XXIX

O café já estava morno, mas Decarabia bebericou-o na mesma; se havia coisa que detestava no seu trabalho era a espera. Sabia que as operações requeriam paciência e tempos de espera prolongados, mas não era isso que fazia com que gostasse da inacção. Além do mais tinha umas contas a ajustar com o seu alvo, não gostava que ninguém o fizesse passar por parvo. Este caso tornara-se por isso quase uma questão pessoal.

O técnico dos serviços de intercepção entrou nesse instante no pequeno gabinete e dirigiu-se a ele com uma expressão de urgência estampada no rosto.

"0 Rato deu sinais de vida."

O olhar de Decarabia pareceu iluminar-se.

"Finalmente!", exclamou. "Onde está ele?"

"Espanha", foi a resposta. "Acabou de ligar para o lar da mãe a partir de um telefone público no Sul de Madrid."

"Ainda bem que pusemos esse lar sob escuta", congratulou-se.

"Disse alguma coisa de relevante que nos permita determinar o seu paradeiro e intenções?"

O técnico abanou a cabeça.

"Nada, foi uma conversa normal." Pousou um CD sobre a mesa.

"Está aqui o registo, pode ouvir se quiser. A única informação verdadeiramente útil veio da localização da origem da chamada.

Madrid."

Decarabia era uma pessoa desconfiada, por isso ouviu o CD e 210


certificou-se do seu conteúdo; não passava realmente de uma conversa inócua. Mandou o técnico embora e abriu o dossiê sobre Tomás que mantinha pousado sobre a sua secretária. Procurou-lhe contactos em Madrid ou no resto de Espanha, mas não havia nada; a única referência era a uma académica de Santiago de Compostela, mas a mulher já morrera.

Depois de vasculharem toda a documentação fechou a pasta com um movimento brusco, carregado de frustração, e pôs-se a afagar o queixo, intrigado e pensativo.

"0 que raio estarás a fazer em Madrid?", murmurou, como se a simples formulação em voz alta dos seus pensamentos o ajudasse a raciocinar. "O que foste aí procurar se não conheces ninguém? Se fosse o outro tipo, esse se calhar..."

Imobilizou-se, de olhos vidrados, a boca entreaberta, a respiração suspensa. O raciocínio acabava de lhe abrir uma porta e uma ideia assaltava-o.

"E se... E se..."

Levantou-se com brusquidão e foi à estante buscar o outro dossiê. Sentou-se de novo no seu lugar e, quase sôfrego, abriu a pasta. Na primeira página via-se a fotografia do rosto sorridente de Filipe Madureira, mas Decarabia saltou de imediato para as páginas seguintes e só se deteve naquelas que identificavam as pessoas próximas do alvo que abatera na véspera.

"Ah, está aqui..."

O assassino concentrou-se num rosto de gata, de olhos verde-

-claros e cabelo castanho encaracolado até aos ombros. Era a única pessoa amiga de Filipe em Espanha. O dossiê indicava tratar-se de uma rapariga chamada Raquel Maria de la Concha González. Por baixo da fotografia vinha, a letra vermelha, a referência da sua profissão.

Agente da Interpol.

"Gotcha."

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