CAPÍTULO 8
Aprendendo inglês
APESAR DE SER O REI DO FISICULTURISMO, na vida cotidiana em Los Angeles eu não passava de mais um imigrante dando duro para aprender inglês e ganhar a vida. Tinha o pensamento tão concentrado no que estava fazendo nos Estados Unidos que raramente me lembrava da Áustria ou da Alemanha. Sempre que ia competir na Europa, visitava meus pais, e mantive contato com Fredi Gerstl, em Graz, e com Albert Busek, em Munique. Muitas vezes cruzava com Albert e outros amigos europeus no circuito do fisiculturismo. Mandava regularmente cartas e fotos para meus pais, contando-lhes o que andava fazendo. Sempre que ganhava algum campeonato, mandava o troféu para eles, pois não precisava daquilo no meu apartamento e queria que eles sentissem orgulho de mim. Não sei bem se alguma dessas coisas teve muito significado para eles no início, mas, depois de um tempo, eles penduraram as fotos na parede e fizeram uma prateleira especial em sua casa para exibir os troféus.
Meu pai respondia em nome do casal. Ele sempre mandava de volta minha carta original toda rabiscada com tinta vermelha, para corrigir meus erros de ortografia e gramática. Disse que fazia isso porque achava que eu estava perdendo o contato com a língua alemã, mas esse era um hábito que ele tinha desde que eu e Meinhard éramos crianças, marcando os erros nas redações que nos mandava escrever. Esse tipo de coisa tornava fácil acreditar que meus pais e a Áustria tinham congelado no tempo. Eu ficava satisfeito por estar longe, vivendo minha própria vida.
Meinhard e eu quase não mantínhamos contato. Assim como eu, ele havia concluído a escola profissionalizante e servido o exército por um ano. Em seguida, fora trabalhar em uma empresa de eletrônicos, primeiro em Graz, depois em Munique na mesma época em que morei lá. Mas nossos caminhos raramente se cruzavam. Ele se vestia com elegância, era muito festeiro e tinha uma vida amorosa agitada. Fora transferido recentemente para a cidade austríaca de Innsbruck, onde ficara noivo de Erika Knapp, uma linda moça com quem já tinha um filho de 3 anos chamado Patrick, e por fim dava mostras de que iria sossegar.
Mas ele nunca teve essa oportunidade. Na primavera de 1971, quando eu estava viajando depois de vencer o Mister Olympia, o telefone tocou certo dia em nosso apartamento. Era minha mãe, ligando para dar a terrível notícia de que meu irmão tinha morrido em um acidente de carro. Meinhard havia batido quando dirigia sozinho, bêbado, em uma estrada de montanha perto do resort alpino de Kitzbühel. Tinha apenas 25 anos.
Eu estava em Nova York e quem atendeu o telefone foi Franco. Por algum motivo, a notícia o deixou tão abalado que ele não conseguiu me contar. Só quando voltei a Los Angeles, três dias depois, ele me disse:
– Preciso contar uma coisa para você, mas só depois do jantar.
Levei algum tempo, mas acabei conseguindo extrair dele a notícia da morte do meu irmão.
– Quando foi isso? – perguntei.
– Sua mãe ligou faz três dias.
– E por que você não me contou antes?
– Eu não sabia como contar. Você estava em Nova York, ocupado. Quis esperar a sua volta.
Se ele tivesse me avisado em Nova York, eu já estaria a meio caminho da Áustria. Fiquei comovido com sua preocupação, mas também frustrado e desapontado.
Liguei para meus pais na mesma hora. No início, minha mãe soluçava tanto ao telefone que mal conseguiu falar. Mas então ela me disse:
– Não, o enterro não vai ser aqui. Nós vamos sepultar Meinhard em Kitzbühel. Vamos para lá amanhã de manhã, e a cerimônia vai ser bem simples.
– Eu acabei de saber – falei.
– Bom, se eu fosse você, não tentaria vir agora, porque mesmo se pegar o primeiro avião, com as nove horas de fuso e o voo longo, acho que não vai conseguir chegar a tempo – disse ela.
Foi um golpe terrível para a família. Pude sentir na voz de meu pai e de minha mãe quanto eles estavam arrasados. Nenhum de nós tinha muito talento para expressar sentimentos, e eu não soube o que dizer. Que sentia muito? Que era uma coisa horrível? Isso eles já sabiam. A notícia me deixou anestesiado. Meinhard e eu tínhamos nos distanciado – eu só o vira uma vez nos três anos desde que me mudara para os Estados Unidos –, mas mesmo assim minha mente foi inundada por lembranças de nós dois brincando juntos quando crianças, saindo juntos com garotas um pouco mais velhos, rindo. Nunca mais faríamos essas coisas. Eu nunca mais o veria. Tudo o que consegui fazer foi afastar esse pensamento da mente para poder continuar tentando alcançar meus objetivos.
MERGULHEI DE CABEÇA NA VIDA em Los Angeles. Estudava, malhava cinco horas por dia na academia, trabalhava nas empresas de construção e de vendas por correspondência, participava de eventos e exibições – tudo ao mesmo tempo. Franco também andava bem ocupado. Nós dois tínhamos agendas lotadíssimas, e alguns dias começavam às seis da manhã e só terminavam à meia-noite.
Falar inglês fluentemente continuava a ser a tarefa mais árdua na minha lista. Eu invejava Artie Zeller, meu amigo fotógrafo, o tipo de pessoa capaz de passar uma semana na Itália com Franco e voltar falando italiano. Eu não era assim. Não conseguia acreditar que era tão difícil aprender um novo idioma.
No início, tentava traduzir tudo de forma literal: ouvia ou lia alguma coisa, convertia em alemão na cabeça e então me perguntava: “Por que em inglês tudo precisa ser tão complicado?” Havia coisas que eu simplesmente não conseguia entender, por mais que me explicassem. As contrações, por exemplo. Por que não falar I have ou I will em vez de I’ve e I’ll?
A pronúncia era especialmente perigosa. Um dia, para me agradar, Artie me levou a um restaurante húngaro-judaico, onde os pratos eram os mesmos da culinária austríaca. O dono veio anotar nosso pedido e eu falei:
– Vi uma coisa no cardápio de que gostei. Vou querer um pouco desse seu lixo.
– Como é? Está chamando minha comida de quê?
– Vou querer um pouco desse lixo aqui.
Artie interveio depressa.
– Ele é austríaco – explicou. – Quis dizer repolho. Está acostumado com o repolho da Áustria. – Eu estava dizendo garbage, lixo, quando na verdade queria dizer cabbage, repolho.
Aos poucos, porém, graças às aulas no Santa Monica College, comecei a fazer alguns progressos. Frequentar essa faculdade realmente me deixou animado para aprender. No primeiro dia de aula de inglês para estrangeiros, eu estava sentado na sala junto com vários outros imigrantes quando o Sr. Dodge, nosso professor, perguntou: “Vocês preferem ficar dentro ou fora?”
Todos nós nos entreolhamos, tentando entender o que ele estava querendo dizer.
Ele apontou para a janela e explicou: “Estão vendo aquela árvore ali? Bom, se quiserem, podemos ir para debaixo da sombra dela e ter a aula ali.”
Então saímos e fomos nos sentar na grama debaixo da árvore, em frente ao prédio. Achei aquilo o máximo. Em comparação com o ensino na Europa, todo formal e estruturado, aquilo era inacreditável! “Vou ter uma aula ao ar livre, sentado debaixo de uma árvore, como se estivesse de férias!”, pensei. “Assim que este semestre acabar, vou me inscrever em outro curso!” Liguei para Artie e falei que ele deveria passar lá na semana seguinte, para tirar uma foto de nós todos sentados sob a árvore.
No outro semestre, para falar a verdade, me matriculei em mais dois cursos. Vários alunos estrangeiros ficavam intimidados com a ideia de fazer curso superior, mas o Santa Monica College me tratava de uma forma tão tranquila e os professores eram tão simpáticos que achei aquilo uma diversão.
Depois de o Sr. Dodge me conhecer um pouco melhor e de eu lhe falar sobre meus objetivos, ele me apresentou a um orientador vocacional, que me disse:
– O Sr. Dodge falou que eu deveria orientá-lo para outros cursos além do inglês. Do que você gosta?
– Gosto de administração de empresas.
– Bem, eu tenho um curso bom para iniciantes, no qual o inglês não é muito complicado... Vários estrangeiros assistem às aulas. Temos um bom professor, que entende os alunos de fora.
O orientador, então, montou uma pequena grade curricular para mim.
– Anotei aqui oito cursos que você deveria fazer além do inglês. São todos na área de administração. Se eu fosse você, também estudaria um pouco de matemática. É preciso saber entender a linguagem da matemática. Assim, quando alguém disser “divisão”, você vai saber o que significa. E “decimal” também, e “fração”. São palavras que se ouve o tempo todo, e você talvez não as compreenda.
– Tem toda a razão, não compreendo mesmo – falei.
Então me matriculei em um matéria em que estudávamos alguns números decimais e um pouco de álgebra simples, e comecei a reaprender a linguagem da matemática.
O orientador também me ensinou a encaixar as aulas na vida que eu levava.
– Soube que você é atleta, então as coisas talvez fiquem complicadas em determinados semestres. Como as grandes competições são sempre no outono, quem sabe você possa fazer apenas um curso durante o verão? Pode estudar uma vez por semana, das sete às dez da noite, depois do treino. Tenho certeza de que consegue.
Achei ótima a maneira como ele lidou comigo. Era muito bom poder acrescentar os estudos aos meus objetivos. Não havia pressão nenhuma, já que ninguém estava me dizendo: “Você tem que fazer faculdade. Precisa se formar em alguma coisa.”
Eu tinha também um professor particular na Gold’s: antes de ir treinar na Califórnia, Frank Zane dera aulas de álgebra na Flórida. Não sei por quê, mas na verdade vários fisiculturistas já tinham sido professores. Frank me ajudava com os deveres e as traduções, me dando explicações e trabalhando junto comigo quando eu não entendia. Na Califórnia, ele havia mergulhado fundo na filosofia oriental, na meditação e no relaxamento da mente. Mas só me interessei por essas coisas mais tarde.
Se eu houvesse detectado alguma ameaça séria à minha primazia, teria me concentrado totalmente no fisiculturismo, mas não havia ninguém no radar. Assim, desviei um pouco da minha atenção para outras ambições. Sempre anotava meus objetivos, como havia aprendido a fazer no clube de levantamento de peso lá em Graz. Não bastava apenas dizer a mim mesmo algo do tipo: “Minha resolução de ano-novo é perder 9 quilos, melhorar meu inglês e ler um pouco mais.” Não. Isso era apenas um começo. Naquela ocasião eu precisava especificar muito mais cada objetivo, para que todas essas boas intenções não ficassem apenas flutuando no ar. Assim, pegava fichas e anotava o que iria fazer:
– fazer mais 12 créditos na faculdade;
– ganhar dinheiro suficiente para economizar 5 mil dólares;
– malhar cinco horas por dia;
– ganhar 3 quilos de pura massa muscular;
– encontrar um prédio de apartamentos para comprar e morar.
Pode até parecer que eu estava me prendendo ao estabelecer objetivos tão específicos, mas na realidade era o contrário: essa lista me liberava. Saber exatamente aonde eu queria chegar me deixava livre para improvisar o caminho que iria percorrer para chegar lá. Os 12 créditos a mais que eu precisava cursar na faculdade são um exemplo. Pouco importava de onde eles viessem – isso eu decidiria depois. Daria uma olhada nos cursos oferecidos, em quanto cada crédito custava e se eles se encaixavam nos meus horários e nas regras do meu visto. Naquele momento, eu não precisava me preocupar com os detalhes exatos, porque já sabia que iria conseguir os tais créditos.
Minha condição de imigrante foi um dos obstáculos que precisei contornar enquanto cursava a faculdade. Eu tinha um visto de trabalho, não de estudante, de modo que só podia estudar em meio período. Nunca podia fazer mais de dois cursos ao mesmo tempo em uma faculdade só, então tinha que ficar trocando de instituição. Por isso, estudei também no West Los Angeles College e fiz cursos de extensão no campus de Los Angeles da Universidade da Califórnia (UCLA). Percebi que isso seria problemático se eu quisesse obter um diploma, pois teria que vincular todos esses créditos entre si para poder validá-los. Meu objetivo, porém, não era um diploma. Tudo o que eu precisava fazer era estudar o máximo que pudesse no meu tempo livre e aprender como os americanos administravam seus negócios.
Assim, no Santa Monica College as aulas de inglês se transformaram em inglês, matemática, história e administração de empresas. Na Escola de Administração da UCLA fiz cursos de contabilidade, marketing, economia e administração. Já tinha estudado contabilidade na Áustria, é claro, mas nos Estados Unidos foi totalmente diferente. Os computadores eram uma novidade que acabara de surgir: usavam-se máquinas enormes da IBM, com cartões perfurados e fitas magnéticas. Gostei de aprender sobre isso, pois para mim aquela era a maneira americana de fazer as coisas. A faculdade combinava com meu temperamento disciplinado. Eu gostava de estudar. Era muito agradável ter que ler livros para fazer trabalhos e participar dos debates em sala de aula. Eu também gostava de estudar com os outros alunos, que convidava para tomar café e fazer os deveres comigo no meu apartamento. Os professores incentivavam essa prática: se alguém não entendesse alguma coisa, outro aluno podia explicar. Isso tornava as discussões em sala bem mais eficazes.
Um dos cursos exigia que lêssemos o caderno de negócios do jornal diariamente, a fim de nos prepararmos para discutir as manchetes e matérias durante a aula. Então abrir o jornal no caderno de negócios se tornou meu primeiro hábito matinal. O professor dizia: “Temos aqui uma matéria interessante sobre como os japoneses compraram uma siderúrgica americana, desmantelaram-na inteira e tornaram a montá-la no Japão. Agora estão produzindo aço mais barato do que aqui e revendendo com lucro para os americanos. Vamos falar sobre isso.” Eu nunca conseguia prever o que me deixaria impressionado. Um palestrante convidado da UCLA nos disse que, em vendas, quanto mais corpulento o vendedor, mais probabilidade tinha de fechar negócios. Achei isso fascinante, porque sou um cara grande. Pensei: “Bom, eu peso 113 quilos, então, quando for vender alguma coisa, meu negócio vai ter que ser imenso.”
Também arrumei uma namorada firme, fato que teve uma influência tranquilizadora na minha vida. Não que fosse difícil conhecer mulheres. Assim como o rock, o fisiculturismo tinha suas próprias tietes. Elas viviam por perto, nas festas, nas exibições, às vezes até nos bastidores das disputas, se oferecendo para ajudar a passar óleo nos competidores. Apareciam na academia e na praia para nos ver malhar. Dava para ver na hora quais estavam disponíveis. Bastava ir a Venice Beach para conseguir 10 números de telefone. Mas Barbara Outland era diferente, pois gostava de mim como pessoa e nem sequer sabia o que era fisiculturismo. Nós nos conhecemos na delicatéssen Zucky’s em 1969. Um ano mais nova que eu, ela era universitária e estava trabalhando como garçonete no verão. Começamos a sair juntos e tínhamos longas conversas. Meus amigos da academia logo começaram a zombar de mim: “Arnold está apaixonado.” Quando Barbara voltou para a faculdade, fiquei pensando nela e chegamos a nos corresponder – coisa que eu jamais tinha feito.
Eu gostava de namorar, de ter alguém que visse com mais frequência. Podia compartilhar a vida de Barbara, sua carreira de professora, a escola em que ela trabalhava e seus objetivos. Podia dividir com ela minha ambição, meus treinos, meus altos e baixos.
Ela era muito mais uma garota normal do que uma mulher fatal: loura, pele queimada de sol, saudável. Estava estudando para se tornar professora de inglês, e era óbvio que seu objetivo comigo não era apenas diversão. Suas amigas que namoravam estudantes de direito e medicina me achavam estranho, mas Barbara não ligava. Ela me admirava por anotar meus objetivos em fichas de papel. Seus pais foram maravilhosos comigo. No Natal, cada membro da família me deu um presente – e mais tarde, quando levei Franco, ele também ganhou presentes. Barbara e eu fomos juntos ao Havaí, a Londres e a Nova York.
Em 1971, quando ela se formou e se mudou para Los Angeles para começar a trabalhar, Franco estava se preparando para sair do apartamento. Ele também estava sossegando o facho: começara a estudar quiropraxia e ficara noivo de uma moça chamada Anita, que já era estabelecida como quiroprática. Quando Barbara falou em ir morar comigo, isso me pareceu totalmente natural, uma vez que ela já passava mesmo muito tempo na minha casa.
Assim como eu, ela também tinha o hábito de poupar cada centavo. Em vez de ir a lugares elegantes, nós fazíamos churrascos no quintal de casa e passávamos o dia na praia. Por estar muito envolvido na carreira, eu não era o melhor candidato do mundo a um relacionamento sério, mas gostava de ter uma companheira. Era ótimo ter alguém em casa quando chegava.
O fato de Barbara ser professora de inglês era outra vantagem. Ela me ajudou muito com a língua e os trabalhos da faculdade. Também era muito útil no trabalho de vendas por correspondência e para escrever cartas, embora eu logo tenha contratado uma secretária. Mesmo assim, aprendemos que, quando você se relaciona com alguém que fala outra língua, tem que tomar um cuidado especial com as falhas de comunicação. Nós tínhamos brigas ridículas. Certa vez, fomos assistir ao filme Desejo de matar. Na saída ela comentou:
– Eu gosto de Charles Bronson porque ele é bem robusto, bem másculo.
– Não acho Charles Bronson tão másculo assim – falei. – Ora, o cara é magrelo! Em vez de másculo, eu diria que ele é atlético.
– Não – retrucou ela. – Você acha que eu estou chamando ele de musculoso, mas não é isso que estou dizendo. Falei que ele é másculo. Isso é outra coisa.
– Másculo, musculoso, é tudo a mesma coisa, porra. Para mim ele é atlético.
– Mas para mim ele é muito másculo.
– Não, você está errada... – insisti, e a discussão continuou.
Assim que chegamos em casa, fui consultar o dicionário. Ser másculo era totalmente diferente de ser musculoso – significava que Bronson era viril e forte, o que de fato ele era. Pensei: “Que idiotice. Puxa vida, você tem que aprender essa língua! Que besteira bater boca por causa de uma coisa dessas.”
DEPOIS QUE GANHEI O MISTER OLYMPIA, Weider começou a me mandar em viagens promocionais pelo mundo inteiro. Eu embarcava em um avião e ia me apresentar em algum shopping onde seus produtos fossem distribuídos ou para o qual ele estivesse tentando se expandir. Vender era uma das coisas que eu mais gostava de fazer. Por exemplo, postado no meio do shopping Stockmann, na Finlândia, com uma tradutora, rodeado por algumas centenas de pessoas das academias da região, já que a minha visita fora divulgada com antecedência. E vendia, vendia, vendia sem parar. “A Vitamina E dá uma energia extra fantástica para treinar muitas horas por dia e ficar com um corpo igual ao meu! E não preciso nem falar na potência sexual que ela também proporciona...” Todo mundo comprava, e eu fazia sempre muito sucesso. Joe mandava que eu empreendesse essas viagens porque sabia que as lojas diriam: “Vendemos muito hoje. Vamos fazer um contrato.”
Eu ia de camiseta sem manga e, de vez em quando, no meio do discurso de venda, fazia uma pose. “Agora vou falar sobre proteína. Você pode comer quantos bifes quiser, ou quanto peixe quiser, mas o corpo só consegue absorver 70 gramas por vez. A regra é: 1 grama para cada quilo de peso corporal. A solução para preencher a lacuna da sua dieta são os shakes proteinados. Assim, se quiserem, vocês podem consumir cinco vezes essa quantidade! Não é possível equiparar a proteína em pó a comer bifes, porque o pó é muito concentrado.” Eu preparava a bebida em um shaker cromado, daqueles que se usam para preparar martínis em bares, e dizia para alguém da plateia: “Quer provar?” Era como vender aspiradores de pó. Eu ficava tão animado que acabava atropelando a tradutora.
Eu então vendia vitamina D, vitamina A, óleo especial para o corpo. No final, o gerente comercial via todo aquele interesse e encomendava os suplementos alimentares de Weider para o ano seguinte. Pedia também conjuntos de pesos fabricados por ele. E para Weider isso era o paraíso. Então, um mês depois, lá ia eu para outro shopping, em um país diferente.
Viajava sempre sozinho. Joe nunca pagava a passagem de mais ninguém, pois considerava isso um desperdício. Porém eu não tinha problema nenhum em viajar sem companhia, porque, graças ao fisiculturismo, aonde quer que eu fosse havia sempre alguém para me buscar e me tratar como se fôssemos irmãos. Era divertido viajar pelo mundo e treinar em academias diferentes.
Weider queria que eu me aprimorasse a ponto de conseguir fechar sozinho o acordo com o gerente do shopping, ter reuniões com editores para conseguir mais edições estrangeiras das suas revistas e, eventualmente, assumir os negócios. Só que esse não era o meu objetivo. Foi como a oferta que recebi, no início dos anos 1970, para gerenciar uma importante rede de academias por 16 mil dólares ao mês. Era muito dinheiro, mas recusei, pois isso não me levaria aonde eu queria ir. Gerenciar uma rede é um trabalho de 12 horas por dia, e essa longa jornada me impediria de me tornar campeão de fisiculturismo e não me deixaria entrar para o cinema. Nada iria me desviar do meu objetivo. Nenhuma proposta, nenhum relacionamento, nada.
Entrar em um avião para vender, no entanto, encaixava-se com perfeição no meu plano. Sempre me vi como um cidadão do mundo. Queria viajar o máximo que pudesse porque pensava que, se a imprensa da região estava se interessando por mim naquele momento como fisiculturista, em algum outro eu acabaria voltando como astro de cinema.
Assim, fazia várias viagens por ano. Só em 1971, fui a Japão, Bélgica, Áustria, Canadá, Grã-Bretanha e França. Muitas vezes, para ganhar um dinheiro a mais, eu acrescentava exibições remuneradas ao meu itinerário. Também fazia exibições e seminários gratuitos em prisões da Califórnia. Isso começou quando fui visitar um amigo da Gold’s que estava cumprindo pena no presídio federal de Terminal Island, perto de Los Angeles. Ele tinha sido condenado a dois anos por roubo de automóvel, mas queria continuar a treinar. Fui vê-lo se exercitar com os amigos no pátio da prisão. Ele ficara famoso como o presidiário mais forte da Califórnia ao quebrar o recorde estadual presidiário de agachamento com 272 quilos. O que me deixou impressionado foi que ele e os outros detentos que levavam o esporte a sério eram prisioneiros-modelo, pois era assim que conseguiam privilégios para treinar e permissão para trazer de fora a proteína que os ajudava a se transformarem nos homens fortíssimos que eram. Se não fosse assim, as autoridades do presídio diriam “Você só está treinando para bater nos outros” e se livrariam dos pesos. Quanto mais popular o fisiculturismo se tornasse nas prisões, pensei, mais os detentos entenderiam que era preciso se comportar bem.
O esporte também os ajudava quando eles saíam da prisão. Se fossem à Gold’s ou a outras academias de fisiculturismo, era fácil fazer amigos. Enquanto a maioria dos ex-detentos era largada na rodoviária com 200 dólares no bolso e acabava à toa, sem emprego e sem vínculo nenhum com quem quer que fosse, o pessoal da Gold’s reparava quando você conseguia levantar 136 quilos no supino com barra. Alguém perguntava “Ei, quer treinar comigo?”, e pronto: um contato humano se estabelecia. No quadro de avisos da academia havia sempre cartões oferecendo serviços para mecânicos, agricultores, personal trainers, contadores etc., e podíamos também ajudar os ex-presidiários a arrumar um trabalho.
Assim, no começo dos anos 1970 visitei presídios masculinos e femininos – de San Quentin a Folsom e Atascadero, onde ficavam os criminosos com distúrbios mentais –, percorrendo o estado inteiro para divulgar o fisiculturismo. Isso nunca teria acontecido se os agentes penitenciários achassem que fosse má ideia, mas eles apoiavam, e os diretores das prisões me recomendavam aos colegas.
NO OUTONO DE 1972, MEUS PAIS FORAM a Essen, na Alemanha, para assistir à minha participação no concurso de Mister Olympia, que estava se realizando pela primeira vez naquele país. Eles nunca tinham me visto em uma competição internacional, e fiquei contente com a presença deles, embora esse não tenha sido nem de longe o meu melhor desempenho. Só tinham me visto competir no Mister Áustria, em 1963, e mesmo assim porque haviam sido convidados por Fredi Gerstl, que ajudara a conseguir os patrocinadores e os troféus.
Vê-los em Essen foi uma ótima experiência. Eles ficaram muito orgulhosos ao me ver ser coroado Mister Olympia pela terceira vez, quebrando o recorde do maior número de títulos em fisiculturismo. E perceberam então: “É disso que ele tanto falava – é esse o seu sonho no qual não acreditávamos.” Minha mãe disse: “Não consigo acreditar que era você lá em cima do palco. E nem tímido você estava! Como conseguiu isso?”
As pessoas lhes davam os parabéns pelo meu sucesso, dizendo coisas como “Vocês ensinaram mesmo esse garoto a ter disciplina!” e lhes dando o crédito que mereciam. Entreguei à minha mãe a placa que servia de troféu e sugeri que ela a levasse para casa. Ela ficou muito feliz. Foi um momento importante – sobretudo para meu pai, cujo comentário em relação à minha prática do fisiculturismo sempre fora: “Por que você não faz alguma coisa útil? Vá cortar lenha.”
Ao mesmo tempo, meus pais pareciam se sentir deslocados. Não sabiam o que pensar em relação àquele mundo de gigantes musculosos, um dos quais era seu filho, desfilando com sungas minúsculas diante de milhares de fãs eufóricos. Nessa noite fomos jantar, e durante o café da manhã do dia seguinte, antes de eles irem embora, não conseguimos nos comunicar muito bem. Eu ainda estava com a cabeça na competição, e eles queriam falar sobre assuntos muito mais íntimos. Ainda estavam assimilando a dor da morte de Meinhard e agora tinham um neto órfão de pai. O fato de eu morar longe era difícil para meus pais. Não havia muita coisa que eu pudesse lhes dizer, e quando eles foram embora fiquei deprimido.
Eles não perceberam que eu não estava na minha melhor forma durante a disputa de Mister Olympia. Eu vinha passando tempo demais em salas de aula e não tanto quanto devia na academia. Meus negócios, as viagens promocionais e as exibições haviam tomado o lugar dos treinos. Além do mais, Franco e eu estávamos ficando preguiçosos, pulando treinos ou reduzindo as séries pela metade. Para tirar o máximo de minhas sessões de exercícios, eu sempre precisava de objetivos específicos, para fazer a adrenalina fluir. E foi assim que aprendi que estar no alto da montanha é mais difícil que escalá-la.
Antes de Essen, porém, essas motivações não existiam, pois defender o título até então tinha sido bem fácil. Em 1971, em Paris, eu conquistara com facilidade meu segundo título de Mister Olympia. O único desafiante possível era Sergio – ninguém mais estava no meu nível –, mas ele fora impedido de participar por causa de uma disputa entre federações. Naquela cidade do oeste da Alemanha, porém, parecia que todos os melhores fisiculturistas do mundo estavam presentes em sua melhor forma, exceto eu. Sergio estava de volta, ainda mais impressionante que na minha lembrança. E uma nova sensação do esporte, o francês Serge Nubret, também competiu no auge da forma, imenso e muito bem definido.
Foi a competição mais dura de que eu já havia participado e, se tivéssemos sido avaliados por jurados americanos, poderia muito bem ter perdido. No entanto, os jurados alemães sempre se deixaram impressionar mais pela pura massa muscular, e felizmente eu tinha o que eles estavam querendo. Ganhar por uma pequena margem, contudo, não me deixou com uma boa sensação. Eu queria que minha primazia fosse clara.
Depois de qualquer disputa, eu sempre ia falar com os jurados para saber sua opinião. “Eu sei que ganhei, mas por favor me digam quais foram meus pontos fracos e os fortes”, pedia. “Os senhores não vão ferir meus sentimentos. Se organizarem algum tipo de espetáculo, continuarei aceitando posar.” Um dos jurados de Essen, um médico alemão que acompanhava minha carreira desde que eu tinha 19 anos, me falou sem rodeios: “Você está flácido. Pensei que fosse imenso e que continuasse o melhor, mas está mais flácido do que eu gostaria de ter visto.”
Da Alemanha, fui fazer exibições na Escandinávia e de lá fui à África do Sul dar seminários para Reg Park. Tínhamos superado os ressentimentos da minha vitória sobre ele em Londres e foi ótimo revê-lo. Entretanto, a viagem não correu tão bem assim. Eu tinha uma exibição marcada em Durban, mas quando cheguei lá descobri que ninguém se lembrara de providenciar uma plataforma para que eu posasse. Mas, afinal, eu trabalhava na construção civil, então falei “Que se dane!” e construí eu mesmo a plataforma.
No meio da série de poses, a coisa toda desabou com um estrondo medonho. Caí de costas, fiquei com a perna presa debaixo do corpo e lesionei bastante o joelho – rompi a cartilagem, e a patela saiu do lugar. Os médicos sul-africanos me socorreram o suficiente para que eu pudesse terminar a turnê com ataduras. Tirando esse percalço, foi uma viagem maravilhosa. Fiz um safári, participei de exibições e seminários, e na viagem de volta enfiei os milhares de dólares dos cachês dentro das minhas botas de caubói para ninguém roubá-los enquanto eu dormia no avião.
Quando estava passando por Londres, a caminho de casa, liguei para Dianne Bennett para saber como ela estava.
“Sua mãe está querendo falar com você”, disse-me Dianne. “Ligue para ela.” Telefonei para minha mãe e de lá fui direto para a Áustria ficar com meus pais. Meu pai tinha tido um derrame.
Quando cheguei, ele estava no hospital e me reconheceu, mas foi horrível. Não conseguia mais falar. Mordia a língua o tempo todo. Fiquei lhe fazendo companhia, e ele parecia consciente, mas tinha sequelas preocupantes. Por exemplo, podia se confundir quando estava fumando e tentar apagar o cigarro na própria mão. Era doloroso e perturbador ver um homem tão inteligente, tão forte – um campeão de curling – perder a coordenação motora e a capacidade de raciocínio.
Passei um bom tempo na Áustria, e meu pai parecia estável quando fui embora. Perto do Dia de Ação de Graças, já em Los Angeles, fiz uma cirurgia no joelho. Acabara de sair do hospital, de muletas, com a perna inteira engessada, quando recebi um telefonema de minha mãe. “Seu pai morreu”, disse ela.
Fiquei com o coração partido, mas não chorei nem me desesperei. Barbara, que estava comigo, ficou chateada com a minha falta de reação. Mas eu me concentrei nas questões práticas. Liguei para meu cirurgião, que me desaconselhou a voar com aquele gesso pesado. Assim, mais uma vez, não pude estar presente a um funeral da família. Pelo menos sabia que minha mãe tinha um sistema de apoio enorme para ajudá-la a organizar a cerimônia e cuidar de todos os detalhes. A Gendarmerie sempre se mobilizava para enterrar um de seus membros, e a banda que meu pai passara tantos anos regendo iria tocar, assim como ele havia tocado em muitos funerais. Os padres das redondezas, de quem minha mãe era próxima, cuidariam dos convites. Os amigos iriam reconfortá-la, e nossos parentes compareceriam ao funeral. Apesar disso tudo, eu, agora seu único filho, não fui; a verdade é essa. Sei que ela sentiu muito a minha falta.
Fiquei chocado, paralisado. No entanto, para falar francamente, também fiquei contente com o fato de o joelho operado me impedir de viajar, porque ainda queria me manter afastado de todo esse lado da minha vida. Minha maneira de lidar com a situação foi negá-la e tentar seguir em frente.
Eu não queria que minha mãe ficasse sozinha. Em menos de dois anos, meu pai e meu irmão tinham morrido, e tive a sensação de que a nossa família estava desmoronando depressa. Mal conseguia imaginar a dor que ela devia estar sentindo. Portanto, precisava me responsabilizar por ela. Eu tinha apenas 25 anos, mas já estava na hora de entrar em cena e tornar a vida dela maravilhosa. Era o momento de retribuir as infindáveis horas e os dias de cuidados, e tudo o que ela fizera por nós quando éramos bebês e crianças.
Eu não podia dar à minha mãe o que ela mais queria: um filho ao seu lado, que se tornasse policial feito papai, desposasse uma moça chamada Gretel, tivesse um casal de filhos e morasse em uma casa a dois quarteirões da sua. Na maioria das famílias austríacas era assim. Ela e meu pai não tinham achado ruim eu me mudar para Munique, que ficava a 400 quilômetros de distância e aonde era fácil chegar de trem. Mas foi só com a morte de meu pai que me dei conta de que eu fora embora para os Estados Unidos em 1968 sem avisar, deixando meus pais chocados e magoados. Eu não iria voltar para minha terra natal, claro, mas queria me redimir por isso também.
Comecei a mandar dinheiro para minha mãe todo mês e a ligar para ela o tempo todo. Tentei convencê-la a se mudar para os Estados Unidos, mas ela não aceitou. Então quis lhe mandar uma passagem para ela ir conhecer minha casa. Minha mãe tampouco concordou com isso. Por fim, em 1973, uns seis meses depois de meu pai morrer, ela finalmente viajou e passou algumas semanas hospedada no apartamento em que eu morava com Barbara. Voltou no ano seguinte, e depois disso passou a nos visitar uma vez por ano. Também comecei a ter uma relação cada vez mais próxima com Patrick, meu sobrinho. Quando ele era pequeno e eu ia à Europa, sempre fazia questão de visitá-lo na casa em que ele morava com Erika e o segundo marido dela, militar, que era um padrasto dedicado. Então, quando Patrick completou uns 10 anos, desenvolveu um verdadeiro fascínio pelo tio que morava no exterior e começou a colecionar cartazes dos meus filmes. Erika pedia que eu mandasse suvenires para ele, e lhe enviei uma adaga do Conan e camisetas do filme O exterminador do futuro e de outros, e escrevia cartas para ele poder mostrar na escola. No ensino médio, de tempos em tempos ele pedia que eu lhe enviasse 20 ou 30 fotos autografadas, que usava sabe-se lá com que fins empresariais. Ajudei-o a entrar para uma escola internacional em Portugal e, com a permissão de Erika, prometi que, se ele continuasse a tirar boas notas, poderia fazer faculdade em Los Angeles. Patrick se tornou meu orgulho e minha alegria.
MESMO QUE O AEROPORTO SUPERSÔNICO não parecesse mais tão promissor, e Franco e eu continuássemos a pagar as parcelas pelos 6 hectares de deserto, eu seguia acreditando que imóveis eram o melhor investimento. Muitos de nossos trabalhos envolviam a reforma de casas antigas, e isso foi muito revelador. Os donos nos pagavam 10 mil dólares para consertar uma casa que custara 200 mil, em seguida a vendiam por 300 mil. Era óbvio que havia dinheiro a se ganhar com isso.
Assim, economizei o máximo que consegui e comecei a procurar possibilidades de investimento. Dois dos fisiculturistas que tinham fugido da Tchecoslováquia para a Califórnia pouco antes de eu chegar haviam juntado as economias e comprado uma casinha para morar. Até aí, ótimo, mas eles ainda estavam pagando a hipoteca. Eu queria um investimento que rendesse dinheiro, para poder pagar a hipoteca com aluguéis em vez de ter que tirar do meu bolso. A maioria das pessoas que tinha dinheiro comprava uma casa. Na época, era muito raro adquirir um imóvel para locação.
Eu gostava da ideia de ser dono de um prédio de apartamentos. Podia me imaginar começando com um prédio pequeno, pegando o melhor imóvel para morar e pagando todas as despesas com o aluguel dos outros. Assim poderia aprender os macetes do negócio e, à medida que o investimento fosse dando lucro, teria condições de me expandir.
Ao longo dos dois ou três anos seguintes, me dediquei a pesquisar. Diariamente examinava o caderno de classificados de imóveis do jornal, estudava os preços, lia as matérias e os anúncios. Cheguei a ponto de conhecer cada quarteirão de Santa Monica. Sabia quanto subiam os preços das propriedades ao norte do Olympic Boulevard em comparação com aquelas ao norte do Wilshire e do Sunset. Sabia onde ficavam as escolas e os restaurantes e conhecia a distância dos imóveis em relação à praia.
Uma corretora maravilhosa chamada Olga Asat passou a me ajudar. Acho que ela era egípcia ou de algum outro país do Oriente Médio. Era mais velha, baixinha e parruda, tinha cabelos crespos e só usava preto, porque achava que essa cor a deixava mais magra. Você poderia olhar para alguém assim e pensar: “O que tenho a ver com essa pessoa?” Mas o que me atraiu foi o ser humano, o coração, o amor materno: Olga me considerava um companheiro, estrangeiro como ela, e torcia mesmo pelo meu sucesso. Ela era uma espoleta.
Acabamos trabalhando juntos por muitos anos. Depois de algum tempo, com a ajuda dela, eu já conhecia todos os prédios da cidade. Estava a par de todas as transações: quem vendia, a que preço, quanto o imóvel tinha se valorizado desde a última transação, se havia dívidas atreladas a ele, o custo anual de manutenção, a taxa de juros do empréstimo. Tive reuniões com proprietários e gerentes de banco. Olga fazia milagres. Ela tentava até não mais poder, e ia de prédio em prédio, sem descanso, até encontrarmos a oportunidade certa.
Eu de fato me identificava com a matemática do setor imobiliário. Sempre que visitava um prédio, perguntava qual era a metragem, se as unidades estavam livres, qual seria o custo de administração por metro quadrado, e logo calculava de cabeça quantas vezes a renda bruta anual do imóvel eu poderia oferecer enquanto pagava as parcelas do empréstimo. O corretor então me olhava de um jeito estranho, como quem se pergunta: “Como é que ele fez essa conta?”
Era um talento que eu tinha. Eu sacava um lápis e dizia:
– Não tenho como oferecer mais de 10 vezes o valor da renda bruta anual do imóvel, porque calculo que a despesa média de manutenção de um prédio assim seja 5%. Então esse percentual da renda bruta tem que ficar disponível. E a taxa de juros anual está em 6,1%, ou seja, o empréstimo vai custar tanto por ano. – E anotava tudo para o corretor.
A pessoa então retrucava:
– Bom, o senhor tem razão, mas não se esqueça de que o valor do imóvel vai subir. Talvez precise gastar um pouco de seus próprios recursos, mas não importa: no final das contas, o valor vai aumentar.
– Entendo – eu respondia –, mas nunca pago mais de 10 vezes o valor da renda bruta anual. Se o imóvel vier a se valorizar, isso vai ser o meu lucro.
Negócios interessantes começaram a surgir depois do embargo do petróleo do Oriente Médio em 1973 e do início da recessão. Olga ligava e dizia “Tal vendedor está com problemas financeiros”, ou “Eles se endividaram além da conta, acho que você deveria fazer uma oferta rápida”. No início de 1974, ela encontrou um prédio residencial de seis apartamentos na Rua 19, logo ao norte do Wiltshire Boulevard – o lado mais disputado daquela localidade. Os donos estavam se transferindo para um prédio maior e queriam vender depressa. Melhor ainda: as condições de compra do outro prédio eram tão boas que eles até se dispuseram a baixar o preço do antigo.
O prédio me custou 215 mil. Peguei cada dólar dos 27 mil que tinha economizado, mais 10 mil que Joe Weider me emprestou, para dar a entrada. Não era grande coisa: uma construção atarracada de dois andares, do início dos anos 1950, feita de madeira e tijolo. Mesmo assim, fiquei feliz com a compra quando Barbara e eu nos mudamos. O bairro era agradável, e os apartamentos, amplos e bem conservados. O meu era imenso, com 223 metros quadrados, uma varanda na frente, uma garagem com espaço para dois carros embaixo e um pequeno pátio nos fundos. Havia também outras vantagens: passei a alugar os outros apartamentos para pessoas do ramo do entretenimento. Atores que eu conhecia da academia viviam procurando lugar para morar, então em determinado momento houve quatro vivendo no prédio. Era uma forma de estabelecer relações no ramo para o qual eu queria entrar. O melhor de tudo foi que me mudei de um apartamento que me custava 1.300 dólares por mês de aluguel para um imóvel que se pagou desde o primeiro instante, exatamente como eu tinha planejado.
Meu velho amigo Artie Zeller teve um choque ao me ver fechar um negócio de 215 mil dólares. Passou dias me perguntando como eu tivera coragem para tanto. Ele não conseguia entender, porque jamais quisera correr risco nenhum na vida.
– Como é que você aguenta a pressão? A responsabilidade de alugar os outros cinco apartamentos é toda sua. Você vai ter que cobrar os aluguéis. E se alguma coisa der errado? – Ele só via os problemas. Poderia ser um horror. Os inquilinos poderiam ser barulhentos. E se alguém chegasse em casa bêbado? E se alguém escorregasse e eu fosse processado? – Você sabe como é esse negócio de processo aqui nos Estados Unidos! – E blá-blá-blá.
Eu me peguei prestando atenção ao que ele dizia.
– Artie, você quase conseguiu me assustar – falei, rindo. – Pare de ficar me falando essas coisas. Eu quero sempre meter a cara nas coisas. Primeiro me meto no problema, depois penso no que ele realmente significa. Não fique colocando o carro na frente dos bois.
Muitas vezes, é mais fácil tomar uma decisão quando não se tem tanta informação à disposição, porque nesse caso não se fica pensando demais. Se souber demais, você pode ficar paralisado. E a coisa toda vira um campo minado.
Eu já havia reparado que o mesmo acontecia na faculdade. Nosso professor de economia tinha dois doutorados, mas dirigia um fusca. A essa altura, já fazia muitos anos que meus carros eram melhores que o dele. Pensei: “Saber tudo na verdade não é a solução, porque esse cara não está ganhando dinheiro suficiente para ter um carro maior. Ele devia estar dirigindo um Mercedes.”