CAPÍTULO 12
Enquanto observava o bárbaro deixar a sala, Toranaga desviou a mente pesarosamente da surpreendente entrevista e se atracou ao problema mais imediato de Ishido.
Toranaga havia resolvido não dispensar o padre, sabendo que isso enfureceria ainda mais Ishido, embora tivesse a certeza de que a presença contínua do padre poderia ser perigosa. Quanto menos os estrangeiros soubessem, melhor. Quanto menos qualquer pessoa souber, melhor, pensou ele. A influência de Tsukku-san sobre os daimios cristãos será a meu favor ou contra mim? Até hoje confiei nele implicitamente. Mas houve uns momentos estranhos com o bárbaro que ainda não compreendi.
Ishido deliberadamente não seguiu as cortesias habituais e foi instantaneamente ao ponto.
- Devo perguntar-lhe novamente: qual é a sua resposta ao conselho de regentes?
- Repito novamente: como presidente do conselho de regentes, não acredito que seja necessária qualquer resposta. Fiz algumas conexões de família secundárias que não têm importância. Nenhuma resposta se faz necessária.
- O senhor contratou o casamento de seu filho, Naga-san, com a filha do Senhor Masamune, o de uma de suas netas com o filho e herdeiro do Senhor Zataki, o de outra neta com o filho do Senhor Kiyama. Todos os casamentos se relacionam com senhores feudais ou com parentes próximos deles, portanto não são secundários e são absolutamente contrários às ordens de nosso amo.
- Nosso falecido amo, o taicum, morreu há um ano. Infelizmente. Sim. Lamento a morte do meu cunhado e preferiria que ainda estivesse vivo, guiando os destinos do império. - Toranaga acrescentou prazerosamente, revolvendo uma faca numa ferida permanente: - Se meu cunhado fosse vivo, não há dúvida de que aprovaria essas ligações de família. Suas instruções aplicavam-se aos casamentos que ameaçassem a sucessão da casa dele. Não ameaço a casa dele nem ao meu sobrinho Yaemon, o herdeiro. Estou satisfeito como senhor de Kwanto. Não procuro mais território. Estou em paz com meus vizinhos e desejo que a paz continue. Por Buda, não serei o primeiro a romper a paz.
Durante seis séculos o reino vivera alarmado por constantes guerras civis. Há trinta e cinco anos, um daimio menor, chamado Goroda. tomara posse de Kyoto, instigado principalmente por Toranaga. Nas duas décadas seguintes esse guerreiro miraculosamente dominara metade do Japão, erguera uma montanha de crânios e se declarara ditador - ainda sem poder suficiente para solicitar ao imperador reinante a concessão do título de shogun, embora descendesse vagamente de um ramo dos Fujimoto. Então, há dezesseis anos, Goroda fora assassinado por um de seus generais e seu poder caíra nas mãos de um príncipe vassalo e seu mais brilhante general, o camponês Nakamura.
Em quatro rápidos anos, o General Nakamura, auxiliado por Toranaga, Ishido e outros, aniquilou os descendentes de Goroda e colocou o Japão inteiro sob o seu controle absoluto e único, a primeira vez na história em que um homem dominava o reino todo. Triunfante, foi a Kyoto para se curvar diante de Go-Nijo, o Filho do Céu. Como nascera camponês, Nakamura tivera que aceitar o título menor de kwampaku, conselheiro-chefe, ao qual renunciou mais tarde em favor do filho, tomando para si o título de taicum. Mas todos os daimios se curvaram à sua frente, mesmo Toranaga. Inacreditavelmente, houvera paz completa durante doze anos. No ano passado o taicum morrera.
- Por Buda - repetiu Toranaga -, não serei o primeiro a romper a paz.
- Mas irá à guerra?
- Um homem sábio se prepara para a traição, neh? Há homens maus em todas as províncias. Alguns em altos postos. Ambos conhecemos a extensão ilimitada da traição no coração dos homens. - Toranaga retesou-se. - Onde o taicum deixou um legado de unidade, agora estamos divididos no meu leste e no seu oeste. O conselho de regentes está dividido. Os daimios estão em disputas. Um conselho não pode governar sequer uma aldeia infestada de caprichos e venetas, quanto mais um império. Quanto mais depressa o filho do taicum atingir a idade, melhor. Quanto mais depressa houver outro kwampaku, melhor.
- Ou talvez um shogun? - disse Ishido, de modo insinuante.
- Kwarnpaku, shogun ou taicum, o poder é o mesmo - disse Toranaga. - Qual e o valor real de um título? O poder é a única coisa importante. Goroda nunca se tornou shogun. Nakamura ficou mais que satisfeito como kwampaku e depois como taicum. Ele governava e isso é o que importa. Que importa que um dia meu cunhado tenha sido camponês? Que importa que minha família seja antiga? Que importa que o senhor seja de origem humilde? O senhor é um general, um suserano, até faz parte do conselho de regentes.
Importa muito, pensou Ishido. Você sabe disso. Eu sei. Cada daimio sabe. Até o taicum sabia. - Yaemon tem sete anos. Dentro de outros sete se tornará kwampaku. Até lá...
- Dentro de oito anos, General Ishido. É essa a nossa lei histórica. Quando meu sobrinho tiver quinze anos se tornará adulto e herdará. Até lá nós, os cinco regentes, governaremos em nome dele. Foi assim que nosso amo quis.
- Sim. E também ordenou que os regentes não tomassem reféns uns contra os outros. A Senhora Ochiba, a mãe do herdeiro, é refém no seu castelo de Yedo, contra a sua segurança aqui, e isso também viola a vontade dele. O senhor concordou formalmente em obedecer as cláusulas dele, assim como todos os regentes. Até assinou o documento com seu próprio sangue.
Toranaga suspirou.
- A Senhora Ochiba está visitando Yedo onde sua única irmã se encontra em trabalho de parto. A irmã dela é casada com meu filho e herdeiro. O lugar de meu filho é em Yedo enquanto eu estou aqui. Há coisa mais natural do que uma irmã visitar a outra num momento assim? Talvez eu já tenha meu primeiro neto, neh?
- A mãe do herdeiro é a senhora mais importante do império. Não deve estar em... - Ishido ia dizer "mãos inimigas", mas pensou melhor e continuou - numa cidade inabitual. - Fez uma pausa, depois acrescentou claramente: - O conselho gostaria que o senhor lhe ordenasse que voltasse para casa hoje.
Toranaga esquivou-se à armadilha.
- Repito, a Senhora Ochiba não é refém, portanto não está sob as minhas ordens, como nunca esteve.
- Então deixe-me colocar a coisa de modo diferente. O conselho solicita a presença dela em Osaka imediatamente.
- Quem solicita isso?
- Eu. O Senhor Sugiyama. O Senhor Onoshi e o Senhor Kiyama. E mais: todos concordamos em esperar aqui até que ela esteja de volta a Osaka. Eis as assinaturas deles.
Toranaga ficou lívido. Manipulara tanto o conselho para que a votação fosse sempre de dois a três e nunca fora capaz de vencer um quatro-a-um contra Ishido, mas tampouco Ishido conseguira isso contra ele. Quatro a um significava isolamento e calamidade. Por que Onoshi o desertara? E Kiyama? Ambos inimigos implacáveis, mesmo antes de se terem convertido à religião estrangeira.
E que influência tinha Ishido agora sobre eles?
Ishido sabia que abalara o inimigo. Mas faltava um movimento para tornar a vitória completa. Por isso pôs em prática o plano que havia combinado com Onoshi.
- Nós, regentes, estamos todos de acordo em que chegou o momento de acabar com aqueles que planejam usurpar o poder do meu amo e matar o herdeiro. Os traidores serão condenados. Serão exibidos nas ruas como criminosos comuns, com todos os descendentes, e depois serão executados como criminosos comuns, com todos os descendentes. Fujimoto, Takashima, origem humilde, origem ilustre - não importa quem. Até Minowara?
Um arquejo de cólera irrompeu de cada samurai de Toranaga, pois tal sacrilégio contra as famílias semi-reais era impensável. Foi quando o jovem samurai Usagi, marido da neta de Hiromatsu, pôs-se de pé, afogueado de raiva. Sacou a espada mortífera e saltou para cima de Ishido, a lâmina nua pronta para o golpe de duas mãos.
Ishido estava preparado para o golpe de morte e não fez movimento algum para se defender. Era isto o que planejara, o que esperava, e seus homens tinham ordens para não interferir até que ele estivesse morto. Se ele, Ishido, fosse morto aqui, agora, por um samurai de Toranaga, a guarnição de Osaka inteira cairia sobre Toranaga legitimamente e o liquidaria, sem se importar com a refém. Depois a Senhora Ochiba seria eliminada em retaliação, pelos filhos de Toranaga, e os regentes remanescentes seriam forçados a mover-se em conjunto contra o clã Yoshi, que, isolado, seria aniquilado. Só então a sucessão do herdeiro estaria garantida e ele, Ishido, teria cumprido seu dever para com o taicum. Mas o golpe não veio. No último momento Usagi recuperou o controle e tremulamente embainhou a espada.
- Seu perdão, Senhor Toranaga - disse, ajoelhando-se miseravelmente. - Não pude suportar a vergonha de... de vê-lo ouvindo esses. .. esses insultos. Peço permissão... peço desculpas e... peço permissão para cometer seppuku imediatamente, pois não posso viver com essa vergonha.
Embora Toranaga tivesse permanecido imóvel, estivera pronto para interceptar o golpe e sabia que Hiromatsu e os outros se encontravam igualmente prontos, e que provavelmente Ishido só ficaria ferido. Também compreendia por que Ishido fora tão insultante e incitante. Vou lhe devolver isto e com juros bem elevados, Ishido, prometeu ele silenciosamente.
Toranaga voltou a atenção ao jovem ajoelhado.
- Como se atreve a deduzir que qualquer coisa que o Senhor Ishido tenha dito signifique, de algum modo, um insulto a mim? Claro que ele nunca seria tão descortês. Como se atreve a ouvir conversas que não lhe dizem respeito? Não, você não será autorizado a cometer seppuku. Isso é uma honra. Você será crucificado hoje, como um criminoso comum. Suas espadas serão quebradas e enterradas na aldeia eta. Seu filho será enterrado na aldeia eta. Sua cabeça será espetada a um chuço e exposta ao escárnio de toda a população, com um aviso: "Este homem nasceu samurai por engano. Seu nome cessou de existir!"
Com um esforço supremo, Usagi controlou a respiração, mas o suor o encharcava e a vergonha por isso o torturava. Inclinou-se para Toranaga, aceitando seu destino com calma aparente.
Hiromatsu avançou e arrancou as duas espadas da cintura do neto por afinidade.
- Senhor Toranaga - disse gravemente -, com a sua permissão verificarei pessoalmente que as suas ordens sejam cumpridas.
Toranaga assentiu.
O jovem curvou-se uma última vez e começou a se levantar, mas Hiromatsu o empurrou de volta ao chão.
- Os samurais andam - disse. - Os homens também. Mas você não é uma coisa nem outra. Vai rastejar para a morte.
Silenciosamente Usagi obedeceu.
E todos na sala se sentiram reconfortados pela força da autodisciplina do jovem agora, e pela dimensão da sua coragem. Ele renascerá samurai, disseram a si mesmos, satisfeitos.