CAPÍTULO 5
Saudações de Los Angeles
HÁ UMA FOTO DO DIA EM QUE CHEGUEI A Los Angeles. É 1968, tenho 21 anos e estou usando uma calça marrom amassada, sapatos pesadões e uma camisa de manga comprida de má qualidade. Estou segurando um saco plástico surrado contendo uns poucos objetos e esperando minha bolsa de ginástica com o resto de meus pertences aparecer na esteira de bagagens do aeroporto. Pareço um refugiado, só sei falar umas poucas frases em inglês e não tenho um tostão furado, mas um largo sorriso toma conta do meu rosto.
Um fotógrafo e um repórter que trabalhavam como freelancers para a revista Muscle & Fitness tinham ido ao aeroporto registrar minha chegada. Joe Weider pedira a eles que me recebessem, dessem uma volta comigo e escrevessem sobre tudo o que eu fizesse e dissesse. Weider estava me promovendo como uma estrela em ascensão. Fora ele quem me convidara para passar um ano nos Estados Unidos treinando com os campeões. Iria me arrumar um lugar para morar e dinheiro para os gastos. Enquanto treinava para alcançar meu sonho, tudo o que eu precisaria fazer seria trabalhar com um tradutor para escrever reportagens sobre minhas técnicas, que seriam publicadas em suas revistas.
A nova e maravilhosa vida com a qual eu havia sonhado poderia muito bem ter chegado ao fim apenas uma semana depois. Um de meus novos amigos da academia, um fortão australiano domador de crocodilos, me emprestou seu carro, um Pontiac GTO com mais de 350 cavalos de potência. Eu nunca tinha dirigido um veículo tão incrível, e não demorou muito para estar voando pelo Ventura Boulevard, no Vale de São Fernando, a uma velocidade típica de Autobahn alemã. Era uma manhã fria e nebulosa de outubro, e eu estava prestes a descobrir que as ruas da Califórnia ficam muito escorregadias quando começa a chover.
Logo antes de uma curva, me preparei para passar uma marcha mais lenta. Eu tinha jeito com câmbios manuais porque todos os carros europeus eram desse tipo, inclusive os caminhões que costumava dirigir no exército e o automóvel detonado que tinha em Munique. No entanto, diminuir a marcha do GTO fez as rodas traseiras perderem velocidade bruscamente, o que reduziu a aderência dos pneus à pista.
O carro rodopiou depressa umas duas ou três vezes, totalmente fora de controle. Minha velocidade devia ter caído para uns 50 quilômetros por hora quando o impulso me fez invadir as pistas em sentido contrário – infelizmente cheias de carros por causa do tráfego da manhã. Vi um fusca me atingir em cheio pelo lado do carona. Então um carro de marca americana bateu em mim, e mais uns quatro ou cinco outros também acabaram engavetando.
O GTO e eu fomos parar quase 30 metros adiante do meu destino, a academia Vince’s Gym, aonde eu estava indo treinar. A porta do motorista ainda funcionava, então desci do carro, mas minha perna direita parecia estar pegando fogo. A batida havia destruído o console entre os dois bancos dianteiros e, quando olhei para baixo, vi um pedaço enorme de plástico espetado na minha coxa. Eu o retirei com um puxão e então o sangue começou a escorrer pela minha perna.
Fiquei muito assustado e só consegui pensar em ir até a academia pedir ajuda. Entrei lá mancando e falei:
– Acabei de sofrer um grave acidente.
Alguns dos fisiculturistas me reconheceram, mas quem assumiu a situação foi um cara que eu não conhecia e que por acaso era advogado.
– É melhor você voltar para o seu carro – recomendou ele. – Não se abandona o local de um acidente. Aqui isso se chama hit and run, bater e fugir, entendeu? E você pode ter sérios problemas se fizer isso. Então volte para lá, fique perto do seu carro e espere a polícia aparecer.
Ele entendeu que eu tinha acabado de chegar ao país e não falava bem inglês.
– Mas eu estou aqui! – falei. – E posso ficar olhando para lá! – Quis dizer que seria fácil ver a polícia chegar e sair para falar com os agentes.
– Acredite em mim: volte para o seu carro.
Então lhe mostrei minha perna.
– Você conhece algum médico que possa me ajudar com este ferimento aqui?
Ele viu o sangue escorrendo.
– Ai, meu Deus – falou entre dentes. Passou alguns segundos pensando. – Deixe-me ligar para uns amigos. Você tem plano de saúde? – Não entendi muito bem a pergunta, mas acabamos conseguindo nos comunicar e falei que não tinha plano. Alguém me deu uma toalha para estancar o sangue.
Voltei para o carro. As pessoas tinham tomado um susto e estavam chateadas porque iriam chegar atrasadas no trabalho e porque seus automóveis estavam batidos e elas teriam que lidar com as seguradoras. Mas ninguém me agrediu nem fez acusações. Depois de se certificar de que a motorista do fusca estava bem, o policial me liberou sem me intimar a depor e disse apenas: “Estou vendo que o senhor está sangrando. É melhor ir cuidar desse ferimento.”
Um amigo fisiculturista chamado Bill Drake me levou ao médico e gentilmente pagou a conta após eu levar alguns pontos.
Fui um idiota por provocar esse acidente e gostaria de ter anotado o nome de todos os envolvidos para poder lhes escrever hoje e pedir desculpas.
Sabia que tinha tido sorte: na Europa a polícia teria sido muito dura em uma situação como aquela. Eu poderia não apenas ter sido preso, mas também, por ser estrangeiro, poderia ter acabado tendo que cumprir pena ou ser deportado. A batida com certeza teria me custado um dinheirão em multas. Os policiais de Los Angeles, entretanto, concluíram que a pista estava escorregadia, a coisa toda fora um acidente, não houvera feridos graves, e o mais importante era normalizar o trânsito. O agente que falou comigo foi muito educado e, depois de conferir minha carteira de habilitação internacional, perguntou: “O senhor precisa de uma ambulância ou está bem?” Dois dos caras da academia lhe disseram que eu chegara ao país havia poucos dias. Ficou bem claro que, apesar de tentar, eu na verdade não falava inglês.
Nessa noite, fui dormir otimista. Ainda precisava resolver as coisas com o domador de crocodilos, mas os Estados Unidos eram um lugar incrível para se estar.
A PRIMEIRA VISÃO QUE TIVE DE LOS ANGELES foi um choque. Para mim, os Estados Unidos significavam uma única coisa: tamanho. Arranha-céus, pontes, letreiros de neon, autoestradas e carros, tudo imenso, descomunal. Tanto Nova York quanto Miami haviam correspondido às minhas expectativas, e eu de certa forma imaginava que Los Angeles fosse igualmente impressionante. No entanto, vi que só havia uns poucos edifícios altos no centro e a cidade me pareceu bem acanhada. A praia era grande, mas onde estavam as imensas ondas e os surfistas montados em suas pranchas?
Fiquei decepcionado na primeira vez em que vi a academia Gold’s Gym, a meca do fisiculturismo americano. Eu tinha passado anos estudando as revistas de Weider sem me dar conta de que a ideia era fazer tudo parecer bem maior do que na realidade. Via imagens de fisiculturistas famosos malhando na Gold’s e imaginava uma academia gigantesca, com quadras de basquete, piscinas, salas de ginástica, musculação, levantamento de peso e artes marciais, como as enormes academias que se vê hoje em dia. No entanto, quando entrei o que vi foi um piso de cimento e um espaço que correspondia mais ou menos à metade de uma quadra de basquete, com paredes de blocos de concreto e claraboias. Apesar disso, os equipamentos eram interessantes e vi ótimos halterofilistas e fisiculturistas malhando e levantando pesos enormes – portanto, não faltava inspiração. Além do mais, a academia ficava a dois quarteirões da praia.
O bairro de Venice, onde ficava a Gold’s, parecia ainda menos impressionante que a academia em si. As casas que margeavam ruas e becos mais pareciam meu alojamento no exército austríaco. Por que construir casas de madeira vagabundas em um lugar tão bom? Alguns dos imóveis estavam vazios e abandonados. As calçadas eram rachadas e sujas de areia, e ervas daninhas cresciam junto às construções. Além disso, alguns trechos de calçada sequer eram pavimentados.
“Isto aqui são os Estados Unidos!”, pensei. “Por que não pavimentar esses trechos? Por que não demolir essa casa abandonada e construir outra mais bonita?” De uma coisa eu tinha certeza: em Graz você jamais veria uma só rua que não fosse calçada e estivesse totalmente varrida e impecável. Era algo inconcebível.
Foi um desafio me mudar para um país onde tudo tinha um aspecto diferente: a língua era outra, a cultura era outra e as pessoas interagiam profissionalmente de outra forma. Era estarrecedor como tudo parecia diferente. Mas eu tinha uma grande vantagem em relação à maioria dos recém-chegados: quando você pratica um esporte internacional, nunca está totalmente sozinho.
Há uma hospitalidade incrível no mundo do fisiculturismo. Aonde quer que vá, você não precisa sequer conhecer alguém, pois tem sempre a sensação de fazer parte de uma família. Os fisiculturistas locais vão buscá-lo no aeroporto, cumprimentam você, convidam-no para ir às suas casas, oferecem comida, levam-no para passear. Nos Estados Unidos, porém, havia algo mais.
Um dos fisiculturistas de Los Angeles tinha um quarto de hóspedes onde pude me hospedar no começo. Quando apareci para começar a treinar na academia, os outros me cumprimentaram, me abraçaram e deixaram bem claro que estavam felizes por me ter ali. Encontraram um pequeno apartamento para mim e, assim que me mudei, a simpatia se transformou num “mutirão para ajudar o garoto”. Organizaram uma coleta, e um belo dia de manhã apareceram com pacotes e caixas. Imagine um bando de caras grandes e musculosos, uns ursos descomunais que você jamais iria querer que chegassem nem perto de qualquer coisa delicada ou feita de vidro, que vê diariamente na academia dizendo “Putz, olhem só aquele peitoral!” ou “Que se foda, hoje vou fazer agachamentos com 227 quilos”. De repente, lá estão esses mesmos caras carregando caixas e embrulhos. Um deles diz “Olhe só o que eu trouxe”, abre uma caixinha e mostra uns talheres. “Você precisa de talheres para poder comer aqui.” Outro desfaz uma trouxa e diz: “Minha mulher me disse que estes eram os pratos que eu podia pegar. São nossos pratos antigos, então agora você tem cinco pratos.” Eles sempre tinham o cuidado de dizer o nome de tudo e dar explicações simples. Alguém levou uma pequena televisão em preto e branco com uma antena espetada em cima, me ajudou a ligá-la e me ensinou a mexer na antena. Eles também levaram comida, que comemos juntos.
“Nunca vi uma coisa dessas na Alemanha ou na Áustria”, pensei. “Ninguém sequer pensaria em fazer algo assim.” Tinha certeza absoluta de que, no meu país, se eu visse alguém se mudando para a casa ao lado, nem me passaria pela cabeça ajudá-lo. Fiquei me sentindo um idiota. Esse dia foi uma experiência que me fez amadurecer.
O pessoal me levou para conhecer Hollywood. Queria tirar uma foto minha lá para mandar para meus pais, como quem diz: “Cheguei a Hollywood. Meu próximo passo é fazer cinema.” Então pegamos o carro e fomos seguindo até que um dos caras disse:
– Pronto, ali é o Sunset Boulevard.
– E quando é que vamos chegar a Hollywood? – perguntei.
– Nós já estamos em Hollywood.
Na minha imaginação, eu devia ter confundido Hollywood com Las Vegas, pois fiquei procurando imensos letreiros e luzes neon. Também esperava ver equipamentos de filmagem e ruas interditadas para alguma cena incrível com dublês. Mas aquilo não era nada.
– O que houve com todas as luzes e o resto? – perguntei.
Os outros se entreolharam.
– Acho que ele está decepcionado – comentou alguém. – Talvez devamos voltar à noite.
E os outros disseram:
– Isso, isso, boa ideia. Porque de dia na verdade não há nada para ver.
Mais tarde nessa mesma semana, voltamos a Hollywood à noite. Havia mais algumas luzes, mas achei tudo igualmente chato. Tive que me acostumar com aquilo e descobrir os melhores lugares para frequentar.
Passei muito tempo aprendendo a me virar e tentando descobrir como funcionavam as coisas nos Estados Unidos. À noite, eu geralmente saía com Artie Zeller, o fotógrafo que fora me buscar no aeroporto. Ele me fascinava. Era muito, muito inteligente, mas não tinha nem um pingo de ambição. Não gostava de estresse nem de risco. Trabalhava no guichê de uma agência dos correios. Nascera no Brooklyn, onde seu pai era um destacado chantre da comunidade judaica, um sujeito muito erudito. O filho seguira o próprio caminho e começara a praticar fisiculturismo em Coney Island. Com o trabalho de freelancer para Weider, tornara-se o melhor fotógrafo do esporte. Era um cara fascinante por ser autodidata: nunca parava de ler e aprender coisas. Além do talento natural para idiomas, era uma enciclopédia ambulante e um exímio enxadrista. Era também um democrata e liberal ferrenho, além de completamente ateu. Esqueça a religião – para ele, era tudo uma baboseira. Deus não existia e fim de papo.
Josie, mulher de Artie, era suíça. Embora eu estivesse tentando fazer uma imersão total no inglês, era bom conviver com pessoas que sabiam alemão. Isso era especialmente útil na hora de ver televisão. Eu chegara aos Estados Unidos nas últimas três ou quatro semanas da campanha presidencial de 1968. Portanto, quando ligávamos a tevê sempre estava passando alguma coisa sobre a eleição. Artie e Josie traduziam para mim os discursos de Richard Nixon e do vice-presidente Hubert Humphrey, os dois adversários que disputavam a presidência. Humphrey, o democrata, só falava em bem-estar social e programas de governo, e tive a impressão de que ele parecia austríaco demais. Os discursos de Nixon sobre oportunidade e empreendedorismo, no entanto, me soaram tipicamente americanos.
– Como se chama mesmo o partido dele? – perguntei a Artie.
– Republicano.
– Então sou republicano – falei.
Artie respondeu com uma fungada, coisa que fazia com frequência, tanto por causa da sinusite quanto porque a vida lhe proporcionava motivos de sobra para manifestar desdém.
COMO JOE WEIDER HAVIA PROMETIDO, ganhei um carro: um fusca branco de segunda mão que fez com que me sentisse em casa. Para conhecer a cidade, visitava diversas academias. Fiz amizade com o gerente de uma delas, no centro de Los Angeles, no edifício então conhecido como Occidental Life. Viajei para o interior e também desci a costa até San Diego para visitar as academias de lá. Os amigos também me levaram a outros lugares, e foi assim que conheci Tijuana, o México e Santa Barbara. Certa vez, fui até Las Vegas com quatro outros fisiculturistas em um micro-ônibus. Com tantos fortões a bordo, o veículo mal conseguia atingir 100 quilômetros por hora. Las Vegas, por sua vez, com seus cassinos gigantes, suas luzes de neon e suas mesas de jogo intermináveis, correspondeu plenamente às minhas expectativas.
Vários campeões treinavam na academia Vince’s Gym, entre eles Larry Scott, apelidado de “A Lenda”, vencedor do Mister Olympia em 1965 e 1966. A Vince’s tinha carpete no piso e vários aparelhos legais, mas não era uma academia de levantamento de peso: para eles, exercícios básicos de musculação como o agachamento completo, o supino com barra e o supino inclinado eram coisas ultrapassadas dos fortões de antigamente e não esculpiam o corpo.
Na Gold’s, a situação era outra. O ambiente era bem bruto e vários monstros treinavam ali, entre campeões olímpicos de lançamento de peso, lutadores profissionais, campeões de fisiculturismo, fortões das ruas. Quase ninguém usava roupas esportivas. Todos treinavam de jeans e camisa quadriculada, camiseta sem manga, regata ou suéter de moletom. A academia tinha um piso sem revestimento e plataformas de halterofilismo em que se podia deixar cair pesos com 500 quilos sem que ninguém desse um pio para reclamar. Era mais parecida com o ambiente ao qual eu estava acostumado.
O gênio da academia se chamava Joe Gold. Na década de 1930, ainda adolescente, ele fizera parte do grupo original de Muscle Beach, em Santa Monica. Depois de servir como maquinista na marinha mercante durante a Segunda Guerra Mundial, voltara para os Estados Unidos e começara a fabricar equipamentos de ginástica. Praticamente todos os aparelhos da academia tinham sido projetados pelo próprio Joe.
Nada ali era delicado: tudo o que Joe fabricava era grande, pesado e funcionava. Seu aparelho para remada com cabos sentado fora projetado com o apoio para os pés na altura exata para se poder trabalhar os dorsais inferiores sem ter a sensação de estar prestes a decolar do assento. Em vez de fazer apenas o que lhe desse na telha quando projetava um aparelho, Joe incorporava as opiniões de todo mundo. Portanto, em todas as máquinas os ângulos de puxada eram perfeitos e nada nunca emperrava. Além disso, ele ia à academia todos os dias, ou seja, o equipamento tinha manutenção permanente.
Às vezes Joe simplesmente inventava novos aparelhos. Ele havia criado um para fazer flexão plantar a 90º. Esse exercício era fundamental para mim porque, em comparação com as outras partes do meu corpo, minhas panturrilhas eram pequenas e difíceis de hipertrofiar. Em geral, você apoia os metatarsos sobre uma barra ou prancha, deixando o arco do pé e os calcanhares suspensos. Então dobra o corpo a 90º, segura-se uma barra com os dois braços, pede para um ou dois parceiros de treino sentarem-se em cima das suas costas e quadris como se você fosse uma mula (daí o exercício ser chamado donkey raise em inglês) e trabalha as panturrilhas, subindo e descendo na ponta dos pés. Só que o aparelho de Joe dispensava os parceiros. Você punha a carga que quisesse, entrava debaixo dele com o corpo dobrado em ângulo reto e removia a trava. Então passava a sustentar, digamos, 318 quilos e podia fazer seus exercícios sozinho.
A Gold’s logo se transformou na minha casa, porque era lá que eu me sentia centrado. Havia sempre vários caras de bobeira em volta do balcão de recepção, e os frequentadores assíduos tinham apelidos – como Fat Arm Charlie (Charlie do Braço Gordo), Brownie (Marronzinho) ou Snail (Lesma). Zabo Koszewski trabalhou lá por muitos anos e era amigo íntimo de Joe Gold. Todo mundo o conhecia como “O Chefe”. Ele tinha o melhor abdômen entre todos os frequentadores, superdefinido, pois fazia mil abdominais por dia. O meu não era tão bom assim, e a primeira coisa que Zabo me disse quando nos conhecemos foi que eu precisava fazer regime. “Sabe de uma coisa?”, comentou. “Você está rechonchudo.” Joe Gold me apelidou de “Barriga Balão” e, a partir desse dia, passei a ser conhecido como “Barriga Balão” e “Rechonchudo”.
Zabo, que vinha de Nova Jersey e cujo verdadeiro nome era Irvin, tinha uma coleção de cachimbos de haxixe. De vez em quando, íamos à casa dele para fumar. Ele passava o tempo inteiro lendo histórias de ficção científica. Só vivia dizendo “Cara, nossa, que demais!”, “Maneiríssimo!” ou “Incrível!”. Mas isso era normal em Venice. Fumar maconha ou haxixe era tão habitual quanto beber cerveja. Você ia à casa de alguém, fosse quem fosse, e a pessoa acendia um baseado e dizia: “Dê um tapinha.” Ou então, dependendo de seu grau de sofisticação, acendia um cachimbo de haxixe.
Aprendi depressa o que as pessoas queriam dizer com as expressões “maneiro”, “legal”. E certa vez, quando estava paquerando uma garota linda, descobri a importância da astrologia. Falei:
– Parece que nós dois combinamos bastante. Deveríamos sair para jantar.
Mas ela foi logo perguntando:
– Opa, peraí, peraí. Qual é o seu signo?
– Leão – respondi.
– Não combina comigo. Com certeza não combina comigo. Obrigada, mas não.
E foi embora. Cheguei à academia no dia seguinte e comentei:
– Pessoal, estou com um probleminha. Ainda tenho muito a aprender. – E contei a eles a história.
Zabo sabia exatamente o que eu deveria fazer. Ele me sugeriu:
– Cara, você tem que dizer: “O meu signo é o melhor de todos.” Experimente.
Bastaram algumas semanas para outra situação surgir. Eu estava conversando com uma garota durante o almoço e ela perguntou:
– Qual é o seu signo?
E eu respondi:
– O que você acha?
– Ah, diga logo!
– O melhor de todos!
E ela então falou:
– Você quer dizer... Capricórnio?
– Isso mesmo! – exclamei. – Como adivinhou?
– Ah, que incrível, porque esse signo combina muito com o meu, estou me dando tão bem com você, quer dizer... nossa!
Ela ficou muito animada, muito feliz. Então comecei a ler sobre os signos do zodíaco e as características associadas a cada um e aprendi como eles se encaixam entre si.
Usando a Gold’s como base, foi fácil fazer amigos. A academia era um verdadeiro caldeirão de personagens vindos do mundo inteiro: Austrália, África, Europa. Eu malhava de manhã e perguntava a outros frequentadores se eles queriam almoçar. Nós íamos, eles me falavam sobre suas vidas, eu falava sobre a minha, e assim nos tornávamos amigos. À noite, eu voltava para treinar outra vez, encontrava pessoas diferentes, saía com elas para jantar e passava a conhecê-las também.
Fiquei pasmo com a facilidade com que as pessoas me convidavam para ir a suas casas, e com quanto os americanos gostavam de comemorar. Antes de ir para os Estados Unidos, nunca tinha comemorado um aniversário, nem sequer tinha visto um bolo com velas. Mas uma garota me convidou para sua festa, e no verão seguinte, quando o meu aniversário chegou, o pessoal da academia comprou um bolo com velinhas para mim. Alguém dizia: “Tenho que ir para casa porque hoje é o primeiro dia de escola da minha irmã e vamos comemorar.” Ou então: “Hoje é aniversário de casamento dos meus pais.” Eu não me lembrava de algum dia ter ouvido meus pais falarem sobre seu aniversário de casamento.
Quando o Dia de Ação de Graças chegou, eu não tinha planejado nada e não entendia a tradição dessa festa americana. Mas Bill Drake me convidou para ir à sua casa. Conheci a mãe dele, que serviu uma comida maravilhosa, e seu pai, que era comediante profissional e muito, muito engraçado. Na Áustria temos um ditado: “Você é um doce, tão doce que eu poderia até comer!” No entanto, por causa dos problemas de tradução, quando eu disse isso à Sra. Drake o elogio ficou com duplo sentido. E a família inteira desatou a rir.
Fiquei ainda mais pasmo quando uma garota com quem havia saído me convidou para ir comemorar o Natal na casa dos pais dela. Pensei: “Meu Deus, não quero atrapalhar o feriado da família.” Além de ser tratado como um filho, também ganhei presente de cada membro da família.
Toda essa hospitalidade era uma agradável novidade, mas eu ficava incomodado por não saber como retribuir. Nunca ouvira falar, por exemplo, em cartões de agradecimento, mas os americanos pareciam usá-los o tempo todo. “Que coisa estranha”, pensei. “Por que não agradecer por telefone ou pessoalmente?” Era assim que fazíamos na Europa. Nos Estados Unidos, porém, Joe Weider convidava a mim e minha namorada para jantar e depois ela pedia:
– Me dê o endereço dele, quero escrever um cartão agradecendo.
E eu respondia:
– Ah, não precisa, nós já agradecemos na saída.
– Não, não, meus pais me ensinaram a ser educada.
Percebi que era melhor entrar na dança e aprender a me comportar como um americano. Ou talvez aqueles fossem também hábitos europeus e eu simplesmente não tivesse percebido. Perguntei a amigos da Europa, para ver se tinha sido apenas falta de atenção minha. Não tinha: os Estados Unidos eram mesmo diferentes.
Como primeiro passo, estabeleci uma regra: só sairia com garotas americanas. Não queria mais conviver com garotas que falassem alemão. Também me inscrevi em aulas de inglês no Community College de Santa Monica, uma faculdade comunitária que oferecia cursos técnicos e de curta duração. Queria que meu inglês fosse bom o suficiente para eu poder ler jornais, livros universitários e começar a ter aulas de outras matérias. Em vez de aprender o idioma naturalmente, eu desejava acelerar o processo de aprendizado para que pudesse logo pensar, ler e escrever como um americano.
Em um fim de semana, duas garotas me levaram a São Francisco, e dormimos ao relento no Parque Golden Gate. Pensei: “É inacreditável como as pessoas são livres aqui nos Estados Unidos. Olhem só para isso! Estamos passando a noite no parque e todo mundo nos trata bem.” Foi só bem mais tarde que entendi que havia chegado à Califórnia em um momento cultural totalmente maluco. Era o final dos anos 1960, época do movimento hippie, do amor livre, de várias mudanças incríveis. A Guerra do Vietnã estava no auge. Richard Nixon em breve seria eleito presidente. Os americanos daquela época tinham a sensação de que o mundo estava virando de pernas para o ar. Mas eu não fazia a menor ideia de que nem sempre fora assim. “Então o país é assim desse jeito”, pensei.
Nunca conversei muito sobre o Vietnã. Pessoalmente, porém, gostava de pensar que os Estados Unidos estavam combatendo o comunismo. Portanto, se alguém tivesse me perguntado, eu teria dito que era a favor da guerra. E falaria: “Comunistas de merda, eu desprezo essa gente.” Fui criado pertinho da fronteira com a Hungria, e vivíamos sob a ameaça constante do comunismo. Será que eles iriam invadir a Áustria como tinham feito com a Hungria em 1956? Será que seríamos pegos no meio do fogo cruzado de um conflito nuclear? O perigo era iminente. E nós vimos os efeitos que o regime comunista teve na vida dos tchecos, poloneses, húngaros, búlgaros, iugoslavos e alemães orientais – o comunismo nos cercava por todos os lados. Lembro que fui a Berlim Ocidental para uma exibição de fisiculturismo. Eu olhava por cima do muro, para o outro lado da fronteira, e via como a vida lá era soturna. Parecia que as condições climáticas lá eram diferentes das do lado ocidental. Minha sensação era que eu estava no sol e, quando olhava para Berlim Oriental, do outro lado daquela parede de pedra, estava chovendo. Era um horror. Um horror. De modo que o fato de os Estados Unidos estarem combatendo o comunismo me deixava bem contente.
Nunca me pareceu estranho que as garotas com quem eu saía não se maquiassem nem usassem batom ou esmalte nas unhas. Eu achava que ter pernas e axilas cabeludas fosse normal, porque na Europa nenhuma mulher se depilava com cera nem raspava os pelos. Na verdade, fui pego de surpresa por esse assunto certa manhã, no verão seguinte. Estava no chuveiro com uma namorada – na noite anterior, tínhamos visto os astronautas da Apollo pisarem na Lua pela primeira vez, na minha pequena TV preto e branco – quando ela perguntou:
– Você tem uma gilete?
– Para que você precisa disso?
– Esses pelos na minha perna estão me pinicando.
Eu não sabia o que era “pinicar”, e ela me explicou.
– Como assim? – estranhei. – Você raspa as pernas?
– Raspo, sim. Minhas pernas estão uma nojeira.
Eu também nunca havia escutado essa palavra. Mesmo assim, dei-lhe minha gilete e fiquei olhando enquanto ela ensaboava pernas, tornozelos, canelas e joelhos, depois se raspava como se fizesse isso há séculos. Mais tarde nesse mesmo dia, perguntei ao pessoal da academia:
– Hoje uma garota raspou as pernas na porra do meu chuveiro. Já viram uma coisa dessas?
Eles se entreolharam com um ar solene, fizeram que sim com a cabeça e responderam:
– Já...
Então todos começaram a rir. Tentei explicar:
– Porque na Europa as garotas têm um visual estilo Bavária, sabem? São todas cabeludas.
A explicação só os fez rir com mais vontade ainda.
Acabei entendendo a situação. Algumas das garotas com quem eu saía não se raspavam: era a sua forma de protestar contra o establishment. Elas achavam que o mercado da beleza era uma exploração do sexo e uma pressão sobre o comportamento das pessoas, então rejeitavam isso com uma atitude mais natural. Era tudo parte da filosofia hippie. Vestidos floridos, cabelos crespos, os alimentos que consumiam. Todas usavam contas, muitas contas. Acendiam incenso no meu apartamento, deixando um fedor insuportável. Essas coisas eram ruins, mas eu sentia que elas estavam no caminho certo com a liberdade de fumar um baseado e a naturalidade com que encaravam a nudez. Tudo isso era maravilhoso. Eu mesmo tinha sido criado um pouco assim, no ambiente desinibido do Thalersee.
ESSA DESCONTRAÇÃO TODA ERA ÓTIMA, MAS minha missão nos Estados Unidos era clara. Eu tinha um caminho a trilhar. Precisava treinar feito um louco, fazer regimes rigorosos, comer bem e conquistar outros títulos importantes no outono seguinte. Weider me prometera um ano, e eu sabia que, se fizesse tudo isso, estaria no caminho certo.
Ganhar dois títulos de Mister Universo em Londres não me deixara nem perto de ser o melhor fisiculturista do mundo. Muitos títulos se sobrepunham entre si e nem todo mundo participava de todas as competições. Na realidade, ser o melhor significava derrotar campeões como os caras cujas fotografias eu tinha pregadas na parede do meu quarto de menino: Reg Park, Dave Draper, Frank Zane, Bill Pearl, Larry Scott, Chuck Sipes, Serge Nubret. Eram esses os homens que haviam me inspirado, e eu dizia a mim mesmo: “É esse o tipo de adversário que eu vou acabar tendo que enfrentar.” Minhas vitórias haviam me permitido entrar para a mesma divisão, mas eu ainda era um recém-chegado e tinha muito a provar.
No degrau mais alto do pódio estava Sergio Oliva, o imigrante cubano de 104 quilos e 27 anos. A essa altura, as revistas especializadas se referiam a ele simplesmente como “O Mito”. Ele havia conquistado seu mais recente título de Mister Olympia no outono anterior, em Nova York, sem concorrentes: nenhum dos outros quatro campeões de fisiculturismo convidados a competir sequer apareceu.
A história de Oliva era ainda mais fora do comum que a minha. Seu pai era lavrador de cana-de-açúcar na Cuba pré-castrista, e quando a revolução estourou, em 1959, Sergio se alistou no exército do general Fulgencio Batista junto com o pai. Após a vitória de Fidel Castro e suas forças, conseguiu se firmar como atleta. Era um levantador de peso olímpico muito melhor do que eu e fizera parte da equipe cubana de 1962 nos Jogos da América Central e do Caribe. Teria liderado a equipe nas Olimpíadas de 1964, caso não detestasse tanto o regime de Castro a ponto de fugir para os Estados Unidos com vários outros companheiros da equipe. Ele também era um excelente jogador de beisebol. Fora isso que o ajudara a afinar a cintura: dezenas de milhares de repetições de giro de corpo para rebater com o taco.
Eu havia conhecido Sergio na disputa de Mister Universo de 1968, em Miami, durante a qual ele fizera uma demonstração de poses que levara a plateia à loucura. Como dizia uma das revistas especializadas, suas poses eram de rachar. Não havia dúvidas de que Sergio estava anos-luz à minha frente. Ele era superdefinido e cada quilo de seu corpo tinha mais massa e mais intensidade muscular que o meu. Ele também tinha uma rara habilidade entre os fisiculturistas: ficava maravilhoso simplesmente de pé, relaxado. Tinha a melhor silhueta que eu já vira: um formato de V perfeito, que se afunilava de ombros bem largos até uma cintura e quadris naturalmente finos e tubulares. A “pose da vitória”, marca registrada de Sergio, era uma postura que poucos fisiculturistas jamais ousariam tentar numa competição. A pose em si era simples: ficar de frente para a plateia, com as pernas juntas e os braços estendidos acima da cabeça. O corpo ficava totalmente exposto: coxas grossas e intermináveis conquistadas graças ao levantamento de peso olímpico, uma cintura fininha, abdômen, tríceps e serráteis praticamente perfeitos.
Eu havia decidido que um dia derrotaria aquele homem, mas ainda estava longe de ter o corpo necessário para alcançar esse objetivo. Havia chegado aos Estados Unidos como um diamante de 100 quilates que todos admiravam dizendo: “Puta merda.” Mas eu ainda era um diamante em estado bruto. Não estava pronto para ser exibido, pelo menos não pelos padrões americanos. Construir um corpo de categoria mundial sob todos os aspectos costuma levar pelo menos 10 anos, e eu havia treinado apenas seis. No entanto, passava uma boa impressão, e as pessoas comentavam: “Olhem só o tamanho desse garoto. Inacreditável... Para mim, esse cara tem o maior potencial de todos.” As vitórias na Europa se deviam tanto ao meu potencial e à minha coragem quanto aos pontos fortes do meu físico. Mas eu ainda tinha um trabalho enorme pela frente.
O ideal do fisiculturismo é a perfeição física, como se uma antiga estátua grega tivesse ganhado vida. Você esculpe o próprio corpo da mesma forma que um artista cinzela a pedra. Digamos que precise aumentar a massa e a definição do deltoide posterior. Há um leque de exercícios para esse músculo à disposição. O peso, o banco ou o aparelho tornam-se o seu cinzel, e a escultura pode levar um ano para ficar pronta.
Isso significa que você precisa ser capaz de visualizar seu corpo de forma objetiva e analisar as próprias falhas. Os jurados das competições de alto nível esmiúçam cada detalhe: o tamanho do músculo, sua definição, as proporções e a simetria. Eles avaliam até mesmo as veias, que indicam ausência de gordura sob a pele.
Ao me olhar no espelho, eu conseguia identificar vários pontos fortes e outros tantos fracos. Fora capaz de construir uma base de potência e massa. Graças à combinação de levantamento de peso olímpico, powerlifting e fisiculturismo, desenvolvera costas muito fortes e largas, quase perfeitas. Meus bíceps estavam com tamanho, altura e capacidade de contração extraordinários. Os peitorais eram bem definidos, e eu tinha a melhor pose lateral de peito dentre todos que conhecia. Possuía uma verdadeira estrutura de fisiculturista, com ombros largos e quadris estreitos, o que me ajudava a obter o formato de V ideal que constitui um dos elementos da perfeição.
Mas eu também tinha algumas deficiências. Em comparação com o torso, meus membros eram compridos demais. Por causa disso, eu vivia tendo que hipertrofiar braços e pernas para ajustar as proporções. Apesar de coxas imensas, com quase 74 centímetros de largura, minhas pernas ainda pareciam mais para finas. As panturrilhas também pareciam finas em comparação com as coxas, e o mesmo acontecia com os tríceps em comparação com os bíceps.
O desafio era eliminar todos esses pontos fracos. Faz parte da natureza humana insistir nas coisas em que somos bons. Se você tem bíceps grandes, vai querer fazer um número infinito de roscas bíceps, porque é altamente compensador ver esse músculo flexionar. Para ter sucesso, porém, é preciso ser duro consigo mesmo e se concentrar nas falhas. É nessa hora que entram em cena seus olhos, sua honestidade e sua capacidade de ouvir. Um fisiculturista cego em relação a si mesmo e surdo a quem está em volta geralmente fica para trás.
Mais desafiador ainda é o seguinte fato biológico: em cada indivíduo, há partes do corpo que se desenvolvem mais depressa que outras. Assim, quando você começa a malhar, em dois anos talvez se pegue dizendo “Ué, que interessante. Meus antebraços nunca ficaram tão musculosos quanto a parte superior dos braços”, ou “Que coisa, por algum motivo minhas panturrilhas não parecem estar crescendo muito”. As panturrilhas eram o meu tendão de aquiles. Eu começara a trabalhá-las com 10 séries, três vezes por semana, como todas as outras partes do corpo, mas elas não reagiram da mesma forma. Outros grupos musculares tinham se desenvolvido bem mais.
Quem me alertou disso foi Reg Park. Ele tinha panturrilhas perfeitas, de 53 centímetros, tão desenvolvidas que cada uma parecia um coração invertido sob a pele. Quando treinamos juntos na África do Sul, vi o que ele fazia para conseguir isso. Reg malhava as panturrilhas todos os dias, não apenas três vezes por semana, e com uma carga de peso assustadora. Eu tinha orgulho de ter chegado a flexões plantares em pé com 136 quilos, mas Reg tinha um sistema de cabos que lhe permitia aplicar cargas de 453 quilos. Pensei: “É isso que eu preciso fazer. Tenho que malhar as panturrilhas de forma totalmente diferente e não posso nem cogitar que elas não vão hipertrofiar.” Quando cheguei à Califórnia, fiz questão de cortar todas as minhas calças de moletom nos joelhos. Assim, podia manter meus pontos fortes escondidos – bíceps, peito, costas, coxas –, mas deixava as panturrilhas bem à mostra, para todos poderem ver. Fui implacável: diariamente, fazia 15 séries de flexões plantares em pé, às vezes 20.
Sabia de cor a lista de músculos nos quais precisava me concentrar de forma sistemática. Em geral, meus melhores músculos eram aqueles usados nos movimentos de puxada (bíceps, grandes dorsais e posteriores) mais que os de empurrar (deltoides dianteiros e tríceps). Era um fator hereditário que me obrigava a forçar muito mais esses grupos musculares e aumentar o número de séries. Conseguira fazer as costas hipertrofiarem, mas agora precisava me dedicar a criar a definição e a separação ideais entre grandes dorsais, peitorais e serráteis. Além de fazer exercícios para os serráteis, ou seja, aumentar o número de barras com os punhos juntos, eu precisava fazer os grandes dorsais baixarem um pouquinho, o que significava realizar mais elevações com cabo e com um braço só. Tinha que trabalhar os deltoides posteriores, o que significava mais elevações laterais, nas quais se segura um peso em cada mão, de pé, e se erguem os braços para os lados.
A lista de músculos que deviam ser trabalhados era extensa: deltoide posterior, grande dorsal inferior, intercostais, abdominais, panturrilhas... não acabava nunca! Todos esses músculos precisavam ser hipertrofiados, esculpidos e isolados, e eu precisava também calibrar a proporção entre eles. Todos os dias de manhã eu tomava café com um ou dois parceiros de treino, normalmente em uma delicatéssen chamada Zucky’s, na esquina da Rua 5 com o Wilshire Boulevard. Lá serviam atum, ovos, salmão, tudo o que eu gostava. Ou então íamos a uma daquelas lanchonetes frequentadas por famílias no café da manhã, como a Denny’s.
Quando eu não tinha aulas de inglês, ia direto malhar na Gold’s. Depois disso, às vezes íamos à praia, onde fazíamos mais exercícios nas plataformas de levantamento de peso ao ar livre, além de nadar, correr e deitar na areia para ficar ainda mais bronzeados. Ou então eu ia até o prédio de Joe Weider e trabalhava com os jornalistas preparando matérias para a revista.
Sempre dividia meu treino em duas sessões. Às segundas, quartas e sextas de manhã, eu me concentrava, por exemplo, no peito e nas costas. À noite, voltava e trabalhava coxas e panturrilhas, depois treinava poses e fazia outros exercícios. Às terças, quintas e sábados era a vez de ombros, braços e antebraços. Sem esquecer, é claro, panturrilhas e abdominais todos os dias, exceto aos domingos, quando descansava.
Muitas vezes, na hora do almoço ou do jantar, íamos comer em um dos bufês liberados do bairro. Como eu tinha crescido na Europa, jamais ouvira falar em restaurantes com esse tipo de serviço. Pensar em um lugar onde se pode comer à vontade era algo inconcebível. Os fisiculturistas começavam com cinco, seis ou sete ovos antes de passar para a seção seguinte e comer todos os tomates e legumes disponíveis. Depois comíamos carne, em seguida peixe. Na época, todas as revistas especializadas diziam que era preciso ingerir aminoácidos, mas que algumas dessas moléculas presentes em determinados alimentos eram incompletas, portanto era preciso tomar cuidado. “Ora”, dizíamos nós, “não vamos nem pensar muito. Vamos simplesmente comer todas as proteínas. Ovos, peixe, carne, peru, queijo – vamos comer de tudo e pronto!” Seria natural que os donos do bufê nos cobrassem pelo menos um acréscimo. Mas não, eles nos tratavam igualzinho aos outros clientes. Era como se Deus tivesse criado um restaurante especialmente para fisiculturistas.
Nesses primeiros meses em Los Angeles, tudo estava indo tão bem que era até difícil de acreditar. Para minha surpresa, meu acidente de carro teve muito poucas consequências, com exceção do ferimento na coxa. O domador de crocodilos, dono do GTO batido, mal deu importância às avarias. Ele trabalhava em uma concessionária onde podia escolher o carro usado que quisesse, e sua reação foi: “Não esquente com isso.” Na verdade, ele me contratou. Um dos serviços oferecidos pela concessionária era a exportação de carros usados, e nesse outono ganhei um dinheiro extra dirigindo automóveis até Long Beach para serem embarcados em cargueiros com destino à Austrália.
Algumas seguradoras ligaram para a academia por causa dos estragos causados aos outros veículos, mas as conversas eram complexas demais para eu entender, de modo que eu passava o telefone para algum colega. Ele explicava que eu acabara de chegar aos Estados Unidos e não tinha dinheiro nenhum, então as companhias desistiam. Mas o acidente me fez ficar desesperado para arrumar um plano de saúde. Na Europa, naturalmente, todo mundo tinha um: se fosse estudante, você caía em determinada categoria; se fosse criança, era coberto pelo plano dos seus pais; se tivesse um emprego, tinha o plano da empresa – até mesmo os sem-teto tinham cobertura. O fato de estar a descoberto em território americano me deixou com medo. “E se eu ficar doente, como vou fazer?” Esse pensamento não parava de me atormentar. Eu não sabia que se podia chegar no pronto-socorro e receber tratamento de graça. E, mesmo que soubesse, não iria querer caridade. Levei seis meses, mas devolvi a Bill Drake o dinheiro correspondente à conta do médico que ele havia pagado para mim.
Por coincidência, Larry Scott, ex-Mister Olympia agora aposentado mas que ainda malhava diariamente, era gerente regional de vendas de uma grande seguradora.
“Ouvi dizer que você está procurando um plano de saúde”, disse ele. “Vou ajudá-lo.”
Larry me arrumou uma apólice que custava 23,60 dólares por mês, mais 5 dólares para cobrir uma eventual invalidez. O valor me pareceu caro, já que eu só recebia 65 dólares por semana de Weider. Mesmo assim, aceitei, e devo ter sido um dos únicos imigrantes recém-chegados a Los Angeles a ter plano de saúde.
Perto do Dia de Ação de Graças, em novembro de 1969, fui convidado para uma competição e demonstração de fisiculturismo no Havaí em dezembro. O domador de crocodilos planejava ir passar o Natal em casa e disse: “Adoro o Havaí. Por que não vou com você, treinamos juntos por alguns dias, depois de lá vou direto para a Austrália?”
Essa me pareceu uma boa ideia. Além do atrativo óbvio das praias e das garotas, o Havaí me daria a oportunidade de conhecer o Dr. Richard You, um médico da equipe olímpica americana que tinha consultório lá, e de visitar lendas do levantamento de peso como Tommy Kono, Timothy Leon e Harold “Oddjob” Sakata, que eu já conhecia de Munique. Assim, meu amigo e eu fomos perguntar a Joe Weider se ele conhecia os organizadores da competição e o que pensava sobre minha participação. Ele me deu total apoio. Seria uma boa experiência para mim, falou, e a pressão de uma competição próxima me faria treinar com mais vigor.