301
Fez-se um curto silêncio.
"E tu?"
"E eu vim aqui perguntar."
Foi a vez de Luís e Amélia trocarem olhares. A conversa entre Francisco e Tino tinha sido curta, mas muito reveladora. Não restavam dúvidas de que em breve todos iriam ser confrontados com um grande problema. Era como uma bomba à espera do momento de detonar. Quando explodisse, sabiam que ninguém sairia ileso. Haveria consequências para Amélia e para o marido, haveria consequências para os filhos, haveria consequências para Francisco, haveria consequências para Joana e para Luís. A bem dizer, não era que Luís estivesse grandemente preocupado consigo mesmo. Não se envergonhava de nada e, para ser honesto, na sua perspectiva a denúncia tinha até a virtude de tornar transparente a sua relação com Amélia; quem sabe se não seria mesmo aberta a oportunidade de viverem juntos. Não era isso, pois, o que o preocupava. O verdadeiro problema estava nos estilhaços que atingiriam toda a gente à sua volta.
"Será que me podem explicar?", insistiu Francisco.
Amélia ajeitou o cobertor.
"Eu e o Luís continuamos a ser namorados", disse, sem se atrever a olhar para o irmão adoptivo.
"O que se passou é que o Tino nos viu juntos ontem à noite."
"Onde?"
Amélia corou de vergonha e encolheu-se na cama, como se tentasse desaparecer por entre os lençóis.
"No curral."
"E depois?"
"Viu-nos e... e foi-se logo embora."
"Não disse nada?"
"Não. Viu-nos e foi-se embora."
Fez-se um silêncio embaraçado.
"E a mana?"
"A Joana? Não sabe de nada. Ninguém sabe de nada. Só nós os três."
Francisco olhou para a porta trancada.
"Só nós os três mais o Tino."
Luís abanou a cabeça e respirou fundo.
"Só nós os três, mais o Tino, e a mulher do Tino, e a sogra do Tino, e os pais do Tino, e os filhos do Tino e toda a gente da quinta. O que quer dizer que amanhã já toda Castelo de Paiva sabe. E
depois de amanhã já toda Penafiel sabe."
"Não", disse Francisco.
"Como assim, não?"
"A família do Tino não está cá."
"Ai não?"
"Foi ontem para Penafiel por causa da feira de São Martinho."
"O Tino está sozinho?", admirou-se Luís. "Não acredito. Deve ter ficado cá alguém, não se iam todos embora..."
"Foram todos para Penafiel", repetiu Francisco. "A feira de São Martinho é um grande acontecimento cá na terra, de maneira que a família do Tino foi para lá."
"Fazer o quê?"
"Foram vender regueifas e o vinho que restou das vindimas do ano passado."
"E o Tino? Porque ficou ele cá?"
"Tinha umas coisas para arranjar." Contraiu a boca e arqueou as sobrancelhas, para sublinhar a frase seguinte. "As vedações da pocilga."
"Ah."
Isso explicava a presença do caseiro no curral na noite anterior.
"Tens a certeza que ele ainda não contou a ninguém?", perguntou Amélia.
"Sim. Não está cá ninguém para contar."
"Pode ter contado aos vizinhos", disse Luís.
"Quais vizinhos? Foram todos para a feira de São Martinho."
"Todos, não acredito."
Francisco encolheu os ombros.
"Mesmo que tenham ficado alguns, o Tino ainda não saiu da quinta esta manhã. Portanto, não contou a ninguém."
Amélia e Luís suspiraram, aliviados.
"Quando é que essa feira acaba?"
"Começa hoje e acaba depois de amanhã."
Luís fez as contas.
"Portanto, temos dois ou três dias."
"Não", retorquiu Francisco. "Só algumas horas."
"Porquê?"
"Porque o Tino vai esta tarde para Penafiel."
Mal acabou de ouvir esta informação da boca de Francisco, Luís ergueu-se de um salto e abriu a porta do quarto.
"Vamos", disse, subitamente cheio de energia. "Não há tempo a perder."
"Vamos onde?"
"Falar com ele, claro."
XIX
A Primavera chegara, mas não sorria. O céu apresentava-se coberto por um tecto metálico, parecia prata líquida, e mesmo a verdura da encosta desmaiara sob a luz pálida da manhã. O dia nascera anémico e frio, influenciado pela nortada que atravessava o rio e agitava as árvores e os arbustos, o farfalhar inquieto a adensar o ambiente lúgubre da quinta. Ninguém diria que estavam em Abril.
Deram com o caseiro a aparelhar a mula à carroça. Os garrafões de tinto verde acumulavam-se na carga; eram os restos da vindima que iam ser vendidos na feira.
"Senhor Constantino", chamou Luís, aproximando-se a passos largos. "Dá-me licença?"
O caseiro voltou-se e mirou-o, desconfiado. Tinha um cigarro no canto da boca e mudou-o para o outro canto quando viu Francisco e Amélia a aproximarem-se também.
Estreitou os olhos e focou o seu interlocutor.
"Faça o favor de dizer, senhor capitão."
"Não sou capitão", corrigiu Luís. "Sou alferes."
"Sim, senhor capitão."
Luís fitou-o, subitamente embaraçado. Nos olhos do caseiro fixara-se certamente a cena com que se deparara na noite anterior no curral, e o alferes veterinário tinha isso bem presente na mente.
Por onde poderia começar a conversa?
"Oiça", disse. "O senhor... enfim, como hei-de dizer? O senhor esteve ontem no... no curral, não é verdade?"
"Estive sim, senhor capitão."
Luís olhou para trás, inseguro, como se buscasse apoio de Francisco e Amélia, e voltou a encarar o caseiro.
"O que eu... que nós queremos saber é se... enfim, se o senhor tenciona... quer dizer, queremos saber se o senhor vai... vai contar a alguém aquilo que viu."
O caseiro voltou-lhe as costas e puxou uma correia com força, para garantir que ela estava solidamente apertada. Feito isto, encarou de novo Luís. Aspirou fundo o cigarro e libertou devagar uma nuvem acinzentada.
"Direi o que tiver de dizer a quem tiver de dizer, senhor capitão."
Luís passou a mão pela testa, limpando as gotas de suor que lhe começavam a escorrer do couro cabeludo.
"Oiça, se o senhor disser alguma coisa, vai ser... vai criar muitos problemas. O senhor não quer criar problemas, pois não?"
"Não quero não, senhor capitão."
Acendeu-se uma luz de esperança.
"Então... então está ver que... enfim, se contar alguma coisa, cria-se um problema, não é?"
"Isso não sei, senhor capitão."
"Não sabe como? Então não vê que, se contar o que viu, se cria um grande problema?"
"Eu acho que não, senhor capitão."
"Então o que pensa você que vai acontecer se contar?"
"Resolve-se um problema, senhor capitão."
Fitou o caseiro com uma expressão interrogativa. Seria o homem parvo ou estaria a gozar com ele?
"O que quer dizer com isso?"
O homem mudou o cigarro de um canto para o outro da boca apenas com um rápido movimento dos lábios.
"Quero dizer que o senhor capitão Branco tem um problema, mas não sabe que o tem", disse, lançando um olhar hostil na direcção de Amélia. "Quando eu lhe contar, fica a saber a verdade e pode assim resolver o seu problema."
"Mas, oiça, ele não precisa de saber nada", insistiu Luís, vendo a conversa virar numa direcção que não lhe agradava. "Garanto-lhe que não se vai passar mais nada semelhante a... àquilo que o senhor viu no curral."
"Isso já não sei, senhor capitão."
"Mas sei eu. Aquilo não volta a acontecer, garanto-lhe. E se o senhor for contar ao capitão...
cria-se um grande problema."
"Talvez sim, mas não será um problema meu, senhor capitão."
Luís suspirou. O homem era casmurro. Daria muito trabalho demovê-lo da ideia.
"Será um problema para toda a gente. Não se esqueça de que o senhor capitão Branco e a dona Amélia têm filhos. Eles vão sofrer com a sua atitude."
"Não serei eu quem os fará sofrer", retorquiu o caseiro, num tom indiferente. "Será quem anda a fazer coisas que não devia fazer e que são contra as leis de Deus."
Ainda por cima um beato, concluiu Luís. Pela conversa, percebeu que assim não iria lá. Tinha de recorrer à sua última
cartada, a mais forte de todas. Pôs a mão no bolso, retirou a carteira e extraiu uma nota.
"Dou-lhe vinte escudos", disse, estendendo-lhe a nota. "Por vinte escudos, e a minha promessa de que isto não voltará a acontecer, peço-lhe o seu silêncio."
"Não quero."
Sacou outra nota igual.
"Quarenta escudos, então."
"Nem que fossem dez contos", atalhou o caseiro com desdém, enquanto afastava as notas que lhe eram estendidas. "Não quero o seu dinheiro. O que eu quero é estar de bem comigo, com a minha família e com Deus."
"Mas qual é o problema? Você fica com o dinheiro e ninguém sabe de nada. Qual é o mal?"
O caseiro indicou o seu olho direito.
"Deus tudo vê e tudo sabe. Pode mais ninguém saber que eu recebi o dinheiro e me calei, mas Deus sabe." Apontou para cima. "Deus exige a verdade e será a verdade que eu direi."
O homem voltou as costas de novo, dando por encerrada a conversa, e recomeçou a aparelhar a mula.
Impotente, Luís voltou-se para trás e trocou com Amélia um olhar de desânimo. Foi nesse instante que Francisco deu dois passos em frente, empurrou Luís para o lado e chegou junto do caseiro.
"Ó Tino."
O homem manteve o corpo virado para a mula, mas voltou a cabeça e espreitou sobre o ombro.
"O que é?"
"Se contas alguma coisa, mandam-me embora aqui da quinta."
O caseiro soltou um riso seco e encolheu os ombros.
"Tanto melhor."
"Tanto melhor, o quê?"
Tino parou de fazer o que estava a fazer e virou-se finalmente para Francisco, que era dois palmos mais alto do que ele. Olhou para os pés do rapaz diante dele e subiu devagar os olhos até ficar com a cabeça voltada para cima.
"Tanto melhor mandarem-te embora", disse por fim, num tom de profundo desprezo.
"Não estás aqui a fazer nada. Ninguém gosta de ti, és um merdas que para aqui anda. Até os miúdos têm medo quando te vêem. Chamam-te mostrengo."
Num acesso de fúria, Francisco pegou no caseiro pelos colarinhos e puxou-o para si, deixando-o pendurado, os pés no ar.
"Repete lá isso."
O homem riu-se. '
"Ui, que medo! Vais bater-me, vais?"
"Tem calma, Chico", disse Luís lá atrás. "Assim não vamos resolver nada."
Mas o rapaz nem parecia ter ouvido.
"Repete lá isso."
Tino cuspiu o cigarro para o chão e libertou o fumo no rosto do seu adversário.
"Tu ouviste muito bem. Tens a mania que és mau, mas a mim não me acagaças, ouviste?
Aqui o Tino é teso. Quando eu chegar a Penafiel, vou direitinho ter com o patrão e conto-lhe tudo. Tudinho. Depois quero ver como é."
Francisco colou o nariz ao nariz do caseiro e carregou os olhos.
"Não contas nada."
"Ai não? E como é que me vais impedir?"
O rapaz pôs o braço direito em gancho em torno da cabeça de Tino, de forma a que a mão lhe agarrasse a cara, e com o esquerdo manteve-o imobilizado.
"Assim."
Puxou nesse instante com inesperada brutalidade, torcendo a cabeça do caseiro. Ouviu-se um estalido brutal, como o crac seco de um tronco a partir-se numa árvore. Os pés pendurados agitaram-se num espasmo e o corpo imobilizou-se, a cabeça voltada para trás numa posição impossível, os olhos brancos, a língua roxa ao canto da boca.
Amélia gritou, horrorizada.
Com um movimento de desprezo, Francisco atirou o corpo para o chão. O caseiro ficou estendido como um espantalho partido, a barriga para cima, o rosto enterrado na lama, os pés ainda a tremerem num derradeiro estertor.
"Agora já não conta a ninguém."
Todo o inesperado da situação deixou Luís pregado ao chão, vendo e não acreditando no que via, experimentando um sentimento de irrealidade, como se tudo aquilo não passasse de um pesadelo, pouco plausível era verdade, mas incrivelmente realista.
As palavras de Francisco, porém, tiveram o condão de o despertar da letargia em que havia mergulhado. Acto contínuo, saltou para a frente e ajoelhou-se diante do corpo inerte estendido na lama. Rodou devagar a cabeça imóvel do caseiro e fez uma careta preocupada ao ver-lhe os olhos fixos. Aquilo não era bom. Premiu o dedo sobre a carótida e procurou a pulsação, mas não a sentiu.
Inclinou a cabeça sobre o coração e pôs-se à escuta.
Nada.
"Está morto", constatou, endireitando-se.
Amélia mostrava-se siderada. Tinha as mãos a tapar a boca e não conseguia tirar os olhos do cadáver.
"E agora? E agora?"
Luís ergueu-se lentamente e encarou Francisco.
"Tu tens a noção do que fizeste?"
"Calei-o."
"Lá isso é verdade", concordou, olhando por instantes para o corpo estendido atrás dele. "Lá calado está ele, não há dúvida nenhuma. Só que, para resolver um problema complicado, criaste um problema ainda maior. A bem dizer, muito maior."
"Ele não me devia ter chamado mostrengo."
"Tens razão", voltou a assentir Luís. "Mas não era caso para o matares, pois não? O que vais agora dizer à polícia?"
Francisco fungou e não respondeu, os olhos sempre pousados no cadáver do caseiro.
"Vais chamar a polícia?", questionou-o Amélia.
A pergunta deixou Luís surpreendido.
"Quer dizer... ainda não pensei nisso. Mas é evidente que a polícia vai aparecer. Mais tarde ou mais cedo, eles vão surgir aí. Ou pensas que se mata uma pessoa e continua tudo na mesma?"
Ainda em estado de choque, Amélia sentia enormes dificuldades em raciocinar.
"Tens razão. A polícia vai aparecer."
"E irá começar a fazer perguntas", acrescentou Luís. "Muitas perguntas, mesmo. Quem o matou, porquê, o que aconteceu... tudo isso eles vão querer tirar a limpo."
Amélia indicou o irmão adoptivo com a cabeça.
"Achas que o vão prender?"
"O que achas tu?"
A amante manteve-se calada e o irmão adoptivo também.
"Diz-me, o que achas tu?", insistiu Luís, enervado por só ele estar a ver o óbvio. "Pensas que eles chegam aí, percebem que o Francisco matou o Tino e dizem: ó, coitadinho, vamos deixá-lo em paz, se calhar foi sem querer. Achas que vão dizer isso?"
"Tens razão."
"O Chico vai para a choça."
"Oh, não!"
"E se calhar nós também."
"Nós?"
"Claro. O adultério é um escândalo, mas o assassínio é um crime. Um grande crime. Se fores a ver bem, nós viemos aqui para tentar calar o Tino e o Francisco calou-o de facto. Tínhamos um bom motivo e dispusemos da oportunidade." Indicou o cadáver. "Quem é que vai convencer o juiz de que não tivemos nada a ver com isto?"
Posta perante a real magnitude do novo problema, Amélia escondeu a face com as mãos.
"Meu Deus! Meu Deus, meu Deus! Estamos perdidos! O que vai ser de nós, Virgem Santíssima?" Soluçou. "O que vai ser dos meus filhos?" Mais soluços. "No que nos fomos meter, Santo Deus? Que loucura é esta? Como é que isto chegou a este ponto?"
Vendo-a entrar em pânico, Luís aproximou-se e envolveu-a nos braços, já arrependido da crueza com que apresentara os factos.
"Pronto, pronto", murmurou. "Não te preocupes, tudo se há-de resolver, vais ver."
Amélia encarou-o, buscando esperança onde já a perdera.
"Como é que tudo se há-de resolver? Tu próprio o disseste: nenhum juiz vai acreditar que não tivemos nada a ver com... com isto. Como é que se vai resolver? Diz-me: como?"
"Eu sei o que disse. Mas, se nós explicarmos tudo muito bem explicadinho, vais ver que a polícia e o juiz percebem. Tem calma, não te enerves."
Vendo que nada mais lhe restava fazer, Francisco saiu do local e dirigiu-se ao casarão. Luís ficou a tentar confortar
Amélia, mas na realidade nem ele próprio acreditava que fosse possível escaparem todos à cadeia.
Falava por falar, para a acalmar, para a ajudar a preparar-se para os tempos complicados que já antevia. Não era difícil, aliás, prever a sucessão de acontecimentos que seria em breve desencadeada. O morto seria encontrado, a polícia interrogá-los-ia, provavelmente seriam detidos, haveria um escândalo, seguir-se-ia o julgamento, depois a condenação e a destruição de todas e de cada uma das vidas a que os três estavam ligados. Em suma, as coisas dariam uma grande volta, e para muito pior.
Enquanto ia prevendo os acontecimentos, Luís reparou que Francisco saía do casarão com um objecto às costas. Parecia um saco. De início não deu importância ao assunto, mais preocupado com Amélia e com o prenúncio do que aí vinha. Mas, à medida que ele se aproximava, começou a interrogar-se. Onde iria Francisco? Para que raio quereria ele o saco? Seria possível que planeasse meter o caseiro lá dentro? Que diabo teria na cabeça?
Caminhando com uma despreocupação desconcertante, Francisco aproximou-se dos dois e parou quando chegou ao local onde eles se encontravam.
"Vou-me embora, senhora."
Amélia, que chorava baixinho encostada ao peito de Luís, afastou o cabelo e olhou para o irmão adoptivo.
"Onde vais?"
"Vou fugir."
A resposta deixou-a abismada.
"Vais onde?"
"Vou fugir."
"Mas... mas tu não podes fazer isso."
"Ai não? Então faço o quê? Fico aqui à espera que me venham prender?"
"Bem... temos de enfrentar a justiça, não achas?"
"Para quê?"
A pergunta era embaraçosamente certeira. Para quê enfrentar a justiça? Que fim serviria tal sacrifício? Ficaram os três a olhar-se, sem saberem o que dizer.
Percebendo enfim que aquela era uma despedida, Amélia soltou-se do amante e abraçou-se ao rapaz que a mãe adoptara, afagando-lhe os cabelos com os dedos.
"O Chico! Desculpa! Desculpa tudo isto... toda esta confusão! Se eu tivesse juízo..."
"Fui eu que o matei. A senhora não tem de pedir desculpa."
Amélia fungou e fitou-o nos olhos.
"Tens a certeza do que estás a fazer?"
"Não."
Luís meteu a mão no bolso.
"Ele está a fazer a única coisa que pode fazer", observou, retirando a carteira. Tirou todo o dinheiro que lá tinha e entregou-o ao rapaz. "Toma. São cento e quarenta escudos, é tudo o que trago neste momento. Não é muito, mas sempre vai dar jeito."
Sem dizer uma palavra, Francisco aceitou o dinheiro e guardou-o no bolso. Depois beijou Amélia no rosto, pegou no saco e começou a andar em direcção ao portão.
"Para onde vais, Chico?", perguntou Amélia, ainda sem acreditar na rapidez com que os acontecimentos se haviam precipitado. "Para onde vais tu?"
"Para onde não me encontrem."
E desapareceu para lá do portão sem olhar uma única vez para o passado que deixava para trás.
íi^> Parte Três
1936
Não creias nele, porque tudo é
nada