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20h30m

— Alô, Brian — cumprimentou Dunross. — Seja bem-vindo.

— Boa noite, tai-pan... parabéns... bela noite para uma festa — respondeu Brian Kwok. Um garçom de libre apareceu vindo do nada e ele aceitou uma taça de champanha, servido num cristal finíssimo. — Obrigado pelo convite.

— É sempre bem-vindo.

Dunross estava ao lado da porta do salão de baile da Casa Grande, alto e garboso. Penelope estava a poucos passos de distância, recebendo outros convidados. O salão de baile meio cheio dava para terraços e jardins superlotados e iluminados por holofotes, onde a maioria das senhoras vistosamente trajadas e cavalheiros de dinner jacket conversavam em grupos, ou sentavam-se a mesas redondas. Uma brisa fresca chegara junto com a noite.

— Penelope querida — chamou Dunross —, lembra-se do superintendente Brian Kwok?

— Mas é claro — disse ela, abrindo caminho na direção deles, ostentando um sorriso feliz, sem absolutamente lembrar-se dele. — Como vai?

— Muito bem, obrigado... parabéns!

— Obrigada... fique à vontade. O jantar vai ser servido às nove e quinze. Claudia tem a lista dos lugares às mesas, caso tenha perdido o seu cartão. Ah, com licença, um momentinho...

Virou-se para interceptar outros convidados, tentando olhar para toda parte para ver se tudo corria bem e se ninguém estava isolado... sabendo, no íntimo, que, se houvesse um desastre, ela não teria nada a fazer, pois outros dariam um jeito de consertar de novo as coisas.

— Tem muita sorte, Ian — disse Brian Kwok. — Ela fica mais moça a cada ano que passa.

— É.

— É isso aí. Brindemos a mais vinte anos. Saúde! Fizeram tintim com as taças. Eram amigos desde o início da década de 50, quando se haviam encontrado na primeira corrida realizada nos morros, e desde então tinham-se tornado rivais amistosos... e membros fundadores do Clube de Rally e Carros Esporte de Hong Kong.

— Mas e você, Brian, nenhuma garota especial? Veio sozinho?

— Estou curtindo as garotas, sem compromisso. — Brian Kwok baixou o tom de voz. — Na verdade, vou ficar solteiro permanentemente.

— Que idéia! Este é o seu ano... você é o partidão de Hong Kong. Até Claudia está de olho em você. Está ferrado, amigão.

— Oh, Deus! — Brian parou de brincar, por um momento. — Escute, tai-pan, posso falar-lhe uns dois minutos em particular, ainda hoje?

— John Chen? — perguntou Dunross, prontamente.

— Não. Todos os nossos homens estão procurando, mas até agora, nada. É outra coisa.

— Negócios?

— Sim.

— Muito em particular?

— Em particular.

— Está certo — retrucou Dunross. — Procuro você logo após o jantar. Que...

Uma explosão de risadas fez com que ambos olhassem à sua volta. Casey estava no centro de um grupo de admiradores — Linbar Struan, Andrew Gavallan e Jacques de Ville entre eles —, junto a uma das grandes portas envidraçadas que davam para o terraço, do lado de fora.

— Eeee — murmurou Brian Kwok.

— É isso aí — falou Dunross, sorrindo.

Ela usava um vestido justo e longo de seda verde-esmeralda, ajustado na conta certa e transparente na conta certa.

— Pombas, ela está ou não está?

— O quê?

— Usando roupa de baixo?

— Procurai e achareis.

— Gostaria. Ela é deslumbrante.

— Também acho — concordou Dunross, amavelmente —, embora imagine que cem por cento das outras senhoras não achem.

— Os seios dela são perfeitos, dá para se ver.

— Na verdade, não dá. Quase que dá. Está tudo na sua cabeça.

— Aposto que não há um par em Hong Kong que se compare a eles.

— Aposto cinqüenta dólares contra uma moeda de cobre que você está errado... desde que incluamos as eurasianas.

— Como vamos provar quem ganhou?

— Não podemos. Para falar a verdade, sou mais ligado em tornozelos.

— Como?

— O velho tio Chen-Chen costumava dizer: "Olhe primeiro para os tornozelos dela, meu filho, então ficará sabendo a sua raça, como se comportará, como cavalgará, como... igual a qualquer égua. Mas não se esqueça de que todas as gralhas sob os céus são negras!"

Brian Kwok sorriu junto com ele, depois acenou amistosamente para alguém. Do outro lado da sala, um homem alto, de rosto marcado, acenava também. Ao lado dele estava uma mulher extremamente bela, alta, loura, de olhos cinzentos. Também ela acenou alegremente.

— Aquilo sim é que é uma beldade inglesa!

— Quem? Ah, Fleur Marlowe? É, é mesmo. Não sabia que conhecia os Marlowes, tai-pan.

— A recíproca é verdadeira! Conheci-o hoje à tarde, Brian. Conhece-o há muito tempo?

— Uns dois meses e pouco. Ele é persona grata para nós.

— É?

— É. Estamos lhe mostrando como funcionam as coisas.

— É? Por quê?

— Faz alguns meses ele escreveu ao comissário, disse que vinha a Hong Kong fazer pesquisas para escrever um romance, e pediu a nossa colaboração. Parece que o Velho leu o primeiro romance dele e viu alguns dos seus filmes. Claro que fizemos uma verificação e ele nos pareceu legal. — Os olhos de Brian Kwok voltaram para Casey. — O Velho achou que uma imagem melhorada só nos podia fazer bem, então mandou avisar que, dentro de limites, Peter fora aprovado, e que lhe mostrássemos as coisas. — Lançou um olhar para Dunross e deu um breve sorriso. — Não nos cabe discutir por quê!

— Qual é o livro dele?

— Chama-se Changi, e é sobre seus dias como prisioneiro de guerra. O irmão do Velho morreu lá, portanto creio que isso o tocou fundo.

— Já o leu?

— Quem sou eu... tenho muitas montanhas para subir!

Folheei-o, apenas. Peter diz que é ficção, mas não acredito. — Brian deu uma risada. — Mas ele sabe entornar uma cerveja. Robert levou-o a dois dos seus Festivais de Cerveja, e ele se saiu muito bem.

Os Festivais eram festas dadas pelos policiais, só para homens, para as quais os oficiais contribuíam com um barril de cinqüenta litros de cerveja. A festa acabava quando a cerveja acabava.

Os olhos de Brian Kwok banqueteavam-se em Casey, e Dunross se perguntou pela milionésima vez por que os asiáticos preferiam os anglo-saxões, e os anglo-saxões preferiam os asiáticos.

— Por que o sorriso, tai-pan?

— Por nada. Mas Casey não é nada má, hem?

— Aposto cinqüenta dólares que é bat jam gai, heya?

Dunross pensou um momento, sopesando a aposta cuidadosamente. "Bat jam gai" queria dizer, literalmente, "carne branca de galinha". Era assim que os cantonenses se referiam às mulheres que raspavam os pêlos púbicos.

— Tá valendo! Está errado, Brian, ela é see yau gai — que significava "galinha com molho de soja" —, ou, no caso dela, vermelha, macia, e com tempero gostoso. Opinião das mais abalizadas!

Brian achou graça.

— Apresente-me.

— Vá você mesmo se apresentar. Já tem mais de vinte e um anos.

— Deixarei que você ganhe a subida do morro, no domingo.

— Essa é boa! Pode ir, e aposto mil que não consegue.

— Quanto me dá de vantagem?

— Deve estar brincando!

— Perguntar não ofende. Puxa, mas gostaria de faturar aquela. Onde está o sortudo Sr. Bartlett?

— Acho que está no jardim... mandei Adryon fazer-lhe sala. Com licença...

Dunross virou-se para receber um convidado que Brian Kwok não reconheceu.

Mais de cento e cinqüenta convivas já haviam chegado, sendo recebidos pessoalmente. O jantar era para duzentas e dezessete pessoas, todas cuidadosamente sentadas de acordo com a posição e o costume, em mesas redondas que já estavam postas, e com luz de velas, nos gramados. Velas e candelabros nos corredores, garçons de libre servindo champanha em finas taças de cristal, ou salmão defumado e caviar em travessas e salvas de prata.

Um pequeno conjunto tocava sobre uma plataforma, e Brian Kwok notou algumas fardas em meio aos dinner jackets, americanas e inglesas, exército, marinha e força aérea. Não surpreendia que o número de europeus fosse dominante. Aquela festa era estritamente para o círculo interno britânico que mandava no distrito central e era o bloco de poder da colônia, para os seus amigos caucasianos e uns poucos eurasianos, chineses e indianos escolhidos. Brian Kwok reconheceu a maioria dos convidados: Paul Havergill, do Victoria Bank de Hong Kong, o velho Sir Samuels, multimilionário, tai-pan de vinte companhias imobiliárias, bancárias, de transporte por barcas e de valores mobiliários; Christian Toxe, editor do China Guardian, conversando com Richard Kwang, presidente da junta diretora do Ho-Pak Bank; o armador multimilionário V. K. Lam, conversando com Phillip e Dianne Chen, cujo filho, Kevin, estava com eles; o americano Zeb Cooper, herdeiro da mais antiga firma mercantil americana, Cooper-Tillman, de conversa com Sir Dunstan Barre, tai-pan das Fazendas de Hong Kong e Lan Tao. Notou Ed Langan, o homem do FBI, entre os convidados, e isso o surpreendeu. Não sabia que Langan, ou o homem com quem estava conversando, Stanley Rosemont, um subdiretor do contingente da CIA de vigia à China, eram amigos de Dunross. Deixou os olhos correrem pelos grupos de homens que tagarelavam, e pelos grupos das suas mulheres, a maioria separadamente.

"Estão todos aqui", pensou, "todos os tai-pans, exceto Gornt e Plumm, todos os piratas, todos aqui, com ódio incestuoso, rendendo homenagens a o tai-pan.

"Qual deles é o espião, o traidor, o controlador da Sevrin, Arthur?

"Tem que ser europeu.

"Aposto que está aqui. E eu vou pegá-lo. É, vou pegá-lo em breve, agora que sei a seu respeito. Vamos pegá-lo, e pegar todos", pensou, sombriamente. "E vamos pegar estes ladrões com a boca na botija, vamos acabar de vez com as suas piratarias, para o bem comum."

— Champanha, Honrado Senhor — ofereceu o garçom, em cantonense, com um sorriso cheio de dentes.

Brian aceitou uma taça cheia.

— Obrigado.

O garçom se curvou, para ocultar os lábios.

— O tai-pan trouxe uma pasta de capa azul entre os seus papéis, quando chegou hoje — murmurou, rapidamente.

— Aqui existe um esconderijo seguro e secreto? — Brian perguntou, igualmente cauteloso, e no mesmo dialeto.

— Os criados dizem que fica no escritório dele, no outro andar — replicou o homem. Chamava-se Feng Garçom de Vinhos e fazia parte da rede sigilosa de agentes do sei. Seu disfarce como garçom do bufê responsável por todas as melhores e mais exclusivas festas de Hong Kong dava-lhe um grande valor. — Pode ser que fique atrás do quadro, foi o que ouvi... — Deteve-se, repentinamente, e começou a falar em inglês ar-revesado com sotaque chinês: — Champigni, senholita? — perguntou, com os dentes à mostra, oferecendo a bandeja à minúscula velhinha eurasiana que se aproximava: — Muito, muito plimeila classe.

— Não me venha com "senholita", seu fedelho impertinente — ela replicou altivamente, em cantonense.

— Sim, Honrada Tia-Avó, desculpe, Honrada Tia-Avó. Sorriu de orelha a orelha, e sumiu.

— E então, jovem Brian Kwok — falou a velhinha, erguendo para ele os olhos apertados. Sarah Chen, tia de Phillip Chen, tinha oitenta e oito anos e era uma pessoa miudinha de pele branca e pálida e olhos asiáticos que se moviam incessantemente. E embora aparentasse ser frágil, mantinha as costas bem retas e o espírito forte. — Que bom vê-lo. Onde está John Chen? Onde está meu pobre sobrinho-neto?

— Não sei, Grande Senhora — respondeu ele, polidamente.

— Quando vai trazer de volta o meu Sobrinho-Neto Número Um?

— Logo. Estamos fazendo tudo o que podemos.

— Ótimo. E não atrapalhem o jovem Phillip, se ele quiser pagar o resgate particularmente. Cuide disso, ouviu?

— Sim, farei o que puder. A mulher de John está aqui?

— Hem? Quem? Fale alto, rapaz!

— Barbara Chen está aqui?

— Não. Ela veio, mas logo que aquela mulher chegou, "ficou com dor de cabeça" e foi embora. Não a culpo nem um pouquinho! — Seus velhos olhos lacrimejantes fitavam Dianne Chen, do outro lado da sala. — Ah, aquela mulher! Viu a entrada que fez?

— Não, Grande Senhora.

— Ah, como se fosse a Dama Nellie Melba em pessoa. Entrou sala adentro, de lenço aos olhos, trazendo a tiracolo o filho mais velho, Kevin (não gosto desse rapaz), e o meu pobre sobrinho Phillip os seguia, como um ajudante de cozinha de segunda classe. Ah! A única vez que Dianne Chen chorou foi em 1956, na queda da Bolsa, quando suas ações baixaram e ela perdeu uma fortuna e molhou a roupa de baixo. Ah! Olhe só para ela, pavoneando-se! Fingindo estar perturbada, quando todo mundo sabe que já está agindo como se fosse a imperatriz mãe! Tenho vontade de beliscar-lhe as bochechas! Revoltante! — Voltou a olhar para Brian Kwok. — Encontre o meu sobrinho-neto John... não quero aquela mulher ou o seu moleque lok-pan na nossa casa.

— Mas ele pode ser tai-pan?

Os dois riram juntos. Pouquíssimos europeus sabiam que, embora "tai-pan" significasse "grande líder", na China antiga era o título coloquial dado ao encarregado de um bordel ou de um banheiro público. Assim, chinês algum se denominaria "tai-pan", apenas "loh-pan", que também significava "grande líder" ou "líder supremo". Os chineses e os eurasianos achavam divertidíssimo que os europeus gostassem de se denominar "tai-pan", deixando de lado, estupidamente, o título correto.

— Pode. Se for o pan certo — falou a velha, e os dois deram uma risada abafada. — Trate de achar o meu John Chen, jovem Brian Kwok!

— Sim, vamos achá-lo.

— Ótimo. Bem, o que me diz das chances de Golden Lady, no sábado?

— Boas, se a pista estiver seca. A três contra um ela está valendo uma nota. Fique de olho em Noble Star... também tem chances.

— Ótimo. Venha me ver depois do jantar. Quero falar com você.

— Sim, Grande Senhora.

Sorriu, e ficou vendo a mulher se afastar, sabendo que só o que ela queria era bancar a casamenteira para alguma sobrinha-neta. "Ayeeyah, vou ter que tomar alguma providência nesse sentido logo", pensou.

Os olhos dele voltaram-se para Casey. Ficou encantado com os olhares de reprovação de todas as mulheres... e com a admiração cautelosa e disfarçada de todos os seus acompanhantes. Então Casey ergueu os olhos e notou que ele a observava, do lado oposto da sala. Ela devolveu o olhar avaliador, com igual franqueza, por um breve instante.

"Dew neh loh moh", pensou, contrafeito, sentindo-se despido. "Gostaria de possuir aquela mulher." Foi então que notou Roger Crosse, com Armstrong ao lado. Pôs as idéias em ordem e foi juntar-se a eles.

— Boa noite, senhor.

— Boa noite, Brian. Está com um ar muito distinto.

— Obrigado, senhor. — Não era bobo de replicar com uma palavra amável. — Vou falar com o tai-pan depois do jantar.

— Ótimo. Logo depois de falar com ele, venha me procurar.

— Sim, senhor.

— Quer dizer que acha a moça americana deslumbrante?

— Sim, senhor.

Brian suspirou, intimamente. Esquecera-se de que Crosse sabia fazer leitura labial em inglês, francês e um pouco de árabe (não falava nenhum dialeto chinês) e que a sua visão era excepcional.

— Na verdade, é um pouco escandalosa — falou Crosse.

— Sim, senhor.

Notou que Crosse estava se concentrando nos lábios dela, e soube que estava prestando atenção à conversa dela, no outro lado da sala, e ficou furioso consigo mesmo, por não ter desenvolvido esse talento.

— Ela parece ter paixão por computadores. — Crosse voltou a olhar para eles. — Curioso, não?

— Sim, senhor.

— O que foi que o Feng Garçom de Vinhos disse? Brian contou.

— Ótimo. Providenciarei para que Feng ganhe uma gratificação. Não esperava ver Langan e Rosemont aqui.

— Pode ser coincidência, senhor — comentou Brian Kwok. — Ambos são ávidos apostadores. Ambos já estiveram no reservado do tai-pan.

— Não confio em coincidências — disse Crosse. — No que tange a Langan, claro que vocês não sabem nada, nenhum dos dois.

— Sim, senhor.

— Ótimo. É melhor vocês dois irem cuidar dos nossos negócios.

— Sim, senhor.

Satisfeitos, os dois homens se viraram para ir embora, mas se detiveram, ao notar o súbito silêncio. Todos os olhos se voltaram para a porta de entrada. Quillan Gornt ali se encontrava, barba e sobrancelhas negras, cônscio de que fora notado. Os outros convivas apressadamente continuaram as conversas interrompidas e desviaram os olhos, mas aguçaram os ouvidos.

Crosse assobiou baixinho.

— Ora, por que estará aqui?

— Aposto cinqüenta contra um que está tramando alguma sujeira — respondeu Brian Kwok, igualmente espantado.

Ficaram observando Gornt entrar no salão de baile e estender a mão a Dunross e a Penelope, ao seu lado. Claudia Chen, próxima a eles, estava quase em estado de choque, imaginando como poderia reorganizar a mesa de Dunross assim, em cima da hora, pois é claro que Gornt teria que se sentar ali.

— Espero que não se incomodem por eu ter mudado de idéia em cima da hora — dizia Gornt, sorridente.

— Absolutamente — retrucou Dunross, sorridente.

— Boa noite, Penelope. Achei que devia dar-lhes os parabéns pessoalmente.

— Ah, obrigada. — O sorriso dela permaneceu intacto, mas o coração batia descompassadamente, agora. — Eu, eu sinto muito o que houve com sua mulher.

— Obrigado. — Emelda Gornt sofrerá de artrite, e há anos vivia presa a uma cadeira de rodas. No começo do ano, pegara pneumonia e falecera. — Ela teve muito azar — disse Gornt. Olhou para Dunross. — Foi azar o que houve com John Chen, também.

— Muito.

— Suponho que tenha lido a Gazette da tarde. Dunross fez que sim com a cabeça, e Penelope disse:

— É de deixar qualquer um morto de medo. — Todos os jornais da tarde exibiram manchetes enormes e se regalaram com os detalhes da orelha mutilada e dos Lobisomens. Houve uma ligeira pausa. Ela apressou-se a preenchê-la. — Os seus filhos vão bem?

— Vão. Annagrey vai para a Universidade da Califórnia em setembro... Michael está aqui, passando as férias de verão. Estão em muito boa forma, folgo em dizer. E os seus?

— Vão muito bem. Embora eu tivesse muita vontade de que Adryon fosse para a universidade. Puxa vida, mas como as crianças são difíceis, hoje em dia, não é?

— Acho que sempre foram. — Gornt deu um ligeiro sorriso. — Meu pai vivia reclamando que eu era muito difícil.

Olhou novamente para Dunross.

— É. E como vai seu pai?

— Muitíssimo bem-disposto, folgo em dizer. O clima da Inglaterra lhe faz muito bem, diz ele. Vem passar o Natal aqui. — Gornt aceitou uma taça de champanha que lhe fora oferecida. O garçom estremeceu sob seu olhar, e afastou-se depressa, ergueu a taça. — Uma vida feliz e parabéns.

Dunross retribuiu o brinde, ainda atônito com a chegada de Gornt. Fora apenas por educação e classe que Gornt e outros inimigos haviam recebido convites formais. Uma recusa polida era só o que se esperava deles... Gornt já havia recusado.

"Por que ele está aqui?

"Veio gozar com a minha cara", pensou Dunross. "Como o maldito do pai dele. O motivo deve ser esse. Mas por quê? O que ele andou aprontando contra nós? Bartlett? Será através de Bartlett?"

— Que bela sala, lindas proporções — dizia Gornt. — E que bela casa. Sempre invejei essa sua bela casa.

"É, seu filho da mãe, eu sei", pensou Dunross, furioso, recordando a última vez que qualquer dos Gornts tinha estado na Casa Grande. Há dez anos, em 1953, quando o pai de Ian, Colin Dunross, ainda era o tai-pan. Fora durante a festa de Natal da Struan, tradicionalmente a maior da temporada natalina, e Quillan Gornt havia chegado, junto com o pai, William, na época tai-pan da Rothwell-Gornt, e também inesperadamente. Depois do jantar houvera um bate-papo público e amargo entre os dois tai-pans, no salão de bilhar onde cerca de uma dúzia de homens se havia reunido para um joguinho. Fora na época em que a Struan havia sido bloqueada pelos Gornts e seus amigos xangaienses na sua tentativa de tomar posse da South Orient Airways, que, devido à conquista do continente pelos comunistas, ficara disponível. Essa companhia aérea auxiliar monopolizava todo o tráfego aéreo de e para Xangai, vindo de Hong Kong, Cingapura, Taipé, Tóquio e Bangkok, e se houvesse uma fusão dela com a Air Struan, a recém-fundada companhia aérea deles, a Struan obteria o virtual monopólio do Extremo Oriente, com sede em Hong Kong. Os dois homens se haviam acusado de práticas escusas... e as acusações de ambas as partes eram verdadeiras.

É, pensou Ian Dunross consigo mesmo, os dois homens haviam ido a extremos, daquela vez. William Gornt tentara de todas as formas estabelecer-se em Hong Kong depois das perdas imensas da Rothwell-Gornt em Xangai. E quando Colin Dunross sentiu que a Struan não seria mais a companhia dominante, tirara a South Orient das mãos de William Gornt, unindo-se a um grupo cantonense seguro.

— E foi o que você fez, Colin Dunross, foi o que você fez. Caiu na armadilha e agora jamais nos deterá — jactara-se William Gornt. — Viemos para ficar. Vamos expulsá-los da Ásia, a você e à sua amaldiçoada Casa Nobre. A South Orient é apenas o começo. Vencemos!

— Venceram, uma ova! O grupo Yan-Wong-Sun associou-se a nós. Temos um contrato!

— Está cancelado. — William Gornt fizera sinal a Quillan, seu filho mais velho e herdeiro presumível, que pegou uma cópia de um contrato. — Este contrato aqui é com o grupo Yan-Wong-Sun, representantes do grupo Tso-Wa-Feng — disse, alegremente —, representantes do Ta-Weng-Sap, que vende o controle da South Orient para a Rothwell-Gornt por um dólar além do custo original! — Quillan Gornt colocara o documento sobre a mesa de bilhar, ostensivamente. — A South Orient é nossa!

— Não acredito!

— Pode acreditar. Feliz Natal!

William Gornt dera uma risada grande, debochada, e fora embora. Quillan colocara no lugar seu taco de bilhar, rindo também. Ian Dunross estava junto à porta.

— Um dia vou ser dono desta casa — Quillan Gornt sibilara para ele, depois virara-se e dissera para os outros, em voz alta: — Se algum de vocês quiser um emprego, venha nos procurar. Não demora estarão desempregados. Sua Casa Nobre não vai ser nobre por muito tempo.

Lá estavam Andrew Gavallan, Jacques de Ville, Alastair Struan, Lechie e David MacStruan, Phillip Chen, até mesmo John Chen.

Dunross lembrava-se de como o pai esbravejara, naquela noite, e amaldiçoara a traição, os representantes e o azar, sabendo o tempo todo que o filho o advertira, muitas vezes, e que suas advertências haviam sido postas de lado. "Santo Deus, como fomos humilhados! Hong Kong inteira riu de nós, daquela vez... os Gornts e seus xangaienses intrusos mijando de uma grande altura sobre a Casa Nobre.

"É. Mas aquela noite marcou o início da derrubada de Colin Dunross. Foi naquela noite que decidi que ele tinha que ser afastado antes que a Casa Nobre se perdesse para sempre. Usei Alastair Struan. Ajudei-o a tirar meu pai da jogada. Alastair Struan tinha que ser tai-pan. Até que eu fosse sagaz e forte o suficiente para tirá-lo da jogada.

"Será que sou suficientemente sagaz agora?

"Não sei", pensou Dunross, concentrando-se agora em Quillan Gornt, escutando suas amenidades, ouvindo-se reagir com igual galanteria, enquanto intimamente dizia "Não esqueci a South Orient, ou que tivemos que fundir a nossa linha aérea com a sua a preço de banana e perder o controle da nova linha, rebatizada Ail Ásia Airways. Nada foi esquecido. Perdemos, daquela vez, mas ganharemos desta. Ganharemos tudo, por Deus".

Casey observava os dois homens, fascinada. Notara Quillan Gornt desde o primeiro momento, reconhecendo-o das fotos do dossiê. Pressentira sua força e masculinidade mesmo do outro lado do aposento, e sentira-se estranhamente excitada por ele. Enquanto os observava, quase podia tocar a tensão que emanava dos dois homens... dois touros se desafiando. Andrew Gavallan contara-lhe imediatamente quem era Gornt. Ela não mencionara que o reconhecera, apenas perguntara a Gavallan e Linbar Struan por que haviam ficado tão chocados com a chegada de Gornt. E então, como agora estavam sozinhos, os quatro — Casey, Gavallan, De Ville e Linbar Struan — contaram-lhe sobre o "Feliz Natal" e "Um dia vou ser dono desta casa".

— O que foi que o tai-pan... o que foi que Ian fez? — perguntou.

Gavallan respondeu:

— Ele simplesmente olhou para Gornt. Sabíamos que, se tivesse um revólver, uma faca ou um porrete, ele os teria usado, dava para se sentir isso. E como não tinha arma alguma, sabíamos que, a qualquer momento, usaria as mãos ou os dentes... Ficou absolutamente imóvel e olhou para Gornt, e este recuou um passo, saindo do seu alcance... literalmente. Mas o sacana do Gornt tem cojones. Recuperou o controle e devolveu o olhar de Ian, por um momento. Depois, sem dizer palavra, virou-se muito devagar, com muito cuidado, sem desfitar Ian, e foi embora.

— O que esse filho da mãe está fazendo aqui hoje? — murmurou Linbar.

Gavallan disse:

— Tem que ser importante.

— Qual deles? — perguntou Linbar. — Qual é o importante?

Casey olhou para ele, e com o canto dos olhos viu Jacques de Ville sacudir a cabeça, em sinal de advertência, e imediatamente Linbar e Gavallan se retraíram. Mesmo assim, ela perguntou:

— O que Gornt está fazendo aqui?

— Não sei — respondeu Gavallan, e ela acreditou nele.

— Eles voltaram a se encontrar, desde aquele Natal?

— Oh, sim, muitas vezes, o tempo todo — disse Gavallan. — Socialmente, é claro. Além disso, pertencem às mesmas juntas diretoras, comitês, conselhos administrativos. — Contrafeito, acrescentou: — Mas... bem, estou certo de que estão apenas esperando.

Ela viu os olhos deles se voltarem para os dois inimigos, e os dela fizeram o mesmo. Seu coração batia fortemente. Viram Penelope se afastar para falar com Claudia Chen. Daí a um momento, Dunross olhou na direção deles. Ela sabia que ele estava fazendo alguma espécie de sinal para Gavallan. A seguir, seus olhos detiveram-se nela. Gornt acompanhou-lhe o olhar. Agora, os dois homens olhavam para ela. Sentiu o magnetismo deles intoxicando-a. Um demônio dentro dela guiou seus passos na direção deles. Sentia-se contente, agora, por ter-se vestido daquele jeito, mais provocantemente do que planejara, mas Linc lhe dissera que naquela noite devia parecer menos "executiva".

Enquanto caminhava, sentia o roçar da seda no corpo, e seus mamilos endureceram. Sentiu os olhos deles percorrendo o seu corpo, despindo-a, e desta vez, estranhamente, não se incomodou. Seu andar tornou-se imperceptivelmente mais felino.

— Alô, tai-pan — falou, com fingida inocência. — Queria que viesse fazer-lhes companhia?

— Sim — replicou ele, prontamente. — Creio que vocês dois se conhecem.

Ela sacudiu a cabeça e sorriu para os dois, sem perceber a armadilha.

— Não, não nos conhecemos. Mas é claro que sei quem é o Sr. Gornt. Andrew me contou.

— Ah, então deixe-me apresentá-los, formalmente. Sr. Quillan Gornt, tai-pan da Rothwell-Gornt. Srta. Tcholok, Ciranoush Tcholok, dos Estados Unidos.

Ela estendeu a mão, ciente do perigo de se meter entre os dois homens, metade da sua mente excitada pelo perigo, a outra metade gritando: "Meu Deus, o que estou fazendo aqui?"

— Ouvi falar muito a seu respeito, Sr. Gornt — disse, satisfeita porque sua voz estava controlada, satisfeita com o toque da mão dele... diferente da de Dunross, mais áspera, e não tão forte. — Creio que a rivalidade entre as suas firmas existe há gerações.

— Apenas três. Foi meu avô quem primeiro sentiu a misericórdia não tão suave dos Struans — disse Gornt, tranqüilamente. — Um dia desses gostaria de lhe contar a nossa versão das lendas.

— Acho que vocês dois deviam fumar o cachimbo da paz — falou. — Certamente a Ásia é ampla o bastante para os dois.

— O mundo inteiro não o é — replicou Dunross, afavelmente.

— Não — concordou Gornt, e se ela não tivesse ouvido a história real, teria imaginado, pelo tom de voz e pelo jeito deles, que eram apenas rivais cordiais.

— Nos Estados Unidos temos muitas companhias enormes... e elas convivem em paz. Em competição.

— Aqui não é a América — disse Gornt, calmamente. — Quanto tempo vai ficar aqui, srta. Tcholok?

— Depende de Linc... Linc Bartlett. Trabalho nas Indústrias Par-Con.

— É, eu sei. Ele não lhe contou que vamos jantar juntos na terça-feira?

Os sinais de alerta percorreram o corpo dela.

— Terça-feira?

— É. Combinamos hoje de manhã. Na nossa reunião. Ele não lhe contou?

— Não — disse, momentaneamente abalada. Os dois homens a fitavam atentamente, e ela teve vontade de poder sair de fininho e voltar dali a cinco minutos, depois de ter pensado direito no caso. "Caramba", pensou, e lutou para manter a serenidade, enquanto todas as implicações vinham à sua mente. — Não — repetiu —, Linc não me falou de nenhuma reunião. O que combinaram?

Gornt lançou um olhar para Dunross, que ainda escutava tudo com fisionomia inexpressiva.

— Apenas um jantar na terça-feira. O Sr. Bartlett e a senhorita... se estiver livre.

— Seria ótimo... obrigada.

— E onde está o seu Sr. Bartlett, agora? — perguntou ele.

— No... no jardim, acho. Dunross falou:

— A última vez que o vi estava no terraço. Adryon estava com ele. Por quê?

Gornt pegou uma cigarreira de ouro e ofereceu-a à moça.

— Não, obrigada. Não fumo.

— Incomoda-se se eu fumar? Ela fez que não com a cabeça.

Gornt acendeu um cigarro e olhou para Dunross.

— Só gostaria de cumprimentá-lo antes de ir embora — falou, amavelmente. — Espero que não se incomode por eu ter vindo apenas por alguns minutos... desculpe não poder ficar para o jantar. Tenho um compromisso urgente... você compreende.

— Claro. — Dunross acrescentou. — Lamento que não possa ficar.

Nenhum dos dois homens demonstrava coisa alguma, na fisionomia. Só nos olhos. Era neles que se via o ódio. A fúria. Sua profundidade chocou Casey.

— Peça a Ian Dunross para mostrar-lhe a Galeria Longa — dizia Gornt para ela. — Ouvi dizer que há nela excelentes retratos. Eu próprio nunca estive na Galeria Longa... apenas no salão de bilhar.

Ela sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha enquanto ele olhava para Dunross, que retribuía o olhar.

— A tal reunião de hoje de manhã — falou Casey, pensando agora com clareza, achando mais sensato falar logo tudo na frente de Dunross. — Quando foi marcada?

— Há umas três semanas — disse Gornt. — Pensei que fosse sua principal executiva. Estou surpreso de ele não a ter mencionado para a senhorita.

— Linc é o nosso tai-pan, Sr. Gornt. Trabalho para ele, que não é obrigado a me contar tudo — respondeu, agora mais calma. — Ele deveria ter-me contado, Sr. Gornt? Quero dizer, era importante?

— Poderia ser. É. Confirmei, oficialmente, que podemos cobrir qualquer oferta que a Struan faça. Qualquer oferta. — Gornt voltou a olhar para o tai-pan. A voz dele ficou uma fração mais dura. — Ian, queria dizer-lhe, pessoalmente, que estamos no mesmo mercado.

— Foi por esse motivo que veio?

— Um dos motivos.

— O outro?

— Prazer.

— Há quanto tempo conhece o Sr. Bartlett?

— Uns seis meses. Por quê?

Dunross deu de ombros, depois olhou para Casey, e ela não pôde lhe notar no rosto, na voz, nem nos modos nada além de simpatia.

— Não sabia nada das negociações com a Rothwell-Gornt? Sinceramente, sacudiu a cabeça, impressionada com o habilidoso planejamento a longo prazo de Bartlett.

— Não. Existem negociações em andamento, Sr. Gornt?

— Eu diria que sim. Gornt sorriu.

— Então veremos, não é mesmo? — falou Dunross. — Veremos quem fará a melhor proposta. Obrigado por contar-me pessoalmente, embora não houvesse necessidade. Eu sabia, naturalmente, que você estaria interessado. Não há necessidade de repisar o assunto.

— Na verdade, há um bom motivo para isso — retrucou Gornt, vivamente. — Nem o Sr. Bartlett nem esta moça podem se dar conta de como a Par-Con é vital para você. Senti-me obrigado a vir pessoalmente para apontar a eles esse fato. E a você. E, naturalmente, para dar os meus parabéns.

— "Vital" por quê, Sr. Gornt? — indagou Casey, agora interessada.

— Sem a transação com a Par-Con e o fluxo de caixa que ela vai gerar, a Struan vai soçobrar. Poderia soçobrar facilmente dentro de alguns meses.

Dunross soltou uma risada, e aqueles poucos que escutavam disfarçadamente estremeceram e elevaram o nível de sua conversa um decibel, estupefatos com a idéia do fracasso da Struan, e pensando ao mesmo tempo: "Que transação? Par-Con? Devemos vender ou comprar? Ações da Struan ou da Rothwell-Gornt?"

— Não há a menor chance disso — falou Dunross. — Mas nem por sombra!

— Acho que há uma chance muito boa. — O tom de voz de Gornt mudou. — De qualquer modo, como você diz, veremos.

— É, veremos... nesse meio tempo... — Dunross se interrompeu ao ver Claudia se aproximando, constrangida.

— Desculpe, tai-pan — falou —, seu telefonema pessoal para Londres está na linha.

— Oh, obrigado. — Dunross virou-se e fez sinal para Penelope, que se aproximou imediatamente. — Penelope, quer entreter Quillan e a srta. Tcholok por um momento? Tenho que atender a um telefonema. Quillan não vai ficar para jantar, tem um compromisso urgente.

Acenou alegremente e deixou-os. Casey notou a graça animal do seu andar.

— Não vai ficar para o jantar? — dizia Penelope, com um alívio evidente que procurava disfarçar.

— Não. Lamento ter-lhe dado trabalho... chegando tão abruptamente, depois de ter recusado seu gentil convite. Infelizmente, não posso ficar.

— Ah! Então... queiram me dar licença um momento. Volto já.

— Não precisa se preocupar conosco — disse Gornt, gentilmente. — Podemos cuidar de nós mesmos. Mais uma vez, desculpe ter sido um transtorno... está com uma aparência maravilhosa, Penelope. Nunca muda.

Ela agradeceu, e ele esperou que ela se fosse. Agradecida, Penelope dirigiu-se para junto de Claudia Chen, que esperava a curta distância.

— Você é um homem curioso — falou Casey. — Num momento, guerra; no seguinte, um grande charme.

— Temos regras, nós, ingleses, na paz e na guerra. Só porque se odeia alguém, não é motivo para xingá-lo, cuspir-lhe na cara ou ser grosseiro com a sua mulher. — Gornt sorriu para ela. — Vamos procurar o seu Sr. Bartlett? Depois, preciso mesmo sair.

— Por que agiu assim? Com o tai-pan? O desafio para a batalha... aquela "vital" que mencionou. Foi um desafio formal, não? Em público.

— A vida é um jogo — disse ele. — Toda a vida é um jogo, e nós, ingleses, obedecemos a regras diferentes das de vocês, americanos. É. E a vida é para ser curtida. Ciranoush... que lindo nome o seu. Posso chamá-la assim?

— Pode — replicou ela, depois de uma pausa. — Mas, por que o desafio, agora?

— A hora era agora. Não exagerei sobre a importância de vocês para a Struan. Vamos sair em busca do seu Sr. Bartlett?

"É a terceira vez que ele diz seu Sr. Bartlett", pensou ela. "Será para sondar, ou para irritar?"

— Claro, por que não? — Virou-se na direção dos jardins, consciente dos olhares, francos ou discretos, dos outros convivas, sentindo o perigo de modo agradável. — Sempre faz entradas dramáticas como a de hoje?

Gornt achou graça.

— Não. Perdoe se fui abrupto, Ciranoush... se a perturbei.

— Está se referindo ao seu encontro particular com Linc? Não me perturbou. Foi muito astuto da parte de Linc se acercar da oposição sem que eu soubesse. Isso me deu uma liberdade de ação que, de outro modo, eu não teria tido hoje de manhã.

— Ah, então não está irritada porque ele não confiou em você, nesse caso?

— Não tem nada a ver com confiança. Eu, com freqüência, oculto informações de Linc, até a hora adequada, para protegê-lo. É óbvio que ele estava fazendo o mesmo por mim. Linc e eu nos entendemos. Pelo menos, acho que o entendo.

— Então, diga-me como concluir uma transação.

— Primeiro, preciso saber o que você quer. Além da cabeça de Dunross.

— Não quero a cabeça dele, a sua morte, nada disso... só uma breve transferência da sua Casa Nobre. Tão logo a Struan seja destruída, nós nos tornaremos a Casa Nobre. — O rosto dele ficou duro. — Então, todos os fantasmas poderão descansar.

— Fale-me deles.

— A hora não é apropriada, Ciranoush, não mesmo. Ouvidos hostis em demasia. É algo só para os seus ouvidos.

Estavam agora no jardim, tocado por uma brisa suave, encimado por um lindo céu estrelado. Linc Bartlett não estava nesse terraço, portanto desceram os largos degraus de pedra em direção ao terraço inferior, passando por entre outros convivas, dirigindo-se para as trilhas que cortavam o relvado. Então, foram interceptados.

— Alô, Quillan, que surpresa agradável.

— Alô, Paul. Srta. Tcholok, deixe-me apresentá-la a Paul Havergill, atualmente diretor do Victoria Bank.

— Temo que seja uma posição temporária, srta. Tcholok, e somente porque nosso gerente-geral está licenciado por motivo de saúde. Vou me aposentar daqui a alguns meses.

— O que muito lamentamos — falou Gornt. Depois, apresentou Casey ao resto do grupo: Lady Joanna Temple-Smith, uma mulher alta, de rosto esticado, na casa dos cinqüenta, e Richard Kwang e a mulher, Mai-ling. — Richard Kwang é o presidente da junta diretora do Ho-Pak, um dos nossos melhores bancos chineses.

— No ramo bancário, somos todos competidores cordiais, srta.... senhorita, com exceção, naturalmente, do Blacs — disse Havergill.

— Como? — indagou Casey.

— Blacs? Ah, é o apelido do Banco de Londres, Cantão e Xangai. Podem ser maiores do que nós, cerca de um mês mais antigos, mas somos o melhor banco daqui, srta....

— O Blacs é o meu banco — disse Gornt para Casey. — Servem-me muito bem. São banqueiros de primeira classe.

— Segunda classe, Quillan. Gornt voltou-se para Casey.

— Temos um ditado aqui que diz que o Blacs é constituído de cavalheiros tentando ser banqueiros, e o Victoria, de banqueiros tentando ser cavalheiros.

Casey riu. Os outros sorriram educadamente.

— São todos apenas competidores amistosos, Sr. Kwang? — perguntou.

— Oh, sim. Não ousaríamos nos opor ao Blacs ou ao Victoria — disse Richard Kwang, afavelmente. Era baixo, atarracado, de meia-idade, com cabelos pretos salpicados de fios grisalhos, e um sorriso fácil, falando um inglês perfeito. — Ouvi dizer que a Par-Con vai investir em Hong Kong, srta. Tchelek.

— Estamos apenas estudando o assunto, Sr. Kwang. Não há nada decidido, ainda.

Ignorou a pronúncia errada do seu nome. Gornt baixou o tom de voz.

— Cá entre nós, já disse formalmente ao Sr. Bartlett e à srta. Tcholok que cobrirei qualquer oferta que a Struan possa fazer. O Blacs me dá apoio de cem por cento. E tenho amigos banqueiros em outros lugares. Estou torcendo para que a Par-Con considere todas as possibilidades antes de assumir qualquer compromisso.

— Imagino que isso seria muito sensato — falou Havergill. — Naturalmente, a Struan está correndo por dentro.

— O Blacs e a maioria de Hong Kong não concordariam com você — disse Gornt.

— Espero que não chegue a haver um choque, Quillan — disse Havergill. — A Struan é nosso principal cliente.

Richard Kwang falou.

— De qualquer forma, srta. Tchelek, seria muito bom ter uma grande companhia como a Par-Con aqui. Bom para vocês, bom para nós. Esperamos que seja encontrado um acordo que agrade à Par-Con. Se o Sr. Bartlett precisar de qualquer assistência...

O banqueiro ofereceu o seu cartão comercial. Ela o pegou, abriu a sua bolsa de seda e ofereceu o seu com igual presteza, tendo vindo preparada para a troca de cartões imediata que é de bom-tom e obrigatória na Ásia. O banqueiro chinês olhou para o cartão, depois seus olhos se estreitaram.

— Desculpe ainda não tê-lo traduzido para caracteres chineses — disse ela. — Nossos banqueiros nos Estados Unidos são o First Central New York Bank e o Califórnia Merchant Bank and Trust Company. — Casey citou-os orgulhosamente, certa de que o ativo combinado desses gigantes bancários superava seis bilhões. — Terei pr... — Interrompeu-se, espantada com a súbita frieza que a cercava. — Algo errado?

— Sim e não — disse Gornt, após um momento. — É só que o First Central New York Bank não é nada popular por aqui.

— Por quê?

Havergill explicou, desdenhosamente:

— Mostraram-se desprezíveis, srta.... senhorita. O First Central New York fez alguns negócios aqui antes da guerra, depois se expandiu, em meados dos anos 40, enquanto nós, do Victoria e de outras instituições britânicas, ainda estávamos nos erguendo do chão. Em 49, quando o presidente Mao jogou Chang Kai-chek para fora do continente, para Formosa, as tropas de Mao estavam em massa na nossa fronteira, a poucos quilômetros para o norte, nos Novos Territórios. A invasão e destruição da colônia pelas hordas estavam por um fio. Um bocado de gente se apavorou e arrepiou carreira. Nenhum de nós, é claro. Mas todos os chineses que puderam saíram. Sem nenhum aviso, o First Central New York rescindiu todos os seus empréstimos, pagou a seus depositantes, cerrou suas portas e fugiu... tudo no espaço de uma semana.

— Eu não sabia — disse Casey, consternada.

— Foram um bando de covardes sujos, minha cara, se me desculpa a expressão — falou Lady Joanna, com desprezo evidente. — Claro que foi o único banco que se mandou... que fugiu. Mas, afinal, eram... bem, o que se podia esperar, minha cara?

— Provavelmente que se comportassem melhor, Lady Joanna — disse Casey, furiosa com o vice-presidente encarregado da sua conta, por não os ter advertido. — Talvez haja atenuantes, Sr. Havergill. Os empréstimos eram substanciais?

— Infelizmente sim, e muito, naquela época. É. Aquele banco arruinou muita gente e muitas empresas importadoras. Causou muita dor e desprestígio. Apesar disso — continuou, com um sorriso —, todos nos beneficiamos com a partida dele. Há uns dois anos, tiveram a desfaçatez de pedir ao secretário de Finanças uma nova licença para operar!

Richard Kwang acrescentou, jovialmente:

— Essa é uma licença que jamais será renovada! Sabe, srta. Tchelek, todos os bancos estrangeiros operam com uma licença renovável anualmente. Podemos passar muito bem sem eles, ou outro banco americano qualquer, diga-se de passagem. São tão... bem, verá que o Victoria, o Blacs ou o Ho-Pak, quem sabe os três, srta. K. C, atenderão perfeitamente a todas as necessidades da Par-Con. Se a senhorita e o Sr. Bartlett quiserem ter uma conversinha...

— Terei prazer em conversar com o senhor, Sr. Kwang. Digamos, amanhã? Inicialmente, sou eu que trato da maioria das nossas necessidades bancárias. Quem sabe pela manhã?

— Mas claro. Verá que somos competitivos — falou Richard Kwang, sem vacilar. — Às dez?

— Ótimo. Estamos no Victoria, em Kowloon. Se dez horas não lhe convier, basta me avisar — falou. — Gostei de conhecê-lo pessoalmente, também, Sr. Havergill. Suponho que nosso compromisso para amanhã ainda esteja de pé.

— Naturalmente. Às quatro, não é? Espero ansioso a oportunidade de conversar com calma com o Sr. Bartlett... e com você também, é claro, minha cara.

Era um homem alto e esbelto, e ela notou que seus olhos haviam estado fitos no decote dela. Pôs de lado a antipatia imediata que sentiu. "Posso precisar dele", pensou, "e do seu banco."

— Obrigada — falou, com a dose exata de deferência, e passou a agradar Lady Joanna. — Mas que lindo vestido, Lady Joanna — falou, detestando-o, e ao fio de pequenas pérolas que rodeava o pescoço esquálido da mulher.

— Oh, obrigada, querida. O seu também é de Paris?

— Indiretamente. É um Balmain, mas foi comprado em Nova York. — Sorriu para a mulher de Richard Kwang, uma senhora cantonense baixa, sólida e bem-conservada, com o penteado rebuscado, pele muito pálida e olhos apertados. Usava um imenso pingente de jade imperial e um anel de brilhantes de sete quilates. — Pra2er em conhecê-la, sra. Kwang — disse, atônita com a fortuna que aquelas jóias representavam. — Estávamos procurando Linc Bartlett. Vocês o viram?

— Faz algum tempo que não o vemos — adiantou Haver-gill. — Acho que foi para a ala leste. Acredito que há um bar por lá. Estava com Adryon... filha de Dunross.

— Adryon virou uma mocinha tão linda! — falou Lady Joanna. — Fazem um casal muito bonito. Um homem encantador, o Sr. Bartlett. Não é casado, é, querida?

— Não — disse Casey, de modo igualmente agradável, acrescentando Lady Joanna Temple-Smith à sua lista particular de pessoas detestáveis. — Linc não é casado.

— Vai ser encaçapado muito em breve, escute o que eu digo. Acredito que Adryon está verdadeiramente fascinada. Quem sabe gostaria de vir tomar chá comigo na quinta-feira, minha cara? Gostaria muito que conhecesse algumas das moças. Quinta é o dia do nosso Clube das Maiores de Trinta.

— Obrigada — Casey falou. — Não me enquadro na categoria, mas adoraria ir assim mesmo.

— Ah, desculpe, querida! Imaginei que... mandarei um carro ir buscá-la. Quillan, vai ficar para o jantar?

— Não posso. Tenho um compromisso urgente.

— Que pena.

Lady Joanna sorriu, deixando à mostra os dentes estragados.

— Se nos derem licença... preciso achar Bartlett, depois vou embora. Até sábado.

Gornt segurou Casey pelo braço, e foi se afastando. Eles ficaram olhando enquanto os dois se distanciavam.

— Ela é bem atraente, de uma maneira vulgar, não é? — comentou Lady Joanna. — Chuluk. É da Europa central, não é?

— Possivelmente. Podia ser do centro-leste, Joanna, turca, ou coisa assim, possivelmente dos Bálcãs... — Havergill se deteve. — Ah, estou entendendo. Não, não acho. Ela certamente não tem cara de judia.

— Hoje em dia nunca se pode saber ao certo, não é? Podia ter feito plástica no nariz... hoje em dia fazem-se maravilhas, não é?

— Nunca me ocorreu prestar atenção. Hum! Acha mesmo?

Richard Kwang passou o cartão de Casey para a mulher, que o leu instantaneamente, e entendeu, instantaneamente.

— Paul, o cartão dela diz: "tesoureira e vice-presidente-executiva da companhia holding"... muito impressionante, não? A Par-Con é uma grande companhia.

— Ora, meu caro, mas eles são americanos. Fazem coisas extraordinárias por lá. Claro que é só um título... nada mais.

— Dando cartaz para a amante? — indagou Joanna.


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