CAPÍTULO 55


Mariko caminhava pela avenida apinhada de gente e banhada de sol, rumo aos portões na extremidade. Atrás dela vinha uma guarda pessoal de dez marrons. Usava um quimono verde-claro, luvas brancas e um chapéu de viagem verde-escuro, de aba larga, atado sob o queixo por uma fita dourada. Protegia-se do sol com uma sombrinha iridescente. Os portões abriram-se girando sobre os gonzos e ficaram abertos.

Estava tudo muito calmo na avenida. Cinzentos alinhavam-se de ambos os lados e em todas as ameias. Ela podia ver o Anjin-san no parapeito da sua ala do castelo, Yabu ao lado dele e no pátio, a coluna à espera, com Kiri e a Senhora Sazuko. Todos os marrons estavam cerimoniosamente no adro, sob o comando de Yoshinaka, exceto vinte deles que se erguiam no parapeito com Blackthorne e dois a cada janela que dava para o adro.

Ao contrário dos cinzentos, nenhum dos marrons usava armadura ou portava arcos. Suas únicas armas eram espadas. Muitas mulheres, mulheres samurais, também observavam, algumas das janelas de outras casas fortificadas que se alinhavam ao longo da avenida, e outras de parapeitos. Outras, ainda, erguiam-se na avenida entre os cinzentos, algumas crianças alegremente vestidas com elas. Todas as mulheres carregavam sombrinhas, embora algumas portassem espadas, direito que tinham caso desejassem.

Kiyama se encontrava próximo ao portão com meia centena dos seus homens, não cinzentos.

— Bom dia, senhor — disse-lhe Mariko, e curvou-se. Ele retribuiu a reverência e ela atravessou a arcada.

— Alô, Kiri-san, Sazuko-san. Como estão bonitas! Está tudo pronto?

— Sim — retrucaram elas, com falsa jovialidade.

— Bom. — Mariko subiu ao seu palanquim aberto e sentou-se, as costas eretas. — Yoshinaka-san! Por favor, em marcha. Imediatamente o capitão deu um salto à frente e gritou as ordens. Vinte marrons formaram-se numa vanguarda e se puseram em marcha. Carregadores levantaram o palanquim sem cortinas de Mariko e seguiram os marrons através do portão, o palanquim de Kiri e o da Senhora Sazuko logo atrás, a jovem segurando o bebê nos braços.

Quando o palanquim de Mariko surgiu à luz do sol do lado de fora dos muros, um capitão de cinzentos avançou entre a vanguarda e o palanquim, e postou-se diretamente no caminho dela. A vanguarda parou abruptamente. O mesmo fizeram os carregadores.

— Por favor, com licença — disse ele a Yoshinaka —, posso ver os seus papéis?

— Sinto muito, capitão, mas não necessitamos de papéis — respondeu Yoshinaka em meio a grande silêncio.

— Sinto muito, mas o Senhor General Ishido, governador do castelo, capitão da guarda pessoal do herdeiro, com a aprovação dos regentes, instituiu ordens para o castelo todo, que têm que ser executadas.

— Sou Toda Mariko-noh-Buntaro — disse Mariko formalmente —, e tenho ordem do meu suserano, Senhor Toranaga, de escoltar suas damas ao seu encontro. Gentilmente deixe-nos passar.

— Eu ficaria contente em fazer isso, senhora — disse o samurai com orgulho, plantando os pés no chão —, mas sem papéis o meta suserano diz que ninguém pode deixar o Castelo de Osaka. Por favor, desculpe-me.

— Capitão, qual é o seu nome, por favor? — disse Mariko. — Sumiyori Danzenji, senhora, capitão da Quarta Legião, a minha linhagem é tão antiga quanto a sua. — Sinto muito, Capitão Sumiyori, mas se não sair do caminho, ordenarei que o matem.

— A senhora não passará sem papéis! — Por favor, mate-o, Yoshinaka-san.

Yoshinaka avançou com um pulo sem hesitação, sua espada um arco rodopiante, e atingiu o cinzento. A lâmina enterrou-se funda no flanco do homem e foi arrancada instantaneamente, e o segundo golpe, mais violento, decepou-lhe a cabeça, que rolou no pó.

Yoshinaka limpou a lâmina e embainhou-a. — Avante! — ordenou à vanguarda. — Depressa! — A vanguarda formou-se de novo e, seus passos ecoando, pôs-se em movimento. Então, vinda de nenhum lugar, uma flecha cravou-se no peito de Yoshinaka. O cortejo parou com uma guinada. Yoshinaka silenciosamente arrancou a haste, depois seus olhos se vitrificaram e ele caiu de borco.

Um leve gemido escapou dos lábios de Kiri. Um sopro de ar tocou as extremidades da fita muito leve de Mariko. Em algum ponto na avenida os gritos de uma criança foram silenciados. Todo mundo esperava, a respiração sustida.

— Miyai Kazuko-san — chamou Mariko. — Por favor, assuma o comando.

Kazuko era jovem, alto e muito orgulhoso, bem barbeado, com faces fundas, e avançou dos marrons agrupados perto de Kiyama, que se erguia ao lado do portão. Passou a passos largos pelas liteiras de Kiri e Sazuko, deteve-se ao lado da de Mariko e curvou-se formalmente. — Sim, senhora. Obrigado.

— Vocês! — gritou aos homens à frente. — Movam-se! — Tensos, alguns com medo, todos fora de si, eles obedeceram e mais uma vez a procissão começou, Kazuko caminhando junto da liteira de Mariko. Então, cem passos à frente deles, vinte cinzentos se moveram das fileiras cerradas de samurais e se colocaram silenciosamente de atravessado na rua. Os vinte marrons fecharam a brecha. Então alguém vacilou e a vanguarda foi parando aos poucos.

— Tirem-nos do caminho! — gritou Kazuko. Imediatamente um marrom saltou à frente, os outros o seguiram, e a matança tornou-se rápida e cruel. Cada vez que um cinzento tombava, outro calmamente avançava do grupo à espera para se unir aos companheiros no massacre. Foi sempre justo, sempre equilibradamente equiparado, homem a homem, agora dezenove contra quinze, agora oito contra oito, alguns cinzentos feridos debatendo-se no pó, agora três marrons contra dois cinzentos, outro cinzento que avançou, e logo estava um a um, o último marrom, sujo de sangue e ferido, já vitorioso quatro duelos. O último cinzento liquidou-o facilmente e postou-se sozinho entre os corpos, olhando para Miyai Kazuko.

Todos os marrons estavam mortos. Quatro cinzentos jaziam feridos, dezoito mortos.

Kazuko avançou, desembainhando a espada em meio ao enorme silêncio.

— Espere — disse Mariko. — Por favor, espere, Kazuko-san.

Ele parou, mas ficou de olhos no cinzento, ansioso por lutar. Mariko desceu do palanquim e voltou até junto de Kiyama. — Senhor Kiyama, formalmente lhe peço, por favor, que ordene àqueles homens saírem do caminho.

— Sinto muito, Toda-sama, as ordens do castelo devem ser obedecidas. As ordens são legais. Mas se a senhora desejar, convocarei uma reunião dos regentes e pedirei uma orientação.

— Sou samurai. Minhas ordens são claras, de acordo com o bushido e santificadas pelo nosso código. Devem ser obedecidas e têm prioridade legal sobre qualquer direito feito pelo homem. A lei pode subverter a razão, mas a razão não pode subverter a lei. Se eu não tiver permissão para obedecer, não poderei viver com essa vergonha.

— Convocarei uma reunião imediata.

— Por favor, desculpe-me — senhor, o que o senhor faz é assunto seu. Eu estou preocupada apenas com as ordens do meu senhor e com a minha vergonha. — Deu-lhe as costas e voltou calmamente até a frente da coluna. — Kazuko-san! Ordeno-lhe que por favor nos leve para fora do castelo!

Ele avançou. — Meu nome é Miyai Kazuko, capitão, da família Serata, do Terceiro Exército do Senhor Toranaga. Por favor, saia do caminho.

— Eu sou Biwa Jiro, capitão da guarnição do Senhor General Ishido. Minha vida não tem valor; ainda assim o senhor não passará — disse o cinzento.

Com o repentino grito de batalha "Toranagaaaaa!", Kazuko investiu contra o cinzento. As espadas retiniram à medida que os golpes e contragolpes foram aparados. Os dois homens faziam círculos. O cinzento era bom, muito bom, assim como Kazuko. As espadas ressoavam no choque. Ninguém mais se movia. Kazuko venceu, mas ficou gravemente ferido e ergueu-se sobre o inimigo, oscilando sobre os pés, e com o braço bom brandiu a espada no ar, soltando o seu grito de guerra, regozijando-se com a sua vitória: — Toranagaaaaa! — Não houve aplauso à sua vitória. Todos sabiam que isso seria inadequado no ritual que os envolvia agora.

Kazuko forçou um pé à frente, depois o outro, e cambaleando ordenou: — Sigam-me! — numa voz fragmentada. Ninguém viu de onde vieram as setas, mas elas o massacraram. E o ânimo dos marrons mudou de fatalismo para ferocidade ante o insulto ao valor de Kazuko. Ele já estava morrendo rapidamente, e teria caído logo, sozinho, ainda cumprindo o seu dever, ainda a liderá-los para fora do castelo. Outro oficial dos marrons se precipitou com vinte homens para formar uma nova vanguarda, e o resto amontoou-se em torno de Mariko, Kiri e a Senhora Sazuko.

— Avante! — gritou, ríspido, o oficial.

Pôs-se em marcha e os vinte samurais o seguiram. Como sonâmbulos, os carregadores levantaram os seus fardos e, trôpegos, se puseram em movimento, desviando-se dos cadáveres. Então, cem passos à frente, mais vinte cinzentos com um oficial se moveram silenciosamente das centenas que esperavam. Os carregadores pararam. A vanguarda acelerou o passo.

— Alto! — Os oficiais se curvaram brevemente um ao outro e anunciaram cada um a sua linhagem.

— Por favor, saia do caminho.

— Por favor, mostre-me os seus papéis.

Desta vez os marrons arremeteram imediatamente com gritos de "Toranagaaaaa!", que foram respondidos com "Yaemoooooonn!", e a carnificina teve início. E cada vez que um cinzento tombou, outro avançou friamente, até que todos os marrons estivessem mortos. O último cinzento limpou sua lâmina e embainhou-a, barrando sozinho a passagem. Outro oficial avançou com vinte marrons da companhia atrás das liteiras.

— Esperem — ordenou Mariko. Pálida, desceu do palanquim, pôs a sombrinha de lado, pegou a espada de Yoshinaka no chão, desembainhou-a e começou a avançar sozinha.

— O senhor sabe quem eu sou. Por favor, saia do meu caminho.

— Sou Kojima Harutomo, Sexta Legião, capitão. Por favor, desculpe-me, a senhora não pode passar — disse o cinzento com orgulho.

Ela arremeteu, mas o golpe foi aparado. O cinzento recuou e ficou na defensiva, embora pudesse tê-la matado sem esforço. Foi-se retirando lentamente avenida abaixo, ela o seguindo, mas ele a fez se esforçar por cada passo. Hesitantemente a coluna pôs-se em movimento atrás dela. Novamente ela tentou trazer o cinzento à luta, cortando, golpeando, sempre atacando ferozmente, mas o samurai se esquivava, evitando-lhe os golpes, guardando-se, não atacando, deixando-a se exaurir. Mas fazia isso gravemente, com dignidade, com toda a cortesia, concedendo-lhe a honra que lhe era devida. Ela atacou de novo, mas ele aparou o assalto violento que teria dominado um espadachim inferior, e recuou outro passo. A transpiração dela escorria. Um marrom começou a avançar para ajudá-la, mas o seu oficial calmamente ordenou-lhe que parasse, sabendo que ninguém podia interferir. Samurais de ambos os lados esperavam o sinal, ansiando pela ordem para matar.

Na multidão, uma criança escondeu os olhos nas saias da mãe. Gentilmente ela a forçou a olhar e se ajoelhou. — Por favor, olhe, meu filho — murmurou. — Você é samurai.

Mariko sabia que não agüentaria muito tempo mais. Estava arquejando agora devido ao esforço e podia sentir a malevolência que pairava ao seu redor. Então, à frente e em toda a volta, cinzentos começaram a se afastar dos muros e o laço em torno da coluna rapidamente se cerrou. Alguns cinzentos caminharam para tentar cercar Mariko e ela parou de avançar, sabendo que podia, com toda a facilidade, ser encurralada, desarmada e capturada, o que destruiria tudo imediatamente. Agora marrons moveram-se para assisti-Ia e o resto tomou posições em torno das liteiras. O ânimo na avenida era agourento agora, cada homem comprometido, o odor adocicado de sangue nas narinas de cada um. A coluna foi espremida junto do portão e Mariko viu como seria fácil para os cinzentos separá-los se desejassem e deixá-los impotentes no meio da rua.

— Esperem! — gritou ela. Todos pararam. Fez uma meia mesura ao seu atacante, depois, cabeça erguida, deu-lhe as costas e se dirigiu para Kiri. — Sinto... sinto muito, mas não é possível lutar por entre estes homens, no momento — disse, o peito arfando. — Nós... nós devemos voltar um instante. — O suor escorria-lhe pelo rosto quando atravessou o alinhamento de homens. Chegando junto de Kiyama, parou e curvou-se. — Esses homens me impediram de cumprir o meu dever, de obedecer ao meu suserano. Não posso viver com essa vergonha, senhor. Cometerei seppuku ao pôr-do-sol. Formalmente lhe peço que seja meu assistente.

— Não. A senhora não fará isso.

Os olhos dela faiscaram e sua voz ressoou destemida: — A menos que sejamos autorizados a obedecer ao nosso suserano, conforme o nosso direito, cometerei seppuku ao pôr-do-sol.

Curvou-se e caminhou na direção do portão. Kiyama curvou-se para ela e seus homens fizeram o mesmo. Então todos os que estavam na avenida e nas ameias e nas janelas, todos se curvaram em homenagem. Mariko atravessou a arcada, passou pelo adro, cruzou o jardim. Seus passos a levaram à rústica casa de chá isolada. Entrou e, uma vez sozinha, chorou silenciosamente por todos os homens que haviam morrido.


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