CAPÍTULO 19

A verdadeira vida


de um exterminador

QUANDO NOSSA PRIMEIRA FILHA NASCEU, em dezembro de 1989, eu estava no centro cirúrgico com uma câmera de vídeo na mão.

– Não se mexam!

– Mas nós temos que puxar o bebê.

– Não, não, esperem. Só para eu ter certeza de que vou conseguir gravar.

Os profissionais que fazem partos já devem ter visto de tudo na vida...

Maria e eu tínhamos feito todos os preparativos dos pais de primeira viagem. Agendamos uma instrutora do método Lamaze para ir à nossa casa de acordo com a data prevista para o nascimento. Participei de tudo, é claro – o pai precisa participar. Tem que se envolver com a gravidez, o parto, tem que cortar o cordão umbilical e se interessar por todas essas coisas, ao contrário do mundo do meu pai, onde o homem ficava totalmente alheio aos acontecimentos. (Alguém gravou um vídeo no qual eu imitava nossa aula de parto, e ver essas imagens convenceu Ivan Reitman a fazer o filme Júnior, no qual interpreto um cientista que engravida durante uma experiência científica.)

O próprio conceito do método de parto Lamaze parecia horripilante tanto para minha mãe quanto para Eunice.

“Você fica lá embaixo ajudando a puxar o bebê?”, perguntou minha mãe. “Vai filmar a vagina dela? Desculpe, mas isso é demais para mim.”

A reação de Eunice foi mais ou menos a mesma. “Que bom, se for isso que Maria quer. No meu caso, pedi que eles me dessem uma injeção e me apagassem. Sarge só pôde entrar no quarto depois de três dias. Quando entrou, eu estava parecendo uma princesa, e a única coisa diferente era o bebê.”

Senti uma alegria quase inacreditável ao presenciar o parto de Katherine. Pensei: “Caramba! Minha primeira filha!” O interessante na mente humana é isto: conseguir sentir tamanha emoção com algo que bilhões de pessoas já fizeram ao longo da história. É claro que assumi imediatamente o controle da situação – ajudei a enfermeira a limpar a neném, levei-a para ser pesada, cobri sua cabecinha com um gorro para ela não sentir frio, pus a fralda e a roupinha, tudo isso enquanto fazia incontáveis fotos e vídeos, é claro. Maria chorava de tanta alegria, e fiquei ao seu lado enquanto ela repousava. Algum tempo depois, a enfermeira apareceu e explicou a Maria como amamentar. Sempre que eu ouvia algum cara dizer que tinha chorado ao ver o filho nascer, pensava: “Que bobagem.” Mas, quando fui para casa e liguei para meus amigos avisando que Katherine tinha nascido, fiz a mesma coisa.

Os pais de Maria estavam em Washington e minha mãe, na Áustria. “Só vamos aparecer quando formos convidados. Vocês precisam curtir esse momento a sós”, disseram meus sogros. Talvez Maria tivesse lhes pedido para falar isso, não sei. No entanto, ainda que Eunice definitivamente não fosse muito chegada a partos, Maria era sua única filha e no dia seguinte ela foi nos visitar. Não me importei – já tínhamos tido nosso momento de privacidade. Maria sentia que aquela menininha era a primeira coisa importante que tínhamos feito sozinhos, sem a interferência de sua mãe. Ela adorou quando fomos só os dois para o hospital.

Na noite seguinte, quando tivemos alta, havia uma dezena de paparazzi tirando fotos do outro lado do estacionamento, mas levamos Katherine para casa e então o processo de adaptação começou. Porque, quando um filho nasce, a vida do casal muda para sempre. Mesmo depois que os filhos saem de casa, você ainda se sente responsável por eles. Agora eu tinha outras pessoas de quem precisava cuidar: Maria, minha mãe, Katherine e outros filhos ainda por vir. Como vinha de uma família de cinco filhos, Maria sempre quisera ter cinco. Já eu, que tivera apenas um irmão, preferia ter dois. Pensei que acabaríamos chegando a um meio-termo.

Quando voltamos para casa e Sarge e Eunice chegaram de Washington, no dia seguinte, tentamos organizar os intervalos das mamadas, das trocas de fralda, e como devia ser a decoração do quarto. Uma babá logo passou a viver na nossa casa, e senti minha importância escorrer pelo ralo. Os cuidados com a neném passaram a ser um diálogo entre a babá e Maria. No início não dei muita atenção ao fato, mas depois li algo sobre “restrição de acesso” e vi uma matéria a respeito na TV. Pensei: “É exatamente isso que está acontecendo comigo! Estou sendo excluído, não consigo fazer nada direito, todo mundo vive com medo de eu segurar o bebê do jeito errado.” Decidi que eu precisava superar tudo isso e me divertir mais com a situação.

Devo ter lido isso em alguma revista no consultório de um médico, porque em geral não costumava comprar livros ou revistas sobre cuidados com recém-nascidos. Eu achava que, como nada disso existia na Idade da Pedra e ainda assim qualquer bobalhão cuidava de bebês, não havia o que pudesse dar errado. Contanto que você dê amor e carinho à criança, acaba acertando, como em todas as outras coisas que adora fazer. Os cuidados com os bebês estão programados no cérebro de um humano. Muitas vezes, em aviões, fui surpreendido pelo chorinho de um bebê 20 fileiras atrás de mim. Apesar da distância, sempre consegui ouvir, por mais baixo que fosse.

Na verdade, eu me sentia um cara de sorte, pois Maria era sensacional como mãe, e isso não é algo que se possa saber de antemão sobre alguém. Apesar da restrição de acesso, eu admirava o seu controle total da situação. Não precisava me preocupar com nada. Maria tinha instinto, era bem informada, havia lido uma quantidade suficiente de livros e acompanhava de perto o trabalho da babá – não havia deficiência nenhuma nesse quesito, fato que eu podia constatar mesmo sem ter participação tão ativa.

Ainda assim, decidi que a restrição de acesso não tornaria a acontecer. Um ano e meio depois, em julho de 1991, quando tivemos Christina, bati o pé desde o primeiro dia. Não disse nada do tipo “Não, vocês não podem mais me obrigar a sair do quarto”. Em vez disso, à noite, quando íamos nos deitar, assim que Maria terminava de amamentar eu pegava minha filha e a punha em cima do meu peito. Ela ficava com as pernas e os braços bem abertos e as mãos e os pés dependurados. Não sei quem tinha me dito para fazer isso. Foi algum cara que falou:

– Sempre ponho meu bebê em cima do meu peito.

– E como consegue dormir desse jeito? – perguntei a ele.

– Sei lá. De algum jeito, funciona. Não faço a menor ideia. Vai ver nem tive um sono muito profundo, mas tudo bem, porque foi pelo bebê.

Pensei: “É isso! Vou fazer a mesma coisa.” Descobri que, com Christina em meu peito, eu conseguia dormir, mas não era um sono tão profundo a ponto de eu me virar e rolar por cima dela. A natureza havia criado esse meio de proteção. Eu estava lá deitado, dormindo, e de repente eu a ouvia fazer barulhinhos de que estava acordando. Eu olhava para o relógio e via que quatro horas tinham se passado. Era exatamente como a enfermeira do hospital tinha dito: “Ela vai ter que mamar a cada quatro ou cinco horas.” Eu então a passava para Maria, que a amamentava, e depois a pegava de volta para mais algumas horas de sono.

Também passei a dominar muito melhor a questão das fraldas. Comecei a trocá-las desde o início e disse às mulheres: “Gente, eu fui um fracasso com Katherine porque, de cada 100 fraldas que Maria trocava, eu só trocava uma. Não é justo nem com a neném, nem com vocês, nem comigo. Desta vez quero participar mais.” Eu simplesmente fechava a porta e, caso elas tentassem interferir, passava a chave.

Assim, fui chegando e pronto, fiz tudo o que havia para fazer. Em uma ou duas semanas, cheguei a um estágio em que, quando minha filha chorava, eu tinha permissão para subir ao quarto dela e trocar sua fralda sem ninguém ir atrás de mim.

“Que avanço enorme”, pensei. Sentia-me no paraíso sozinho ali no quarto, olhando para aquela menininha e trocando sua fralda sem ninguém espiando por cima do meu ombro. Isso acalmava Christina, que de repente voltava a dormir, e eu pensava: “Fui eu que fiz isso!” Era um sentimento de realização completo, uma grande alegria por poder participar.

Com nosso terceiro filho, porém, foi tudo uma batalha outra vez, porque Patrick era o primeiro menino. Tinha que ser tratado de forma diferente, “como um menino”, seja lá o que isso signifique. Ficamos ambos radiantes, mas eu não esperava que Maria ficasse tão radiante assim com o fato de o bebê ser menino. Ela fazia mesmo questão de ser a influência mais importante na criação dele. Assim, mais uma vez, foi bem difícil dividir as tarefas no início, mas nós conseguimos. E em 1997, quando nosso segundo menino, Christopher, nasceu, soubemos equilibrar muito bem as coisas. Quando você tem um menino, em vez de comprar Barbies você de repente começa a se interessar por caminhões e controles remotos, carrinhos e tanques. Compra blocos de construção e monta castelos e locomotivas. Depois eles passam a querer brincar com facas, e mais tarde aprendem a atirar com pistolas, espingardas e fuzis de brinquedo. Tudo isso me deixava muito feliz.


O NASCIMENTO DE NOSSAS FILHAS COINCIDIU com o momento em que minha carreira no cinema alcançou a estratosfera. No Natal de 1990, algumas semanas depois que Katherine completou 1 ano, a revista Time me pôs na capa como o maior astro de Hollywood e disse que eu era, “aos 43 anos, o mais poderoso símbolo da preponderância mundial da indústria americana do entretenimento”. Um tira no jardim de infância havia estreado nos cinemas nesse fim de ano e já era um grande sucesso.

Mas eu tinha um projeto ainda maior em andamento: O exterminador do futuro 2 – O julgamento final.

Sete anos haviam se passado desde que O exterminador do futuro alavancara nossas carreiras, e Jim Cameron e eu sempre tivéramos a ideia de fazer uma continuação. Desde então, ele dirigira dois sucessos – Aliens, o resgate e O abismo – e em 1990 finalmente conseguiu os direitos e a primeira parte do financiamento para O exterminador do futuro 2. Ainda assim, fiquei um pouco espantado quando ele me chamou para conversar em um restaurante e disse o que tinha em mente para meu personagem.

– Como é possível o Exterminador não matar ninguém? – estranhei. – Ele é um exterminador! É isto que as pessoas querem: me ver chutando portas e metralhando todo mundo.

Desconfiei de que o estúdio estivesse dando para trás e tentando transformar o Exterminador no personagem de um filme com censura 12 anos. Isso havia destruído o personagem de Conan, e eu não queria ver a história se repetir.

– Não é nada disso – falou Jim. – Você continua muito perigoso e violento. Só que dessa vez o Exterminador volta quando John Connor é criança e está programado para protegê-lo. Ele não é mais o vilão da história. O vilão é um Exterminador novo, menor e ainda mais assustador, o T-1000, programado para matar o garoto. E o seu Exterminador precisa impedir.

Ainda havia carnificina, mas agora quem matava era o T-1000. Assim que entendi que o filme continuaria a ter censura de 16 anos, relaxei.

Enquanto O exterminador do futuro 2 começava a tomar forma, meus outros negócios prosperavam. Eu usara um pouco do dinheiro ganho com os filmes como capital para expandir minha atuação no mercado imobiliário. Tinha agora três prédios residenciais de tamanho razoável em Los Angeles, com mais de 200 apartamentos no total, além do quarteirão em Denver no qual Al Ehringer e eu estávamos construindo salas comerciais, restaurantes e lojas. Nossa aposta no lado mais abandonado de Santa Monica também rendera frutos: o número 3.110 da Main Street era agora um bem-sucedido complexo de escritórios e lojas, e o bairro havia entrado na moda. Nosso primeiro grupo de inquilinos – empresas sem graça como um banco, uma corretora de seguros e uma agência imobiliária – dera lugar a produtores, diretores e profissionais do entretenimento. No segundo andar ficava o escritório de Johnny Carson, e eu dividia o terceiro com Oliver Stone. “Por que não fico com a área à esquerda dos elevadores e você com a da direita?”, sugeriu ele. “Assim refletimos nosso posicionamento político.” Achei graça e concordei, e até hoje meu escritório continua no mesmo lugar. Um pouco depois, o astro do time de basquete Los Angeles Lakers Shaquille O’Neal se mudou para o prédio, e depois dele vieram outros produtores e empresários do esporte.

Eu também estava começando um enorme projeto de trabalho social. Bem pouco tempo depois de Katherine nascer, recebi a ligação da Casa Branca que estava esperando. “O presidente gostaria que o senhor assumisse o President’s Council on Physical Fitness and Sports”, notificou-me o representante, todo formal. “Ele disse que quer que o senhor faça exatamente o que sugeriu durante a campanha: que coloque de novo a boa forma física para todos entre as preocupações nacionais”, acrescentou. Ser nomeado “tsar presidencial da boa forma”, como os meios de comunicação passaram a me chamar, foi o desdobramento da minha carreira que mais me trouxe satisfação. Eu considerava o cargo parte da cruzada que iniciara décadas antes, ao promover o fisiculturismo como plataforma para a boa forma e a saúde. Além disso, ao trabalhar com a Special Olympics, eu estava vendendo a ideia do esporte e da boa forma para todos, não apenas para os atletas. Tinha sido por isso que pedira o cargo ao presidente Bush de forma tão enfática. Havia muita coisa que eu poderia fazer nessa função. A Casa Branca sempre cometera o erro de escolher para o trabalho grandes nomes do esporte, mas não necessariamente com habilidade para desempenhar o papel. A pessoa selecionada devia ser um atleta ou um ídolo, sim, mas alguém que pusesse a mão na massa, não que ficasse apenas sentado no trono. Eu tinha uma visão clara do que precisava ser feito. A essa altura, também já estava viciado no trabalho social, sobretudo com as crianças. Não tinha mais nada a ver com fama.

A notícia foi quase tão gratificante para minha sogra quanto para mim. Eunice tinha escrito pessoalmente a Bush para recomendar meu nome – ela defendia com paixão a causa da boa forma física, não apenas por ter um cargo de liderança na Special Olympics, mas também porque o mais forte defensor presidencial da boa forma desde Teddy Roosevelt fora seu irmão JFK. Quando liguei para agradecer, ela perguntou na mesma hora:

– Como eles estão pensando em anunciar a nomeação?

– Não sei – respondi. – O que você sugere?

– Em primeiro lugar, eu organizaria um encontro seu com o presidente no Salão Oval. Mandaria tirar uma foto e a divulgaria ao público. Depois disso, acho que você e o presidente deveriam sair da Casa Branca juntos para falar com a imprensa. Você deve estar preparado para explicar qual será sua contribuição e sua missão como líder do conselho. É necessário sempre ter uma missão e um motivo que façam de você a escolha certa.

Eunice tinha a genialidade política típica dos Kennedy. Sabia que uma nomeação daquele nível em geral não era considerada suficientemente importante para justificar uma coletiva de imprensa. O presidente tem vários tipos de conselho: o Conselho de Consultores Econômicos, os conselhos de saúde, de drogas, de geração de empregos, etc. Na maior parte das vezes, para uma nomeação como a minha, a assessoria de imprensa da Casa Branca simplesmente daria uma declaração do tipo: “O presidente Bush anunciou hoje a escolha de Arnold Schwarzenegger como chefe do President’s Council on Physical Fitness and Sports.” Em seguida viria uma árdua batalha para conquistar qualquer atenção. Mas, se a imprensa o vir sair do Salão Oval ao lado do presidente, você conquista respeito.

Bush revelou-se um defensor convicto da nossa causa – mandou sua equipe organizar o anúncio da nomeação para me fazer parecer importante. Foi tudo bastante parecido com o que Eunice havia imaginado. Fui até a frente da Casa Branca, onde os jornalistas estavam reunidos. Falei sobre ter sido escolhido, sobre o encontro no Salão Oval, sobre meu entusiasmo e minha visão, e sobre qual seria minha missão no cargo.

O desafio de ser o tsar da boa forma realmente me deixou animado. Algumas semanas depois, quando tornei a encontrar o presidente em Camp David, Maryland, já tinha feito meu dever de casa. Queria revitalizar e ampliar todos os eventos de esporte e boa forma física promovidos por JFK. Perguntara a Sarge e Eunice o que eles achavam que eu poderia fazer no cargo. Meus sogros tinham acompanhado de perto o governo JFK – qual era a visão dele? Por que ele promovia eventos em prol da boa forma no gramado em frente à Casa Branca? Anotei tudo o que eles disseram. Tive reuniões com o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, com o Departamento de Agricultura e com representantes da Casa Branca. Foi assim que comecei a estabelecer meus objetivos. Também falei com especialistas como John Cates, da Universidade da Califórnia em San Diego, responsável pela implementação dos primeiros acampamentos de boa forma para jovens do país. Assim, consegui preparar uma proposta de trabalho detalhada.

– O conselho pensa pequeno – falei para o presidente Bush. – Precisamos mudar isso.

Descrevi como iria agitar as coisas na capital para fazer os departamentos responsáveis por saúde, educação e nutrição agirem em conjunto em uma campanha nacional em defesa da boa forma. Também tornaríamos a questão muito mais visível na Casa Branca.

– Que tal fazermos uma demonstração pública de atividades físicas no gramado da Casa Branca nesta primavera? – sugeri.

Esbocei como essa ideia iria funcionar: montaríamos estações de golfe, tênis, ginástica aeróbica, musculação, beisebol, escalada em corda e outros exercícios que uma pessoa normal pudesse fazer. Convidaríamos instrutores, atletas, pais, avós e crianças, além da imprensa nacional, sobretudo os programas matinais.

– Vamos fazer todo mundo participar – falei. – Então Barbara e o senhor podem aparecer para dar o exemplo e experimentar algumas atividades. Vai ser uma celebração, como o 4 de Julho, para mostrar quanto é divertido fazer exercícios.

O presidente ficou muito animado.

– Na segunda-feira, quando voltarmos para Washington, quero que você faça uma reunião com a equipe da Casa Branca para começar a organizar tudo.

Também propus revitalizar o programa de premiação presidencial: os certificados e as medalhas de boa forma que JFK costumava entregar.

– As pessoas tinham muito orgulho dessas condecorações – falei. – Elas geravam campeonatos nas escolas, e é assim que vamos conseguir a participação das crianças no movimento. – Essa ideia também lhe agradou.

Expliquei que minha missão seria viajar pelo país promovendo a causa. Depois de pesquisar sobre a situação real dos cuidados com o corpo nos Estados Unidos, eu percebera que teria que agir tanto no âmbito estadual quanto no local. Alguns estados tinham um conselho de boa forma, outros não. Alguns tinham programas de abrangência estadual, enquanto outros deixavam o assunto a cargo dos governos locais e das escolas. Só havia um estado que exigia a prática diária de atividade física nas escolas, do jardim de infância até o final do ensino médio. Eu tinha plena convicção de que precisava transmitir a todos os 50 estados a mensagem de que a boa forma era uma prioridade nacional.

– Você vai visitar todos os 50 estados? – indagou o presidente.

– O senhor vai ver só – respondi. – Adoro viajar, conhecer gente e vender. É o que eu sei fazer melhor.

Cerca de 15 representantes do governo participaram da primeira reunião de planejamento do Great American Workout, uma feira de ginástica, na Casa Branca. Nenhum deles concordou com a proposta. O cara do departamento que cuida dos parques disse não porque um número muito grande de pessoas iria estragar o gramado. O responsável pela segurança do público falou: “Faz muito calor em Washington em maio. As pessoas vão desmaiar, vão precisar de água e comida, e nosso orçamento não comporta isso.” O sujeito do Serviço Secreto falou: “Não podemos nos responsabilizar por tanta gente assim se o presidente for passar de estande em estande. É arriscado demais.”

Depois da reunião, comentei com Jim Pinkerton, o consultor de políticas públicas da Casa Branca com quem vinha trabalhando, que aquela tinha sido a pior reunião da minha vida. “Vou falar isso para o presidente, e o senhor deveria fazer o mesmo”, sugeriu ele.

Alguns dias depois, encontrei Bush e lhe contei a reação dos funcionários. “Ah, isso é típico do governo”, disse ele, rindo. “Sempre começa assim. Mas não desanime. Deixe comigo, vou falar com eles.”

Na reunião de planejamento seguinte, todos disseram: “É uma ótima ideia. Encontramos um jeito de contornar os problemas. Vai ser bem complicado, mas o presidente faz questão.”

Então, no dia 1o de maio de 1990, uma terça-feira, precisamente às 7h19, o presidente e a primeira-dama passaram pelas portas da Casa Branca para participar do primeiro Great American Workout anual. Dois mil visitantes já ocupavam o Gramado Sul, entretidos com as atividades que havíamos montado: dança aeróbica, aparelhos de musculação, lançamento de ferradura, cestas de basquete, futebol e brincadeiras com bola. As câmeras acompanhavam o casal Bush de atividade em atividade. Tínhamos criado um espetáculo que deixaria até mesmo JFK impressionado e que conseguia deixar claros ao mesmo tempo a importância e o prazer da prática de exercícios físicos.

Na véspera, tínhamos feito um ensaio geral. Não pensei muito a respeito na ocasião, mas assistir aos preparativos me fez aprender coisas que viria a usar mais tarde em minhas próprias campanhas. Pude observar em primeira mão o planejamento e a montagem de um evento para a imprensa: do que se quer que os jornalistas participem, do que não se quer que participem, quando e como eles devem ser convidados etc. O Great American Workout durou oficialmente das sete às nove da manhã. Aprendi que o presidente apareceu às 7h19 justamente por ser esse o horário de pico de audiência dos programas Today e Good Morning America. Até então, eu já tinha feito dezenas de participações em programas matinais na TV sem jamais prestar atenção ao horário previsto para minha entrada no ar. Daí em diante, porém, sempre insisti em aparecer em algum momento por volta das 7h30.


POUCO DEPOIS DO GREAT WORKOUT, tirei uma folga do papel de tsar da boa forma para ir a Cannes. Minha principal missão era promover O vingador do futuro, cujo lançamento estava marcado para aquele mês de junho. Durante a viagem, porém, a bordo do jatinho da Carolco Pictures, a produtora do filme, o único assunto das conversas era O exterminador do futuro 2. Jim Cameron acabara de concluir o trabalho com seu corroteirista e prometera levar o roteiro pronto para que todos pudessem ler. Ele distribuiu as cópias logo depois da decolagem. Quando o avião pousou, já tínhamos terminado e estávamos animadíssimos com o potencial e a sofisticação tecnológica da história. Eu sabia que O exterminador do futuro 2 não seria uma continuação qualquer: Cameron acredita muito em surpreender o público, e eu tinha certeza de que o novo filme seria tão incrível e inesperado quanto o original. Mas aquele roteiro me deixou de queixo caído. Fiz várias perguntas sobre o T-1000, vilão multiforme que meu personagem teria que enfrentar – eu não conseguia sequer imaginar uma máquina feita de liga de metal líquido. Foi então que entendi que os conhecimentos científicos de Cameron e sua familiaridade com o mundo futurista eram fora de série. Quando chegamos a Cannes, os distribuidores estrangeiros ficaram loucos pelo roteiro e mal puderam esperar para assinar os contratos. Ninguém deu a menor bola para o fato de que a produção do filme iria custar 70 milhões de dólares – mais de 10 vezes o orçamento do primeiro. Todos sabiam que seria um enorme sucesso.

Desde o início, O exterminador do futuro 2 estava programado para ser bem mais ambicioso que o original. Além de seu orçamento gigantesco, ele levou oito meses para ser filmado, em vez de seis semanas. Foi uma corrida contra o tempo: para cumprir os compromissos financeiros, o filme precisava estar pronto para o verão de 1991. A pré-produção foi tão complicada que as filmagens só puderam começar em outubro de 1990, e quando a produção terminou, em maio de 1991, a película já havia se tornado o projeto cinematográfico mais caro da história: 94 milhões de dólares.

“Sempre que começo um filme, tenho a fantasia de que vai ser uma grande família, de que vamos todos nos divertir e compartilhar vários momentos maravilhosos e criativos”, disse Cameron a um jornalista. “Mas fazer um filme não é isso. É uma luta.” Dessa vez, o que tornava meu papel um desafio de interpretação era que, conforme a trama avançava, o Exterminador começava a adotar padrões de comportamento humanos. Fazer o personagem de uma máquina evoluir era um exemplo típico da genialidade de Cameron. O menino diz ao Exterminador: “Prometa para mim que não vai mais matar”, e o manda falar menos como um pateta e mais como uma pessoa. Então o papel exige que eu deixe de ser uma máquina de matar e me torne algo que tenta ser humano, mas nem sempre consegue. Na primeira vez que o garoto faz o meu personagem dizer “Hasta la vista, baby”, ele não soa muito convincente. O Exterminador vai se humanizando aos poucos, mas só até certo ponto. Continua muito perigoso e com grande poder de destruição. No entanto, em comparação com o T-1000, não há dúvida de que o bonzinho é ele.

Filmamos as cenas fora de ordem, de modo que sempre tínhamos que avaliar o grau certo de humanidade que o Exterminador deveria demonstrar naquele estágio da trama. Passei as primeiras semanas perguntando sem parar a Jim: “Está humano de mais ou de menos?”

No quesito efeitos especiais, O exterminador do futuro 2 trouxe possibilidades inteiramente novas. O T-1000 é de metal líquido e tem a capacidade de se metamorfosear bem diante dos seus olhos e assumir a forma de qualquer pessoa ou objeto que toque. Foi a equipe de computação gráfica que teve que enfrentar esse desafio, mas o filme também exigiu um trabalho hercúleo dos atores e dublês. Cameron pressionava o irmão, Mike, responsável pela criação de adereços e pelas cenas de ação, que por sua vez tentava se superar e repassava a pressão para nós.

Começamos a ensaiar as cenas de ação meses antes de filmar. Na espetacular sequência de perseguição nos canais de drenagem de Los Angeles, o Exterminador tem que atirar com uma só mão usando uma espingarda calibre 10 de cano serrado ao mesmo tempo que pilota uma Harley. Ele precisa sacar a arma, mirar, disparar, girá-la para recarregar, atirar outra vez e assim por diante. No roteiro, tudo parecia incrível e executável – era apenas uma questão de ensaiar sem parar. Mas a preparação foi um calvário de dor e desconforto. Eu não podia usar uma luva, porque ela ficaria presa no mecanismo da espingarda, e feri a pele da mão e dos dedos ao longo das 100 vezes que treinei até aprender o movimento. Depois tive que aprender a executar o movimento ao mesmo tempo que pilotava a Harley. A seguir precisei fazer as duas coisas enquanto interpretava o personagem. Quando se está pilotando uma moto, é difícil olhar para a frente e para onde o diretor quer que você olhe. Em uma das cenas, eu tinha que empinar a roda dianteira da moto em movimento até quase tocar a lente da câmera, que estava montada em um caminhão à minha frente. Simultaneamente, precisava atirar e não olhar para baixo. Se meu olhar começasse a se desviar para qualquer lado, estragaria a tomada.

Eu também tinha que chegar de moto a um portão fechado por uma corrente e explodir o cadeado com um tiro antes de passar derrubando tudo. Levei semanas treinando para essa cena, primeiro só com a espingarda, depois com a moto, e finalmente para conseguir fazer tudo isso com tranquilidade. Fiz a decolagem de um salto espetacular com a moto para dentro do leito seco do canal. Os dois outros protagonistas adultos – Linda Hamilton no papel de Sarah Connor e Robert Patrick como T-1000 – também tiveram que dar duro. Para parecer convincente na pele de uma guerreira sobrevivente, Linda passou por uma preparação física de muitos meses, três vezes ao dia. As cenas de ação eram tão grandiosas que exigiram que suássemos a camisa bem mais que no primeiro filme da série.

De tantas em tantas semanas, nos intervalos das filmagens, eu me metamorfoseava de Exterminador em tsar da boa forma do presidente Bush. O cargo e minha amizade com o presidente logo passaram a ocupar uma grande parte da minha vida. O cachê que recebi pela participação no filme incluiu um jatinho Gulfstream III, perfeito para percorrer o país. Meu plano era ir a todos os 50 estados americanos durante o primeiro mandato de Bush. Tinha três anos para fazer isso. Peguei um mapa e verifiquei quais estados ficavam próximos uns dos outros. Minha ideia era agrupá-los e, sempre que tivesse alguns dias livres de filmagens e outros compromissos, visitar de quatro a seis por vez – deixando uma margem para improvisações, é claro, pois os governadores nem sempre estavam disponíveis ao mesmo tempo que eu. Muitas vezes, quando tinha outros assuntos para resolver – algum seminário, um campeonato em Columbus ou férias no Havaí –, eu organizava uma visita aos estados próximos.

Nos encontros com os governadores, eu sempre lhes garantia que aquilo não era uma questão política, mas apenas algo ligado à boa forma física e aos esportes. Muitos deles achavam difícil entender isso. “O Exterminador veio da Casa Branca republicana para me denunciar como alguém que não dá atenção suficiente às crianças”, pensavam, com medo de que eu chegasse como um rolo compressor e criasse uma situação constrangedora para eles. No entanto, sempre deixei bem claro, desde o início, que a intenção não era essa. Eu não estava pregando uma filosofia republicana, mas uma filosofia da boa forma. A notícia se espalhou e de repente os governadores começaram a ficar mais à vontade. Passei a ser bem recebido e todos embarcaram na cruzada em prol da boa forma.

Ver de perto como funcionam os governos estaduais e locais foi um aprendizado imenso, inestimável. Nunca tinha testemunhado tantos defensores da boa forma surgirem da noite para o dia. Percebi que podíamos visitar dois estados por vez. Em geral, eu tomava o café da manhã com o governador ou governadora e então conversava com ele ou ela sobre estratégias para melhorar a forma física da população do estado. Como cada lugar tinha suas particularidades, precisei estudar. Então íamos a uma escola e fazíamos uma aula de educação física junto com os alunos. Depois dávamos uma coletiva de imprensa. Em alguns estados, essas coletivas foram enormes: um ginásio inteiro lotado de pais e alunos nos acolhia ao som da banda da escola. Eu sempre dava de presente ao governador do estado um casaco esportivo feito sob medida por Tony Nowak com o logo do President’s Council, ajudava-o a vesti-lo e ele então tirava uma foto rodeado de crianças.

O último passo era sempre uma “cúpula da boa forma”, para a qual convidávamos representantes do Departamento de Educação e do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, a equipe do governador, funcionários de escolas, donos de academias, representantes da Associação Cristã de Moços, da American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance (Aliança Americana para a Saúde, Educação Física, Recreação e Dança) e assim por diante. Em geral lotávamos uma sala de reuniões com 50 a 100 pessoas. Falávamos sobre como era importante que as crianças estivessem em forma e sobre os riscos que a falta de exercícios acarretava à saúde. Os convidados da cúpula, então, faziam sugestões sobre como poderíamos trabalhar juntos e, finalmente, tornávamos a embarcar no avião, seguíamos para outro estado e repetíamos exatamente a mesma rotina depois do almoço.

Mais tarde, percebi que esse processo era bem semelhante a uma viagem de campanha política. A agenda é apertada: você tem que chegar pontualmente, fazer o discurso, animar todo mundo. A banda escolar o recebe, os políticos do estado aparecem para angariar apoio. Depois de ser tsar da boa forma, candidatar-me a governador da Califórnia me pareceu um déjà-vu.

Um detalhe interessante foi que ninguém jamais questionou o fato de eu usar meu próprio avião. Se alguém perguntasse “Quem está pagando por isso, o governo?”, seria bom poder responder: “Não, quem está pagando por tudo sou eu. Inclusive o material impresso. Não estou fazendo isso por dinheiro, mas para retribuir de alguma forma o bem que eu recebo. Meu talento é a boa forma física, então essa é uma área em que posso ser útil.” A sensação de estar repetindo as palavras de Sarge era incrível.

Essas cúpulas da boa forma funcionaram para mim como um curso intensivo de política. Na Califórnia, quando estimulei os participantes da reunião a dar mais ênfase à educação física nas escolas, eles pularam no meu pescoço.

– Bom, então diga a nosso governador para investir mais na educação, aí vamos poder contratar professores de educação física.

– Mas nós estamos em recessão e, até onde sei, nosso estado está arrecadando menos, ou seja, o governador não tem dinheiro para isso.

– Então ele deveria realocar recursos de outros programas. É para as crianças que estamos fazendo isso.

– Se não há dinheiro, por que não procuramos instituições como a Associação Cristã de Moços ou alguma das academias da região para ver se elas podem ceder instrutores para ajudar?

– Ah! Quer dizer que as escolas usariam voluntários em vez de professores? Essa é boa. Quer saber, Arnold? Se você tivesse lido a Constituição do nosso estado, saberia que é ilegal preencher uma vaga de professor com um voluntário.

Eu estava batendo de frente com o tabu dos sindicatos de professores contra voluntários nas escolas. Presenciar esse tipo de atitude foi uma verdadeira revelação. Apesar do que eles diziam, a questão não eram as crianças, e sim abrir mais vagas para professores. É claro que eu entendia o papel dos sindicatos: brigar pela classe.

De todos os governadores, o que mais me impressionou foi Mario Cuomo. Nova York deve ter sido o 10o estado que visitei. Antes de conhecer Cuomo, eu na verdade não gostava muito dele, pelo modo como ele atacou Reagan no discurso inaugural da convenção do Partido Democrata em 1984: “Sr. Presidente”, dissera ele, “o senhor deveria saber que este país está mais para ‘conto de duas cidades’ do que para ‘radiante cidade no alto da colina’”, referindo-se ao modo como Reagan costumava aludir aos Estados Unidos. No entanto, quando o conheci e começamos a conversar sobre boa forma, ele se mostrou interessado e elogioso, dando-me conselhos valiosos. Disse, por exemplo: “Você precisa falar mais sobre a saúde das crianças, e precisa falar sobre custos. Isso é muito, muito, muito importante. Trate da crise catastrófica de saúde que a falta de exercícios vai acarretar e do custo que as crianças que não se exercitam vão gerar para o contribuinte.” Ele demonstrou grande apoio ao que eu já tinha feito. Pude ver por que Cuomo era tão querido em seu estado e por que era um grande líder.

Ele então falou com os jornalistas e preparou um grande discurso sobre como era incrível eu percorrer os Estados Unidos e usar meu próprio dinheiro para fazer tudo de forma voluntária. “Trabalho social é isso”, afirmou. Pensei: “Ele sabe que eu sou republicano e que represento um presidente republicano. Quanta classe e quanta generosidade se esforçar tanto assim...” Mais do que isso: na minha opinião, Cuomo tinha razão. Como ainda faltavam 40 estados para visitar, pude incorporar suas sugestões à minha mensagem.

Minha relação com o presidente Bush fora calorosa desde o nosso primeiro encontro, durante o governo Reagan. Fiquei honrado quando ele me convidou para assistir à sua posse e para apresentá-lo em alguns dos eventos paralelos – embora deva admitir que sempre me sentia pouco à vontade quando fazia isso. Havia muitas pessoas que talvez tivessem feito mais jus a essa honra. Lembro-me particularmente de uma comemoração do Dia de Martin Luther King, com muitos afro-americanos na plateia e diversos oradores afro-americanos. Se eu fosse um espectador e me visse lá em cima, teria pensado: “Por que é ele que vai apresentar o presidente?” Mas Bush era assim. Não ligava para nada disso. Se você tivesse talento e lhe fizesse um favor, ou se ele gostasse de você, passava a apoiá-lo, fizesse isso sentido ou não. Era um tipo diferente de homem, um amor de pessoa. Tanto ele quanto Barbara sempre se mostravam corteses e gentis. A cada coisa que eu fazia por eles, o presidente me mandava um agradecimento de próprio punho, ou então me dava um telefonema.

Depois que ele me escolheu para assumir o President’s Council, ficamos bem próximos. Sempre que estava em Washington, eu ia à Casa Branca visitá-lo. Nossa relação era assim, sem hora marcada. No início de seu mandato, o chefe de gabinete da Casa Branca era John Sununu, e também sempre fui bem recebido por ele. Sununu nunca disse “O chefe agora está ocupado, volte amanhã” ou coisas do tipo.

Tivemos a honra de ser convidados muitas vezes para ir a Camp David com o presidente e a primeira-dama. A Casa Branca pode ser muito claustrofóbica, e os dois adoravam dar uma fugida nos fins de semana, embora o presidente sempre levasse trabalho para fazer. Eu ia com eles no helicóptero ou os encontrava lá. Íamos juntos a restaurantes próximos e aos domingos assistíamos à missa. Naturalmente, o presidente Bush adorava atividades físicas e jogos.

Certa vez, um jornalista lhe perguntou:

– Sr. Presidente, Arnold lhe ensinou algum exercício?

Bush riu e respondeu:

– Ah, nós sempre nos exercitamos juntos quando ele está em Camp David. Ele me ensina musculação e eu lhe ensino paredebol.

– Paredebol? Voleibol, o senhor quer dizer?

– Não, não, paredebol mesmo.

– Que esporte é esse?

– Temos uma quadra coberta para jogar voleibol e regras especiais que permitem que a bola quique na parede. Arnold já jogou várias vezes, está ficando craque.

O presidente e eu jogávamos boliche, praticávamos lançamento de ferradura, nadávamos e fazíamos musculação juntos. Cheguei a praticar tiro esportivo com ele! (Quando é que o Serviço Secreto deixaria alguém andar armado na companhia do presidente?) Em um fim de semana de neve no início de 1991, justo quando Katherine estava aprendendo a andar, nós três fizemos uma visita aos Bush e fomos andar de tobogã. Infelizmente, eu não sabia muita coisa sobre tobogãs. Ao contrário dos trenós, que podem ser pilotados com os pés, tobogãs são planos e deslizam de forma diferente. O presidente e eu descemos a encosta depressa demais e trombamos com Barbara, que acabou quebrando a perna e foi parar no hospital. Até hoje tenho a foto que Bush me mandou depois. Na imagem, estamos nós dois em cima do tobogã, e a dedicatória diz: “Vire, caramba, vire!”

Após a invasão do Kuwait pelo Iraque, em agosto de 1990, Camp David passou a ser palco de reuniões sérias. Era muito estranho me dividir entre uma crise no mundo real e a ameaça imaginária ao futuro no set de O exterminador do futuro 2, em Los Angeles. O secretário da Defesa Dick Cheney e o general Colin Powell, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, iam constantemente a Camp David para atualizar o presidente e, juntos, tomarem decisões. Quando o outono chegou, Bush já havia lançado a Operação Escudo do Deserto, com a concentração maciça de tropas da coalizão na fronteira saudita com o Iraque e o Kuwait. Dei minha pequena contribuição para o esforço militar após ler uma reportagem que dizia que os soldados americanos no deserto estavam praticando musculação com baldes cheios de areia. Naturalmente, os músculos de uma pessoa não se importam com o que é usado como peso, mas mesmo assim achei que poderíamos fazer bem mais pelos soldados. Lembrei-me de como costumava transportar halteres, anilhas e um banco de supino em meu tanque no exército austríaco. Assim, procurei o general Powell e perguntei o que ele achava de mandar equipamentos de musculação de verdade para o Oriente Médio. Ele adorou a ideia e, em poucos dias, comecei a pedir doações de fabricantes. Conseguimos reunir 40 toneladas de aparelhos de musculação, bancos de supino, pesos livres e outros equipamentos para a Operação Escudo do Deserto. Despachar o material por navio cargueiro teria levado muitas semanas, então Powell e Cheney decidiram arrumar um jeito de enviá-lo de Oklahoma junto com carregamentos de empresas privadas. Em duas semanas, as doações foram entregues às tropas e comecei a receber cartas e fotografias de agradecimento extraordinárias, contando como os homens se revezavam para treinar de modo a maximizar o acesso aos novos aparelhos.

Sempre tive apreço pelas Forças Armadas, já que fui beneficiado pelo sonho americano, cuja segurança é garantida por sua coragem e dedicação. Desde meus primeiros dias como campeão de fisiculturismo, fiz questão de visitar bases militares e navios de guerra em qualquer oportunidade. Quando comecei a fazer cinema, foi natural incluir as bases militares americanas nas minhas turnês de divulgação no exterior. Muitas vezes visitei também destacamentos de fuzileiros navais nas embaixadas americanas no Japão, na Alemanha, na Coreia do Sul, na Rússia e em muitos outros países. Não há escola de interpretação que ensine como entreter soldados, mas troquei umas ideias com outras celebridades como Jay Leno e bolei um esquete. Falava sobre meus filmes, fazia um pouco de comédia stand-up (quanto mais grosseiras as piadas, melhor), levava um filme novo para os soldados assistirem e às vezes distribuía charutos. O importante era animá-los – e agradecer a eles. Muito mais tarde, quando eu já era governador, as pessoas de Sacramento, capital da Califórnia, viviam me perguntando: “Por que o senhor gasta tanto tempo com as Forças Armadas? Por que luta para que os soldados possam estudar de graça? Por que conceder empréstimos estudantis a eles? Por que se esforçar tanto para que consigam emprego? Por que lutar a fim de acelerar a criação de casas de repouso para veteranos e para construir mais habitações destinadas a ex-combatentes do que qualquer outro governador na história do estado? Por que tanto esforço para dar visibilidade à síndrome do estresse pós-traumático e ajudar esses jovens na volta para casa?” A resposta era simples: os Estados Unidos não seriam a terra dos livres se não fossem também o lar dos bravos. Quando vemos o trabalho dos membros das Forças Armadas e os riscos que eles assumem, percebemos que devemos muito a eles.

Só testemunhei assuntos sérios em Camp David uma única vez. Evidentemente, a sala de reuniões que em geral servia como centro de comando para o presidente ficava fora da área permitida aos hóspedes. Em uma tarde de fevereiro de 1991, porém, durante uma de minhas visitas, estava sentado em meu quarto lendo um roteiro quando o presidente me chamou: “Venha conhecer o pessoal.”

Eles estavam descansando em volta da grande mesa, no meio de uma pausa para o lanche. Bush me apresentou e disse: “Estamos aqui tomando importantes decisões sobre a guerra no Oriente Médio.” A fase de ataques aéreos da Operação Escudo do Deserto já havia começado, e fazia muitos meses que os Estados Unidos e seus parceiros da coalizão estavam reunindo suas forças blindadas. “Olhe só essas imagens”, continuou o presidente, mostrando-me fotos de reconhecimento aéreo. Então exibiu o vídeo feito por uma câmera presa ao capacete do tripulante de um tanque, indicando como estavam próximos da fronteira. As divisões blindadas faziam manobras, fingiam atacar a fronteira e depois recuavam, e ele explicou que algum dia, em breve, elas iriam simplesmente continuar avançando até entrar no Kuwait e no Iraque. “Eles vão ser pegos de surpresa, e ao mesmo tempo vão ser atacados por...”, e me mostrou as posições no Golfo Pérsico dos navios dos quais a marinha estava pronta para lançar mísseis de cruzeiro, além de um desembarque anfíbio de fuzileiros navais. “Vai ser um ataque tão poderoso que eles não vão nem acreditar”, comentou.

O planejamento da guerra, então, recomeçou do ponto em que havia parado, de modo informal, em volta daquela mesa. A intensidade e o foco da conversa me lembraram os de uma sala de cirurgia. Sim, aqueles homens estavam lidando com a vida e a morte, mas já tinham tomado decisões iguais àquela antes e sabiam o que tinham que fazer. Ninguém estava em pânico. O tom informal era apenas um reflexo de Camp David – a atmosfera era menos tensa que na Casa Branca, e era por isso que eles preferiam se reunir ali.

Quando todos terminaram de comer, o presidente falou: “Vou mostrar a Arnold o cavalo dele e volto daqui a 20 minutos.”

Fui embora no dia seguinte sabendo que a guerra em terra iria começar dali a 48 horas. Era uma quinta-feira, e o ataque seria em 23 de fevereiro. Passei esse tempo todo pensando: “Eu sei uma coisa que ninguém mais sabe – nem a imprensa –, a não ser as pessoas que estavam naquela sala.” O fato de o presidente Bush ter depositado essa confiança em mim teve um efeito poderoso. Senti que nunca, jamais haveria uma ocasião, fosse ela qual fosse, em que eu violaria essa confiança ou decepcionaria aquele homem.


O RESTO DE 1991 FOI PERFEITO PARA MIM: em casa, no conselho e no cinema. O exterminador do futuro 2 – O julgamento final estreou nos cinemas no fim de semana do 4 de Julho e logo se tornou o maior sucesso de bilheteria da minha carreira. Apenas três semanas depois, Christina veio ao mundo. Também me tornei o orgulhoso proprietário do primeiro Hummer civil, cujo equivalente militar, o HMMWV, ou Humvee, tivera uma participação decisiva na Guerra do Golfo. Eu havia conhecido o Humvee no verão anterior, no Oregon, durante as filmagens de Um tira no jardim de infância. Vi passar um comboio desses veículos do exército e me apaixonei. Era o utilitário mais bonito e mais robusto que eu já vira. Tinha itens de fábrica que as pessoas gastavam milhares e milhares de dólares para acrescentar como opcionais em seus jipes ou Blazers da Chevrolet: rodas e espelhos extragrandes, carroceria elevada, faróis suplementares incluindo infravermelhos, protetor frontal e um guincho para poder sair de enrascadas. O Humvee já tinha um aspecto poderoso sem que se precisasse acrescentar nada!

Eu não apenas queria um carro daqueles para uso pessoal como tive certeza de que, se conseguisse convencer o fabricante a fazer uma versão para o grande público, haveria um mercado prontinho para ele. Foi esse o meu discurso quando me reuni em Lafayette, Indiana, com o presidente executivo e outros diretores da AM General, empresa que fabricava o Humvee para as Forças Armadas. Consegui autorização para comprar um modelo da versão militar, então entreguei o veículo a outra empresa com a instrução de adequá-lo às normas de trânsito e tornar o interior mais urbano. Depois disso, devolvi o carro à AM General e falei: “Agora copiem isto aqui.” A empresa seguiu minhas instruções, e foi por causa disso que o Hummer, quando chegou ao mercado, foi identificado tão fortemente com minha imagem.

Também tive uma aventura empresarial interessante nesse mesmo ano. Em outubro, juntei-me a Sylvester Stallone e Bruce Willis para a inauguração oficial de uma nova e reluzente máquina de fazer dinheiro: uma cadeia de restaurantes e merchandising de celebridades chamada Planet Hollywood. Todas os famosos que se podia imaginar apareceram. Não foi apenas um evento, mas o início de um império.

A ideia era abrir filiais do Planet Hollywood no mundo inteiro e transformá-las em um ímã para os apaixonados por astros do cinema americano. Os restaurantes seriam decorados com itens e objetos de cena cinematográficos – como por exemplo o macacão de aviador de Tom Cruise em Top Gun – Ases indomáveis, o maiô de Jayne Mansfield em Sabes o que quero e uma motocicleta de O exterminador do futuro. Os restaurantes promoveriam estreias, receberiam a visita de atores e atrizes e venderiam jaquetas, camisetas e outros suvenires exclusivos. A ideia fora de Keith Barish, produtor de cinema, e Robert Earl, responsável pela criação da cadeia mundial de restaurantes temáticos de música Hard Rock Café. Keith convencera Robert de que restaurantes com o tema Hollywood poderiam fazer ainda mais sucesso que os de música – sobretudo agora que a Cortina de Ferro caíra e que o mundo inteiro estava aberto à influência da cultura americana. Os dois me falaram sobre a ideia. “Gostaríamos que você fosse nosso sócio”, disseram. “Não queremos uma celebridade maluca que não entenda nada do assunto. Você tem tino para negócios e é o astro número um de Hollywood. Se entrar nessa, outros virão atrás.”

Achei o plano bacana, e a notícia logo se espalhou. Em pouco tempo, meu advogado, Jake Bloom, que também representava Sly e Bruce, disse que os dois estavam querendo entrar no negócio.

– Você se importa? – perguntou.

– É claro que não – respondi.

Fiquei particularmente feliz pelo interesse de Sly. Jake sabia que Stallone e eu tínhamos uma rixa de anos que remontava à época de Rocky e Rambo, quando ele era o mais importante herói de ação e eu vivia tentando me igualar a ele. Quando fiz Conan, o destruidor, lembro que comentei com Maria: “Finalmente vou ganhar 1 milhão de dólares por um filme, mas agora Stallone está ganhando 3. Tenho a impressão de que não evoluí nada.” Para me motivar, passara a visualizar Stallone como meu arqui-inimigo, da mesma forma que havia demonizado Sergio Oliva quando estava tentando conquistar o título de Mister Olympia. Passei a detestá-lo de tal forma que comecei a criticá-lo em público, falando mal de seu corpo e de seu jeito de se vestir, e minhas declarações saíram na imprensa.

Não podia culpá-lo por ter revidado. Na verdade, ele havia intensificado a rixa vazando secretamente para a mídia informações negativas sobre mim. Durante algum tempo, Sly chegou a pagar as contas do advogado de um jornalista britânico que eu havia processado por difamação. Mas o tempo havia passado, eu tinha me tornado muito mais confiante em relação à minha posição de estrela do cinema e queria me entender com ele. Falei para Jake: “Diga que vai ser um prazer tê-lo conosco, e que essa é a minha forma de deixar todas as nossas diferenças para trás e fazer as pazes.”

Assim, Sly, Bruce e eu nos tornamos uma equipe. Íamos de avião às inaugurações dos restaurantes, cumprimentávamos as celebridades locais, acenávamos para as câmeras, falávamos com a imprensa e fazíamos o possível para recompensar a lealdade dos fãs. No avião, Sly e eu fumávamos charutos e contávamos piadas. Nunca mencionamos a briga. Adotamos a atitude masculina típica: negamos os fatos como se nunca tivesse havido problema nenhum e nada jamais houvesse ocorrido. Foi assim que seguimos em frente.

Mesmo com tudo isso acontecendo, eu podia sentir que estava começando a ficar inquieto. A sensação me lembrou a ansiedade que sentira depois que venci o Mister Olympia pela terceira ou quarta vez. De repente, ter o corpo mais musculoso do mundo não significava tanta coisa assim. Fora uma fase pela qual eu tivera que passar, um meio necessário para alcançar um fim: o fisiculturismo me levara aos Estados Unidos e me permitira entrar para o cinema. Mas eu havia superado essa fase da mesma forma que deixara de brincar com trenzinhos de madeira quando criança. É claro que continuava querendo promover a boa forma física e o fisiculturismo como esporte. Mas ser o homem mais musculoso do mundo não significava mais nada para mim.

O desafio seguinte tinha sido me tornar o maior dos astros de filmes de ação. Depois de algum tempo, também conseguira alcançar esse objetivo. Então me dedicara à etapa seguinte: comédias. Mas sempre soubera que isso também iria passar.

Nos sete anos de intervalo entre as duas partes de O exterminador do futuro, meus sentimentos em relação à indústria do cinema tinham mudado. Ao longo dos anos 1980, eu emendava um filme no outro com entusiasmo. Estava mirando bem lá no topo, tentando dobrar meu cachê a cada projeto, emplacar o campeão de bilheteria e ser o maior de todos os astros. Eu literalmente odiava ter que dormir. Quando fiz O exterminador do futuro, sonhava em ser capaz de viver sem precisar descansar, como uma máquina. Assim poderia trabalhar a noite inteira no set com Jim Cameron e de manhã simplesmente trocar de roupa e ir fazer outro filme com um diretor diferente. “Não seria genial?”, pensava. “Eu poderia fazer quatro filmes por ano!”

Agora, porém, depois de O julgamento final, eu via as coisas de forma totalmente diferente. Minha família estava crescendo. Eu queria ter uma vida boa. Queria passar mais tempo com minha mulher e minhas filhas, ver Katherine e Christina crescerem, poder frequentar eventos com elas, fazer viagens nas férias... Queria estar em casa quando elas chegassem da escola.

Assim, tentei bolar um jeito de equilibrar meu tempo. Pensei que fazer um filme por ano talvez fosse o ideal. As pessoas agora já aceitavam o fato de que eu era um dos astros mais importantes da indústria, de modo que eu não precisava provar mais nada. No entanto, elas esperavam mais filmes, então eu precisava ter o cuidado de estrelar as produções certas. Se ouvisse uma ideia ou lesse um roteiro excelente, que despertasse alguma coisa em mim, queria estar disponível para embarcar nesse projeto. Mas o mundo também me oferecia outras oportunidades, e atuar já não era mais suficiente.

Pensei que talvez o jeito de me manter motivado fosse fazer como Clint Eastwood: incrementar a carreira de ator com a ocasional direção e produção de um filme – às vezes atuando ao mesmo tempo. Novos desafios me atraíam, assim como novos riscos. Clint era uma das poucas personalidades hollywoodianas que tinham a cabeça no lugar. Era bom nos negócios, nunca perdia dinheiro e era sensato em seus investimentos. Vivia se envolvendo em projetos nos quais acreditava com fervor, como seu restaurante e seus campos de golfe no norte da Califórnia. Eu o idolatrava desde que chegara aos Estados Unidos. Não sabia se tinha esse tipo de talento, mas talvez pudesse tentar ser como ele quando atuar passasse definitivamente a não ser mais o bastante para mim e eu estivesse à procura de um novo desafio.

Havia um caminho radicalmente diferente que eu podia me ver seguindo. Clint tinha sido eleito prefeito de sua cidade natal, Carmel, na Califórnia. A carreira política também me atraía, embora na época eu ainda não soubesse qual cargo poderia vir a tentar ocupar. Mesmo assim, não havia como não ser influenciado pela convivência com as famílias Shriver e Kennedy, apesar de estarmos em lados politicamente opostos.

Em novembro de 1991, Richard Nixon deu um empurrãozinho surpresa para que eu me candidatasse a um cargo político. Ele me convidou para passar em seu escritório antes de um evento beneficente em sua biblioteca presidencial, marcado para algumas horas depois da inauguração da Biblioteca Reagan. Eu sabia que Nixon era odiado por muita gente e estava a par do escândalo de Watergate e das dificuldades que ele obrigara o país a atravessar. Tirando isso da equação, porém, tinha admiração por Nixon e o considerava um presidente fantástico. Acho que sabia que eu era seu fã, pois eu tecera elogios a ele para a imprensa mesmo no auge de sua impopularidade. Adorava especialmente falar sobre ele, pois tenho um lado que gosta de ser rebelde e chocar os outros.

Quando me convidou para o evento por telefone, ele falou: “Quero que você se divirta, Arnold.”

Na verdade, sem me avisar, ele estava armando o cenário para que eu fizesse um discurso. Sem desconfiar de nada, aceitei e levei meu sobrinho Patrick, filho de meu falecido irmão e de sua noiva, Erika Knapp. Agora um rapaz de 20 e poucos anos, Patrick havia se formado pela Faculdade de Direito da Universidade do Sul da Califórnia e fora contratado por meu advogado, Jake Bloom, especializado na área de entretenimento. Eu adorava acompanhá-lo e lhe ensinar os macetes do ofício. Assim, fomos juntos cumprimentar o ex-presidente no evento beneficente, que atraiu cerca de 1.300 convidados.

Nixon era muito atento às pessoas. Sabia ler os pensamentos alheios, e isso me deixava impressionado.

– Arnold, quero que você venha à minha sala – disse ele.

– Meu sobrinho pode ir também?

– Claro.

Logo que entramos em sua sala, ele fechou a porta e me extraiu informações sobre todo tipo de coisa: o que eu andava fazendo, como estava minha carreira no cinema, por que eu era republicano, por que me envolvera com política. Depois de responder, eu lhe disse o que realmente pensava:

– Vim para os Estados Unidos porque aqui é o lugar mais incrível do mundo, e vou tentar fazer tudo o que puder para mantê-lo assim. Para isso acontecer, não podemos ter imbecis se candidatando à presidência e frequentando a Casa Branca. Precisamos de bons líderes e temos que implementar os objetivos e fazer com que eles sejam os mesmos nos estados e nas cidades. Então eu quero sempre ter a certeza de que estou votando na pessoa certa e fazendo campanha pela pessoa certa. Preciso saber que ideais elas defendem, em quem votaram no passado, de que maneira representam seu estado, se foram grandes líderes, esse tipo de coisa.

Com base no que havia aprendido em meu cargo no President’s Council, contei-lhe sobre os desafios da Califórnia nas áreas de saúde e educação. Também falei sobre o desafio de tornar o estado mais receptivo aos negócios.

Então alguém entrou na sala e disse:

– Sr. Presidente, o público está quase pronto para recebê-lo.

Nós dois nos levantamos. Logo antes de sairmos, ele se virou para mim e falou:

– Você tem que se candidatar a governador da Califórnia. Se fizer isso, vou ajudá-lo ao longo de todo o caminho.

Ele me pegou de surpresa, pois não estávamos de forma alguma falando sobre isso. Nixon foi o primeiro a abordar o assunto para mim de forma séria.

Ele pediu que Patrick fosse se sentar na plateia e me disse:

– Fique aqui. Vá se posicionar perto do palanque.

Já havia algumas pessoas em pé lá em cima, entre as quais Bob Hope e outras celebridades, então fui me juntar a eles.

Nixon, então, foi até o microfone e começou a falar. O discurso foi bom, tranquilo, e fiquei impressionado ao ver que ele não levara nada anotado. Discorreu com eloquência sobre a biblioteca e sua missão, a respeito da importância daquele evento beneficente, sobre algumas de suas realizações ao longo da vida, acerca de políticas públicas que deveriam continuar e assim por diante.

– E não posso me esquecer dos importantes seguidores que tenho aqui. Vocês são os responsáveis por fazer isto tudo acontecer, e sou muito grato pelo seu apoio – falou. – Mas agora quero chamar uma pessoa que representa o futuro deste estado e...

Não ouvi o que ele disse depois, porque meu coração havia disparado.

“Talvez ele queira só mencionar meu nome”, pensei. No fundo, porém, sabia que ele estava prestes a me chamar para falar. Duas partes na minha mente começaram na mesma hora a travar um debate. Uma delas dizia “Que porra é essa? Putz, não estou preparado para isso”, enquanto a outra falava “Cara, o presidente Nixon está falando de você. Fique feliz!”.

Ouvi Nixon dizer:

– Arnold, suba até aqui.

Aplausos estrondosos ressoaram.

Então avancei até ficar na frente de todas aquelas pessoas e fui apertar a mão do presidente. Em seguida ele sussurrou, mas em um tom perfeitamente audível pelo microfone:

– Acho que você deveria dizer algumas palavras.

Por sorte, quando temos uma boa impressão de alguém e sabemos especificamente por quê, ser sincero não é nada complicado. Eu não titubeei. Cheguei até a fazer piada.

– Bom, eu adoro ser chamado para fazer um discurso sem aviso prévio, então muito obrigado.

Ouviram-se algumas risadas. Continuei falando por alguns minutos sobre como havia me tornado republicano. Contei que vira Nixon na TV pela primeira vez durante a campanha presidencial de 1968, “quando ele estava falando sobre apoiar a segurança pública!” Algumas pessoas aplaudiram e eu continuei:

– Ele apoiava os militares, o Pentágono, a expansão militar, e dizia que os Estados Unidos só podem ser poderosos se tiverem Forças Armadas potentes.

Mais aplausos.

– E ele falou sobre construir uma economia que fosse global. Falou em eliminar tarifas e barreiras ao comércio e que, em última instância, o que precisamos proteger é a nossa prosperidade, não a mão de obra!

Mais aplausos ainda.

– Eu adorei ouvi-lo dizer tudo isso. Como vinha de um país socialista, adorei sobretudo ouvir alguém dizer: “Tirem o governo de cima da gente.”

Mais aplausos, mais vivas.

– Então eu me tornei um grande fã desse homem. Fui um de seus grandes defensores e estou aqui hoje porque ainda sou. Precisamos de mais líderes como ele!

Agora a plateia inteira estava aplaudindo e dando vivas. Foi o paraíso.

Depois do discurso, o ex-presidente me levou até sua sala e falou:

– Lembre-se do que eu lhe disse sobre se candidatar a governador.

Pensei que, já que vinha de alguém como Nixon, a ideia de acabar seguindo o caminho da política não devia ser tão absurda assim, mas meus sentimentos em relação ao assunto nunca foram tão intensos a ponto de eu sentir que com certeza era algo que iria acontecer. Virar político nunca foi uma daquelas coisas “a fazer neste ano”. Não fiquei pensando no assunto, não estabeleci nenhum prazo. Permaneci bem tranquilo.

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