CAPÍTULO 15

Virando americano

QUANDO VOLTEI DE MADRI E DA ERA HIBORIANA, Maria me recebeu em Santa Monica com um filhote de labrador que havia batizado de Conan.

– Você sabe por que ela lhe deu um cachorro, não sabe? – perguntou uma de suas amigas, de brincadeira.

– Porque a família dela sempre gostou de cães? – arrisquei.

– É um teste! Ela quer ver como você lida com crianças.

Eu não tinha certeza quanto a isso, mas Conan e eu – ou seja, Conan, o cão, e Conan, o bárbaro – nos demos bem. Eu também estava feliz por ter voltado para nossa casa, agora totalmente transformada pela decoração que Maria e eu tínhamos começado juntos.

A outra grande mudança durante minha ausência foi a posse de Ronald Reagan, em janeiro. Ninguém em Hollywood parecia saber como interpretar o fato de ele ser presidente, nem mesmo os conservadores. Logo depois de sua vitória na eleição, Maria e eu fomos jantar com amigos meus da área do entretenimento que haviam participado da campanha.

“Por que vocês apoiaram esse cara?”, perguntou ela. “Ele não tem estofo para ser presidente. É um ator, caramba!”

Em vez de defender Reagan, eles disseram coisas do tipo: “Nós sabemos, mas as pessoas gostam de ouvir o que ele tem a dizer.” Não falaram sobre o que ele tinha feito pela Califórnia quando era governador, nem sobre sua visão ou suas ideias. Provavelmente estavam apenas sendo educados. Não queriam dizer na cara de Maria que a época dos democratas havia passado.

Fiquei espantado ao constatar que a maioria das pessoas em Hollywood permaneceu hostil a Reagan durante seu mandato. Pouco importava que ele estivesse recuperando a economia, tudo o que eu escutava eram críticas sobre como o presidente diminuíra o número de parques nacionais, cortara o salário dos funcionários públicos, demitira os controladores aéreos, não fizera nada pelo meio ambiente, bajulara as empresas de petróleo ou engavetara os projetos de Jimmy Carter relacionados a combustível sintético e energia eólica e solar. Sempre havia alguma reclamação. Ninguém conseguia entender a situação como um todo ou o que estava sendo realizado.

Para mim, o importante era que Reagan representava os valores que tinham me feito ir para os Estados Unidos. Eu havia emigrado da Áustria porque os Estados Unidos eram o melhor país, com as melhores oportunidades. Agora que eram o meu lar, queria que continuassem assim e melhorassem ainda mais. Depois de todos os problemas e do pessimismo dos anos 1970, os americanos votaram em Reagan porque ele os fazia lembrar da própria força. Maria costumava dizer: “Não sei por que você defende esse cara.” Mas era por isso.

Na primavera desse ano, conheci um dos grandes pensadores do século XX: o economista Milton Friedman. Ganhador do Nobel, ele havia formulado as ideias de Reagan sobre livre mercado e também fora uma grande influência para mim. Sua série de TV, exibida em 1980, Free to Choose (Liberdade de escolher), foi um grande sucesso – eu assisti a todos os episódios e absorvi suas ideias como uma esponja. Ele e a mulher, Rose, tinham escrito um livro de sucesso, também chamado Liberdade de escolher, e eu dera exemplares de presente a todos os meus amigos no Natal. Não sei como, o produtor da série, Bob Chitester, ficou sabendo disso e me procurou para perguntar se eu gostaria de conhecer os dois, ambos já aposentados da Universidade de Chicago. Eles moravam em São Francisco, onde Milton agora era membro da Hoover Institution, usina de ideias da Universidade de Stanford.

Enquanto estava me aprontando para o encontro, eu parecia uma criança prestes a embarcar em uma viagem de aventura. “Cadê minha câmera?”, perguntei a Maria. “Esta gravata está boa?” Friedman havia se tornado um dos meus heróis. Sua visão sobre os papéis dos governos e mercados no progresso da humanidade era um salto gigantesco em comparação com a economia que eu estudara na faculdade – explicava muito do que eu tinha visto no mundo e vivera na pele como empreendedor americano. Seu principal argumento, é claro, era que os mercados operam com mais eficácia quando a intervenção do governo é reduzida. Assim como Reagan, ele tinha talento para formular ideias de um jeito que todos pudessem entender. Como, por exemplo, ao usar um lápis para defender o livre mercado: “Esta madeira veio do estado de Washington; o grafite, da América do Sul; a borracha, da Malásia... Literalmente, milhares de pessoas de três continentes distintos contribuíram com alguns segundos de seu tempo para fabricar isto. O que as reuniu, o que as fez colaborar? Não havia nenhum comissário transmitindo ordens de um escritório central. A resposta é: porque havia demanda. Quando existe procura por alguma coisa, os mercados dão um jeito.”

Certa vez, usei as ideias dele ao debater o preço do leite com Sargent Shriver.

– Lembro-me de quando fizemos campanha no Wisconsin: eles tinham tanto leite que o preço estava caindo – disse Sarge. – De lá fomos para Illinois, onde havia pouco leite e o preço estava subindo. Então peguei o telefone e reclamei com os reguladores...

E eu respondi:

– Você não acha que o mercado poderia ter resolvido isso? Se houvesse tanta necessidade assim de leite em Illinois, alguém teria acabado comprando em Wisconsin ou em outro estado. Eu acho que eles queriam manter o leite escasso para poder aumentar o preço. Foi uma decisão consciente tomada pelo setor privado. Mas você usou o poder do governo para interferir no processo de oferta e demanda, e eu não acho que o governo deva fazer isso.

Bem mais tarde, aprendi que, quando você põe a mão na massa, os princípios do laissez-faire por si sós não dão conta do recado. Existe uma brecha entre teoria e prática. Do ponto de vista estrito do investimento público, faz sentido aplicar dinheiro do contribuinte em programas de reforço escolar se você quiser evitar o gasto de muitos dólares mais à frente com a prisão de criminosos. Não se pode fazer uma família pobre arcar sozinha com os custos causados por uma criança deficiente. É preciso que haja uma rede de proteção social. É necessária a existência de investimentos para o bem público.

Os Friedman eram um casal baixinho e animado que parecia em perfeita sintonia. Alguém tinha me dito: “Não se esqueça de falar com Rose. Eles se consideram parceiros à altura, mas muita gente fala com Milton e a ignora porque foi ele quem ganhou o Nobel.” Assim, tomei cuidado para fazer tantas perguntas a uma quantas ao outro. Isso permitiu que a conversa fluísse. Passamos uma noite maravilhosa falando a respeito de economia, sobre a vida dos dois, os livros que tinham escrito juntos e seu envolvimento na série de TV. Uma das coisas fascinantes que Friedman me contou foi que ele havia trabalhado para o governo durante o New Deal, o programa de recuperação econômica e reforma social do presidente Franklin D. Roosevelt na década de 1930. “Não havia mais empregos”, disse ele. “O programa foi uma boia salva-vidas.” Embora ele fosse contrário à maior parte das regulações, fiquei impressionado ao saber que era a favor do auxílio governamental e de empregos públicos durante uma fase maciça de desemprego, pois isso poderia incentivar a economia a crescer.

Por melhor que tenha sido o governo Reagan na recuperação da economia americana, eu teria ganhado mais dinheiro se Jimmy Carter ainda ocupasse a Casa Branca. Até então, o mercado imobiliário estava enlouquecido, e os imóveis se valorizavam de 10% a 20% ao ano. Meu sócio Al Ehringer e eu estávamos prestes a ganhar uma fortuna com nosso investimento em Denver: um quarteirão inteiro em uma área desfavorecida da cidade, perto da via férrea. Graças aos programas do presidente Carter para combater a crise do petróleo, o mercado de energia em Denver estava com tudo, e um consórcio imobiliário planejava construir um arranha-céu de 30 andares no nosso terreno. Estávamos prestes a assinar a papelada quando Reagan tomou posse e começou a estancar a inflação. De repente, as pessoas começaram a ver os mercados de energia e de imóveis sob outra ótica e o projeto foi cancelado. A empresa de petróleo nos disse algo do tipo: “O crescimento econômico está desacelerando, não temos tanto dinheiro disponível quanto pensávamos. A exploração de óleo de xisto cessou. Não vamos poder assinar o contrato.” No final das contas, o Coors Field, estádio do Colorado Rockies, time de beisebol de Denver, acabou sendo construído a um quarteirão de distância, e nossa vez chegou. Durante muito tempo, porém, esse empreendimento foi como aquele aeroporto supersônico em que eu e Franco havíamos apostado anos antes. Esse tipo de volatilidade era normal no mercado imobiliário, no qual você aceita riscos altos em troca de um retorno maior. Reagan fez a coisa certa ao arrochar o crédito, mas para nós essa medida teve efeito negativo.

As oportunidades imobiliárias que encontrei durante o governo Reagan estavam localizadas mais perto de casa. A Main Street de Santa Monica começara a se transformar, justamente como Al e eu esperávamos que acontecesse, e alcoólatras e vagabundos iam aos poucos sendo substituídos por pedestres e pequenos restaurantes e lojas. Então você de fato via as pessoas querendo frequentar a área. No entanto, a revitalização ainda não se estendera à parte sul a ponto de chegar à divisa entre Santa Monica e Venice, onde Al e eu tínhamos um quarteirão inteiro de terrenos vazios. Eram terrenos do antigo sistema de bondes Red Car que, nos anos 1940, interligava o centro de Los Angeles, Santa Monica e Venice Beach. Agora tinham virado terra de ninguém. Um dos últimos prédios dessa ponta da Main Street era um bar chamado Oar House. A seu lado havia uma loja de comida natural cujos donos usavam turbantes e do outro lado da rua ficavam uma pequena sinagoga e um prédio fechado que pertencia a um humorista famoso. Todos os estabelecimentos comerciais próximos tinham aluguel barato, e vários eram ocupados por pequenas religiões e seitas. Havia um templo de cientologia. Era tudo muito, muito malconservado, com pouco tráfego de pedestres e praticamente nenhuma loja. Nosso plano era construir um lindo prédio baixo que se estendesse por todo o quarteirão, feito de tijolos vermelhos, com lojas no térreo e uns dois andares de salas comerciais. Queríamos que outros investidores e negociantes dissessem: “Nossa, eles estão construindo bem ao sul. Talvez devêssemos fazer a mesma coisa.”

Era uma jogada e tanto para nós: um projeto de 7 milhões de dólares e 3.600 metros quadrados viabilizado com nossos próprios lucros, obtidos graças ao prédio comercial que havíamos recuperado mais ao norte na mesma Main Street. No último ano do governo Carter, tínhamos vendido a construção com um lucro de 1,5 milhão de dólares. Al e eu pensávamos que poderíamos controlar o risco garantindo que o prédio já estivesse totalmente alugado no dia da inauguração. Para isso, montamos uma apresentação com slides que vendia o futuro brilhante do bairro. Fizemos as apresentações pessoalmente e alcançamos nosso objetivo.

Eu conhecia bem a região, pois meu escritório ainda ficava lá. A Oak Productions – uma referência ao meu apelido de fisiculturista, Austrian Oak, ou “carvalho austríaco” – havia se transferido para um loft no prédio de uma antiga empresa de gás em Venice, a apenas um quarteirão da Main Street. Tinha várias janelas, paredes de tijolo pintadas de branco, pé-direito alto e claraboias. Tive a ideia de deixar a instalação hidráulica exposta e pintar os canos de vermelho e azul vivos. Inspirei-me no Centro Pompidou, um centro cultural pós-moderno em Paris que abriga museu, biblioteca e salas de teatro, e todos adoraram. O escritório também foi decorado com móveis antigos de carvalho, tapetes vermelhos e um sofá azul em forma de L em frente à minha mesa, o que causava um efeito bem patriótico. As divisórias eram de vidro, para podermos ver uns aos outros, e havia uma área separada com a parede coberta de pequenos escaninhos para guardar as camisetas e os folhetos a serem vendidos por correspondência.

Com os negócios e a carreira de ator em expansão, eu finalmente dera o braço a torcer e contratara mais assistentes. Ronda continuava a ser meu braço direito. Trabalhava para mim desde 1974 e passou a cuidar dos investimentos e fazer a contabilidade. Embora tivesse administrado uma loja de brinquedos, não tinha formação específica em administração, de modo que fez cursos no Santa Monica College e na UCLA. Lembro-me da primeira vez, alguns anos depois, em que recebemos um cheque de 1 milhão de dólares como parte de um negócio imobiliário. Ela entrou correndo na minha sala segurando o cheque e disse: “Ai, meu Deus, nunca segurei tanto dinheiro assim. O que faço com isto? Estou muito nervosa.”

Anita Lerner, uma assistente de 30 anos, assumiu a agenda e o planejamento das minhas viagens, enquanto as vendas por correspondência passaram a ser responsabilidade de uma artista plástica de 20 e poucos anos chamada Lynn Marks. Tínhamos contratado um quarto assistente para cuidar de projetos especiais como livros, autorizações de reprodução de imagens e seminários, além dos eventos de fisiculturismo que eu produzia em Columbus em parceria com Jim Lorimer. As vendas por correspondência ainda proporcionavam uma renda regular, não só graças ao Mister Olympia, mas também porque as matérias a meu respeito ainda eram um elemento-chave das revistas de Joe Weider. Praticamente nenhum número da Muscle & Fitness ou da Flex saía sem pelo menos uma foto minha, com uma retrospectiva sobre minha vida, um ensaio sobre treinos ou nutrição assinado por mim ou uma matéria sobre minhas aventuras no mundo do cinema. Cada uma dessas citações ajudava a vender mais cursos e camisetas com a marca Arnold.

Enquanto isso, as vendas dos meus livros iam de vento em popa: eu era publicado por uma grande editora e um agente literário cuidava dos títulos. Estávamos dando os retoques finais na Encyclopedia of Modern Bodybuilding (Enciplopédia do fisiculturismo moderno), projeto enorme no qual eu vinha trabalhando havia três anos com o fotógrafo Bill Dobbins. Para aproveitar o frenesi de ginástica proporcionado pelos vídeos de exercícios de Jane Fonda, também gravei minha própria edição, Shape Up with Arnold Schwarzenegger (Fique em forma com Arnold Schwarzenegger), e lancei edições atualizadas dos meus livros Arnold’s Bodyshaping for Women e Arnold’s Bodybuilding for Men (Método de fisiculturismo de Arnold para homens). Tudo isso me obrigou a fazer mais turnês promocionais, algo com que não me importei nem um pouco.

A toda hora surgiam coisas novas das quais tínhamos que cuidar. Por exemplo, Lynn podia dizer:

– Estamos recebendo uma enorme quantidade de correspondência de gente querendo um cinto com pesos igual ao que você usou em O homem dos músculos de aço.

– Então vamos incluir isso – dizia eu.

E todos nós nos reuníamos para criar o produto. Não podíamos comprar os cintos prontos, pois nesse caso não haveria lucro. Então onde poderíamos conseguir o couro? Tínhamos que contratar um fabricante. E a fivela? Como poderíamos dar ao cinto um aspecto usado e respingado de suor, para que parecesse autêntico? Começávamos a ligar para nossos contatos e para empresas até encontrar todos os elementos. Em poucos dias, já tínhamos tudo organizado. Então a próxima pergunta era: como embalar os cintos? Como entregá-los depressa e a um custo baixo?

Eu vivia pressionando todo mundo, e do ponto de vista de Ronda, Anita e Lynn o trabalho podia ser enlouquecedor. Tínhamos que conciliar projetos de cinema, imóveis e fisiculturismo. Eu vivia correndo de um lado para outro, falando com pessoas de todas as áreas. Não parava nunca. Mas as três não eram funcionárias comuns, que batiam o ponto para ir embora depois de oito horas de trabalho. Elas se tornaram praticamente membros da minha família. Protegiam umas às outras e me viam como um desafio. Ajustavam seu ritmo ao meu – quando eu acelerava, elas aceleravam também.

Criar essa atmosfera não exigiu nenhum esforço extraordinário ou genialidade gerencial. Para começar, as três eram pessoas calorosas, incríveis. Eu lhes pagava um salário justo e recorria à minha criação austríaca para ser um bom patrão. Um plano de aposentadoria e um ótimo plano de saúde eram benefícios automáticos – ninguém precisava pedir. E eu pagava 14 salários ao ano, em vez de 12 – o décimo terceiro era relativo às férias de verão e o décimo quarto era um bônus de Natal, para que elas pudessem presentear suas famílias no fim do ano. Era essa a tradição na Áustria e, como não faltava dinheiro no meu escritório, eu podia arcar com isso.

Minha outra técnica era fazê-las se sentir incluídas. Assim como eu, as três estavam aprendendo enquanto faziam. Quando eu estava no escritório, analisávamos coletivamente tudo o que estava acontecendo comigo. Elas se sentavam juntas e cada uma dava sua opinião. Ainda que eu não concordasse, levava o que elas diziam em consideração. O mais engraçado é que as três eram democratas liberais. Mesmo quando contratamos mais gente, era raro encontrar outro republicano naquele escritório que não eu.

Para mim, o trabalho não parecia nada puxado – era apenas normal. Você faz um filme ou escreve um livro, promove-o até não poder mais, viaja pelo mundo, porque o mundo é o seu mercado, e, enquanto isso, malha, cuida dos negócios e explora ainda mais oportunidades. Era tudo uma diversão, e foi por isso que nunca pensei: “Ai, meu Deus, olhe só quanto trabalho. Que pressão!”

Quando tinha que trabalhar à noite, às vezes era para ir a uma reunião a fim de falar sobre filmes. E isso por acaso era uma coisa ruim? Eu estava falando sobre filmes! Ou então algum grande homem de negócios pedia que eu pegasse um avião até Washington, o que também era ótimo – muitas risadas e charutos. Eu ia assistir a um discurso de Reagan e à meia-noite seguíamos todos para alguma sex shop para conferir as últimas novidades. Era bem engraçado ver o outro lado daqueles conservadores caretas.

Para mim, portanto, trabalho significava apenas descobertas e diversão. Se ouvisse alguém reclamar dizendo “Ah, eu trabalho muito, fico no escritório 10, 12 horas por dia”, eu crucificava a pessoa. “Que papo é esse, porra, se o dia tem 24 horas? O que mais você faz?”

Adorava a variedade que havia na minha vida. Um dia era uma reunião sobre a construção de um prédio comercial ou de um shopping para tentar maximizar espaço. O que seria necessário para conseguir os alvarás? Quais eram as questões políticas relacionadas ao projeto?

No dia seguinte, ia conversar com o editor de meu último livro sobre as fotos que precisavam entrar no projeto. Depois trabalhava com Joe Weider em uma reportagem de capa. Em seguida ia a uma reunião sobre algum filme. Ou então estava na Áustria, discutindo política com Fredi Gerstl e seus amigos.

Tudo o que eu fazia poderia ter sido um hobby. E, de certa forma, era isso mesmo. Eu tinha paixão por todas as minhas atividades. Minha definição de vida é estar sempre empolgado – é essa a diferença entre viver e existir. Mais tarde, quando fiquei sabendo sobre o Exterminador, adorei a ideia de ele ser uma máquina que nunca precisava dormir. Pensei: “Imagine que vantagem seria ter essas seis horas a mais todos os dias para fazer outra coisa. Daria para aprender uma nova profissão. Daria para aprender a tocar um instrumento.” Seria inacreditável, pois para mim a questão sempre tinha sido como conseguir encaixar no meu dia todas as coisas que queria fazer.

Assim, eu quase nunca considerava minha vida agitada. Esse pensamento raramente me passava pela cabeça. Foi só mais tarde, quando Maria e eu passamos de namorados a noivos e em seguida nos casamos, que comecei a ter o cuidado de equilibrar o trabalho e a vida pessoal.


QUANDO QUIS APRENDER MAIS SOBRE negócios e política, usei a mesma abordagem de quando decidira aprender a atuar: tentei conhecer o maior número possível de pessoas que fossem realmente boas naquilo. Um dos lugares para encontrá-las era o Regency Club, refúgio recém-inaugurado para a elite empresarial de Los Angeles. O clube ocupava o último andar e a cobertura de um novo arranha-céu no Wilshire Boulevard, com uma ampla vista de toda a área da cidade. Tanto o prédio quanto o clube pertenciam a David Murdock, um dos homens mais ricos de lá. A vida dele era mais uma daquelas incríveis histórias americanas de ascensão da miséria à riqueza. Nativo de Ohio, David abandonara a escola e, depois de servir na Segunda Guerra Mundial, transformara um empréstimo de 1.200 dólares em imóveis no Arizona e na Califórnia. Chegara a dono de boa parte da mineradora International Mining e da petroleira Occidental Petroleum, bem como de imóveis e hotéis, e colecionava animais, orquídeas, móveis raros e lustres. Sua mulher, Gabrielle, designer de interiores nascida e criada em Munique, havia decorado o novo clube ao estilo do Velho Mundo, sóbrio e elegante. Isso reforçava a atmosfera do lugar: muito refinado, muito exclusivo. Ninguém entrava lá sem gravata.

Pete Wilson, que conquistara sua vaga no Senado federal americano durante os meses que passei promovendo Conan, o bárbaro, mais tarde começou a frequentar o clube com sua equipe. O mesmo aconteceu com George Deukmejian, que se tornara governador ao derrotar o democrata Tom Bradley na mesma eleição de 1982. Membros importantes do governo Reagan de passagem pela cidade iam jantar e relaxar no Regency. Vários empresários conservadores eram frequentadores assíduos, bem como alguns agentes de Hollywood e executivos do show business liberais. Comecei a ir ao clube para participar de eventos pró-Wilson, a fim de apoiar sua bem-sucedida tentativa de substituir Deukmejian em 1990. Aos poucos, fui expandindo meu círculo de amizades.

O restaurante Guido’s, no Santa Monica Boulevard, era outro ótimo lugar para fazer contatos e absorver ideias. Da mesma forma, se você quisesse conviver com atores, havia a lanchonete no número 72 da Market Street, em Venice, ou a Rock Store, em Malibu Canyon, se quisesse encontrar motociclistas. Levei Maria ao Regency várias vezes, mas, embora ela gostasse da decoração de Gabrielle, os frequentadores conservadores e o caráter exclusivo do lugar lhe desagradavam. Eu também não gostava muito daquela formalidade toda, mas era preciso ter disciplina e abraçá-la. Eu achava que não havia motivo para não conseguir jogar nos dois times: manter minha personalidade atrevida, usar botas de motociclista e roupas de couro, e ter um lado conservador, com ternos e gravatas elegantes e sapatos wingtip de fabricação britânica. Queria me sentir à vontade nos dois mundos.

Maria e eu também frequentávamos os círculos liberais. Na verdade, foi graças a um convite de Jane Fonda que tive meu primeiro contato com o Simon Wiesenthal Center, em um evento beneficente ao qual ela aceitara comparecer como celebridade e levar convidados. Maria e eu éramos conhecidos dela e do marido, o ativista e membro da Assembleia Estadual da Califórnia Tom Hayden. Eles tinham nos convidado várias vezes para ir à sua casa conhecer líderes políticos ou religiosos, como por exemplo o bispo Desmond Tutu. Na noite do evento beneficente, Jane me apresentou a Marvin Hier, rabino nova-iorquino que se mudara para Los Angeles e fundara o Simon Wiesenthal Center em 1978. Seu objetivo era combater o antissemitismo e promover a tolerância racial e religiosa. Seria de se imaginar que em Hollywood, uma cidade com tantos judeus poderosos, isso seria uma tarefa fácil. Mas o rabino me contou que estava tendo dificuldades.

– Se esse tipo de coisa lhe interessar, sua ajuda seria muito útil – disse-me ele. – Você é um astro em ascensão. No futuro, as pessoas vão prestar atenção em tudo o que fizer. Temos tido dificuldade em conseguir que as pessoas de Hollywood se envolvam mais do que comprando um ingresso ou uma mesa em um evento beneficente. É importante que elas integrem nosso conselho e doem 1 milhão de dólares, ou 3, e promovam eventos para arrecadar fundos. É aí que se consegue dinheiro de verdade, e precisamos dessas doações porque estamos tentando construir um Museu da Tolerância que vai custar 57 milhões de dólares.

– Não estou nesse nível – avisei.

No entanto, a ideia de construir um museu fazia sentido para mim. Se você quiser promover a boa forma e combater a obesidade, precisa de academias; se quiser alimentar as pessoas, precisa de mercados. Portanto, se quiser combater o preconceito, precisa de centros de tolerância por toda parte, lugares que as crianças possam frequentar para aprender, com a história, o que acontece quando as pessoas são preconceituosas e odeiam umas às outras.

Quanto mais eu me informava sobre a missão do rabino, mais sentia que tinha a responsabilidade de aderir a ela. Não sou uma pessoa religiosa, mas pensei: “Isso só pode ser obra de Deus.” Os judeus tiveram um papel crucial na minha vida: Fredi Gerstl, Artie Zeller, Joe e Ben Weider, Joe Gold, meu novo agente de cinema Lou Pitt. Apesar disso, eu não tinha sequer certeza de ser totalmente desprovido de preconceitos. Já fizera comentários preconceituosos, já dissera coisas idiotas. Era quase como se Deus estivesse me dizendo: “Se é assim que você quer ser, então vou colocá-lo nesse lugar onde começa o diálogo da tolerância e você vai arrecadar fundos para eles, vai lutar por eles e vai combater esse lado seu cuja existência ou não só depende de você.” Depois disso, passei a fazer doações regulares para o centro e participei de muitos eventos de arrecadação. O museu, situado em um magnífico prédio, abriu as portas em 1993.

Embora eu não escondesse meu apoio a Reagan e doasse o que podia para candidatos e causas republicanas, mantinha-me afastado do cenário político. Meu foco era a carreira de ator. Quando você promove um filme, quer conquistar todo mundo, e, digam o que disserem, quem faz discursos políticos está fadado a desagradar determinada parcela de espectadores. Por que fazer isso?

Além do mais, eu não era tão famoso assim para que tantas pessoas se interessassem por minhas opiniões, ou para políticos buscarem meu apoio. Não era sequer cidadão americano! Tinha meu green card, pagava impostos e considerava os Estados Unidos meu lar permanente, mas não podia votar. Colava adesivos de candidatos que apoiava no meu carro, mas não fazia discursos.

Quando visitava a Áustria, eu também me mantinha discreto em relação à política. A imprensa de lá me idolatrava como um filho que havia alcançado o sucesso e eu não queria ser rotulado como um cara sabichão que volta para ficar dizendo às pessoas o que fazer. Uma ou duas vezes por ano, durante minha estadia, encontrava meus amigos para saber as últimas novidades dos debates e desdobramentos políticos. Fredi Gerstl, meu mentor político, era agora membro do Conselho Municipal de Graz e tinha uma voz cada vez mais influente em âmbito nacional no conservador Partido Popular. Eu achava esclarecedor conversar com ele sobre como os sistemas americano e austríaco podiam ser comparados: propriedade privada versus propriedade pública das indústrias; democracia representativa versus parlamentarismo; financiamento privado versus finanças públicas. Fredi me permitia ver como funcionavam de fato, na Áustria, as manobras políticas relacionadas a questões importantes, como a pressão para privatizar os sistemas de transporte, as indústrias de tabaco, aço e seguros, e a luta contra o ressurgimento da extrema direita.

Fredi também me apresentou a Josef Krainer Jr., eleito governador da região da Estíria em 1980. Ele era um pouco mais jovem que Fredi e dedicara a vida inteira à política. Seu pai fora governador da Estíria durante toda a minha infância – uma importante figura nacional que ganhara a eleição depois de passar a Segunda Guerra Mundial inteira encarcerado por ser contrário ao Anschluss, a ocupação e anexação da Áustria pela Alemanha nazista em 1938. Josef Jr. havia estudado na Itália e nos Estados Unidos, e suas opiniões eram uma interessante mistura de conservadorismo econômico e defesa do meio ambiente que eu considerava muito atraente. Outro bom amigo meu era Thomas Klestil, diplomata de carreira meteórica que era cônsul-geral em Los Angeles quando eu chegara lá. Ele agora era embaixador da Áustria nos Estados Unidos e, alguns anos mais tarde, seria eleito presidente da Áustria, em sucessão a Kurt Waldheim.

Relações como essas me fizeram relutar em abrir mão da cidadania austríaca em 1979, ano a partir do qual poderia solicitar a naturalização nos Estados Unidos. (Eu já ultrapassara o período mínimo de posse do green card, cinco anos.) Não gosto de cortar coisas da minha vida – eu apenas somo. Assim, o ideal seria a dupla cidadania. No entanto, embora os Estados Unidos permitissem isso, a lei austríaca me obrigava a optar – eu não podia ter as duas nacionalidades. As raras exceções em geral se aplicavam a diplomatas de carreira excepcional, e a decisão cabia ao governador de alguma das regiões austríacas. Perguntei a Fredi o que deveria fazer. Ele me disse que, com Josef Krainer Jr. prestes a se candidatar a governador, o mais sensato seria simplesmente esperar. Três anos depois, fiquei profundamente honrado quando Josef me concedeu a exceção. Comemorei levando Maria para jantar no número 72 da Market Street e solicitei imediatamente a cidadania americana.

Um ano depois, meu pedido foi aceito. No dia 16 de setembro de 1983, juntei-me, orgulhoso, a 2 mil outros imigrantes no Shrine Auditorium, em frente ao campus da UCLA, e jurei lealdade aos Estados Unidos da América. Desde os 10 anos eu me sentia americano, mas enfim isso estava virando realidade. Levantar a mão para prestar o juramento me causou um calafrio, e senti minha pele inteira se arrepiar. Depois da cerimônia, fotógrafos conseguiram me achar e tiraram fotos em que eu segurava o certificado de naturalização de braço dado com Maria, ambos sorrindo. “Sempre acreditei em mirar o mais alto possível, e virar americano é como entrar para o time dos vencedores”, falei para os jornalistas.

Em casa, demos uma festa para nossos amigos. Enrolei-me em uma bandeira americana, pus na cabeça um chapéu com a mesma estampa da bandeira e, no pescoço, uma gravata do mesmo feitio. Não conseguia parar de sorrir, tamanha a felicidade por ser, enfim, oficialmente um cidadão dos Estados Unidos. Agora poderia votar e viajar com passaporte americano. Poderia até, um dia, concorrer a um cargo político.

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