste caminho. Ele quer que eu esteja aqui, senão eu estaria trabalhando em alguma fábrica em Graz.”
Como não queria ficar olhando para os caras pelados, comecei a passear pelo estúdio casualmente e a conversar com os assistentes de Andy. Eles estavam instalando holofotes antiquados ao redor de uma mesa no meio do estúdio. Era uma mesa grande e sólida, coberta com uma toalha branca.
Então Andy pediu que alguns dos caras nus subissem na mesa e deitassem uns sobre os outros, formando uma pilha. Depois começou a mudá-los de posição.
– Você, deite ali. Não, por cima dele, e depois você vai por cima. Isso. Perfeito. – Então deu um passo para trás. – Quem aqui é flexível? – perguntou.
– Eu sou bailarino – respondeu um dos caras.
– Ótimo. Por que não sobe aqui, põe uma das pernas aqui embaixo e a outra por cima? Depois vamos ajeitando as laterais...
Quando a pilha ficou do jeito que ele queria, Andy começou a fotografar com a Polaroid e a ajustar a iluminação. As sombras tinham que ficar perfeitas – ele era obcecado por isso.
– Venha cá, Arnold. Está vendo? É isso que estou tentando fazer. Ainda não ficou legal. Estou frustrado. – Ele me mostrou uma foto do que pareciam ser apenas formas, não pessoas. – Vai se chamar Paisagens – explicou.
Pensei: “Inacreditável. Esse cara está transformando bundas em montanhas.”
– A ideia é fazer as pessoas falarem sobre o assunto e escreverem sobre como conseguimos esse efeito – prosseguiu ele.
Ao ouvir Warhol falar, tive a sensação de que, se tivesse pedido antes para vê-lo trabalhar, ele teria recusado. Nunca se sabe a reação que um artista vai ter. Às vezes, ser espontâneo e agarrar uma oportunidade é o único jeito de ver a arte sendo feita.
Jamie Wyeth e eu nos tornamos bons amigos, e meses depois, quando o tempo esquentou, ele me convidou para ir à fazenda de sua família na Pensilvânia, perto do Brandywine River Museum, onde estão expostos alguns dos melhores quadros de seu pai. Conheci a mulher de Jamie, Phyllis, e então ele me levou até uma velha casa de fazenda vizinha à sua para conhecer seu pai.
Quando entramos, Andrew Wyeth, então com 60 anos, estava praticando esgrima. Não havia mais ninguém presente, mas ele parecia realmente estar enfrentando um oponente, porque estava até de máscara. “Pai!”, gritou Jamie, acenando para chamar a atenção de Andrew. Os dois conversaram por alguns instantes e então Andrew se virou para mim e tirou a máscara. Jamie disse: “Pai, esse é Arnold Schwarzenegger. Ele fez O homem dos músculos de aço, e estou pintando o seu retrato.”
Depois de conversarmos por algum tempo, Andrew perguntou:
– Quer ir comigo de carro ver o campo que estou pintando agora?
– Claro! – respondi.
Estava curioso para ver como ele trabalhava. Andrew me conduziu até os fundos da casa, onde estava estacionado um lindo e reluzente carro esportivo antigo, da década de 1920, chamado Stutz Bearcat: um conversível de dois lugares com rodas imensas e saltadas, parachoques e estribos compridos e sinuosos, canos de descarga cromados aparentes e grandes faróis separados do capô. Um lindo carro de cafetão. Eu conhecia esse automóvel caro e raro porque Frank Sinatra, Dean Martin e Sammy Davis Jr. tinham um. Começamos a subir uma estrada de terra enquanto Andrew explicava que conseguira o carro com uma empresa fabricante de vodca em troca de um anúncio. Enquanto ele falava, percebi que não estávamos em uma estrada, mas em uma trilha de fazenda, com sulcos para as rodas e mato crescendo de ambos os lados e no centro – um caminho que evidentemente não fora feito para carros como aquele. Quando até mesmo a trilha terminou, Wyeth continuou a subir um morro por cima do capim alto, aos trancos.
Finalmente, chegamos ao topo da colina, onde vi um cavalete e uma mulher sentada no chão, enrolada em um cobertor. Não era propriamente linda, mas era sensual, com traços fortes, fascinante – tinha algo de singular. “Pode tirar”, disse Andrew. Ela deixou cair o cobertor e se sentou com seus lindos seios expostos, e eu o ouvi murmurar: “Ah, sim, isso mesmo.” Então ele se virou para mim e disse: “É ela quem estou pintando agora”, mostrando-me o início de um quadro no cavalete. “Enfim, eu queria que você a conhecesse porque ela fala alemão.”
A mulher se chamava Helga Testorf e trabalhava em uma fazenda próxima. Andrew era obcecado por ela. Desenhou-a e pintou-a centenas de vezes ao longo dos anos, em sessões que os dois mantinham em segredo. Dez anos depois, a história dos quadros e da obsessão do artista acabou indo parar na capa da Time e da Newsweek. Em 1977, porém, apareci por acaso para uma visita e ele me contou seu segredo.
CORRER DE UM LADO PARA OUTRO PROMOVENDO O homem dos músculos de aço demandava muito tempo, mas era algo que eu gostava de fazer. Na estreia em Boston, George Butler me apresentou a um amigo seu de longa data, John Kerry, na época primeiro assistente do promotor público do condado. Ele estava com Caroline Kennedy, a filha de 19 anos de John Kennedy e Jackie, que cursava Harvard. A moça no início pareceu reservada, mas depois do filme fomos todos jantar e ela se animou. Contou-me que escrevia para o Harvard Crimson, o jornal da universidade, e perguntou se eu poderia ir dar uma palestra lá no dia seguinte. É claro que concordei na hora. Ela e outros alunos que trabalhavam no Crimson me fizeram perguntas sobre o governo e a respeito do fisiculturismo. Alguém quis saber quem era meu presidente preferido. “John F. Kennedy!”, respondi.
Além de tudo aquilo ser uma diversão para mim, também era um bom investimento no meu futuro. Ao promover o documentário e o esporte, eu também promovia a mim mesmo. Sempre que falava no rádio ou aparecia na TV, as pessoas se familiarizavam um pouco mais com meu sotaque, com o jeito Arnold de falar, e se sentiam um pouco mais à vontade e relaxadas comigo. O efeito era o contrário daquilo que os agentes de Hollywood haviam previsto. Eu estava transformando meu tamanho, meu sotaque e meu nome esquisito em trunfos, em vez de deixá-los intimidar os outros. Não demorou muito para as pessoas conseguirem me reconhecer sem me ver, apenas pelo nome ou pelo som da minha voz.
A maior oportunidade de promoção no momento era o Festival de Cinema de Cannes, na França, em maio. Para me preparar, decidi fazer algo em relação às minhas roupas. Até então, sempre aparecia com uma calça de tecido sintético, uma camisa da marca Lacoste e botas de caubói. A falta de dinheiro era um dos motivos para eu me vestir assim. Eu não tinha recursos para mandar fazer um guarda-roupa sob medida, e as únicas peças prontas que me serviam eram as de lojas para obesos, e ainda assim era preciso reduzir 45 centímetros na cintura. Além disso, até então eu nunca tinha me preocupado com vestuário. Eu precisava dobrar ou triplicar o valor de cada dólar que ganhava para garantir minha segurança financeira. Com roupas, o dinheiro ia embora rapidinho. George me disse que o melhor alfaiate de Nova York era Morty Sills. Então fui procurá-lo e perguntei:
– Se eu tivesse que escolher um único terno, qual seria?
– Onde vai usá-lo? – quis saber ele.
– Primeiro, daqui a um mês, vou ao Festival de Cinema de Cannes.
– Bom, nesse caso seria um terno de linho bege. Ponto final.
Assim, Morty fez para mim um terno de linho bege e escolheu uma gravata e uma camisa que me deixassem bastante elegante.
Quando cheguei a Cannes, constatei que era mesmo importante estar bem-vestido. Usando o terno do qual tanto me orgulhava, com a camisa, a gravata e os sapatos certos, pude circular entre os milhares de jornalistas presentes e consegui várias matérias para O homem dos músculos de aço. Meu maior sucesso lá, porém, foi na praia, onde George teve a ideia de fazer uma sessão de fotos com algumas garotas da boate de striptease e cabaré parisiense Crazy Horse. Elas posaram com vestidos de verão cheios de babados, chapéus e buquês de flores nas mãos – enquanto eu usava apenas uma sunga. Essa imagem foi publicada em vários jornais mundo afora e a sessão do filme lotou.
Havia muitos artistas famosos em Cannes – Mick e Bianca Jagger estavam lá! –, e eu participei de tudo. Bati bola com Pelé. Mergulhei com os homens-rãs do exército francês. Conheci o ator Charles Bronson. A responsável pela distribuição de seus filmes na Europa deu uma festa para ele em um hotel na praia. Ela se sentou ao lado dele na mesa principal, e eu estava perto o suficiente para ouvir a conversa entre os dois. Na verdade, Bronson não era um cara fácil.
– Você está contribuindo muito para o nosso sucesso – disse a distribuidora. – É muita sorte tê-lo aqui. O tempo não está incrível? Que sorte a nossa termos sol todos os dias.
Ele aguardou um ou dois segundos e então respondeu:
– Detesto conversa fiada.
A mulher ficou tão chocada que se virou para o convidado que estava do outro lado. Fiquei estarrecido. Mas ele era assim mesmo: um grosseirão. Isso nunca pareceu prejudicar seus filmes, mas decidi que eu seria mais simpático.
Agora que eu estava interessado em me vestir bem, meu agente, Larry Kubik, se ofereceu para me levar às compras quando voltei para Los Angeles. “Dá para encontrar essa mesma calça em outra loja que não fica na Rodeo Drive por metade do preço”, dizia ele. Ou então: “Essas meias marrons não vão combinar com essa camisa. Acho que você deveria usar meias azuis.” Ele tinha um bom olho e, para nós dois, fazer compras era uma ótima distração depois de recusar papéis horríveis. As últimas propostas tinham sido o papel de um capanga em Sexteto, estrelado pela atriz octogenária Mae West, e, por um cachê de 200 mil dólares, estrelar um comercial de pneus de caminhão.
Durante muitos meses, parecia que minhas únicas investidas que davam certo em Los Angeles eram as que eu fazia no setor imobiliário. Em parte por causa da inflação e em parte por causa do crescimento econômico, os valores dos imóveis em Santa Monica estavam disparando. Embora meu prédio sequer estivesse no mercado, mais ou menos na mesma época da estreia de O homem dos músculos de aço um comprador me ofereceu por ele uma quantia muito maior que a que eu pagara em 1974. Lucrei 150 mil dólares com meu investimento de 37 mil – em três anos, eu havia quadruplicado o valor. Investi tudo em um prédio duas vezes maior, com 12 apartamentos em vez de seis – graças à ajuda de minha amiga Olga, que, como sempre, soubera encontrar o imóvel certo para comprar.
Ronda Columb, a secretária que vinha administrando minha empresa de vendas por correspondência e organizando minha agenda maluca havia muitos anos, ficou animada ao me ver virar um minimagnata das propriedades imobiliárias. Nova-iorquina, ela já se divorciara quatro vezes e era uns 10 ou 12 anos mais velha que eu. Seu primeiro marido fora campeão de fisiculturismo nos anos 1950. Eu conhecera Ronda por intermédio da Gold’s. Ela era como uma irmã mais velha para mim. Seu namorado mais recente era um empreendedor do setor de imóveis chamado Al Ehringer.
Um dia, do nada, ela me disse:
– Al adora você, sabia?
– É claro que ele me adora: eu o deixo levar minha secretária para casa! – brinquei.
Ronda riu.
– Não, sério, ele o adora de verdade e quer fazer negócios com você. Você aceitaria fazer negócios com ele?
– Bom, descubra o que ele tem em mente, porque tem um prédio à venda na Main Street, e se ele quiser participar...
Al tinha reputação de ser um empreendedor astuto, com talento para escolher as áreas com potencial. Tivera um papel importante na recuperação do centro histórico da cidade californiana de Pasadena, com lojas e lofts. Eu achava que Santa Monica talvez estivesse pronta para o mesmo tipo de revitalização. A Main Street, uma rua paralela ao mar a alguns quarteirões da praia, estava abandonada e cheia de bêbados e sem-teto, e havia muitos imóveis à venda. Eu queria investir 70 mil dólares, que economizara graças a O homem dos músculos de aço e outros trabalhos.
Al já conhecia o prédio no qual eu estava interessado. “Aquele imóvel e mais outros três estão à venda”, disse ele. “Escolha o que preferir e eu assino embaixo.” Então nós dois compramos o prédio e começamos a dar uma cara nova à Main Street.
Nosso prédio começou a se pagar quase imediatamente. Havia três casinhas nos fundos, que vendemos por uma quantia suficiente para reembolsar toda a entrada que tínhamos dado. Isso facilitou a obtenção de um empréstimo grande, para uma reforma total. Além disso, como o imóvel tinha mais de 50 anos, era considerado um bem histórico e tinha isenção fiscal. Mais um motivo para se amar os Estados Unidos: na Áustria, se você quisesse que um imóvel fosse declarado bem histórico e ele tivesse menos de 500 anos de idade, o governo riria da sua cara.
Ganhar dinheiro assim me deixou bem mais confiante. Ajustei meu plano de vida: ainda queria ser dono de uma rede de academias um dia, mas, em vez de faturar com filmes, como Reg Park e Steve Reeves, eu ganharia com imóveis.
RONDA SEMPRE ORGANIZAVA OS PEDIDOS DE aparições públicas em uma pilha para minha avaliação. Naquela primavera, o que chamou minha atenção foi um convite da organização Special Olympics assinado por Jackie Kennedy Onassis. O convite pedia que eu fosse à Universidade do Wisconsin a fim de ajudar com pesquisas que tentavam descobrir se a musculação era uma atividade benéfica para crianças deficientes mentais.
Eu disse a Ronda que aceitaria. Eu já estava dando seminários sobre musculação e sobre como ser um vencedor e pensei que prestar consultoria para uma universidade poderia ser uma boa credencial para promover o fisiculturismo como esporte, ainda que não houvesse cachê. Eu não sabia se a musculação podia ajudar crianças deficientes mentais, mas fiquei fascinado pelo fato de elas quererem tentar, e isso iria me introduzir em um mundo totalmente novo.
Quando cheguei a Wisconsin, em abril, ainda havia neve no solo: o evento estava acontecendo no campus norte da universidade, localizado em Superior, perto de Duluth. As duas mulheres que foram me buscar no aeroporto eram pesquisadoras com doutorado. Ao chegarmos ao local, elas me levaram junto com Jackie até a sala de musculação do ginásio, onde as crianças iriam treinar na manhã seguinte.
– Que exercícios podemos orientar que façam? – perguntou Jackie.
– Não sei qual é o nível de deficiência dessas crianças – comecei –, mas um dos exercícios seguros que elas podem fazer é o supino com barra. Outro é o levantamento terra, a rosca bíceps também, e uma coisa que pode ser segura é...
– Certo – disse Jackie. – Para o primeiro dia, vamos parar por aí.
Montamos os equipamentos e a câmera, certificando-nos de que haveria luz suficiente para filmar, e preparamos um plano para o dia seguinte. Nessa noite, fiquei deitado na cama pensando em como iria lidar com as crianças. Em vez de me preocupar, decidi simplesmente improvisar.
Havia uns 10 meninos no início da adolescência e, assim que pisei na sala, ficou claro o que tinha que fazer. Eles me rodearam e pediram para tocar nos meus músculos. Quando os flexionei, ficaram exclamando: “Caramba! Caramba!” Percebi que aqueles garotos eram como barro nas minhas mãos. Para eles, autoridade era uma coisa muito mais visual do que intelectual – eles me ouviam não porque eu tinha estudado fisioterapia ou algo assim, mas por causa dos meus bíceps.
Comecei com o supino, apenas a barra com uma anilha de 4,5 quilos de cada lado, e fiz os meninos se revezarem para executar 10 repetições cada um. Fiquei por perto para posicionar a barra e baixá-la até o peito deles. Os dois primeiros se saíram bem, mas o terceiro entrou em pânico ao sentir o peso da carga e começou a gritar, porque achou que a barra fosse esmagá-lo. Tirei-a de cima de seu peito e ele se levantou com um pulo.
“Tudo bem”, falei para ele. “Não se preocupe. Respire, relaxe, fique aqui e observe seus amigos.”
Ele então ficou vendo os outros se revezarem no aparelho para erguer o peso 10 vezes cada um. Depois de algum tempo, vi que tornou a se interessar. “Quer tentar de novo?”, sugeri, e ele concordou. Estava um pouco mais confiante quando pus a barra sem carga sobre seu peito, e fez 10 repetições. “Segure firme”, falei. “Você é bem forte, acho que consegue fazer com carga agora.” Coloquei as anilhas na barra, 9 quilos no total, e ele não só fez mais 10 repetições com facilidade como pediu que eu aumentasse o peso. Entendi que estava assistindo a uma ocorrência rara. Vinte minutos antes, aquele menino estava completamente intimidado e agora se mostrava ultraconfiante. Nos dias seguintes, fiz sessões de levantamento de peso com outros grupos de crianças, testando exercícios diferentes, até as pesquisadoras coletarem todos os dados de que precisavam. Uma das observações que elas fizeram foi que a musculação era melhor para gerar autoconfiaça do que, por exemplo, o futebol. No futebol, às vezes você consegue dar um bom chute e outras vezes não, mas na musculação, quando você levanta quatro anilhas, sabe que na próxima vez vai conseguir levantar de novo quatro anilhas. Essa previsibilidade ajudava as crianças a ganhar autoconfiança rapidamente.
Esse trabalho deu origem aos eventos de levantamento de peso da Special Olympics, que hoje atraem mais competidores que qualquer outra modalidade do evento. Procuramos movimentos que fossem seguros – às vezes, por exemplo, por causa da deficiência, as crianças não se equilibram muito bem, então deixamos de fora os agachamentos. Acabamos incluindo apenas o levantamento terra, no qual nada pode dar errado porque você simplesmente levanta a barra até ficar totalmente ereto, e o supino, em que há ajudantes ao seu lado para firmar a barra se for preciso.
Uma das pesquisadoras organizou um jantar para mim em sua casa e, durante a conversa, Jackie me perguntou sobre meus estudos.
– Bom, eu já fiz milhares de cursos, mas nunca tentei tirar um diploma porque estudei em três faculdades diferentes – respondi.
– Nós temos o maior programa de ensino por correspondência do país – disse ela. – Quem sabe você consegue seu diploma conosco? Por que não nos manda seu histórico?
Fiz isso quando voltei para casa e, depois de analisar meus documentos, eles me escreveram informando que faltavam apenas duas disciplinas para que eu pudesse me formar: ciências básicas e educação física. Tive que rir da segunda, mas concordei em preencher ambas as lacunas.
NO INÍCIO DE AGOSTO, QUANDO BOBBY ZAREM me ligou com um convite dos Kennedy, quase recusei. Era para jogar no Torneio de Tênis de Celebridades Robert F. Kennedy, em Forest Hills, no estado de Nova York.
– Eu não sei jogar tênis – falei.
Que sentido faria participar se eu não pudesse de fato contribuir para o evento? Pelo mesmo motivo, eu sempre me recusava a participar de torneios de golfe para celebridades.
– Você deveria ir – aconselhou Bobby. – É um convite difícil de receber. – Ele explicou que tinha conseguido um lugar para mim na última hora, porque o ator James Caan desistira. – Pelo menos pense no assunto, está bem?
Como esse era exatamente o tipo de dilema que Larry adorava, liguei para ele. “Aceite”, respondeu ele quase antes de as palavras saírem da minha boca. “Você só precisa de um instrutor. Por que não contrata o mesmo que Bruce Jenner, aquele atleta olímpico, usou? Ele foi convidado, estava tendo aulas com esse cara havia apenas um ano e ganhou o torneio.”
Bobby tornou a ligar e estava na linha com Ethel Kennedy, viúva de Robert Kennedy. Isso me convenceu.
Pensei: “Deixe de ser burro! Você não pode dizer não a Ethel Kennedy! E por acaso não gosta de um desafio?” Além do mais, era por uma ótima causa. Então aceitei o convite e comecei a ir a Malibu três vezes por semana para aprender tênis com o instrutor de Bruce Jenner.
Como o torneio estava marcado para 27 de agosto, tínhamos apenas três semanas. No início, as bolas voavam para tudo quanto era lado, mas treinei o bastante para conseguir acertá-las. Além disso, eu corria bem pela quadra, o que também ajudava. Quando não era dia de aula com o instrutor, Larry e Craig tiravam um tempinho do trabalho para bater bola comigo. Eles queriam garantir que eu passasse a melhor impressão possível entre as celebridades que estariam nas quadras.
Treinar para algo que eu não tinha a menor esperança de vencer era uma experiência nova. Eu sequer me importava que as pessoas rissem – até já esperava por isso. No entanto, queria pelo menos conseguir fazer uma boa exibição, e seria bom para a causa.