LXI
O café servido ao balcão da cafetaria da estação era intragável, mas Balam sabia que não dispunha de alternativa. Resignado, engoliu um trago; até sentiu a pele eriçar-se de desagrado. O que realmente o irritava, porém, não era o café. Havia já cinco horas que estava de plantão com os seus homens a vigiar a chegada dos comboios a Santa Maria Novella e não vislumbrara ainda sinais dos alvos. Começava a duvidar que viessem por ali, mas via-se forçado a permanecer no local porque as suas ordens eram manter a vigilância até às dez da noite.
"Que pincel...", resmungou, espreitando o relógio pela enésima vez. "Isto nunca mais acaba."
Nesse momento o telemóvel tocou. Tirou o aparelho minúsculo do bolso das calças e espreitou o visor; era uni dos seus correligionários que lhe ligava.
"O que é, Gãap?", foi a primeira coisa que disparou logo que atendeu, visivelmente maldisposto. "Estou ocupado e com pouca paciência para te aturar. Passa-se alguma coisa?"
"Passa-se, sim senhor!", devolveu a voz do outro lado da linha, claramente nervosa. "Tens de vir aqui!" "Aqui, onde?"
"Ao Palazzo Vecchio. Imediatamente!"
Balam suspirou.
"Isso queria eu", bufou. "Mas o chefe mandou-me ficar de plantão em Santa Maria Novella para..."
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"O tipo está aqui!"
"Quem, o chefe?"
"O Noronha, idiota!", disparou Gãap. "O Noronha está aqui no Palazzo Vecchio!"
A informação atingiu Balam como um murro no estômago; era de tal modo inesperada que durante instantes ainda pensou que tinha ouvido mal.
"O quê?"
"É como te digo. Vem imediatamente!"
O chefe da segurança, plantado na cafetaria da estação, ficou momentaneamente atordoado, sem saber o que pensar ou fazer, a informação a ricochetear-lhe na mente como uni eco que se recusava a morrer, uma perna a fazer que partia, a outra a manter-se firme no sítio onde se encontrava; parecia um boneco articulado prestes a desconjuntar-se.
"Mas... mas... como é isso possível?" Sacudiu a cabeça, tentando reordenar os pensamentos. "Olha lá, onde está ele? entrada? Na plateia? Ao pé de ti?"
"O gajo está neste momento ao lado da procuradora", retorquiu Gãap com a voz a transmitir urgência. "Vai começar a depor e ninguém sabe o que irá sair dali. Isto é uma catástrofe, Balam! Uma catástrofe!"
"O tipo vai depor?!"
"Está a começar agora e achei que te devia avisar", foi a resposta. "O
chefe ainda te vai arrancar a pele, ouviste? Põe-te aqui o mais depressa possível! Temos de o apanhar à saída!"
Ainda siderado, mas consciente de que tinha de actuar e resolver o assunto se não queria acabar com uma corda a asfixiá-lo, como acontecera com Decarabia, Balam desligou o telemóvel e de imediato tirou o walkie-talkie do bolso. Aproximou-o da boca e premiu os três botões ao mesmo tempo.
"Águia para Condores 1, 2 e 3", chamou. "Operação terminada. O
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pombinho está no Palazzo Vecchio. Encontro dentro de um minuto no átrio da estação. Quer."
Não havia tempo a perder.
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