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Um rumor de excitação percorreu a mesa depois de Magus ter quebrado com um grito o seu mutismo pensativo. Todos os olhares permaneciam colados ao chefe, ansiosos e subservientes, como se ele fosse o Sol imenso e os que o rodeavam não passassem de planetas minúsculos.
"Já sabe, poderoso Magus?", quis saber Balam com voz submissa.
"O que temos de fazer?"
O dirigente máximo projectou um gesto na direcção do computador portátil pousado a meio da mesa.
"Vamos mandar-lhe um e-mail."
A declaração foi tão inesperada que desencadeou uma cascata de gargalhadas à volta da mesa. Todos pareciam divertidos com o que acabavam de escutar.
"Imparável, poderoso Magus", adulou o chefe da segurança.
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"Hoje está verdadeiramente imparável! O seu sentido de humor é extraordinário! A graça com que..."
O chefe manteve o semblante fechado.
"Não é piada", atalhou num tom irritado, desagradado com a sabujice oleosa dos seus subordinados. Voltou a indicar o portátil.
"Passem-me aí o computador."
As risadas pararam tão depressa como tinham começado quando toda a gente percebeu que a sugestão era séria. Um dos esbirros, o mais ágil em informática, levantou-se de imediato, pressuroso, e levou-lhe o computador. Magus fez-lhe sinal de que se sentasse ao lado dele e o homem obedeceu. Ligou a máquina com gestos rápidos e, entrando no sistema, foi direito ao ficheiro com o perfil dos alvos e seleccionou a pasta de Tomás. A página materializou-se no ecrã e revelou o rosto do historiador no canto superior direito e toda a informação ao lado e em baixo.
"Está aqui", anunciou o homem da informática, ansioso por agradar ao chefe. "Este é o endereço de e-mail dele." Magus tomou nota numa folha de papel.
"Agora entra-me na caixa de e-mail do Filipe Madureira." "Quem?
Aquele que..."
"Sim, esse. Entra."
O especialista em computadores mudou para o gmail e, sempre teclando com grande velocidade, digitou o nome de utilizador e a password da página do amigo de liceu de Tomás. Instantes depois a página ficou disponível.
"Já está, poderoso Magus. O que faço agora?"
O chefe nem se deu ao trabalho de responder. Com maus modos, puxou o portátil para si e, com o rato, carregou no botão com pose mau. A página para escrever uma mensagem ficou disponível. Teclou o endereço electrónico de Tomás e procurou Balam com o olhar.
"Tu falas português, não falas?"
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"Sim, poderoso Magus. Vivi alguns anos no Brasil, como sabe."
Obedecendo a um gesto imperial do cabecilha do grupo, o homem da informática saltou do lugar e Balam foi ocupá-lo. O responsável pela segurança agarrou o portátil e entrou no corpo do e-mail para redigir a mensagem. Desviou o olhar para o chefe e ficou a aguardar ordens.
"Ora escreve aí", indicou Magus. "Olá, Tomás." Fez uma pausa enquanto o subordinado teclava o texto em português. "As notícias da minha morte foram ligeiramente exageradas." Nova pausa, preenchida pelo matraquear do teclado por parte de Balam. "Só agora me deixaram usar o computador." Mais uma pausa. "Fiquei um dia em coma, mas já estou a recuperar e esta manhã saí dos cuidados intensivos." Ainda uma pausa. "Lembrei-me de uma coisa crucial que me esqueci de te dizer."
Esperou alguns segundos enquanto o chefe da segurança traduzia a mensagem. "É imprescindível que vás urgentemente a Florença." Pausa de novo. "Apresenta-te amanhã à meia-noite nos Uffizi e pergunta por Mefistófeles." Pausa. "Virá alguém que te ajudará a safares-te desta confusão." Última pausa. "Um abraço do teu amigo Filipe."
Balam acabou de redigir a mensagem e releu o texto em voz alta, traduzindo-o de modo que o chefe se certificasse de que estava tudo bem. Quando terminou pegou no rato e assentou a seta sobre o send.
Antes de carregar, voltou-se para o líder.
"Envio, poderoso Magus?"
O chefe sorriu, satisfeito consigo próprio.
"Força."
O responsável da segurança carregou no botão direito do rato e a mensagem foi enviada. Um clamor de satisfação ergueu-se na sala, com as congratulações bajuladoras a jorrarem na direcção de Magus.
A armadilha estava estendida.
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