XXIV

Um burburinho miúdo enchia a grande sala onde se espalhavam os homens de fato e gravata à conversa uns com os outros enquanto aguardavam o começo da reunião. Uns riam, outros pareciam sisudos, alguns consultavam documentos. Sentado ao centro da grande mesa oval, Magus consultou o relógio. Eram três e vinte e cinco da tarde; daí a cinco minutos daria início formal ao encontro.

Sentiu uma mão pousar-lhe no ombro e virou-se para ver quem o interpelava.

"Peço desculpa", disse o seu homem de confiança em tom obsequioso. "Está ali uma chamada para si."

Magus indicou o telefone negro pousado diante dele, sobre a mesa.

"Então passa-a."

O s u b o r d i na d o f e z u m si na l su b ti l c o m o s olh o s .

"Receio que não seja uma conversa adequada para este local", explicou veladamente. "Se me permite, aconselharia que fosse atender na sala de segurança. Estará mais à vontade."

"Porquê? Passa-se alguma coisa?"

O homem baixou a voz, quase a segredar.

"É uma chamada de... de Lisboa."

A mensagem foi instantaneamente percebida. Magus ergueu-se de imediato do seu lugar e abandonou a sala de reuniões em passo acelerado, acompanhado pelo seu homem de confiança. Percorreram ambos o corredor até aos ascensores. Sem trocarem uma palavra, subiram dois andares e meteram pelo corredor até chegarem à sala de 183


segurança, onde sabiam que nenhuma comunicação podia ser interceptada por ouvidos indiscretos.

"Passa-me a chamada."

Entrou e sentou-se à mesa. Tratava-se de uma sala simples, sem janelas e despojada de decoração, as paredes cobertas por material de isolamento de som. Havia seis cadeiras vazias, a mesa e, pousado precisamente no centro, um telefone branco; à volta estavam ainda espalhadas umas folhas brancas e lápis. Mais nada. As linhas telefónicas eram seguras e todas as manhãs os serviços de segurança faziam uma busca na sala para garantir que não havia microfones nem qualquer outro tipo de escuta. Magus sentia-se perfeitamente à vontade. A única coisa que o afectava era a ansiedade pelas notícias que iria receber.

Esperava fervorosamente que tudo tivesse corrido bem e que...

O telefone tocou.

"Está sim?"

"Sou eu, grande Magus", devolveu a voz do outro lado, identificando-se.

"Decarabia." Baixou a voz tornando-a um tudo-nada lúgubre. "Tenho más notícias."

O líder da organização sentiu um baque no coração. Ah, não, más notícias não! Aquela operação era demasiado importante para sofrer um novo revés.

"Não me digas que o tipo escapou..."

A voz na linha hesitou.

"O nosso alvo? Não, ele foi neutralizado."

Magus contraiu as sobrancelhas, de repente aliviado mas sem perceber o problema.

"Ah, bom. Então qual é o engulho?"

"O alvo não tinha o DVD com ele", devolveu Decarabia. "O envelope desapareceu."

Sentado na sala de segurança, o seu chefe afagou o queixo enquanto digeria a informação.

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"O ideal seria sem dúvida deitar a mão a esse maldito DVD", considerou, falando devagar, a avaliar as consequências do que lhe fora comunicado. "Mas... enfim, se o DVD desapareceu, isso não me parece muito grave. O importante é que está fora de circulação, não é verdade? Isso é que realmente importa."

A conclusão foi recebida pelo seu interlocutor com uma breve pausa desajeitada.

"O problema é o outro."

"Qual outro?"

"O amigo, o historiador", precisou Decarabia. "Aquele Tomás Noronha. Acho que... que ele ficou com o DVD."

Foi a vez de Magus se calar por um instante de perplexidade, chocado com a informação.

"O quê?!"

O operacional engoliu em seco, evidentemente embaraçado com as novidades que se via forçado a comunicar.

"Grande Magus, o senhor tinha razão", disse, num tom submisso, falando muito depressa. "Não percebo como, mas o tipo apercebeu-se de que eu os esperava no apartamento dele e, nem sei bem como foi, mas ele improvisou uma fuga e... e... e mudou de táctica a meio da perseguição e... e..."

Exalou um suspiro constrangido e, de súbito, quase em jeito de conclusão, abrandou o ritmo das palavras. "Receio tê-lo subestimado."

Sozinho na sala de segurança, o chefe deu um salto e pôs-se de pé, incapaz de se conter perante o que acabava de escutar.

"Eu avisei-te, Decarabia!", vociferou para o bocal do telefone.

"Eu avisei-te, porra! Os relatórios que me chegaram eram taxativos quanto a esse tipo e eu avisei-te! Como pudeste ignorar o que te disse?"

"Não ignorei, grande Magus", devolveu o operacional, aflito com a reprimenda. "Mas... enfim, admito que nunca pensei que ele pudesse ter aquela capacidade de improviso numa situação tão desvantajosa. Julguei que os tinha sob controlo mas... enfim. Peço desculpa, não voltará a suceder."

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Magus respirou fundo e fez um esforço para se conter; não era com ataques de fúria que ia resolver o problema. Tinha uma crise entre mãos e havia que manter o sangue frio para lidar com a situação. A avaliação do desempenho do seu homem no terreno viria mais tarde e seria feita em função dos resultados. Tudo o que interessava agora era pôr um fim a todo aquele imbróglio, custasse o que custasse.

"Onde estás tu?"

"Em Lisboa, grande Magus."

O dirigente máximo voltou a sentar-se e, esforçando-se por se descontrair, apoiou os cotovelos na mesinha enquanto magicava num novo curso de acção.

"Deixa-te estar aí", disse num tom subitamente frio. "Conta-me tudo o que se passou. Ao pormenor. Depois vou fazer uns telefonemas para as autoridades locais e mexer uns cordelinhos para ver se te entrego esse estafermo embrulhadinho."

Decarabia relatou então todos os acontecimentos dessa tarde, desde que os seus alvos se detiveram diante da porta do prédio até à correria pela rua, aos tiros, ao polícia abatido, à perseguição de moto, à colisão diante do Cais das Colunas, ao alvo atingido e à fuga para o cacilheiro.

Quando o seu subordinado terminou a exposição, Magus despediu-se de forma seca e expedita, desligou o telefone e, acto contínuo, digitou o número de um gabinete governamental em Lisboa. Quando o seu contacto atendeu, as primeiras palavras que proferiu foram directas ao assunto.

"Tenho um problema e preciso que o resolvas com a polícia."







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