XIII
Passada a surpresa inicial, veio o choque. O aspecto de Filipe era verdadeiramente o de um mendigo; trazia o cabelo sujo e desgrenhado, a barba por fazer, os olhos encovados em profundas sombras de olheiras e, o mais perturbador de tudo, cheirava mal, exalava um fedor ácido a urina e transpiração.
"Que te aconteceu?"
O olhar do amigo dos tempos do liceu emitia um brilho ne rv o so q ue c o ntra sta va c o m o est ad o d e fa diga geral.
"Preciso de ajuda..."
A atenção de Tomás desceu para as roupas; apresentavam ar de não ser lavadas havia pelo menos um mês. Além disso, o amigo transportava um grande saco já meio roto e conspurcado de nódoas.
"Isso vejo eu", constatou. "Não me digas que também perdeste o emprego!..."
Estavam a meio do passeio e Filipe indicou com a cabeça a porta do prédio onde o seu amigo historiador vivia, uns metros mais adiante.
"Deixas-me entrar?"
A questão nem se discutia. Tomás levou-o para o seu apartamento e deu-lhe o que sobrara do seu almoço, tendo o cuidado de estrelar mais dois ovos. Depois ajudou-o a despir-se e empurrou-
-o para a banheira com ordens de sair dali "mais perfumado que uma donzela".
Enquanto Filipe tomava banho, decerto o primeiro em muito tempo, o anfitrião atirou as vestimentas imundas para o cesto e foi 100
buscar roupa lavada para lhe emprestar. Depois pegou no saco que ele trouxera e abriu-o, à procura de mais coisas para limpar. O saco estava de facto repleto de trapos malcheirosos, que Tomás também deitou no cesto da roupa suja. A empregada, que aliás teria de despedir devido à sua nova situação de desempregado, vinha todas as quintas-feiras e nessa semana teria pelos vistos trabalho acrescido.
Voltou ao saco para procurar outras coisas que requeressem limpeza. Apenas encontrou um envelope com uma estranha sequência de letras rabiscadas no lugar do remetente.
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HERTATO.