CAPÍTULO 57


O ataque ao baluarte dos marrons começou no momento mais escuro da noite, duas ou três horas antes do amanhecer. A primeira onda de dez ninjas — os infames furtivos — veio dos telhados das muralhas em frente, agora não guardadas por cinzentos. Atiraram ganchos enrolados em pano e presos à ponta de cordas ao outro telhado e se penduraram sobre o abismo como muitas aranhas. Usavam roupas pretas bem justas, tabis pretos e máscaras pretas. Também estavam levemente armados com facas presas a correntes e shurikens — farpas e discos de arremesso, pequenos, em forma de estrela, aguçados como agulhas e com as pontas envenenadas, do tamanho da palma da mão. Às costas traziam mochilas a tiracolo e pequenos bastões finos.

Os ninjas eram mercenários. Eram artistas na ação furtiva, especialistas no infamante — espionagem, infiltração e morte repentina.

Os dez homens aterrissaram sem ruído. Enrolaram os arpéus, quatro os engancharam de novo numa saliência e imediatamente se lançaram para baixo, para uma varanda vinte pés abaixo. Assim que a atingiram, de modo igualmente silencioso, seus companheiros soltaram os arpéus, atiraram-nos para baixo, e se moveram por sobre as telhas para se infiltrar em outra área.

Uma telha estalou sob o pé de um homem e todos eles se imobilizaram. No adro, três andares e sessenta pés abaixo, Sumiyori interrompeu a ronda e olhou para cima. Seus olhos perscrutaram a escuridão. Esperou sem se mexer, a boca aberta um nada para aguçar a audição, os olhos procurando lentamente. O telhado dos ninfas estava envolto em escuridão, a lua tênue, as estrelas nubladas no ar úmido e denso. Os homens continuaram absolutamente imóveis, até a respiração controlada e imperceptível, aparentemente tão inanimados quanto as telhas sobre as quais se erguiam.

Sumiyori fez outro circuito com os olhos e os ouvidos, depois outro, e, ainda incerto, saiu do adro para ver com mais clareza. Agora os quatro ninfas na varanda também se encontravam no seu campo de visão, mas estavam tão imóveis quanto os outros e ele também não os notou.

— Ei — chamou ele os guardas da entrada, as portas fortemente trancadas agora —, estão vendo alguma coisa, ouvindo alguma coisa?

— Não, capitão — disseram as sentinelas alerta. — As telhas estão sempre estalando, mudando um pouco de posição. Deve ser a umidade ou o calor.

— Vá até lá em cima e dê uma olhada — disse Sumiyori a um deles. — Ou melhor, diga aos guardas do último andar que dêem uma busca, só como prevenção.

O soldado saiu às pressas. Sumiyori levantou os olhos novamente, depois meio que encolheu os ombros e, tranqüilizado, continuou a patrulha. Os outros samurais voltaram a seus postos, vigiando o lado exterior.

No alto do telhado e na varanda, os ninjas aguardavam nas suas posições congeladas. Nem seus olhos se moviam. Eram treinados para permanecerem imóveis durante horas, se necessário — o que representava apenas uma parte do seu treinamento perpétuo. Então o líder lhes fez um sinal e eles se moveram de novo ao ataque. Seus arpéus e cordas levaram-nos silenciosamente a outra varanda onde podiam se insinuar pelas estreitas janelas nas paredes de granito. Abaixo desse último andar, todas as outras janelas — posições de defesa para arqueiros — eram tão estreitas, que ninguém poderia entrar por fora. A outro sinal os dois grupos entraram simultaneamente.

Os dois aposentos se encontravam mergulhados em escuridão, com dez marrons dormindo em linhas nítidas. Foram mortos rapidamente e quase sem ruído, uma única estocada na garganta de quase todos, os treinados sentidos dos atacantes levando-os certeiramente aos alvos, e em poucos momentos o último dos marrons estava se debatendo desesperadamente, seu grito de advertência garroteado antes de começar. Depois, os quartos garantidos, as portas garantidas, o líder sacou uma pederneira e uma isca, acendeu uma vela, protegeu-a cuidadosamente com a mão e levou-a até a janela, de onde fez três sinais para a noite. Atrás dele seus homens estavam se certificando pela segunda vez de que todos os marrons estavam mortos. O líder repetiu os sinais, depois se afastou da janela e gesticulou, falando com eles numa linguagem de sinais, com os dedos.

Imediatamente os atacantes desfizeram as mochilas e prepararam as armas de ataque — facas curtas, em forma de foicinhas, com gume duplo, com uma corrente presa ao cabo, shurikens e facas de arremesso. A uma outra ordem, homens selecionados desembainharam os bastões curtos. Tratava-se de lanças e zarabatanas, extensíveis, que assumiam o comprimento total com uma velocidade surpreendente. Assim que completou seus preparativos, cada homem se ajoelhou, acomodou-se encarando a porta e, aparentemente sem esforço consciente, tornou-se totalmente imóvel. O último homem se aprontou. O líder soprou a vela.

Quando os sinos da cidade tocaram a metade da hora do Tigre — quatro da manhã, uma hora antes do amanhecer —, a segunda onda de ninjas se infiltrou. Vinte deles deslizaram silenciosamente de um grande aqueduto fora de uso que servira uma vez aos córregos do jardim. Todos esses homens usavam espadas. Como uma multidão de sombras, atropelaram-se tomando posição entre moitas e arbustos, puseram-se imóveis e quase invisíveis. Ao mesmo tempo outro grupo de vinte subiu do solo com cordas e arpéus para atacar a ameia que dava para o adro e o jardim.

Havia dois marrons ali, cuidadosamente vigiando os telhados vazios do outro lado da avenida. Quando um deles correu os olhos em torno e viu os arpéus atrás deles, começou a apontar como alarme. Seu companheiro abriu a boca para gritar um aviso quando o primeiro ninja atingiu a seteira e atirou um shuriken farpado rodopiando até o rosto e a boca desse samurai, estrangulando o grito de modo hediondo, e se lançou contra o outro samurai, sua mão estendida transformada em arma letal, o polegar e o indicador esticados, investindo contra a jugular. O impacto paralisou o samurai, outro golpe violento quebrou-lhe a nuca com um estalo seco, e o ninfa saltou sobre o primeiro samurai agonizante, que se agarrava às farpas profundamente cravadas na sua boca e no seu rosto, o veneno já atuando.

Com um último esforço supremo, o samurai moribundo sacou a espada curta e atacou. O golpe feriu fundo e o ninfa arquejou, mas isso não lhe deteve a investida: sua mão atingiu a garganta do marrom, quebrando a cabeça do homem para trás e deslocando-lhe a coluna vertebral. O samurai morreu em pé. O ninfa sangrava seriamente, mas não emitiu ruído algum e ainda segurou o marrom morto, baixando-o cuidadosamente até as lajes de pedra, e caindo de joelhos ao seu lado. Agora todos os ninfas haviam subido pelas cordas e se erguiam no parapeito. Desviaram-se do companheiro ferido até que o parapeito estivesse garantido. O homem ferido ainda estava de joelhos ao lado dos marrons mortos, apertando o flanco. O líder examinou o ferimento. O sangue escorria num fluxo constante. Ele balançou a cabeça e falou com os dedos; o homem assentiu e se arrastou penosamente para um canto, o sangue deixando um rastro largo. Acomodou-se confortavelmente, apoiado ao muro, e puxou um shuriken. Arranhou as costas de uma mão várias vezes com as farpas envenenadas, depois encontrou o estilete, pousou a ponta da arma na base do pescoço e, com as duas mãos, com toda a força, empurrou-a para cima.

O líder certificou-se de que o homem morrera, depois voltou para a porta fortificada que levava para o interior. Abriu-a com cautela. Nesse momento ouviram passos aproximando-se e imediatamente se fundiram à parede em posição de emboscada.

No corredor daquela ala, a oeste, Sumiyori aproximava-se com os marrons. Deixou dois junto da porta do parapeito e, sem parar, prosseguiu. Os dois reforços saíram para o parapeito quando Sumiyori dobrou a esquina adiante e desceu um lanço circular de escada. Embaixo havia outro posto de controle, onde os dois samurais cansados se curvaram e foram substituídos.

— Juntem-se aos outros e voltem aos seus aposentos. Serão despertados ao amanhecer — disse Sumiyori.

— Sim, capitão.

Os dois samurais subiram as escadas de novo, contentes por não estarem mais em serviço. Sumiyori continuou, descendo para o outro corredor e substituindo sentinelas. Finalmente parou junto a uma porta e bateu, os últimos dois guardas consigo.

— Yabu-san?

— Sim? — A voz estava sonolenta. — Desculpe, é a mudança da guarda. — Ah, obrigado. Por favor, entre.

Sumiyori abriu a porta mas cautelosamente permaneceu à soleira. Yabu estava com o cabelo desgrenhado, apoiado sobre um cotovelo às cobertas, a outra mão na espada. Quando teve certeza de que era mesmo Sumiyori, descontraiu-se e bocejou. — Alguma novidade, capitão?

Sumiyori também se descontraiu e meneou a cabeça, entrou e fechou a porta. O quarto era grande, arrumado, e havia outra cama de futons convidativamente desdobrados. Janelas, que eram fendas, davam para a avenida e a cidade, um declive abrupto trinta pés abaixo. — Está tudo tranqüilo. Ela está dormindo agora... pelo menos a criada, Chimmoko, disse que estava. — Dirigiu-se para a escrivaninha baixa onde uma lâmpada a óleo bruxuleava e se serviu de chá frio. Ao lado do bule estava o passe deles, formalmente selado, que Yabu trouxera do escritório de Ishido.

Yabu bocejou de novo e se espreguiçou voluptuosamente. — O Anjin-san?

— Estava acordado na última vez que verifiquei. Foi à meia-noite. Pediu-me que não verificasse de novo até pouco antes do amanhecer — alguma coisa sobre os seus hábitos. Não compreendi claramente tudo o que ele disse, mas não há perigo, há uma segurança muito cerrada por toda parte, neh? Kiritsubo-san e as outras senhoras estão silenciosas, embora ela, Kiritsubo, tenha estado acordada a maior parte da noite.

Yabu levantou-se da cama. Estava usando apenas uma tanga. — Fazendo o quê?

— Simplesmente sentada à janela, olhando para fora. Não havia nada para ver. Sugeri que seria melhor que ela dormisse um pouco. Agradeceu-me polidamente, concordou e continuou onde estava. Mulheres, neh?

Yabu flexionou os ombros e cotovelos e coçou-se vigorosamente para fazer o sangue circular. Começou a se vestir. — Ela devia descansar. Tem um longo caminho a fazer hoje.

Sumiyori pousou a xícara. — Acho que é um truque.

— O quê?

— Não acho que Ishido fale a sério.

— Temos autorizações assinadas. Aqui estão. Todos os homens estão relacionados. Você verificou os nomes. Como ele pode voltar atrás num compromisso público conosco ou com a Senhora Toda? Impossível, neh?

— Não sei. Perdão, Yabu-san, ainda acho que é um truque.

— Que tipo de truque?

Yabu amarrou o sash lentamente. — Seremos emboscados.

— Fora do castelo? Sumiyori assentiu. — Sim, é nisso que estou pensando.

— Ele não ousaria.

— Ousará. Vai nos emboscar ou nos atrasar. Não consigo vê-lo deixando que ela se vá, ou a Senhora Sazuko ou o bebê. Mesmo a velha Senhora Etsu e os outros.

— Não, você está enganado.

Sumiyori meneou a cabeça tristemente. — Acho que teria sido melhor se ela se tivesse cravado a faca e o senhor a tivesse degolado. Deste modo nada está resolvido.

Yabu pegou as espadas e enfiou-as no cinto. Sim, estava ele pensando, concordo com você. Nada está resolvido e ela falhou no seu dever. Você sabe disso, eu sei, e Ishido também. Vergonhoso! Se ela tivesse morrido, teríamos todos vivido para sempre. Assim como é agora... ela voltou da beira da morte, desonrou a nós e a si mesma. Shikata ga nai, neh? Mulher estúpida!

Mas em voz alta disse: — Acho que você está enganado. Ela venceu Ishido. A Senhora Toda venceu. Ishido não se atreverá a nos emboscar. Vá dormir, eu o acordarei ao amanhecer.

Novamente Sumiyori meneou a cabeça. — Não, obrigado, Yabu-san, acho que vou fazer a ronda de novo. — Aproximou-se de uma janela e perscrutou o exterior. — Alguma coisa não está certa.

— Está tudo excelente. Tome um pouco... espere um instante! O que foi isso? Você ouviu alguma coisa?

Yabu aproximou-se de Sumiyori e fingiu procurar na escuridão, ouvindo atentamente, e então, sem qualquer sinal de advertência, sacou a espada curta e com o mesmo movimento espontâneo e fulminante cravou a lâmina nas costas de Sumiyori, tapando a boca do homem com a outra mão para impedi-lo de gritar. O capitão morreu instantaneamente. Yabu segurou-o cuidadosamente com o braço esticado, e com uma força imensa, de modo a não se manchar de sangue, carregou o corpo até os futons, arranjando-o numa posição adormecida. Depois puxou a espada e começou a limpá-la, furioso de que a intuição de Sumiyori tivesse forçado a morte não planejada. Ainda assim, pensou Yabu, não posso tê-lo rondando por aí agora.

Naquele mesmo dia, quando Yabu voltava do escritório de Ishido com o salvo-conduto, fora abordado em particular por um samurai que nunca vira antes.

— A sua cooperação é solicitada, Yabu-san. — Para quê e por quem?

— Por alguém a quem o senhor fez um oferecimento ontem. — Que oferecimento?

— Em troca de salvo-condutos para o senhor e o Anjin-san, o senhor providenciaria que ela estivesse desarmada durante a emboscada na sua viagem... Por favor, não toque na espada, Yabu-san, há quatro arqueiros aguardando um sinal!

— Como ousa me desafiar? Que emboscada? — blefara ele, sentindo os joelhos fracos, pois não havia dúvida agora de que o homem era intermediário de Ishido. Na véspera, à tarde, ele fizera o oferecimento secreto por meio dos seus próprios intermediários, numa desesperada tentativa de poupar alguma coisa ao naufrágio que Mariko causara aos seus planos para o Navio Negro e o futuro. Na mesma hora soubera que era uma idéia extravagante. Teria sido difícil, se não impossível, desarmá-la e continuar vivo, conseqüentemente correndo perigo de ambos os lados, e quando Ishido, através de intermediários, rejeitara a idéia, ele não se surpreendera.

— Não sei de nada sobre emboscada alguma — vociferara ele, desejando que Yuriko estivesse ali para ajudá-lo a sair daquele pântano.

— Ainda assim, o senhor é convidado a participar de uma, embora não do modo como o senhor planejou.

— Quem é o senhor?

— Em troca o senhor fica com Izu, o bárbaro e o navio dele — assim que a cabeça do principal inimigo estiver no pó. Desde que, é claro, ela seja capturada viva e o senhor permaneça em Osaka até o dia e jure fidelidade.

— A cabeça de quem? — dissera Yabu, tentando pôr o cérebro a funcionar, entendendo apenas agora que Ishido usara a sua solicitação para liberar os salvo-condutos meramente como uma artimanha, de modo que o oferecimento secreto pudesse ser feito em segurança e negociado.

— É sim ou não? — perguntara o samurai.

— Quem é o senhor e de que está falando? — Ele estendera o pergaminho. — Aqui está o salvo-conduto do Senhor Ishido. Nem mesmo o senhor general pode cancelar isto depois do que aconteceu.

— Isso é o que muitos dizem. Mas, sinto muito, os bois vão cagar ouro em pó antes que o senhor ou qualquer pessoa seja autorizada a insultar o Senhor Yaemon... Por favor, tire a mão da espada!

— Então tome cuidado com a língua! — Naturalmente, desculpe. Concorda?

— Sou governador de Izu agora, e tenho Totomi e Suruga prometidas — dissera Yabu, dando início ao trato. Sabia que embora estivesse encurralado, assim como Mariko, Ishido se encontrava igualmente encurralado, porque o dilema que Mariko precipitara ainda existia.

— Sim, é verdade dissera o samurai. — Mas não tenho — autorização para negociar.

Os termos são esses. É sim ou não?

Yabu terminou de limpar a espada e arrumou o lençol sobre a figura aparentemente adormecida de Sumiyori. Depois enxugou o suor do rosto e das mãos, conteve a raiva, soprou a lâmpada, e abriu a porta. Os dois marrons esperavam alguns passos adiante no corredor. Curvaram-se.

— Eu o acordarei ao amanhecer, Sumiyori-san — disse Yabu à escuridão. Depois, a um dos samurais: — Você fique de guarda aqui. Ninguém deve entrar. Ninguém! Providencie para que o capitão não seja perturbado, ele precisa descansar.

— Sim, senhor.

O samurai tomou seu novo posto e Yabu seguiu a passos largos pelo corredor, acompanhado pelo outro guarda, subiu um lanço da escada até a seção central principal daquele andar e cruzou-a, rumando para a sala de audiência e os apartamentos que ficavam na ala leste. Logo chegou ao corredor sem saída da sala de audiência. Guardas curvaram-se e permitiram-lhe entrar. Outro samurai abriu a porta para o corredor e o conjunto de aposentos particulares. Yabu bateu à porta.

— Anjin-san? — disse baixinho.

Não houve resposta. Ele empurrou a shoji. O quarto estava vazio, a shoji interna entreaberta. Ele franziu o cenho, depois fez sinal ao acompanhante que esperasse e atravessou correndo o quarto até o corredor interno fracamente iluminado. Chimmoko interceptou-o, uma faca na mão. Sua cama em desordem estava no corredor, junto à porta de um dos quartos.

— Oh, sinto muito, senhor, eu estava cochilando — disse, baixando a faca. Mas não se moveu do caminho.

— Eu estava procurando o Anjin-san.

— Ele e a minha ama estão conversando, senhor, com Kiritsubo-san e a Senhora Achiko.

— Por favor, diga-lhe que eu gostaria de vê-lo um momento. — Certamente, senhor. — Polidamente Chimmoko apontou o outro quarto para Yabu, esperou até que ele estivesse lá, e fechou a shoji interna. O guarda no corredor principal observava inquisitivamente.

Num instante a shoji se abriu de novo e Blackthorne entrou. Estava vestido e portando a espada curta.

— Boa noite, Yabu-san — disse.

— Sinto muito incomodá-lo, Anjin-san. Só queria ver — ter certeza de que estava tudo bem, compreende?

— Sim, obrigado. Não se preocupe.

— A Senhora Toda está bem? Não está doente?

— Está ótima agora. Muito cansada, mas ótima. Logo amanhece, neh?

Yabu assentiu. — Sim. Só quis ter certeza de que ia tudo bem. Compreende?

— Sim. Esta tarde o senhor disse "plano", Yabu-san. Lembra-se? Por favor, que plano secreto?

— Não secreto, Anjin-san — disse Yabu, arrependendo-se de ter sido tão aberto. — O senhor compreendeu mal. Digamos que apenas alguns devem saber do plano... muito difícil escapar de Osaka, neh? Devemos escapar ou... — Yabu simulou passar uma faca no pescoço. — Compreende?

— Sim. Mas agora temos passe, neh? Agora seguro sair de Osaka. Neh?

— Sim. Partimos logo. De barco muito bom. Logo arranjaremos homens em Nagasaki. Compreende?

— Sim.

Muito amistoso, Yabu foi embora. Blackthorne fechou a porta atrás dele e voltou ao corredor interno, deixando a sua porta interna entreaberta. Passou por Chimmoko e entrou no outro quarto. Mariko estava apoiada em futons, parecendo mais diminuta do que nunca, mais delicada e mais bela. Kiri estava ajoelhada sobre uma almofada. Achiko estava adormecida, enrodilhada a um lado.

— O que ele queria, Anjin-san? — disse Mariko. — Só ver se estávamos bem.

Mariko traduziu para Kiri.

— Kiri disse se o senhor lhe perguntou sobre o “plano”? — Sim. Mas ele se esquivou à pergunta. Talvez tenha mudado de idéia. Não sei. Talvez eu me tenha enganado, mas pensei que esta tarde ele tivesse alguma coisa planejada ou estivesse planejando alguma coisa.

— Trair-nos?

— Claro. Mas não sei como. Mariko sorriu-lhe. — Talvez o senhor se tenha enganado. Estamos salvos agora.

A jovem Achiko murmurou no sono e eles a olharam. Ela pedira para ficar com Mariko, assim como a velha Senhora Etsu, que estava dormindo sonoramente num quarto contíguo. As outras senhoras haviam partido ao pôr-do-sol, dirigindo-se cada uma à sua casa. Todas haviam enviado requisições formais de permissão para partida imediata. Já correra o rumor pelo castelo de que perto de cento e cinco pessoas também se apresentariam no dia seguinte. Kiyama mandara chamar Achiko, esposa do seu neto, mas ela se recusara a se afastar de Mariko. Imediatamente o daimio a repudiara e exigira a posse da criança. Ela entregara o filho. Agora estava em meio a um pesadelo, mas passou e ela dormiu pacificamente de novo. Mariko olhou para Blackthorne.

— É tão maravilhoso se estar em paz, neh?

— Sim — disse ele. Desde que ela acordara e se descobrira viva e não morta, seu espírito se unira ao dele. Durante a primeira hora tinham estado sozinhos, ela nos braços dele.

— Estou muito contente que você esteja viva, Mariko — dissera ele em latim. — Vi-a morta.

— Pensei que estivesse. Ainda não consigo acreditar que Ishido capitulou. Nunca, em vinte vidas... Oh, como amo os seus braços ao meu redor, e a sua força.

— Eu estava pensando que esta tarde, a partir do primeiro momento do desafio de Yoshinaka, não vi nada além da morte — a sua, a minha, a de todos. Compreendi o seu plano, elaborado há muito tempo, neh?

— Sim. Desde o dia do terremoto, Anjin-san. Por favor, perdoe-me, mas não quis... não quis assustá-lo. Fiquei com medo que você não compreendesse. Sim, daquele dia em diante eu soube que era o meu karma tirar os reféns de Osaka. Apenas eu podia fazer isso para o Senhor Toranaga. E agora está feito. Mas a que preço, neh? Nossa Senhora me perdoe.

Então Kiri chegara e eles tiveram que se sentar separados, mas isso não fez diferença. Um sorriso, um olhar, uma palavra lhes bastava.

Kiri aproximou-se das janelas. No mar havia salpicos de luz dos barcos de pesca perto da costa. — Vai amanhecer logo — disse ela.

— Sim — disse Mariko. — Vou me levantar agora.

— Daqui a pouco. Agora não, Mariko-sama — disse-lhe Kiri. — Por favor, descanse. Precisa recuperar forças.

— Gostaria que o Senhor Toranaga estivesse aqui.

— Sim.

— A senhora preparou outra mensagem sobre... sobre a nossa partida?

— Sim, Mariko-sama, outro pombo partirá ao amanhecer. O Senhor Toranaga será informado da sua vitória hoje — disse Kiri. — Ficará muito orgulhoso da senhora.

— Estou muito contente que ele tenha tido razão.

— Sim — disse Kiri. — Por favor, perdoe-me por duvidar da senhora e dele.

— No íntimo também duvidei dele. Sinto muito.

Kiri voltou-se para a janela e olhou a cidade. Toranaga está errado, queria ela gritar. Nunca sairemos de Osaka, por mais que finjamos. É nosso karrna ficar — karma dele perder.

Na ala oeste, Yabu parou na sala de guarda. As sentinelas de substituição estavam prontas. — Vou fazer uma inspeção rápida.

— Sim, senhor.

— O resto de vocês espere por mim aqui. Você, venha comigo.

Desceu a escada principal seguido de um único guarda. Ao pé da escada, no vestíbulo principal, encontravam-se outros guardas, e, fora, o adro e o jardim. Uma olhada superficial mostrou que estava tudo em ordem. Então ele voltou para dentro da fortaleza e, após um momento, mudou de direção. Para surpresa do seu guarda, desceu a escada que levava aos aposentos dos criados. Os criados arrancaram-se do sono, colocando às pressas a cabeça sobre as lajes. Yabu mal os notou. Continuou descendo para as entranhas da fortaleza, ao longo de pouco usados corredores em arco, as paredes de pedra úmidas e mangradas, embora estivesse tudo bem iluminado. Não havia guardas ali nos porões, pois não havia nada a proteger. Logo começaram a subir de novo, aproximando-se dos muros externos.

Yabu parou repentinamente. — O que foi isso?

O samurai marrom parou, ouviu, e morreu. Yabu limpou a espada e puxou o corpo caído para um canto escuro, depois correu para uma pequena porta de ferro, pesadamente trancada com barras, quase despercebida, cravada numa das paredes de que o intermediário de Ishido lhe falara. Precisou usar de força para levantar as barras enferrujadas. A última soltou-se retinindo. A porta girou sobre os gonzos. Uma corrente de ar frio veio de fora, depois uma lança tocou-lhe a garganta e parou bem a tempo. Yabu não se moveu, quase paralisado. Ninjas o fitavam da escuridão total além da porta, armas assestadas.

Yabu ergueu uma mão trêmula e fez um sinal, conforme lhe disseram que fizesse. -— Sou Kasigi Yabu — disse.

O líder quase invisível, encapuzado e vestido de preto, assentiu, mas manteve a lança pronta para o golpe. Fez sinal a Yabu. Obedientemente o dainnio recuou um passo. Então, muito cautelosamente o líder caminhou para o meio do corredor. Era alto e forte, com grandes olhos chatos por trás da máscara. Viu o marrom morto e com um estalido do pulso atirou a lança reluzindo no cadáver, depois puxou-a com a leve corrente presa à extremidade da arma. Silenciosamente enrolou de novo a corrente, esperando, ouvidos atentos a qualquer perigo.

Finalmente satisfeito, fez um sinal à escuridão. Instantaneamente vinte homens surgiram e arremeteram para o lanço de escada, o caminho, de há muito esquecido, para os andares acima. Esses homens carregavam instrumentos de assalto. Estavam armados com facas presas a correntes, espadas e shurikens. E no centro dos seus capuzes negros havia uma pinta vermelha.

O líder não os observou a subir, mas manteve os olhos em Yabu e começou a contar com os dedos da mão esquerda. Um... dois... três... Yabu sentia muitos homens a vigiá-lo da passagem além da porta. Não conseguia ver ninguém.

Os atacantes com a pinta vermelha subiram a escada dois a dois, e no alto daquele lanço pararam. Uma porta barrava-lhes o caminho. Esperaram um momento, depois, cautelosamente, tentaram abri-Ia. Estava trancada. Um homem com um instrumento de assalto, uma curta barra de aço, curva a uma extremidade e cinzelada à outra, avançou e arrombou-a. Do outro lado da porta havia outra passagem e eles a tomaram em silêncio. Na esquina seguinte, pararam. O primeiro homem perscrutou ao seu redor atentamente, depois chamou os demais com um gesto para outro corredor. Na extremidade oposta, uma réstia de luz brilhava através de um visor no pesado painelamento de madeira que cobria a porta secreta. O homem encostou um olho ao visor. Viu a extensão da sala de audiência, dois marrons e dois cinzentos enfadonhamente de sentinela, guardando a porta do conjunto de aposentos. Olhou em torno, fez um sinal de cabeça aos outros. Um dos homens ainda estava contando com os dedos, sincronizado com a contagem do líder, dois andares abaixo. Os olhos de todos acompanharam a contagem.

Embaixo, no porão, os dedos do líder continuavam no tempo, assinalando os momentos, os olhos sempre cravados em Yabu. Yabu observava e esperava, o odor do seu próprio suor de medo pegando-lhe nas narinas. Os dedos pararam e o punho do líder se fechou pontualmente. Apontou para o corredor. Yabu assentiu, voltou-se e refez o caminho por onde viera, caminhando lentamente. Atrás dele a contagem inexorável começou de novo. Um... dois... três...

Yabu sabia do risco terrível que estava correndo, mas não tivera alternativa e amaldiçoou Mariko mais uma vez por forçá-lo a tomar o lado de Ishido. Parte do trato era que ele teria que abrir aquela porta secreta.

— O que há atrás da porta? — perguntara, desconfiado. -— Amigos. O sinal é este e a senha é dizer o seu nome. — Aí eles me matam, neh?

— Não. O senhor é valioso demais, Yabu-san. O senhor tem que providenciar para que haja proteção para a infiltração deles...

Ele concordara, mas nunca negociara com ninjas, os odiados e temidos mercenários semi-lendários, que prestavam fidelidade apenas às suas unidades familiares intimamente unidas e secretas, que transmitiam seus segredos apenas para parentes de sangue — como nadar vastas distâncias sob a água e escalar paredes quase lisas, como se tornar invisível e permanecer um dia e uma noite sem se mover, e como matar com as mãos, os pés ou quaisquer armas, incluindo veneno, fogo e explosivos. Para um ninja, a morte violenta por pagamento era a única finalidade da vida.

Yabu tentou manter o passo comedido à medida que se afastava do líder ninja pelo corredor, o peito ainda doendo do choque de que a força de ataque fosse ninja e não ronin. Ishido deve estar louco, disse a si mesmo, todos os sentidos vacilando, esperando uma lança, uma seta ou um garrote a qualquer momento. Agora se encontrava quase na esquina. Dobrou-a, a salvo mais uma vez, deu às pernas e subiu as escadas aos saltos, três degraus de cada vez. Ao topo, disparou pelo corredor em arcos, depois dobrou a esquina que levava aos aposentos dos criados.

Os dedos do líder ainda assinalavam os momentos, depois a contagem parou. Ele fez um sinal mais urgente à escuridão e disparou atrás de Yabu. Vinte ninjas o seguiram saindo da escuridão, e outros quinze tomaram posições de defesa às duas extremidades do corredor, para guardar aquela via de fuga que levava por entre um labirinto de porões esquecidos e passagens que uniam o castelo a um dos esconderijos secretos de Ishido sob o fosso, e dali para a cidade.

Yabu corria velozmente agora, tropeçou no corredor, mal e mal conseguiu manter o equilíbrio, e irrompeu pelos aposentos dos criados, esparramando panelas, frigideiras, cabaças e pipas.

— Ninjaaaaas! — gritou, o que não fazia parte do acordo, mas que era o seu ardil para se proteger, caso fosse traído. Histericamente os homens e mulheres se dispersaram, uniram-se ao grito e tentaram sumir sob bancos e mesas enquanto ele continuava correndo, rumando para o outro lado, subindo outros degraus até um dos corredores principais para encontrar os primeiros — dos guardas marrons, que já haviam sacado as espadas.

— Toquem o alarma! — gritou Yabu. — Ninjas... há ninjas entre os criados!

Um samurai disparou para a escada principal, o segundo arremeteu bravamente para se postar sozinho no topo da escada em caracol que levava para baixo, a espada em riste. Vendo-o, os criados pararam, depois, gemendo de terror, amontoaram-se cegamente nas pedras, os braços sobre a cabeça. Yabu correu para a porta principal e atravessou-a, atingindo a escada. — Toquem o alarma! Estamos sendo atacados! — gritou conforme combinara fazer, para provocar a manobra diversionista do lado de fora, que cobriria o ataque principal através da porta secreta da câmara de audiência, para raptar Mariko e levá-la embora às pressas, antes que qualquer pessoa percebesse.

Os samurais junto aos portões e no adro giraram sobre os calcanhares, não sabendo onde proteger, e nesse momento os atacantes no jardim enxamearam para fora do esconderijo e sub jugaram os marrons. Yabu recuou para o vestíbulo, enquanto outros marrons desciam rapidamente da sala da guarda, a fim de apoiar os homens lá fora.

Um capitão correu na sua direção. — O que está acontecendo?

— Ninjas, lá fora e entre os criados. Onde está Sumiyori? — Não sei... no quarto dele.

Yabu saltou para a escada quando outros homens se precipitaram para baixo. Nesse momento o primeiro ninja vindo dos porões investiu por entre os criados para o ataque. Shurikens farpados eliminaram o defensor solitário, lanças mataram os criados. Num instante essa força de invasores se viu no corredor, gritando e berrando violentamente para criar confusão, os marrons, fora de si e movendo-se em círculos, sem saber de onde rebentaria o ataque seguinte.

No último andar, os ninjas à espera haviam escancarado suas portas ao primeiro alarma e caído em cima dos últimos marrons, que desciam às pressas, matando-os. Com dardos envenenados e shurikens, os ninjas repeliram-lhes o assalto furioso. Os marrons foram rapidamente dominados, e os atacantes pularam por sobre os cadáveres para atingir o corredor principal no andar de baixo. Uma furiosa investida de reforços marrons foi rechaçada pelos ninfas, que giravam as pesadas correntes e lançavam-nas contra os samurais, estrangulando-os ou embaraçando-lhes as espadas, para tornar mais fácil atingi-los com as facas de fio duplo. Shurikens cortavam o ar e os marrons foram logo dizimados. Alguns ninjas foram atingidos, mas rastejavam como animais hidrófobos e paravam de atacar somente quando a morte os tomava completamente.

No jardim a primeira arremetida dos reforços defensores foi enfrentada com facilidade enquanto marrons se precipitavam pela porta principal. Mas outra onda de marrons corajosamente organizou uma segunda investida e empurrou os invasores para trás com a sua absoluta superioridade numérica. A uma ordem dada aos gritos, os assaltantes recuaram, suas roupas negras fazendo deles alvos difíceis. Exultantes os marrons correram no seu encalço, para uma emboscada, e foram aniquilados.

Os atacantes com a pinta vermelha ainda se encontravam à espera do lado de fora da sala de audiência, seu líder com o olho colado ao visor. Via os preocupados marrons e cinzentos de Blackthorne, que guardavam a porta fortificada do corredor, ouvindo com ansiedade o holocausto que se elevava lá debaixo. A porta se abriu e outros guardas, marrons e cinzentos, se aglomeraram na abertura e então, incapazes de agüentar a espera, oficiais de ambos os grupos ordenaram a todos os homens que saíssem da sala de audiência para tomar posições defensivas à extremidade do corredor. Agora o caminho estava limpo, a porta do corredor interno aberta, apenas o capitão dos cinzentos ao lado dela, e também ele estava se afastando. O líder da pinta vermelha viu uma mulher surgir apressada à soleira, o bárbaro alto com ela, e reconheceu sua presa, outras mulheres reunindo-se atrás dos dois.

Impaciente por completar a missão e assim aliviar a pressão sobre os seus parentes embaixo, e açoitado pela ânsia de matar, o líder vermelho deu o sinal e irrompeu pela porta um instante cedo demais.

Blackthorne viu-o vindo e automaticamente sacou a pistola de sob o quimono e disparou. A cabeça do homem desapareceu, momentaneamente detendo o ataque. Simultaneamente, o capitão dos cinzentos se precipitou de volta e atacou com ferocidade, descuidado da própria segurança. Abateu um ninja, então o bando todo caiu em cima dele e o massacrou, mas esses poucos segundos deram tempo suficiente a Blackthorne para puxar Mariko para a segurança e bater a porta. Desesperado, agarrou a barra de ferro e colocou-a no lugar bem no momento em que os ninfas se lançavam contra ela enquanto outros se desdobravam para guardar a porta principal.

— Jesus Cristo! O que está...

— Ninjaaaaas! — gritou Mariko enquanto Kiri, a Senhora Sazuko, a Senhora Etsu, Chimmoko, Achiko e as outras criadas surgiam histericamente dos outros quartos, golpes martelando a porta.

— Depressa, por aqui! — berrou Kiri por sobre o tumulto, e disparou para o interior.

As mulheres a seguiram, aflitas, duas delas ajudando a velha Senhora Etsu. Blackthorne viu a porta balançar sob os golpes furiosos das alavancas de assalto. A madeira estava lascando. Blackthorne voltou correndo ao seu quarto, para pegar o chifre de pólvora e as espadas.

Na sala de audiência, os ninjas já haviam eliminado os seis marrons e cinzentos junto à porta externa principal, e haviam sobrepujado os demais no corredor abaixo. Mas haviam perdido dois homens, dois se feriram antes que a luta estivesse terminada, as portas externas fechadas e barradas e todo o setor garantido. — Depressa — rosnou o novo líder da pinta vermelha. Os homens com as alavancas não precisavam ser instados para tentar demolir a porta. Por um momento o líder parou junto ao cadáver do irmão, depois deu-lhe um pontapé furioso, sabendo que a impaciência do irmão destruíra o seu ataque de surpresa. Juntou-se aos seus homens, que rodeavam a porta.

No corredor Blackthorne recarregou a arma rapidamente, a porta rangendo sob as batidas. Primeiro a pólvora, socá-la cuidadosamente... um dos painéis da porta estalou... depois o tampão para apertar a carga, depois a bala e outro tampão... uma das dobradiças da porta cedeu e a extremidade da alavanca atravessou... depois, soprar cuidadosamente o pó da pederneira.

— Anjin-san! — gritou Mariko de algum lugar nos quartos. — Depressa!

Mas Blackthorne não prestou atenção. Encaminhou-se para a porta, pôs o bocal numa fenda lascada e puxou o gatilho. Do outro lado da porta houve um berro e o assalto à porta cessou. Ele recuou e começou a recarregar. Primeiro pólvora, socá-la cuidadosamente... novamente a porta toda estremeceu quando homens se lançaram contra ela com ombros, punhos e pés enfurecidos, e armas... depois o papel para apertar, a bala e outro papel... a porta urrou, estremeceu e um dos ferrolhos pulou fora e caiu no chão...

Kiri seguia às pressas por uma passagem interna, resfolegando, as outras meio que arrastando a Senhora Etsu consigo, Sazuko chorando: — Para que isso, não há para onde ir... —, mas Kiri corria, enveredou, trôpega, por outro quarto, atravessou-o e puxou para o lado uma parte da parede shoji. Havia uma porta de ferro fortificada escondida na parede de pedra atrás da shoji. Ela a abriu. Os gonzos estavam bem oleados.

-— Isto... isto é o refúgio sec-secreto do meu amo — ofegou ela, e começou a entrar, mas parou. — Onde está Mariko? Chimmoko voltou-se e saiu correndo.

No primeiro corredor, Blackthorne soprou cuidadosamente o pó da pederneira e avançou de novo. A porta estava prestes a desabar, mas ainda oferecia cobertura. Novamente ele puxou o gatilho. Novamente um berro e um momento de trégua, depois os golpes recomeçaram, outro ferrolho caiu e a porta inteira oscilou. Ele começou a recarregar.

— Anjin-san! — Mariko estava ali na outra extremidade do assento, acenando-lhe freneticamente, então ele agarrou as armas e correu na sua direção. Ela se voltou e disparou, guiando-o. A porta despedaçou-se e os ninjas se lançaram atrás deles.

Mariko corria velozmente. Blackthorne nos seus calcanhares. Ela atravessou um aposento, tropeçou nas saias e caiu. Ele a agarrou e, juntos, arremeteram por outra sala. Chimmoko correu ao seu encontro. — Depressa! — grinchou ela, esperando que passassem. Seguiu-os um momento, depois, despercebida, voltou e parou na passagem, a faca na mão.

Ninjas invadiram a sala com ímpeto. Chimmoko se atirou, a faca estendida, contra o primeiro homem. Ele aparou o golpe e atirou-a para o lado como um brinquedo, arremetendo atrás de Blackthorne e Mariko. O último homem quebrou o pescoço de Chimmoko com o pé e continuou correndo.

Mariko corria velozmente, mas não o suficiente, suas saias atrapalhando-a, Blackthorne tentando ajudá-la. Cruzaram uma sala, depois à direita, passando por outra, e ele viu a porta, Kiri e Sazuko esperando aterrorizadas, Achiko e as criadas amparando a velha senhora na sala atrás delas. Ele empurrou Mariko para a segurança. Depois deu-lhe as costas, a pistola descarregada a uma mão, a espada à outra, esperando Chimmoko. Como ela não aparecesse imediatamente, ele começou a voltar, mas ouviu a carga de ninjas se aproximando. Parou e entrou na sala com um pulo assim que o primeiro ninja apareceu. Bateu a porta, e lanças e shurikens retiniram contra os ferrolhos antes que os atacantes se lançassem contra a porta.

Entorpecido, agradeceu a Deus pela sua escapada e depois, quando viu a força da porta e percebeu que as alavancas não poderiam quebrá-la com facilidade e que por enquanto se encontravam seguros, agradeceu a Deus novamente. Tentando recuperar o fôlego, olhou em torno. Mariko estava de joelhos, arquejando. Havia seis criadas, Achiko, Kiri e Sazuko, e a velha senhora, deitada, o rosto cinza, quase inconsciente. A sala era pequena, com paredes de pedra, e havia outra porta lateral que levava a, uma pequena varanda no parapeito. Ele tateou até uma janela e olhou para fora. Aquele canto da cornija projetava-se sobre a avenida e o adro, e ele podia ouvir sons da batalha trazidos pelo vento, lá debaixo, berros e guinchos e alguns gritos de batalha histéricos. Diversos cinzentos e samurais disponíveis já estavam começando a se reunir na avenida e nas ameias opostas. Os portões embaixo estavam fechados contra eles e defendidos por ninjas.

— Que diabo está acontecendo? — disse Blackthorne, o peito doendo.

Ninguém lhe respondeu. Ele voltou, ajoelhou-se ao lado de Mariko e sacudiu-a suavemente. — O que está acontecendo? — Mas ela ainda não podia responder.

Yabu corria por um amplo corredor na ala oeste, em direção aos seus aposentos. Dobrou uma esquina e parou, derrapando. À frente um grande número de samurais estavam sendo repelidos por um feroz contra-ataque de invasores, que se haviam precipitado do último andar.

— O que está acontecendo? — gritou Yabu por sobre o tumulto, pois não estavam previstos ninjas ali, só embaixo.

— Estão por toda parte — arquejou um samurai. — Estes vieram de cima...

Yabu soltou uma imprecação, percebendo que fora logrado e que não fora posto a par do plano de ataque integral. — Onde está Sumiyori?

— Deve estar morto. Eles dominaram este setor, senhor. O senhor teve sorte de escapar. Eles devem ter atacado pouco depois de o senhor ter saído. Para que os ninjas estão atacando?

Uma enxurrada de gritos distraiu-os. Na extremidade oposta, marrons desferiam outro contra-ataque a um canto, cobrindo samurais que lutavam com lanças. Os lanceiros rechaçaram os ninjas, e os marrons se atiraram em perseguição. Mas uma nuvem de shurikens envolveu essa onda de assalto e logo estavam todos berrando e morrendo, bloqueando a passagem, o veneno provocando-lhes convulsões. Momentaneamente o restante dos marrons recuou, para se reagrupar.

Yabu, fora de perigo, gritou: — Tragam arqueiros! — Homens saíram correndo para lhe obedecer.

— Para que é o ataque? Por que eles são tantos? — perguntou de novo o samurai, o sangue de um ferimento na face escorrendo-lhe pelo rosto. Normalmente os detestados ninjas atacavam isoladamente ou em pequenos grupos, para desaparecerem tão rapidamente quanto apareciam assim que a missão estivesse cumprida.

— Não sei — disse Yabu, todo aquele setor do castelo em rebuliço agora, os marrons ainda descoordenados, ainda desnorteados com a velocidade aterrorizadora do ataque.

— Se... se Toranaga-sama estivesse aqui, eu poderia compreender que Ishido tivesse ordenado um ataque repentino, mas... mas por que agora? — disse o samurai. — Não há ninguém nem nada... — Parou, entendendo de súbito. — A Senhora Toda! Yabu tentou dominá-lo, mas o homem gritou: — Estão atrás dela, Yabu-san! Têm que estar atrás da Senhora Toda! — Comandou uma investida para a ala leste. Yabu hesitou, depois o seguiu.

Para atingir a ala leste, tinham que cruzar o andar central, que os ninjas agora defendiam maciçamente. Havia samurais mortos por toda parte. Estimulados pelo conhecimento de que sua reverenciada líder estava em perigo, a primeira carga impetuosa rompeu o cordão. Mas esses homens foram abatidos rapidamente. Agora mais dos seus companheiros haviam se unido aos gritos de advertência e a notícia se espalhou rapidamente e os marrons redobraram esforços. Yabu acorreu para dirigir a luta, permanecendo em segurança o mais que ousava. Um ninja abriu a sua mochila, acendeu uma cabaça explosiva num archote de parede e atirou-a sobre os marrons. Despedaçou-se contra a parede e explodiu, espalhando fogo e fumaça, e imediatamente esse ninja comandou um contra-ataque que pôs os marrons numa confusão fumegante. Sob a coberta de fumaça, reforços ninjas surgiram do andar inferior.

— Recuem e reagrupem-se! — gritou Yabu num dos corredores que davam início ao patamar principal, querendo protelar o mais que ousasse, presumindo que Mariko já tivesse sido capturada e estivesse sendo carregada para o porão, esperando a qualquer momento o toque de clarim que indicaria o sucesso e ordenaria a todos os ninjas que cessassem o ataque e se retirassem. Então uma força de marrons vinda de cima se arremessou num assalto suicida a uma escada e rompeu o cordão. Morreram, mas outros também desobedeceram a Yabu e investiram. Mais bombas foram atiradas, ateando fogo aos reposteiros das paredes. As chamas começaram a lamber as paredes, fagulhas inflamaram os tatamis. Um súbito jato de fogo encurralou um ninja, transformando-o numa tocha humana uivante. Então o quimono de um samurai também pegou fogo e ele se atirou sobre outro ninja, para arderem juntos. Um samurai em chamas estava usando a espada como um machado de batalha para abrir caminho por entre os atacantes. Dez samurais o seguiram e, embora dois morressem e três caíssem mortalmente feridos, os demais desobstruíram a passagem e dispararam para a ala leste. Logo mais dez os seguiram. Yabu comandou o ataque seguinte em segurança, enquanto os ninjas remanescentes faziam uma retirada ordeira para o térreo e a sua rota de fuga embaixo. A batalha pela posse do beco sem saída na ala leste começou.

Dentro do pequeno aposento, eles olhavam fixamente para a porta. Podiam ouvir os atacantes raspando os gonzos e o chão. Então houve um súbido martelar e uma voz áspera e abafada lá fora.

Duas criadas começaram a soluçar.

— O que ele disse? -— perguntou Blackthorne.

Mariko passou a língua pelos lábios secos. — Disse... disse que abríssemos a porta e nos rendêssemos ou ele... ele explodiria a porta.

— Eles podem fazer isso, Mariko-san?

— Não sei. Eles... eles podem usar pólvora, naturalmente, e... — A mão de Mariko foi para o sash e voltou vazia. — Onde está a minha faca?

Todas as mulheres procuraram suas adagas. Kiri não tinha a sua, nem Sazuko. Tampouco Achiko ou a Senhora Etsu. Blackthorne havia armado a pistola e tinha a espada longa. A curta caíra na corrida desesperada para a segurança.

A voz abafada tornou-se mais encolerizada e mais insistente, e todos os olhos no aposento se fixaram em Blackthorne. Mas Mariko sabia que fora traída e que seu momento chegara.

— Ele disse que, se abrirmos a porta e nos rendermos, todos estarão livres menos o senhor. — Mariko tirou uma mecha de cabelo da frente dos olhos. — Disse que o querem como refém, Anjin-san. Isso é tudo o que querem...

Blackthorne avançou para abrir a porta, mas Mariko lançou-se pateticamente em seu caminho.

— Não, Anjin-san, é um truque! — disse. — Sinto muito, eu não acredito neles... Não acredite neles, eles não querem o senhor, querem a mim!

Ele sorriu para ela, tocou-a rapidamente e estendeu a mão para um ferrolho.

— Não é o senhor, sou eu... é um truque! Juro! Não acredite neles, por favor — disse ela, e agarrou-lhe a espada. Estava fora da bainha pela metade quando ele percebeu o que ela estava fazendo e segurou-lhe a mão.

— Não! — ordenou. — Pare!

— Não me entregue às mãos deles! Não tenho faca! Por favor, Anjin-san! — Tentou se libertar do aperto dele, mas ele a levantou, tirou-a do caminho e colocou a mão sobre o ferrolho superior. — Dozo — disse às outras, enquanto Mariko desesperadamente tentava detê-lo. Achiko avançou, suplicando a ela, e Mariko tentou empurrá-la e gritou: — Por favor, Anjin-san, é um truque... pelo amor de Deus!

A mão dele fez saltar o primeiro ferrolho, abrindo-o.

— Eles me querem viva — gritou Mariko desvairadamente. — Não entende? Querem me capturar, não compreende? Querem-me viva e então será tudo por nada, amanhã Toranaga tem que cruzar a fronteira, rogo-lhe, é um truque, diante de Deus... Achiko tinha os braços em torno de Mariko, suplicando, puxando-a, e fazia sinal a ele que abrisse a porta. — Isogi, isogi, Anjin-san...

Blackthorne abriu o ferrolho central.

— Pelo amor de Deus, não torne inútil todas as mortes! Ajude-me! Lembre-se do seu voto!

Então a realidade do que ela estava dizendo o atingiu e, em pânico, ele trancou de novo os ferrolhos. — Por que eles...

Um feroz martelamento na porta interrompeu-o, ferro retinindo sobre ferro, então a voz começou, num violento crescendo. Todos os sons exteriores cessaram. As mulheres correram para a parede oposta e se encolheram contra ela.

— Saia de perto da porta — gritou Mariko, correndo para junto delas. — Ele vai explodi-Ia!

— Retarde-os, Mariko-san — disse Blackthorne, e saltou para a porta lateral que levava para as ameias. — Nossos homens logo estarão aqui. Mexa nos ferrolhos, diga que estão emperrados, qualquer coisa. — Ele puxou com força o ferrolho superior da porta lateral, mas encontrou-o enferrujado. Obedientemente Mariko correu para a porta e simulou débeis tentativas de deslocar o ferrolho central, suplicando ao ninja do outro lado. Então começou a chocalhar o ferrolho inferior. A voz tornou-se mais insistente e Mariko redobrou suas súplicas chorosas. Blackthorne esmagou a mão fechada contra a lingüeta de novo, mas ela não se moveu. As mulheres olhavam, impotentes. Finalmente esse trinco se abriu ruidosamente. Mariko tentou cobrir o som e Blackthorne atacou o último ferrolho. Suas mãos estavam esfoladas e ensangüentadas agora. O líder ninja do lado de fora renovou a advertência colérica. Em desespero, Blackthorne agarrou a espada e usou o cabo como um porrete, sem se importar com o barulho agora. Mariko abafou os sons da melhor maneira que pôde. O ferrolho parecia soldado.

Do lado de fora da porta, o líder da pinta vermelha estava quase louco de fúria. Aquele refúgio secreto era totalmente inesperado. As ordens que recebera do líder do clã eram para capturar Toda Mariko viva, certificar-se de que ela estava desarmada, e entregá-la aos cinzentos que esperavam na extremidade do túnel que saía dos porões. Sabia que o tempo estava se esgotando. Podia ouvir a batalha devastadora no corredor, fora da sala de audiência, e sabia, desgostoso, que já estariam a salvo lá embaixo, a missão cumprida, não fosse aquele buraco de rato secreto e aquele imbecil superansioso do irmão, que começara o ataque prematuramente.

Karma ter um irmão assim!

Segurava uma lâmpada acesa na mão e estendera uma trilha de pólvora até os barriletes que haviam trazido nas mochilas para explodir a entrada secreta dos porões, a fim de assegurar a retirada. Mas estava num dilema. Explodir a porta era o único meio de entrar. Mas a mulher Toda estava bem do outro lado da porta e a explosão com certeza mataria todos os que estavam lá dentro e arruinaria a sua missão, tornando inúteis todas as suas perdas.

Passos correram até ele. Era um dos seus homens. — Depressa! — sussurrou o homem. — Não podemos agüentar muito tempo mais! — E afastou-se correndo.

O líder vermelho decidiu-se. Acenou a seus homens que se protegessem e gritou uma advertência através da porta: — Afastem-se! Vou explodir a porta! — Colocou a vela na trilha e deu um pulo para a segurança. A pólvora crepitou, inflamou-se e serpeou para os barriletes.

Blackthorne escancarou a porta lateral com um último empurrão. O doce ar noturno invadiu a sala. As mulheres se precipitaram para a varanda. A velha Senhora Etsu caiu, ele a agarrou, empurrou-a para fora, voltou-se para Mariko, mas ela se havia encostado ao ferro e anunciou firmemente: — Eu, Toda Mariko, protesto contra este ataque vergonhoso, e com a minha morte...

Ele saltou para cima dela, mas a explosão o atirou para o lado enquanto a porta era arrancada das dobradiças, voava pela sala e se chocava com estrondo à parede oposta. A detonação derrubou Kiri e as outras fora, no parapeito, mas deixou-as ilesas. A fumaça derramou-se pela sala, os ninfas seguindo-se instantaneamente. A porta de ferro chamuscada deslizou para um canto.

O líder da pinta vermelha estava de joelhos ao lado de Mariko, enquanto outros se desdobravam em leque, protegendo-o. Viu de imediato que ela tinha muitas fraturas e estava morrendo depressa. Karma, pensou, e pôs-se de pé com um pulo. Blackthorne jazia atordoado, um filete de sangue a escorrer-lhe dos ouvidos e do nariz, tentando rastejar de volta à vida. A pistola, retorcida e inútil, estava a um canto.

O líder deu um passo à frente e parou. Achiko moveu-se no vão da porta.

O ninja olhou para ela, reconhecendo-a. Depois baixou os olhos para Blackthorne, desprezando-o por causa da arma de fogo e da covardia em atirar cegamente através da porta, matando um de seus homens e ferindo outro. Olhou novamente para Achiko e estendeu a mão para a faca. Ela atacou cegamente. A faca dele atingiu-a no seio esquerdo. Estava morta quando caiu e ele, sem raiva, retirou a faca do corpo que se contraía, efetuando a última parte das ordens que recebera de cima — de Ishido, presumia ele, embora isso não pudesse nunca ser provado —, que se falhassem e a Senhora Toda conseguisse se matar, ele devia deixá-la intacta e não lhe cortar a cabeça; devia proteger o bárbaro e deixar ilesas todas as outras mulheres, exceto Kiyama Achiko. Ele não sabia por que recebera a ordem de matá-la, mas isso fora ordenado e pago, portanto ela estava morta.

Fez sinal para a retirada. Um de seus homens pôs um chifre curvo aos lábios e soprou um toque estridente, que ecoou pelo castelo e através da noite. O líder fez um último exame em Mariko. Um último exame na garota. E um último exame no bárbaro, que ele gostaria muito que estivesse morto. Depois girou sobre os calcanhares e comandou a retirada através dos quartos e passagens até a sala de audiência. Ninfas estavam defendendo a porta principal e esperaram até que todos os vermelhos estivessem na rota de fuga, depois atiraram mais bombas de fogo e fumaça no corredor e arremeteram para a segurança. O líder dos vermelhos deu-lhes cobertura. Esperou até que estivessem todos seguros, depois espalhou punhados de estrepes quase imperceptíveis e mortíferos pelo chão — pequenas balas de metal pontudo, cheias de veneno. Saiu na disparada quando marrons irromperam por entre a fumaça na sala de audiência. Alguns lhe saíram no encalço e outra falange arremeteu para o corredor. Seus perseguidores berraram quando as agulhas dos estrepes se enterraram nas plantas dos pés e eles começaram a morrer.

Na pequena sala, o único som era o dos pulmões de Blackthorne lutando por respirar. No parapeito Kiri pôs-se de pé, vacilante, o quimono rasgado e as mãos e os braços com escoriações. Entrou na sala, trôpega, viu Achiko e gritou, depois cambaleou na direção de Mariko e caiu de joelhos ao seu lado. Outra explosão em algum lugar no castelo sacudiu o pó ligeiramente, e houve mais gritos e berros distantes de "fogo". A fumaça aumentou na sala. Sazuko e algumas das criadas puseram-se de pé. Sazuko tinha escoriações no rosto e ombros, e estava com o pulso quebrado. Viu Achiko, olhos e boca arregalados no terror da morte, e soluçou.

Entorpecida, Kiri olhou para ela e fez sinal na direção de Blackthorne. A jovem cambaleou na direção de Kiri e viu Mariko. Começou a chorar. Depois conseguiu se controlar, aproximou-se de Blackthorne e tentou ajudá-lo a se levantar. Criadas acorreram para ajudá-la. Ele se apoiou nelas, fez força para se erguer, depois oscilou e caiu, tossindo e vomitando, o sangue ainda a lhe escoar dos ouvidos. Marrons irromperam na sala. Olharam em torno, consternados.

Kiri continuava de joelhos ao lado de Mariko. Um samurai ergueu-a. Outros se aglomeraram em torno. Afastaram-se quando Yabu entrou, o rosto pálido. Quando viu que Blackthorne ainda estava vivo, grande parte da ansiedade desapareceu.

— Tragam um médico! Depressa! — ordenou ele, e ajoelhou-se ao lado de Mariko. Ainda estava viva, mas extinguindo-se rapidamente. O rosto mal fora tocado mas o corpo estava terrivelmente mutilado. Yabu tirou o quimono e cobriu-a até o pescoço.

— Apressem o médico — disse, a voz rascante, depois se aproximou de Blackthorne. Ajudou-o a se sentar contra a parede. — Anjin-san! Anjin-san!

Blackthorne ainda estava em choque, os ouvidos ressoando, os olhos quase não enxergando, o rosto uma massa de contusões e queimaduras de pólvora. Então seus olhos clarearam e viram Yabu, a imagem se desfigurando, o cheiro de fumaça de pólvora a sufocá-lo, e não sabia onde estava nem quem era, apenas que estava a bordo, numa batalha, e seu navio fora atingido e precisava dele. Então viu Mariko e se lembrou.

Pôs-se de pé, oscilante, Yabu ajudando-o, e cambaleando.

Ela parecia em paz, adormecida. Ele se ajoelhou pesadamente e afastou o quimono. Estendeu-o de novo. Seu pulso estava quase imperceptível. Depois cessou.

Ele ficou olhando para ela, balançando, quase caindo, então chegou um médico, que meneou a cabeça e disse alguma coisa, mas Blackthorne não conseguiu ouvir ou compreender. Só sabia que a morte a levara e que ele também estava morto.

Fez o sinal-da-cruz sobre ela e disse as palavras sagradas em latim que eram necessárias para abençoá-la, e orou por ela, embora não lhe saísse som algum da boca. Os outros o observavam. Quando terminou de fazer o que tinha que fazer, esforçou-se por se levantar novamente e ficou ereto. Então susacabeça pareceu explodir numa luz vermelha e púrpura e ele desabou. Mãos gentis o seguraram e ajudaram-no a se deitar no chão, deixando-o descansar.

— Está morto? — perguntou Yabu.

— Quase. Não sei como estão seus ouvidos, Yabu-sama — disse o médico. — Ele pode estar sangrando por dentro.

— É melhor nos apressarmos — disse um samurai, nervoso —, tirem-nos daqui. O fogo pode se alastrar e ficaremos encurralados.

— Sim — disse Yabu. Outro samurai chamou-o urgentemente do parapeito e ele foi até lá fora.

A velha Senhora Etsu estava deitada contra a ameia, amparada pela criada, o rosto cinéreo, os olhos reumpsos. Fitou Yabu, focalizando com dificuldade. — Kasigi Yabu-san?

— Sim, senhora.

— O senhor é o oficial superior aqui? — Sim, senhora.

A velha senhora disse à criada: — Por favor, ajude-me a me levantar.

— Mas a senhora devia esperar, o méd... — Ajude-me a me levantar! Samurais ali na varanda observaram-na erguer-se, apoiada pela criada. — Ouçam — disse ela, a voz rouca e frágil em meio ao silêncio. — Eu, Maeda Etsu, esposa de Maeda Arinosi, senhor de Nagato, Iwami e Aki, declaro que Toda Mariko-sama pôs fim à vida para poupar-se de captura desonrosa por esses homens hediondos e vergonhosos. Declaro que... que Kiyama Achiko optou por atacar o ninfa, preferindo perder a vida a correr o risco da desonra de ser capturada... que não fosse a bravura do samurai bárbaro a Senhora Toda teria sido capturada e desonrada, assim como todas nós, e nós, que estamos vivas, devemos Ihes gratidão, assim como nossos senhores lhes devem gratidão por nos proteger dessa vergonha... Acuso o Senhor General Ishido de preparar esse ataque desonroso... e de trair o herdeiro e a Senhora Ochiba... — A velha senhora cambaleou e quase caiu, e a criada soluçou e segurou-a com mais firmeza. — E... e o Senhor Ishido os traiu e ao conselho de regentes. Peço a todos que prestem testemunho de que não posso mais viver com essa vergonha...

— Não, não, ama — soluçou a criada. — Não a deixarei... — Afaste-se! Kasigi Yabu-san, por favor, ajude-me. Vá embora, mulher!

Yabu aparou o peso da Senhora Etsu, que era desprezível, e ordenou à criada que se afastasse. Ela obedeceu.

A senhora Etsu sentia muita dor e respirava pesadamente. — Atesto a verdade disso com a minha própria morte — disse com uma voz tênue, e levantou os olhos para Yabu. — Eu ficaria honrada se... se o senhor fosse o meu assistente.

— Não, senhora. Não há necessidade de morrer.

Ela desviou o rosto dos outros e sussurrou apenas para ele: — Já estou morrendo, Yabu-sama. Estou sangrando por dentro — alguma coisa se rompeu lá dentro — a explosão... Ajude-me a cumprir o meu dever... Sou velha e inútil, e a dor tem sido minha companheira de cama há vinte anos. Deixe a minha morte também ajudar o nosso amo, neh? — Houve um lampejo nos velhos olhos.

— Neh?

— Por favor, ajude-me até o parapeito.

Gentilmente ele a ergueu e parou orgulhosamente ao seu lado na cornija, o adro muito lá embaixo. Ajudou-a a erguer-se. Todos se curvaram para ela.

— Eu disse a verdade. Atesto isso com a minha morte — disse, em pé, sozinha, a voz trêmula. Depois fechou os olhos, agradecida, e deixou-se tombar a frente, para dar as boas vindas à morte.


Загрузка...