CAPÍTULO 27

Quem precisa de Washington?

QUANDO EMBARQUEI PARA SUN VALLEY com Maria e as crianças no final de dezembro, estava com uma disposição incrível. Depois de trabalhar muito em Sacramento e na campanha de reeleição, ansiava por um descanso. Dois dias antes do Natal, estávamos na área de esqui perto de nossa casa, lugar a que vamos com tanta frequência que existe até uma trilha chamada Pista do Arnold lá. Eu esquio bem, e a Pista do Arnold é um caminho de nível avançado, cheio de obstáculos. No entanto, quando quebrei a perna nessa tarde, tenho que confessar que estava em uma pista para iniciantes e simplesmente tropecei em um dos bastões. Estava a uma velocidade tão baixa que meus esquis sequer saíram dos pés, mas, quando caí por cima do bastão, o tombo foi tão forte que meu fêmur se partiu e eu senti um estalo.

Fizemos um Natal improvisado em Sun Valley e em seguida peguei um avião para ser operado em Los Angeles. Maria foi comigo, mas voltou logo para dar a grande festa que fazíamos em Sun Valley todo ano. Ficar isolado no hospital, sem a família, e não poder comparecer à festa, sem falar na dor fortíssima: tudo isso me deixou arrasado. Os cirurgiões tiveram que pôr uma haste de metal com um arame em volta do osso. Segundo os médicos, eu precisaria de oito semanas para me recuperar. Certa noite, já bem tarde, Sylvester Stallone apareceu para me animar. Deu-me de presente um par de luvas de boxe para me lembrar de que precisava continuar lutando. Outras pessoas, como Tom Arnold e o reverendo monsenhor Lloyd Torgerson também foram ao hospital, e durante uma das visitas eu caí em prantos. “Deve ser o remédio”, falei para meus amigos. “Chorar não faz nem um pouco o meu tipo.”

Eu estava deprimido não só porque o acidente tinha estragado minhas férias, mas também porque ameaçava atrapalhar a posse e me impedir de começar o segundo mandato com grande alarde. A posse estava marcada para 5 de janeiro de 2007, e meu discurso “O estado do estado”, para quatro dias depois. Eu havia preparado declarações marcantes sobre o que pretendia realizar nos quatro anos seguintes. Se estivesse sentindo dor ou dopado pelos analgésicos, porém, era difícil imaginar como poderia falar. Teddy Roosevelt tinha sido alvejado por um potencial assassino durante um discurso e conseguira concluir com calma suas observações antes de procurar um médico. Eu me perguntava como ele fora capaz disso.

Preparei-me para o discurso da melhor forma que pude, mas, à medida que a data foi se aproximando, Maria avaliou a gravidade da minha situação. Por fim, sentenciou: “Não vai dar.” Eu ainda estava me recuperando de uma cirurgia complicada, usando uma tala na perna, e não tinha a menor condição de participar de uma cerimônia de posse. Concordamos em adiar o evento.

Na manhã seguinte, fiquei uma fera comigo mesmo. Lembrei-me de minhas visitas a soldados feridos no Centro Médico Militar Walter Reed, veteranos que tinham passado por cirurgias na véspera. Eles queriam se curar, voltar ao campo de batalha e continuar o combate. Pensei: “Aqueles caras querem ir de novo para a luta e eu quero cancelar um discurso?” Senti-me um covarde completo.

Tinha que manter a cerimônia de posse, mesmo que precisasse subir os degraus do Capitólio engatinhando. Liguei para Maria e lhe disse que precisávamos retomar os planos originais. Ela logo viu que eu estava irredutível e ninguém conseguiria me deter, e deu tudo de si para tornar a cerimônia um sucesso. Além de me animar, supervisionou a montagem e a disposição do palanque em Sacramento em cima do qual eu tomaria posse, para que eu pudesse subir e descer de muletas sem dificuldade.

O evento da posse ficou lotado e foi uma festa. Compareceram membros de ambos os partidos, líderes empresariais e de sindicatos, jornalistas, amigos e parentes. Willie Brown, um dos mais antigos democratas em exercício e ex-presidente da Assembleia, foi escolhido como apresentador para vender a ideia da colaboração entre partidos. Tive orgulho de estar presente.


AO INICIAR O SEGUNDO MANDATO, eu tinha grandes ambições. Estava decidido a cumprir as promessas de campanha e abordar questões importantes e difíceis que pudessem posicionar a Califórnia como líder em matéria de saúde pública, meio ambiente e reformas políticas. Já tínhamos lançado programas de grande alcance nas áreas de mudanças climáticas e infraestrutura. A recessão fazia parte do passado, a economia recomeçara a crescer e, graças a isso e a muita disciplina, conseguíramos diminuir o déficit orçamentário de 16 bilhões de dólares em 2004 para 4 bilhões no ano fiscal corrente. No orçamento para o ano que começaria em julho de 2007 que eu estava prestes a apresentar ao legislativo, o déficit seria zero pela primeira vez em muitos anos. Portanto, o estado estava preparado para ações decisivas.

Meu plano era usar o discurso de posse para contestar a própria ideia do partidarismo. A louca polarização de nosso sistema político me deixava desolado, bem como o desperdício, a paralisia e os danos causados por ela. Apesar de acordos bipartidários em 2006 nas áreas de infraestrutura, meio ambiente e orçamento, a Califórnia havia se tornado profundamente dividida. Republicanos e democratas não conseguiam mais chegar a um denominador comum e negociar acordos em relação a interesses compartilhados, como acontecera durante o grande crescimento do pós-guerra. Agora a política da Califórnia era uma grande força centrífuga que obrigava eleitores, políticas e partidos a se afastarem do centro. Os distritos eleitorais tinham sido estabelecidos para eliminar a competição. Alguns eram administrados por republicanos conservadores, outros por democratas liberais. O falecido deputado federal Phil Burton tinha tanto orgulho da demarcação que fizera para os democratas da Califórnia ao estabelecer as linhas divisórias no Congresso, em 1981, que a qualificava como “sua contribuição para a arte moderna”. Em meu discurso de posse, em 2007, falei que, por causa da divisão desigual e controversa dos distritos políticos, o legislativo da Califórnia tinha menos rotatividade que a monarquia Habsburgo na Áustria.

Nos dois dias que sucederam o 11 de Setembro, houvera um exemplo realmente lamentável desse fato. Com o país ainda atordoado por causa dos ataques terroristas a Nova York e Washington, o legislativo aprovara uma lei de redefinição dos limites distritais que entrincheirava ainda mais os legisladores eleitos e os linhas-duras de ambos os partidos. Era uma visão de mundo que punha partidos acima de pessoas e, na minha opinião, isso tinha que mudar.

Assim, quando saí da cama, peguei as muletas e fui fazer meu discurso de posse, desafiei os californianos a não cederem mais à extrema esquerda e à extrema direita e a voltarem para o centro. Para os políticos, falei: “Ser moderado não é sinônimo de ser fraco, ou sem-graça, ou indeciso. Ser moderado significa ser bem equilibrado, bem fundado. O povo americano é instintivamente centrista. Nosso governo também deveria ser assim. Os partidos políticos dos Estados Unidos deveriam voltar ao centro, que é onde o povo está.”

E lembrei aos eleitores: “A esquerda e a direita não detêm o monopólio da consciência. Não podemos deixá-las pensar que detêm. É possível ser moderado e ter princípios. É possível buscar um consenso e manter as próprias convicções. Existe princípio maior do que ceder parte de sua posição em nome de um bem mais importante? Foi assim que conseguimos chegar a uma Constituição neste país. Se não tivessem entrado em um acordo, nossos Pais Fundadores estariam reunidos até hoje no Holiday Inn de Filadélfia.”

Quatro dias depois, proferi o discurso “O estado do estado” diante da Assembleia e do Senado estaduais. Apesar da maneira como muitas vezes havíamos nos torturado mutuamente durante meu primeiro mandato, pude elogiar seus integrantes. Sequer precisei mentir – tudo o que tive que fazer foi compará-los aos políticos de Washington. “No ano passado, o governo federal ficou paralisado por impasses e joguinhos”, falei. “Mas vocês, aqui nesta casa, tomaram atitudes relacionadas a infraestrutura, salário mínimo, custo de remédios com receita controlada e redução de gases de efeito estufa em nossa atmosfera. Isso significa que não estamos parados esperando nossos problemas piorarem. Não estamos aguardando o governo federal. Porque o futuro não espera.”

Expus então a visão que tinha do estado: “Não só podemos conduzir a Califórnia para o futuro como podemos mostrar ao país e ao mundo como chegar lá. Podemos fazer isso porque temos importância econômica, temos nossa população e temos a força tecnológica de um estado-nação. Nós somos a versão moderna das antigas cidades-estado de Atenas e Esparta. A Califórnia conta com as ideias de Atenas e a potência de Esparta.” Em seguida, enumerei meia dúzia de maneiras ambiciosas de o nosso estado servir de exemplo em âmbito nacional e internacional, da construção de escolas ao combate ao aquecimento global.

É claro que o político mediano está pouco se lixando para Atenas e Esparta, ou para qualquer outro tipo de visão. Mas eu acabara de ganhar uma eleição. Por ora, portanto, eles tinham que me ouvir. Eu estava disposto a apostar que pelo menos alguns dos membros do legislativo estadual aceitariam o desafio de realizar ainda mais do que havíamos realizado em 2006.

Antes mesmo que eu me livrasse das muletas, eu e meu gabinete voltamos a trabalhar com força total. Somando os objetivos que eu havia estabelecido nos discursos às propostas de votação popular relativas ao orçamento do ano, lançamos a mais ambiciosa agenda de mudanças de qualquer governo estadual na história moderna: a reforma da legislação de saúde mais abrangente dos Estados Unidos; a implementação das mais completas regulações relativas a mudanças climáticas do país, incluindo o primeiro padrão do mundo para combustível de baixo carbono; a reforma do sistema de liberdade condicional e a construção de novas prisões; e o imenso e mais controverso projeto das lendárias guerras da água da Califórnia: um novo canal periférico para concluir o que o governador Pat Brown havia começado 30 anos antes.

Continuamos a fazer as reformas orçamentária e política avançarem: fortalecemos o fundo emergencial e proibimos a arrecadação de recursos durante o processo de aprovação do orçamento. Fizemos uma segunda tentativa de redefinição dos limites distritais por meio de uma proposta de votação popular, com o objetivo de formar um comitê independente, sem vínculos partidários. E eu gastei longas horas tentando ajudar pessoas comuns a lidar com problemas extraordinários. Passamos semanas fazendo reuniões com empresas hipotecárias – tais como Countrywide, GMAC, Litton e HomEq –, de modo a acelerar o auxílio para impedir que mutuários do segmento de crédito de risco, ou subprime, que não estavam conseguindo honrar seus empréstimos perdessem seus imóveis. Nós nos reunimos com líderes de segurança pública das regiões do Vale Central e do Vale de Salinas para ajudá-los a formular uma abordagem mais eficaz para o combate à violência das gangues.

As jornadas de trabalho muitas vezes chegavam a 16 horas, e eu simplesmente passava a maioria das noites em Sacramento. Gostava da importância e da complexidade dos desafios, de estar sempre em movimento. No entanto, sentia falta de Maria e das crianças e continuava me esforçando para tentar passar a sexta-feira e todos os fins de semana em Los Angeles.

Durante meu primeiro mandato, acho que esse arranjo havia funcionado sobretudo graças ao talento de Maria como mãe. Certa noite, porém, durante a primavera, eu tinha chegado de Sacramento e estávamos todos sentados ao redor da mesa da cozinha quando Christina começou a chorar. “Pai, você nunca está em casa”, reclamou ela. “Vive em Sacramento. Nem foi assistir ao meu recital na escola.” Outro de meus filhos falou: “Você não apareceu no Dia dos Pais. Só a mamãe foi.” Então um terceiro começou a chorar e disse: “É, você também faltou à minha partida de futebol.” De repente, foi como uma catarse coletiva. Todos choravam, e cada um tinha a sua reclamação.

Christina deve ter percebido que fiquei perplexo. Eu estava me divertindo tanto no papel de governador que havia ignorado por completo aquela situação complicada em casa.

– Desculpe, pai, mas eu tive que falar – disse minha filha.

– Não, Christina – interrompeu Maria. – Não tem problema. Acho importante você dizer a seu pai o que pensa e como se sente. Pode contar tudo a ele.

Ela também estava insatisfeita por eu passar tanto tempo longe e incentivou nossos quatro filhos a falarem.

Eu às vezes posso ser bastante impulsivo. Fiquei muito preocupado pensando quanto tempo fazia que eles estavam se sentindo daquele jeito e quanto tempo teriam levado para tomar coragem e falar. Sempre lhes dissera que, em uma família, todo mundo precisa fazer sacrifícios. Quando seis pessoas estão juntas, ninguém pode fazer tudo o que lhe dá na telha 100% do tempo. Bem, agora era a minha vez. Prometi que, dali em diante, passaria apenas uma noite por semana em Sacramento. “Talvez eu tenha que sair alguns dias de manhã antes de vocês acordarem e pode ser que chegue em casa na hora em que estiverem indo para a cama”, falei. “Mas a partir de agora vou estar presente.”

Sempre dizem que a política afeta os casamentos. Você fica tão envolvido no trabalho que as pessoas que ama acabam sofrendo os efeitos colaterais. Mesmo que consiga proteger parcialmente sua mulher e seus filhos da atenção dos meios de comunicação, eles têm a sensação de estar dividindo e perdendo você. É claro que Maria era uma mulher forte e tinha a própria carreira. Quando viu que minha paixão por ser governador estava nos afastando, agiu da melhor forma que podia naquelas circunstâncias: cuidou muito bem das crianças, aceitou as oportunidades e responsabilidades de ser primeira-dama do estado, ajudou-me quando precisei dela. E esperou.


NA PRIMAVERA ANTERIOR, QUANDO estávamos começando a campanha de reeleição, meus principais assessores haviam pedido com veemência, logo antes de uma coletiva de imprensa, que eu não assumisse a reforma do sistema de saúde. Susan Kennedy e Daniel Zingale, especificamente, abordaram o assunto: “Por favor, não diga que vai fazer isso.” Daniel, que havia fundado o Departamento de Administração de Saúde da Califórnia durante o governo de Gray Davis, era nosso especialista em assuntos de saúde.

Só que eu estava muito animado e falei para a imprensa: “No meu segundo mandato, vou fazer a reforma da saúde.” Depois da coletiva, Susan e Daniel comentaram: “Que merda, ele acabou de mexer em um vespeiro.” Os dois imploraram que eu não prometesse que teríamos um plano pronto a tempo do meu discurso “O estado do estado”. Segundo eles, isso era impossível. Então, na primeira vez que vi um jornalista depois disso, falei: “E vou ter um plano pronto no dia do meu discurso.” Susan mais tarde brincou que teve que segurar um saco de papel em frente à boca de Daniel para ajudá-lo a respirar quando ouviu isso. Ele não acreditou que fôssemos ter que desenvolver um plano de reforma para todo o sistema de saúde estadual em oito meses. Em Massachusetts, que é menor que o condado de Los Angeles, disseram que isso levara dois anos. Tive que acalmar os ânimos.

O medo de minha equipe era compreensível. Tentar reformar o sistema de saúde quase destruíra o mandato presidencial de Bill Clinton. E os mesmos demônios que assombravam o país nessa questão também aterrorizavam a Califórnia: custos em alta, ineficiência, fraudes, encargos cada vez mais altos para empregadores e segurados e milhões de pessoas sem plano de saúde. No entanto, eu sempre havia considerado uma desgraça que o país mais incrível do mundo não tivesse um sistema de saúde acessível a todos os seus habitantes, como muitas nações da Europa têm. Dito isso, acredito no setor privado, e era contra qualquer sistema público em que o estado pagasse a conta sozinho. Nós apresentamos a ideia de um jeito que ninguém nunca fizera antes nem veio a fazer depois.

Não tentei gerar uma culpa que obrigasse as empresas e as pessoas que já tinham plano de saúde assumirem os custos gigantescos das que não tinham ou cujo plano era precário. Em vez disso, argumentei que elas já estavam pagando essas contas sob a forma de uma grande taxa oculta: seus próprios custos de saúde cada vez mais altos. Assim, ao assegurar diretamente a cobertura dos não segurados, elas não estariam pagando mais do que agora, e o sistema seria administrado de maneira mais eficiente. Também ressaltei que a maioria dos californianos sem plano de saúde – três quartos, para ser exato – estava empregada. Era este o núcleo da Califórnia: famílias jovens que trabalhavam e não tinham cobertura de saúde adequada.

Daniel Zingale liderou a equipe que cumpriu com louvor a tarefa de criar nosso plano. Uma cobertura universal iria exigir sacrifícios de todos os envolvidos – hospitais, empresas de planos de saúde, empregadores, médicos –, e ele trouxe cada um deles para a mesa de discussão e os fez participar. O plano tinha três componentes: cobertura para todos, obrigatoriedade de todos os californianos contratarem um plano de saúde e exigência de que as seguradoras garantissem a cobertura irrestrita, independentemente da idade e de doenças preexistentes. Havia também subsídios para quem não pudesse arcar com as despesas do seguro sozinho, bem como medidas agressivas para controlar custos e focar na prevenção.

Assim, em vez de evitar falar de saúde, fiz desta uma das principais prioridades de 2007, que comecei a promover como o ano do sistema de saúde. Diariamente, minha agenda tinha eventos públicos e reuniões particulares sobre o assunto. Percorri o estado para encontrar pacientes, médicos, enfermeiros e diretores de hospital. Participei de reuniões nas quais mais escutei do que falei. Em maio, consegui até que Jay Leno me deixasse discorrer sobre o financiamento do sistema de saúde no Tonight Show; Jay deu o exemplo de um parente seu que passara três meses em um hospital na Inglaterra e pagara apenas 4.500 dólares.

Fabián Núñez, presidente da Assembleia, deu duro para persuadir os grandes sindicatos de trabalhadores a apoiarem a reforma, enquanto eu convencia os grandes grupos empresariais. Juntos, negociamos com hospitais, grupos de médicos e representantes dos pacientes todos os detalhes mais importantes de um sistema abrangente, autofinanciado, que exigiria que todos tivessem plano de saúde e reduziria a transferência de custos para os contribuintes. Em dezembro, a Lei de Segurança e Redução de Custos de Saúde da Califórnia conquistou o apoio da Assembleia, apesar da oposição do sindicato das enfermeiras e dos democratas liberais, que insistiam em esperar um plano em que o governo fosse o único a financiar um sistema que ofereceria cobertura a toda a população.

Em janeiro de 2008, porém, após um ano de trabalho intenso, a reforma do sistema de saúde sequer havia sido apresentada para votação no Senado estadual. O plano simplesmente morreu em um comitê senatorial. Segundo os boatos, o líder do Senado, o democrata Don Perata, não suportava o fato de seu jovem e ambicioso presidente, também democrata, trabalhando com um governador republicano, ser responsável por duas das maiores medidas de reforma da história moderna da Califórnia: mudanças climáticas e sistema de saúde. Alguns democratas reclamaram abertamente que conceder uma vitória tão grande a um governador republicano em relação a questões consideradas “democratas” ia contra as regras da prática política. (No início dos anos 1970, Teddy Kennedy seguira um raciocínio semelhante ao impedir a reforma nacional do sistema de saúde pelo presidente Nixon.) Não acreditei que uma questão crucial para o povo da Califórnia pudesse sair dos trilhos por causa de algo que não passava de uma rixazinha política entre dois líderes democratas do legislativo.

Foi uma derrota terrível. Porém, não me arrependo do esforço, pois quem saiu derrotada não foi a causa do sistema de saúde. Nossa legislação foi estudada com atenção em Washington e acabou sendo um dos modelos para a reforma nacional do sistema de saúde em 2010. Nosso plano resolvia alguns dos pontos fracos detectados na reforma pioneira desse tipo empreendida em Massachusetts por Mitt Romney, fortalecendo a obrigatoriedade de plano e focando na prevenção – medidas-chave para conter despesas. Nossa reforma, na realidade, tornou-se a reforma do país inteiro, e a Califórnia mostrou o caminho.

O mundo com certeza reparou no contraste entre a ação na Califórnia e a paralisia em Washington. Em junho, a revista Time publicou uma capa que mostrava a mim e Michael Bloomberg, prefeito de Nova York, com o título “Quem precisa de Washington?”. O mote da matéria era que a cidade de Bloomberg e o meu estado estavam tomando as grandes providências que a capital do país não conseguia tomar. Washington havia rejeitado o Protocolo de Kyoto para combater o aquecimento global, mas na Califórnia tínhamos aprovado o primeiro teto para gases de efeito estufa dos Estados Unidos. O governo federal rejeitara a pesquisa com células-tronco, mas na Califórnia nós investíramos 3 bilhões de dólares para promovê-la. A administração federal recusara nosso pedido de verba para consertar os diques de nossos sistemas de abastecimento de água, mas nós tínhamos conseguido aprovar bilhões de dólares em títulos públicos para proteger os diques e começar a reconstruir nossa infraestrutura. “Todas as grandes ideias estão vindo de governos locais”, declarei à Time. “Não vamos esperar o Grande Pai vir nos pegar pela mão.”

Tanto Bloomberg quanto eu compreendíamos o poder de extrapolar fronteiras. Em maio, junto com prefeitos de mais de 30 das maiores cidades do mundo, ele presidiu a segunda cúpula sobre o clima, cujo objetivo era reduzir as emissões de carbono. Nesse mesmo verão, nós dois nos aliamos ao governador da Pensilvânia, o democrata Ed Rendell, para criar o Fundo Educacional para a Construção do Futuro dos Estados Unidos, organização sem fins lucrativos destinada a promover uma nova era de investimentos em infraestrutura no país. E eu já estava fazendo uma série de acordos com outros países e estados nas áreas de comércio e mudanças climáticas. Depois, no outono de 2006, a Califórnia aprovou o teto para gases de efeito estufa, que incluía os padrões mais rígidos até então para a eficiência de combustíveis dos carros de passeio já registrados em nosso estado, e assinou uma aliança para o clima com a província canadense de Ontário, situada em frente a Detroit, do outro lado da fronteira. A parceria enfureceu algumas das montadoras de automóveis, e um deputado republicano de Detroit chegou a mandar colocar um outdoor com os dizeres: “Arnold para Detroit: Morra!” Dei minha resposta à imprensa: “Arnold para Detroit: Parem de fazer corpo mole!”

Minha disposição para cruzar limites partidários desagradou aos republicanos mais conservadores. Se eles já pensavam que eu não era um verdadeiro republicano por abordar a questão das mudanças climáticas, ficaram de fato estarrecidos quando abracei a questão da reforma da saúde. Em setembro, abri uma conferência do partido perto de Palm Springs disparando mais um tiro contra o partidarismo míope.

“Nosso ibope está no chão”, falei para meus colegas republicanos. “Não estamos conseguindo ocupar as vagas. Nosso partido se afastou do centro, e só vamos realmente recuperar o poder político na Califórnia quando conseguirmos retomar nosso caminho. Eu penso como Reagan: não devemos despencar do abismo com bandeiras desfraldadas.” Observei que aprendera isso do jeito mais difícil, quando os sindicatos mobilizaram os eleitores para destruir minhas propostas de votação popular.

“Nosso caminho de volta é claro”, declarei. “O Partido Republicano do nosso estado deve ser um partido de centro-direita, que ocupe o amplo meio da Califórnia: esse espaço político luxuriante, verde e abandonado pode ser nosso.” Concluí com a promessa de trabalhar duro para ajudar o partido a realizar isso. O discurso, porém, foi recebido sem entusiasmo: palmas educadas, nada mais. Aqueles políticos não gostavam do meio luxuriante e verde; eles queriam estar na periferia fria e mesquinha.

Logo depois de mim, o governador de direita do Texas Rick Perry discursou. Ele menosprezou as mudanças climáticas, condenou os projetos de infraestrutura como gastos descontrolados do governo e declarou que o Partido Republicano estava atravessando uma ótima fase. A plateia foi à loucura. Faltando apenas um ano para a eleição presidencial de 2008, perguntei-me se Ronald Reagan teria feito uma profecia: “despencar do abismo com bandeiras desfraldadas” era exatamente para onde os republicanos estavam rumando.

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