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16h

Nas baias, os jóqueis agarravam-se às crinas dos cavalos, todos nervosos, todos os que estavam "por dentro" prontos para atropelar Noble Star. Então, as portas se escancararam, e num instante louco os oito corredores galopavam, agrupados numa parte curta da reta, depois passando pelo poste de chegada, depois virando a primeira curva. Os jóqueis estavam todos bem levantados nos estribos, o corpo dobrado para a frente, lado a lado, quase se tocando, alguns se tocando de verdade, os cavalos adquirindo o seu ritmo, arremessando-se pela primeira parte da curva que os levaria um quarto do percurso até a reta distante. Pilot Fish já estava meio corpo à frente, junto à cerca, Butterscotch Lass numa bela posição, ainda não dando tudo, Winning Billy ao seu lado, um pouco atrás de Noble Star, que corria por fora, atropelando os outros para uma melhor colocação, todos os jóqueis sabendo que estavam sendo focalizados pelos binóculos, portanto qualquer interferência ou uso do freio deviam ser feitos com habilidade e cautela. Todos tinham sido advertidos de que havia milhões em jogo, e um erro custaria a cada um deles o seu futuro.

Fizeram a curva, pesadamente, a lama respingando nos que vinham atrás, a pista muito ruim. Ao saírem da curva e entrarem na reta, ainda juntos, empurrando-se para obter melhor posição, aumentaram as passadas, o cheiro de suor e a velocidade deixando excitados tanto os cavalos quanto os cavaleiros, Winning Billy disparou e encostou em Butterscotch Lass, agora meio corpo atrás de Pilot Fish, correndo bem. Os demais mantinham-se agrupados, todos esperando para disparar. Butterscotch Lass sentiu as esporas e deu um salto à frente, e passou Pilot Fish, depois caiu de novo para trás, voltou a passá-lo, Pilot Fish ainda cuidadosamente grudado à cerca.

Travkin guiava bem a potranca, no fim do grupo, ainda correndo por fora. Depois esporeou-a e ela aumentou a velocidade, aproximando-se dos líderes, juntando-se aos outros, quase atropelando Lochinvar. A chuva aumentou. Batia nos olhos dele, que já sentia doerem-lhe os joelhos e as pernas retesadas. Não havia um corpo entre eles, enquanto galopavam para fora da reta e entravam na curva. Estavam todos agrupados para tirar vantagem da curva, quando um chicote surgiu do nada e fustigou os pulsos de Travkin. O inesperado e a dor fizeram com que soltasse as mãos por um instante, e quase perdeu o equilíbrio. Uma fração de segundo mais tarde, já tinha tudo sob controle de novo. De onde viera a chicotada, ele não sabia, nem queria saber, pois estavam bem no meio da curva, a pista pavorosa. Abruptamente, o azarão pardo Kingplay, junto à cerca, logo atrás de Pilot Fish, escorregou e tropeçou. O jóquei sentiu a terra girar e caiu, batendo na cerca, carregando com ele dois cavalos. O hipódromo inteiro se pôs de pé.

— Porra, quem foi que caiu?

— É... é Noble Star...

— Não, não é... Winning Billy...

— Não, ele está em terceiro...

— Vamos, puta que o pariu...

No tumulto da sala dos administradores, Dunross, cujo binóculo estava absolutamente firme, foi dizendo:

— Foi o Kingplay que caiu... Kingplay, Street Vendor e Golden Lady... Golden Lady já se pôs de pé, mas, meu Deus, o jóquei dela está ferido... Kingplay não consegue se levantar... está ferido...

— Qual a ordem, qual a ordem?

— Butterscotch Lass por um focinho, depois Pilot Fish junto à cerca, Winning Billy, Noble Star, nada a escolher entre eles. Agora vão entrar na última curva. Lass está uma cabeça à frente, os outros tentando atropelá-la... — Dunross observava os cavalos, o coração quase parando, dominado pela emoção. — Vamos, Aleksei...

Acrescentou seu grito aos dos outros, Casey igualmente excitada, Bartlett observando, sem se envolver, o pensamento longe.

Gornt, na tribuna do Blacs, mantinha o binóculo tão firme quanto o do tai-pan, seu entusiasmo igualmente controlado.

— Vamos — murmurou, observando Bluey White chi-cotear Pilot Fish na curva, Noble Star bem colocada por fora, Winning Billy ao lado de Lass, que estava uma cabeça à frente, o ângulo da curva dificultando a visão.

Travkin sentiu novamente a chicotada nas mãos, mas ignorou-a e adiantou-se mais um pouquinho na curva, os cinco cavalos restantes separados por centímetros, Butterscotch Lass tentando grudar-se à cerca.

Bluey White, que montava Pilot Fish, sabia que logo chegaria a hora de dar a sua disparada. Dez metros, cinco, quatro, três, dois, agora! Saíram da curva, e ele chicoteou Pilot Fish. O garanhão arremessou-se para diante, a centímetros da cerca, todo estirado, agora, enquanto Butterscotch Lass era esporeada e chicoteada um instante mais tarde, pois todos os jóqueis sabiam que era agora ou nunca.

Travkin, todo esticado sobre o pescoço de Noble Star, debruçou-se para a frente e soltou um grito de cossaco perto do ouvido de Noble Star, e a potranca atendeu ao grito primitivo aumentando as passadas, as narinas frementes, a boca espumando. Agora, os cinco concorrentes pisavam firme na reta final, Noble Star por fora, Winning Billy ultrapassando Lass por centímetros, todas as cernelhas suadas e espumantes, primeiro Lass, depois Pilot Fish na frente, e então o capão rajado Lochinvar resolveu se propor a ganhar, e tirou a liderança de Pilot Fish, assumindo a posição dianteira, todos os chicotes e esporas funcionando e apenas a linha de chegada à frente.

Faltavam cem metros.

Nas tribunas, balcões e reservados, todos gritavam a uma voz. Até mesmo o governador esmurrava a grade do balcão:

— Vamos, vamos, Butterscotch Lassss!

Perto do poste de chegada, Chu Nove Quilates estava quase esmagado contra a cerca pelo povo que se comprimia para diante.

Noventa metros, oitenta... a lama se espalhando, todos os concorrentes estirados, todos envoltos na excitação e no alarido cada vez maior.

— A Lass está ganhando...

— Não, olhe para o Pilot Fish...

— Pombas, é o Lochinvarrr...

— Winning Billy...

— Vamos, vamos, vamos...

Travkin viu o poste de chegada se aproximando. Outro relâmpago cortou os céus. Com o canto do olho, viu Lochinvar uma cabeça à frente, depois Lass, depois Winning Billy, então Pilot Fish assumiu a liderança, e em seguida Winning Billy, com Lochinvar atropelando-o.

Então, Bluey White viu a abertura que lhe haviam prometido, e deu a chicotada final no garanhão. Como uma flecha, arremessou-se para a abertura, emparelhou com Butterscotch Lass, depois, ultrapassou-a. Estava uma cabeça à frente. Viu o jóquei da Lass, que não estava "por dentro", chicotear a égua, atiçando-a a prosseguir, aos berros. Travkin berrava, exultante, e Noble Star deu de si o derradeiro esforço. Os cinco cavalos

percorreram os metros finais cabeça a cabeça, agora Pilot Fish na frente, agora Winning Billy, Noble Star se aproximando, lima cabeça apenas atrás, apenas um focinho, apenas uma narina, a multidão como um único lunático alucinado, todos os corredores agrupados, Noble Star por fora, Winning Billy ganhando centímetros, Lass se aproximando, Pilot Fish agora, agora vencendo por um focinho.

Quarenta... trinta... vinte... quinze...

Noble Star estava na frente por uma narina, depois Pilot Fish, depois Lass, depois Noble Star... Winning Billy... e agora tinham cruzado a linha de chegada, nenhum deles certo de quem vencera... apenas Travkin certo de que perdera. Abruptamente, puxou o freio brutalmente, uns cinco centímetros, e firmou-o com mão de ferro, para a esquerda, o movimento imperceptível, mas o bastante para desnorteá-la, e ela passarinhou. Com um relincho estridente, caiu na lama e jogou o seu cavaleiro contra a cerca. Butterscotch Lass quase caiu, mas agüentou, os outros três a salvo. Travkin sentiu-se voando, depois houve um rasgar de peito impossível, uma escuridão atordoante.

A multidão soltou uma exclamação abafada, a corrida momentaneamente esquecida. Outro relâmpago ofuscante. O pandemônio instalou-se, a chuva aumentou, misturando-se à trovoada.

— Pilot Fish por um focinho...

— Porra, foi Noble Star por um fio de cabelo...

— Está errado, meu velho, foi Pilot Fish...

— Dew neh loh moh...

— Meu Deus, que corrida...

— Pombas, olhe Iá, a bandeira de objeção dos administradores...

— Onde? Oh, meu Deus, quem sujou a barra?

— Não vi nada, e você?

— Não. É difícil, com esta chuva, mesmo com binóculo...

— Porra, e agora? Aqueles malditos administradores, se tirarem a vitória do meu ganhador, juro que...

Dunross correra para o elevador no momento em que vira Noble Star cair e derrubar Travkin. Não vira a causa. Travkin fora espero demais.

Outros lotavam os corredores, excitadíssimos, à espera do elevador, todos falando, ninguém escutando.

— Ganhamos por uma narina...

— Puta que o pariu, qual é a objeção? Noble Star...

— Qual é a objeção, tai-pan?

— Cabe aos administradores anunciarem.

Em meio à zoeira, Dunross apertou de novo o botão do elevador.

Gornt aproximou-se rapidamente, enquanto as portas se abriam, todos lotando o elevador, Dunross com vontade de berrar de raiva por causa da lentidão.

— Foi Pilot Fish por um focinho, Ian — gritou Gornt, acima da zoeira, o rosto afogueado.

— Que páreo! — berrou uma voz. — Alguém sabe qual é a objeção?

— Você sabe, Ian? — perguntou Gornt.

— Sei — retrucou.

— É contra o meu Pilot Fish?

— Conhece o procedimento. Primeiro os administradores investigam, depois fazem o comunicado.

Notou os olhos castanhos inexpressivos de Gornt, e soube que seu inimigo estava cego de ódio por não ser administrador. "E jamais será, seu filho da mãe!", pensou Dunross, cheio de raiva. "Darei bola preta para você até eu morrer."

— É contra o Pilot Fish, tai-pan? — perguntou alguém.

— Santo Deus — replicou. — Conhecem o procedimento. O elevador parava em todos os andares. Mais proprietários e amigos se acotovelavam para entrar. Mais gritos de "Que grande páreo! Mas que diabo, qual a objeção?" Finalmente chegaram ao térreo. Dunross saiu correndo para a pista, onde um grupo de ma-foo e funcionários cercavam Travkin, que jazia ali, largado, inerte. Noble Star se pusera de pé, incólume, e agora estava na outra extremidade, galopando sem cavaleiro na pista, os cavalariços espalhados e esperando para interceptá-la. Mais acima, na última curva, o veterinário estava ajoelhado junto do capão ruão em agonia, Kingplay, a pata traseira quebrada, com o osso espetado para fora. O som do tiro não penetrou os urros e contra-urros dos assistentes impacientes, seus olhos fitos no painel, esperando pelo julgamento dos administradores.

Dunross ajoelhou-se ao lado de Travkin, um dos ma-foo segurando um guarda-chuva sobre o homem inconsciente.

— Como vai ele, doutor?

— Não entrou na cerca por milagre. Não está morto, pelo menos ainda não, tai-pan — disse o dr. Meng, o patologista da polícia, nervoso, acostumado a cadáveres, não a pacientes vivos. — Não posso dizer direito, só quando ele voltar a si. Externamente, não parece haver hemorragia. O pescoço... e as costas dele parecem estar bem... ainda não posso dizer...

Dois enfermeiros da ambulância do St. John's apareceram trazendo uma maca.

— Para onde elevemos levá-lo, senhor? Dunross olhou ao seu redor.

— Sammy — disse a um dos seus cavalariços —, vá buscar o dr. Tooley. Ele deve estar na nossa tribuna. — Para os enfermeiros, falou: — Mantenham o sr. Travkin na ambulância até que o dr. Tooley chegue aqui. E quanto aos outros três jóqueis?

— Dois deles só levaram um susto, senhor. Outro, o capitão Pettikin, quebrou a perna, mas já a entalou.

Os homens colocaram Travkin muito cuidadosamente na maca. McBride reuniu-se a eles, depois Gornt, e os outros.

— Como vai ele, Ian?

— Não sabemos. Ainda. Parece estar bem. — Suavemente, Dunross ergueu uma das mãos de Travkin, examinando-a. Pensara ter visto um golpe na curva da outra extremidade, e Travkin hesitar. Um vergão vermelho e pesado desfigurava as costas da mão direita dele. E da outra. — O que poderia ter causado isso, dr. Meng?

— Ah! — Mais Confiantemente, o homenzinho falou: — Quem sabe as rédeas. Quem sabe um chicote, pode ter sido uma chicotada... quem sabe na queda.

Gornt ficou calado, só olhou, furioso intimamente por Bluey White ter sido tão inepto, quando tudo fora acertado anteriormente direitinho, com uma palavrinha aqui, uma promessa ali. Metade do maldito hipódromo devia tê-lo visto, pensou.

Dunross examinou o rosto sem cor de Travkin. Nenhuma outra marca, salvo as pisaduras inevitáveis. Um pouco de sangue escorria do nariz dele.

— Já está coagulando. É um bom sinal — disse o dr. Meng.

O governador aproximou-se, às pressas.

— Como vai ele?

Dunross repetiu o que o médico dissera.

— Mas que azar danado, Noble Star passarinhar daquele jeito.

— É.

— Qual a objeção dos administradores, Ian?

— íamos discuti-la agora, senhor. Quer se reunir a nós?

— Ah, não, obrigado. Vou apenas esperar e ser paciente. Queria me certificar de que o Travkin estava bem. — O governador sentia a chuva escorrer pelas suas costas. Ergueu os olhos para o céu. — Diabo de tempo ruim... e parece que vai durar. Vão continuar o programa?

— Vou recomendar que seja cancelado, ou adiado.

— Boa idéia.

— É — disse McBride. — Concordo. Não podemos nos dar ao luxo de ter outro acidente.

— Quando tiver um momentinho, Ian — disse Sir Geoffrey —, estarei na minha tribuna.

A atenção de Dunross concentrou-se nele.

— Falou com o ministro, senhor? — perguntou, tentando parecer natural.

— Falei — replicou Sir Geoffrey, igualmente natural. — É, ele ligou para mim na linha particular.

Abruptamente, o tai-pan tomou consciência de Gornt e dos outros.

— Eu o acompanharei, senhor. — Para McBride, disse: — Logo irei ter com você.

Depois, virou-se, e os dois foram andando para o elevador. Quando estavam sozinhos, Sir Geoffrey murmurou:

— Não é bem o lugar para uma conversa particular, não é?

— Poderíamos examinar a pista, senhor. — Dunross foi mostrando o caminho para a grade, rezando. — A grama está terrível, não é? — falou, apontando.

— Se está! — Sir Geoffrey também dava as costas aos olhares. — O ministro ficou muito perturbado. Deixou a decisão sobre o Brian nas minhas mãos, desde que o sr. Sinders e o sr. Crosse concordem com a libertação, desde...

— Mas concordarão com o senhor? — disse Dunross, inquieto, relembrando a conversa que tivera com eles na véspera.

— Posso apenas aconselhá-los. Eu os aconselharei que é necessário, desde que você, pessoalmente, me assegure que é.

— Claro — disse Dunross, devagar. — Mas, sem dúvida, Havergill, Southerby ou os outros banqueiros teriam maior influência.

— Em assuntos bancários, sim, Ian. Mas acho que também vou precisar da sua garantia e cooperação pessoais.

— Como, senhor?

— Esse assunto terá que ser tratado com muita delicadeza, por você, não por eles. Além disso, há o problema das pastas. Das pastas de Alan.

— O que é que têm as pastas, senhor?

— Cabe a você responder. O sr. Sinders me contou da conversa que teve com você ontem à noite. — Sir Geoffrey acendeu o cachimbo, as mãos abafando a chama, protegendo-a da chuva. Depois do telefonema do tai-pan para ele, naquela manhã, mandara imediatamente buscar Sinders e Crosse para discutir a questão da troca, antes de falar com o ministro. Sinders reiterara a sua preocupação de que as pastas pudessem ter sido adulteradas. Falou que poderia concordar em libertar Kwok, se tivesse certeza a respeito das pastas. Crosse sugerira trocar Kwok por Fong-fong e os outros. Agora, Sir Geoffrey olhava interrogativamente para Dunross. — E então, Ian?

— Tiptop deve vir, ou devia vir, hoje à tarde. Devo presumir que posso dizer sim à proposta dele?

— Sim, desde que primeiro obtenha a concordância do sr. Sinders. E do sr. Crosse.

— Não me pode dar essa autorização, senhor?

— Não. O ministro foi bem claro. Se quiser perguntar-lhes agora, estão na tribuna dos sócios.

— Estão a par do resultado do seu telefonema?

— Estão. Lamento, mas o ministro deixou bem claro. — Sir Geoffrey falava gentilmente. — Parece que a reputação de justiça e honestidade do tai-pan atual da Casa Nobre é conhecida até naqueles locais santifiçados. Tanto o ministro quanto eu confiamos nela. — Uma explosão de vivas distraiu-lhe a atenção. Noble Star rompera o cordão dos ma-foo que tentavam recapturá-la e passara galopando por eles, dispersando funcionários e cavalariços. — Talvez seja melhor tratar primeiro da objeção à corrida. Estarei no meu reservado. Venha tomar chá ou um coquetel comigo, se tiver vontade.

Dunross agradeceu-lhe, e depois dirigiu-se às pressas para a sala dos administradores, os pensamentos tumultuados.

— Ah, Ian — chamou ansioso Shitee T'Chung, o presidente da diretoria, quando ele entrou, com todos os administradores agora presentes. — Temos realmente que decidir muito depressa.

— Vai ser difícil, sem o testemunho de Travkin — disse Dunross. — Quantos de vocês viram Bluey White fustigá-lo?

Apenas McBride levantou a mão.

— Somos apenas dois em doze. — Dunross viu que Crosse o fitava. — Tenho certeza. E havia um vergão cortando as duas mãos dele. O dr. Meng disse que podia ter sido feito por um chicote, ou pelas rédeas, na queda. Pug, qual a sua opinião?

Pugmire rompeu um silêncio constrangedor.

— Eu, pessoalmente, não vi nada malicioso. Estava vigiando feito doido, porque apostara em Noble Star, mil na ponta. Se houve ou não a vergastada, não me pareceu ter feito muita diferença. Não a vi tropeçar, nem qualquer dos outros cavalos, a não ser Kingplay. Noble Star estava no páreo até a linha de chegada, e todos estavam com os chicotes nas mãos.

Jogou uma das fotos da linha de chegada.

Dunross pegou-a. A foto reproduzia o que ele vira: Pilot

Fish por um focinho de Noble Star, por uma narina de Butter-scotch Lass, por um focinho de Winning Billy.

— Todos estão com os chicotes na mão — continuou Pugmire —, e era mesmo o que tinham que fazer, na curva. Poderia ter sido facilmente acidental... se é que houve a chicotada.

— Shitee?

— Tenho que confessar, meu velho, que estava de olho no meu Street Vendor e xingando Kingplay. Pensei que sua potranca tivesse derrotado Pilot Fish. Nós... bem... consultamos os outros treinadores e não existe... bem... uma queixa formal. Concordo com o Pug.

— Roger?

— Não vi nada fora do comum.

— Jason?

Para sua surpresa, Plumm sacudiu a cabeça e discordou, e Dunross perguntou-se novamente o que haveria de verdade na acusação espantosa de Alan a Plumm e à Sevrin.

— Todos sabemos que Bluey White é ladino — dizia Plumm. — Já tivemos que adverti-lo anteriormente. Se o tai-pan e Donald dizem que viram o golpe, voto pela exclusão dele e a desqualificação de Pilot Fish.

Dunross contou os votos dos demais administradores, os indecisos.

— Vamos mandar entrar os jóqueis, White por último. Todos os jóqueis murmuraram variações do mesmo tema: estavam ocupados demais com a própria montaria para notar qualquer coisa.

Então os administradores olharam para Dunross, esperando. Ele devolvia o olhar, consciente de que, se dissesse "Voto para que unanimemente excluamos Bluey White por interferência e desqualifiquemos Pilot Fish. Todos a favor digam sim!", eles votariam como ele queria.

"Eu o vi dar o golpe", disse consigo mesmo, "Donald também, e os outros, e aquilo abalou o Aleksei pela fração de segundo necessária. Mesmo assim, com toda a honestidade, não acho que foi isso o que custou a corrida a Noble Star. Fui eu que perdi a corrida. Aleksei foi a escolha errada para este páreo. Ele devia ter empurrado Pilot Fish para cima da cerca na segunda curva, quando teve a chance, ou chicoteado Bluey White no rosto, não nas mãos. Era o que eu teria feito, ah, sem hesitar. É ainda há outras considerações."

— Não tenho a menor dúvida de que houve interferência — falou. — Mas, quer acidental ou propositadamente, duvido que até mesmo o Aleksei saiba dizer. Concordo em que Noble Star não perdeu por causa disso, portanto sugiro que simplesmente advirtamos o Bluey e mantenhamos o resultado.

— Excelente. — Shitee TChung soltou a respiração e abriu um sorriso, e todos eles se descontraíram, já que nenhum deles, muito menos Pugmire, desejava um confronto com o tai-pan. — Alguém se opõe? Ótimo! Vamos liberar para a imprensa a foto da linha de chegada e fazer o comunicado pelos alto-falantes. Quer fazer isso, tai-pan?

— Claro. Mas, e quanto ao resto do programa? Olhem só para a chuva. — Caía torrencialmente. — Ouçam, tenho uma idéia.

Ele a expôs, ouvindo uma explosão de entusiasmo, e a risada de todos.

— Muito bom, é, muito bom!

— Formidável! — exclamou Dunstan Barre.

— Isso dará aos sacanas algo em que pensar! — falou Pugmire.

— Grande idéia, tai-pan! — disse McBride, sorrindo amplamente. — Ah, excelente!

— Vou até o centro de controle... Por que não mandam chamar o Bluey e lhe passam um pito, dão-lhe um susto?

— Uma palavrinha, Ian? — pediu Pugmire.

— Podemos deixar para mais tarde?

— Claro. Roger, posso lhe dar uma palavrinha?

— Claro. Estarei na tribuna dos sócios, com o Sinders.

— Ah, não estará no seu reservado?

— Não. Emprestei-o ao comissário, para uma festa particular.

— Ian?

— Sim, Jason?

— Acha que a subida da montanha será realizada amanhã?

— Se esta chuva continuar, não. Toda aquela área vai ficar um lodaçal. Por quê?

— Por nada. Eu estava planejando dar um coquetel domingo à noitinha para comemorar o seu golpe da Superfoods!

Shitee T'Chung casquinou.

— Mas que bela idéia! Parabéns, Ian! Viu a cara do Biltzmann?

— Ian, você estaria livre? Não vou convidar o Biltzmann — acrescentou Plumm, em meio a muitas risadas. — Será no nosso apartamento da companhia, no Sinclair Towers.

— Desculpe, mas vou para Taipé no começo da tarde. Sinto muito, pelo menos é o meu plano. O...

— Não estará aqui na segunda? — interrompeu Pugmire, subitamente preocupado. — E quanto aos nossos papéis, e a tudo o mais?

— Não há problema, Pug, fechamos às nove e meia. — E, virando-se para Plumm: — Jason, se eu cancelar ou adiar Taipé, aceitarei.

— Ótimo. Das dezenove e trinta às vinte e uma e trinta, traje informal.

Dunross se afastou, franzindo ainda mais a testa, surpreso por Plumm estar tão amistoso. De um modo geral, ele era a oposição em todas as juntas diretoras de que participavam, ficando ao lado de Gornt e Havergill contra ele, especialmente na junta diretora do Victoria.

Do lado de fora da sala dos administradores circulavam grupos de repórteres, proprietários, treinadores e espectadores ansiosos. Dunross ignorou a barragem de perguntas enquanto se dirigia para a sala dos administradores, que ficava no último andar.

— Alô, senhor — cumprimentou o locutor, todos tensos na pequena cabine de vidro que tinha a melhor vista da pista.

— Uma corrida maravilhosa, pena que... Tem a decisão? É o Bluey, não é? Todos vimos o chicote...

— Posso usar o microfone?

— Ah, sim, claro.

O homem se afastou apressadamente, e Dunross sentou-se no lugar dele. Ligou o botão.

— Aqui fala Ian Dunross, os administradores me pediram para fazer dois comunicados...

O silêncio foi enorme enquanto as palavras dele ecoavam e reecoavam no hipódromo. As cinqüenta mil pessoas prenderam a respiração, indiferentes à chuva, nas tribunas baixas e em todos os níveis mais altos.

— Primeiro, o resultado do quinto páreo. — Silêncio mortal, exceto pelo barulho da chuva. Dunross inspirou fundo.

— Pilot Fish por um focinho de Noble Star, e Noble Star por um fio de cabelo de Butterscotch Lass... — A última palavra foi abafada pelos vivas e vaias, pela felicidade e desgosto, e todo mundo no estádio berrava, discutia, dava vivas, xingava. Lá no paddock Gornt estava atônito, tendo se convencido de que o seu jóquei, visto como ele próprio vira, fora apanhado e eliminado, e o resultado seria posto de lado. Em meio ao pandemônio os números vencedores apareceram no painel: 1, 7, 8.

Dunross esperou um momento, depois repetiu animadamente os resultados em cantonense, com a multidão mais dócil, acalmadas as ansiedades reprimidas, pois a decisão dos administradores era definitiva:

— Segundo, os administradores e organizadores decidiram, devido ao tempo e às más condições, cancelar o resto do programa... — Um gemido enorme percorreu a multidão. — na verdade adiá-lo até o sábado que vem, para outro programa especial. — Um alarido de entusiasmo ecoou. — Faremos um programa de oito páreos, e o quinto será igual ao de hoje, com os mesmos concorrentes, Pilot Fish, Butterscotch Lass, Winning Billy, Street Vendor, Golden Lady, Lochinvar e Noble Star. Uma prova especial de desafio, com apostas duplas, trinta mil a mais...

Vivas e mais vivas, aplausos, gritos e alguém na cabina exclamou:

— Puxa, tai-pan, que grande idéia! Noble Star vai vencer aquele filho da mãe negro!

— Ah, não vai mesmo! Butterscotch...

— Grande idéia, tai-pan. Dunross falou ao microfone:

— Os administradores agradecem o seu contínuo apoio.

— Repetiu a frase em cantonense, acrescentando: — Haverá um outro comunicado especial daqui a alguns minutos. Obrigado! — nos dois idiomas.

Outro viva ruidoso, e aqueles que estavam na chuva correram para buscar abrigo ou para os guichês dos vencedores, todos tagarelando, gemendo, amaldiçoando ou abençoando os deuses, entupindo as saídas, longas filas de homens, mulheres e crianças dirigindo-se para casa, cheios de uma nova e maravilhosa felicidade. Apenas os que possuíam os números vencedores da loteria dupla, 8 e 5 no segundo, 1 e 7 no quinto, continuavam paralisados, fitando o painel, esperando para ver quanto pagaria a loteria.

— Mais um comunicado, tai-pan? — perguntou ansiosamente o locutor.

— Sim — replicou Dunross. — Lá pelas cinco horas. Havergill lhe dissera que o negócio com Richard Kwang fora concluído, e pedira-lhe para ir à tribuna do Victoria o mais breve possível. Ele chegou à porta da saída e desceu os degraus de três em três, para o andar inferior, muito satisfeito consigo mesmo. "Ter dado a vitória do páreo a Pilot Fish deve ter abalado Gornt", pensou. "Gornt sabia, como eu, que foi a maior marmelada, e que Aleksei iria perder, não importa o que fizesse... foi o motivo principal pelo qual eu não montei. Se eles tivessem tentado fazer aquilo comigo, eu teria matado alguém. Mas no sábado que vem... ah, sábado que vem eu vou montar, e Bluey White não vai ousar, nem os demais treinadores; no sábado que vem, o jogo vai ser limpo, e eles estarão avisados. " O entusiasmo dele aumentou um pouco mais. Então, no corredor lotado, viu Murtagh à sua espera.

— Escute, tai-pan, posso falar...

— Claro — disse Dunross, conduzindo-o pela cozinha até a sua sala particular.

— Que grande páreo! Ganhei uma bolada — disse o rapaz, animadíssimo —, e que boa notícia sobre o sábado!

— Ótimo. — Foi então que Dunross notou o suor na testa do homem. "Ah, Deus", pensou. — Fecharemos negócio, sr. Murtagh?

— Por favor, chame-me de Dave, os chefões disseram que... bem... talvez... Marcaram uma reunião de diretoria para amanhã, nove da manhã, hora deles. Aqui serão...

— Dez da noite de hoje. É. Excelente, sr. Murtagh, então ligue para mim neste número. — Dunross anotou-o. — Por favor, não o perca, nem o dê para mais ninguém.

— Ah, naturalmente, tai-pan, ligarei para o senhor tão logo... até que horas posso ligar?

— No momento em que desligar o telefone, depois de falar com eles. Continue a ligar até me encontrar. — Dunross se pôs de pé. — Desculpe, mas há um bocado de coisas a serem feitas.

— Ah, sim, claro! — Murtagh acrescentou, constrangido: — Escute, tai-pan, acabei de saber do seu sinal de dois milhões na proposta da General Stores. Dois milhões da nossa parte até nove e meia de segunda vai ser um pouco difícil.

— Foi o que imaginei... para o seu grupo. Felizmente, sr. Murtagh, nunca contei com essa quantia modesta vinda de vocês. Sei que o First Central tende a ser como os moinhos de Deus... moem devagarinho... a não ser que desejem retirar-se da arena — acrescentou, lembrando-se de muitos amigos seus que haviam sido prejudicados com a retirada repentina do apoio deles, há anos. — Não se preocupe, a minha nova fonte externa de crédito é mais...

— Como? — exclamou Murtagh, empalidecendo.

— Minha nova fonte externa de finanças reage prontamente a quaisquer oportunidades comerciais repentinas, sr. Murtagh. Essa levou apenas oito minutos. Parecem ter mais confiança que seus diretores.

— Pombas, tai-pan, por favor, chame-me de Dave, não é questão de confiança, mas... bem... não sabem direito o que é a Ásia. Tive que convencê-los de que a compra de controle da General Stores vai dobrar o seu bruto em três anos.

— Em um — interrompeu Dunross firmemente, divertindo-se, — Lamento que seu grupo não vá compartilhar nossos imensos lucros advindos daquele pequeno setor dos nossos grandes planos de expansão. Tome um pouco de chá na nossa tribuna. Desculpe, mas tenho que dar um telefonema.

Pegou Murtagh firmemente pelo cotovelo e levou-o porta afora, fechando-a às suas costas.

Na cozinha, Murtagh olhava para a porta fechada, atordoado pela barulheira alegre dos pratos e das obscenidades proferidas em cantonense pelos vinte cozinheiros e ajudantes.

— Puxa — murmurou, quase em pânico —, oito minutos? Porra, será que os malditos suíços estão tentando nos roubar o cliente?

Afastou-se, com passos incertos.

Dentro da sala, Dunross estava no seu telefone particular, escutando o aparelho soar.

— Weyyyyy?

— O sr. Tip, por favor — disse com cuidado, em cantonense. — Aqui fala o sr. Dunross.

Ouviu o telefone ser largado ruidosamente e a amah gritar estridentemente:

— Telefone! Para o senhor, Pai.

— Quem é?

— Um demônio estrangeiro. Dunross sorriu.

— Alô?

— Ian Dunross, sr. Tip. Estava preocupado que sua doença tivesse piorado.

— Ah, ah, é, desculpe por tão ter podido ir. É, eu, eu tive uns problemas muito urgentes, compreende? É. Muito urgentes. Ah, a propósito, que azar o que houve com Noble Star. Acabo de ouvir no rádio que Pilot Fish ganhou por um focinho, após uma objeção. Qual foi a objeção?

Pacientemente Dunross explicou, e respondeu à pergunta sobre a sua proposta de compra de controle da General Stores, radiante porque as notícias já tinham chegado até ele. Se haviam chegado ao Tiptop, então chegariam a todos os jornais. "Ótimo", pensou, esperando para poder entrar no seu assunto, mas Tiptop passou-lhe a perna.

— Bem, obrigado pelo telefonema, tai-pan. Prontamente, Dunross falou:

— Foi um prazer. Ah, a propósito, confidencialmente, parece-me possível que a polícia tenha descoberto que um dos seus subalternos cometeu um erro.

— Sei. Imagino que o erro será corrigido imediatamente.

— Imagino que muito em breve, se a pessoa em questão pedir demissão e aproveitar a permissão para viajar para o exterior.

— E quando seria o muito em breve, tai-pan? Dunross escolhia as palavras com cuidado, deliberadamente vago, embora formal, agora.

— Existem certas formalidades, mas é possível que possam ser cumpridas rapidamente. Infelizmente, é preciso consultar os vips em outros lugares. Tenho certeza de que me compreende.

— Certamente. Mas o poderoso dragão não é páreo para a serpente nativa, heya? Ao que me consta, um dos seus "su-per-vips" já está aqui em Hong Kong. Um tal sr. Sinders.

Dunross ficou surpreso com a extensão dos conhecimentos de Tiptop.

— Já conto com algumas aprovações — falou, inquieto.

— Pensei que muito poucas aprovações fossem necessárias. O verdadeiro ouro não teme o fogo.

— É. Existe algum lugar para onde possa ligar-lhe hoje à noite... para contar-lhe os progressos?

— O senhor me encontrará neste número. Por favor, ligue para mim às vinte e uma horas. — A voz de Tiptop ficou ainda mais seca. — Parece possível que sua última sugestão sobre os bancos seja atendida. Claro que qualquer banco precisaria da documentação adequada para conseguir imediatamente meio bilhão de dólares de Hong Kong em espécie, mas, ao que me consta, o carimbo do Victoria, o carimbo do governador e o seu seriam as únicas coisas necessárias para garantir o empréstimo por trinta dias. Essa... quantia secundária estará disponível por um tempo limitado, quando se cumprirem os procedimentos corretos. Até Iá esse assunto é confidencial, estritamente confidencial.

— Naturalmente.

— Obrigado pelo telefonema.

Dunross desligou o telefone e enxugou as palmas das mãos. "Por um tempo limitado" estava marcado no seu cérebro. Ele sabia, e sabia que Tiptop sabia que ele compreendia, que os dois "procedimentos" estavam absolutamente interligados, mas não necessariamente. "Santo Deus, eu amo a Ásia", pensou, satisfeito, enquanto se retirava.

Os corredores estavam cheios, muita gente já lotando os elevadores para ir para casa. Deu uma espiada na sua tribuna, e chamou a atenção de Gavallan.

— Andrew, desça até a tribuna dos sócios e fale com Roger Crosse... está Iá com um sujeito chamado Sinders.

Pergunte-lhes se têm um momento para vir até aqui falar comigo! Depressa!

Gavallan se foi. Dunross cruzou apressado o corredor, passando pelos guichês de apostas.

— Tai-pan! — chamou Casey. — Lamento quanto a Noble Star! Você...

— Volto daqui a um minuto, Casey. Desculpe, não posso parar! — foi gritando Dunross, enquanto corria. Notou que Gornt estava no guichê dos vencedores, mas aquilo não lhe tirou a felicidade. "As primeiras coisas em primeiro lugar", pensou. — Como quer os dez mil? A nossa aposta?

— Em espécie estará ótimo, obrigado — disse Gornt.

— Eu mando mais tarde.

— Na segunda-feira estará bem.

— Logo mais. Na segunda-feira vou estar ocupado. Dunross afastou-se com um cumprimento polido de cabeça. No reservado lotado do Victoria, a confusão era a mesma que nos outros lugares. Bebidas, risadas, entusiasmo, alguns palavrões para Pilot Fish, mas já estavam sendo feitas apostas para a corrida do sábado seguinte. Quando Dunross entrou, houve mais vivas, condolências, e outra saraivada de perguntas. Ele se desviou delas com naturalidade, uma delas de Martin Haply, que estava ao lado da porta, com Adryon.

— Ah, papai, que azar danado da Noble Star! Perdi a camisa e toda a minha mesada!

— Mocinhas não deviam apostar — riu Dunross. — Alô, Haply!

— Posso lhe perguntar sobre...

— Mais tarde. Adryon querida, não esqueça os coquetéis. Você é a anfitriã.

— Oh, sim, estaremos Iá. Papai, pode me adiantar a mesada do...

— Sem dúvida — disse Dunross, para espanto dela. Deu-lhe um abraço e foi abrindo caminho até Havergill, próximo de Richard Kwang.

— Alô, Ian! — disse Havergill. — Foi azar, mas estava evidente que Pilot Fish levou vantagem.

— É, foi, sim. Alô, Richard! — Dunross deu-lhe uma cópia da foto batida na hora da chegada. — Um azar danado pra nós dois.

Outras pessoas se aproximaram para ver.

— Santo Deus, por um fio de cabelo...

— Pensei que Noble Star...

Aproveitando-se da distração, Dunross aproximou-se mais de Havergill.

— Já está tudo assinado?

— Já. Vinte cents por dólar. Concordou e assinou os documentos provisórios. Os documentos formais até o fim da semana. Claro que o sacana ainda tentou choramingar, mas está tudo assinado.

— Maravilhoso. Fez um excelente negócio. Havergill concordou.

— É, eu sei.

Richard Kwang voltou-se.

— Ah, tai-pan! — Baixou a voz e murmurou: — O Paul lhe falou da fusão?

— Naturalmente. Posso lhe dar os parabéns?

— Parabéns? — ecoou Southerby, aproximando-se deles.

— Um azar desgraçado, na minha opinião! Apostei uma bolada em Butterscotch Lass.

A sala ficou ainda mais animada quando o governador entrou. Havergill foi recebê-lo, seguido por Dunross.

— Ah, Paul, Ian! Um azar danado, mas numa excelente decisão! As duas. — O rosto dele endureceu Simpaticamente.

— Sábado que vem será sem dúvida o tira-teima.

— Sim, senhor.

— Paul, queria fazer um comunicado formal?

— Sim, senhor. — Havergill ergueu a voz. — A sua atenção, por favor... — Ninguém ligou até que Dunross pegou uma colher e bateu com ela no bule de chá. Aos poucos, fez-se silêncio. — Sua Excelência, senhoras e senhores, tenho a honra de anunciar, em nome dos diretores do Victoria Bank, que acaba de ser concluída uma fusão imediata com o grande Ho-Pak Bank... — Martin Haply deixou cair o copo — e que o Victoria garante totalmente cem por cento de todos os clientes do Ho-Pak...

O resto foi abafado por um grande viva. Os convidados das tribunas próximas debruçaram-se nos balcões para ver o que estava acontecendo. A notícia foi gritada de um lado para outro, enquanto outras pessoas entravam, vindas dos corredores, e logo houve mais vivas.

Havergill foi assediado por perguntas e levantou a mão, encantado com o efeito do seu comunicado. No silêncio que se seguiu, Sir Geoffrey disse, rapidamente:

— Devo dizer, em nome do governo de Sua Majestade, que esta é uma notícia maravilhosa, Paul, boa para Hong Kong, boa para o banco, boa para você, Richard, e para o Ho-Pak!

— Ah, sim, Sir Geoffrey — falou Richard Kwang, jovialmente, em voz alta, certo de que agora tinha dado um gigantesco passo em direção a seu sonho de ser sagrado cavaleiro. — Decidi, claro que junto com nossos diretores, decidi que seria bom para o Victoria ter uma participação maior na comunidade chinesa e...

Havergill apressou-se a interrompê-lo.

— Richard, talvez seja melhor eu terminar o comunicado formal e deixar os detalhes para a nossa entrevista coletiva. — Lançou um olhar para Martin Haply. — Marcamos uma entrevista coletiva formal para segunda-feira ao meio-dia, mas todos os detalhes da... fusão já foram acertados. Não é, Richard?

Richard Kwang começou a fazer outra variação, mas mudou depressa de idéia, vendo o olhar de Havergill e de Dunross.

— É, claro, claro. — Mas não pôde resistir e acrescentou:

— Estou encantado de ser sócio do Victoria.

Haply se manifestou rapidamente:

— Com licença, sr. Havergill, posso lhe fazer uma pergunta?

— Claro — respondeu amavelmente, com plena consciência do que lhe seria perguntado. "Esse filho da mãe do Haply tem que sumir daqui", pensou, "de um jeito ou de outro."

— Posso lhe perguntar, sr. Havergill, como o senhor se propõe a pagar todos os clientes do Ho-Pak e os seus, os do Blacs e de todos os outros bancos, quando existe uma corrida a todos eles, e não há dinheiro suficiente em caixa?

— Boatos, boatos, sr. Haply — replicou Havergill, com ar despreocupado, e acrescentou, em meio a risadas: — Lembre-se: uma nuvem de mosquitos pode criar um barulho como o de um trovão! A economia de Hong Kong nunca esteve tão forte. Quanto à tão falada corrida ao Ho-Pak, acabou. O Victoria garante os clientes do Ho-Pak, garante a compra de controle da Struan-General Stores, e garante que continuará funcionando pelos próximos cento e vinte anos.

— Mas, sr. Havergill, não quer respon...

— Não se preocupe, sr. Haply. Deixemos os detalhes da... da proteção benevolente que proporcionamos ao Ho-Pak para serem discutidos na entrevista coletiva de segunda-feira.

— Prontamente, virou-se para o governador. — Se me dá licença, senhor, vou tornar a decisão pública.

Ouviram-se mais vivas quando ele começou a abrir caminho entre o povo, na direção da porta.

Alguém começou a cantar "Ele é um bom companheiro..." Todos se juntaram ao canto. O barulho tornou-se ensurdecedor. Dunross disse para Richard Kwang em cantonense, citando uma antiga expressão:

— Quando for o bastante, pare. Heya?

— Ah, é. É, sim, tai-pan. Sem dúvida. — O banqueiro deu um sorriso amarelo, entendendo a ameaça, lembrando a si mesmo a sua boa sorte, que Vênus Poon certamente se humilharia, agora que ele era um importante diretor da junta administrativa do Victoria. Abriu mais o sorriso. — Tem razão, tai-pan. "Dentro das portas vermelhas há muito desperdício de carne e vinho!" A minha perícia trará grandes benefícios ao nosso banco, heya?

Afastou-se, com ar importante.

— Meu Deus, mas que dia! — murmurou Johnjohn.

— É, sim, maravilhoso! Johnjohn, meu velho — falou McBride —, deve sentir muito orgulho do Paul.

— Mas claro!

Johnjohn olhava enquanto Havergill se afastava.

— Está se sentindo bem?

— Estou, sim, só que trabalhei até tarde.

Johnjohn passara a maior parte da noite acordado, calculando como poderiam efetuar com segurança a compra de controle, com segurança para o banco e para os depositantes do Ho-Pak. Arquitetara o plano, e de manhã passara horas exaustivas tentando convencer Havergill de que era a hora de inovar. — Podemos fazê-lo, Paul, e criar um tal renascimento de confiança...

— E abrir um precedente perigosíssimo! Não acho que sua idéia seja tão importante quanto imagina!

Havergill reconsiderara somente quando enxergara o enorme e imediato aumento de confiança decorrente do comunicado dramático de Dunross. "Não faz mal", pensou Johnjohn, cansado, "saímos todos lucrando. O banco, Hong Kong, o Ho-Pak. Sem dúvida seremos melhores para os investidores, os acionistas, os patrocinadores deles, muito melhores do que o Richard! Quando eu for o tai-pan, usarei o Ho-Pak como modelo para futuras operações de resgate. Com a nossa nova diretoria, o Ho-Pak será uma propriedade maravilhosa. Como qualquer um de uma dúzia de empreendimentos. Até como a Struan!"

Seu cansaço desapareceu. Seu sorriso ficou mais amplo. "Oh, chegue depressa, segunda-feira... quando o mercado abrir!"

Na tribuna da Struan, Peter Marlowe debruçava-se, melancólico, na amurada, observando a multidão Iá embaixo. A chuva cascateava da saliência que protegia as tribunas. Os três balcões em cantiléver dos sócios não-votantes não eram assim tão protegidos. Cavalos molhados eram conduzidos rampas abaixo por cavalariços molhados, que se juntavam aos milhares de espectadores, também molhados, que se afastavam.

— O que há, Peter? — perguntou Casey.

— Nada.

— Nenhum problema com a Fleur, espero?

— Não.

— Foi o Grey? Vi vocês dois discutindo.

— Não, não foi o Grey, embora ele seja um pé no saco, um grosso e francamente contra tudo o que tenha valor. — Marlowe deu um sorriso curioso. — Estávamos apenas discutindo o tempo.

— Claro. Você estava com uma cara deprimídíssima, há pouco. Perdeu o quinto?

— Perdi, mas não foi isso. Até que saí lucrando bastante, no todo. — O homem alto hesitou, depois indicou os reservados, e tudo o mais à sua volta. — Eu só estava pensando que há cinqüenta e tantos mil chineses aqui, e outros três ou quatro milhões Iá fora, e cada um deles tem uma tradição imensa, segredos maravilhosos e histórias fantásticas para contar, sem falar nos vinte e tantos mil europeus, superiores e inferiores, piratas, flibusteiros, contadores, donos de lojas, funcionários do governo... por que também escolheram Hong Kong? E sei que não importa o quanto eu tente, não importa o quanto eu leia, pergunte ou escute, nunca realmente saberei muita coisa sobre os chineses de Hong Kong ou sobre Hong Kong. Nunca. Apenas arranharei a superfície.

— É a mesma coisa em todo lugar — ela riu.

— Ah, mas não é, não. Este é o pot-pourri da Ásia. Olhe só aquele sujeito, ali, no terceiro reservado, o chinês rotundo. É multimilionário. A mulher dele é cleptomaníaca. Por isso, aonde quer que ela vá, ele manda o seu pessoal segui-la secretamente, e cada vez que rouba alguma coisa, os homens dele pagam o objeto roubado. Todas as lojas conhecem-nos, e é tudo muito civilizado... em que outro lugar no mundo se faria isso? O pai dele era um cule, cujo pai era um ladrão de estradas, cujo pai era um mandarim, cujo pai era um camponês... Um dos homens que está perto dele é outro multimilionário, ópio e contrabando para a China, e a mulher dele... ah, mas isso já é outra história.

— Que história? Ele riu.

— Algumas das mulheres têm histórias tão fascinantes quanto os maridos, às vezes até mais. Uma das que você conheceu hoje é ninfomaníaca e...

— Ora, Peter, qual é! É como disse a Fleur, você está inventando tudo.

— Talvez. É, mas algumas das senhoras chinesas são tão... predatórias quanto quaisquer outras da terra, "na moita".

— Chauvinista! Tem certeza?

— Bem, os boatos são... — Riram juntos. — Na verdade, os chineses são muito mais espertos que nós. Contaram-me que, aqui, as poucas mulheres casadas chinesas que gostam de "prevaricar" geralmente preferem arranjar um amante europeu, por medida de segurança... os chineses adoram uma fofoca, adoram um escândalo, e seria raro encontrar um chinês que transasse e guardasse um segredo desses, ou protegesse a honra de uma dama. A mulher teria medo, e com razão. Ser apanhada seria muito ruim, mas muito ruim mesmo. A lei chinesa é muito severa. — Pegou um cigarro. — Vai ver que é isso o que torna a coisa mais excitante.

— Ter um amante?

Ele a observava, imaginando o que diria se ele lhe contasse o seu apelido... murmurado para ele alegremente por quatro amigos chineses diferentes.

— É, as mulheres aqui dão as suas voltinhas, algumas delas. Olhe ali, naquela tribuna... o sujeito que está discursando, de blazer. Ele usa um "chapéu verde"... é a expressão chinesa que significa que é chifrudo, que a mulher dele tem um amante. Na realidade, no caso dela foi um amigo dele, chinês.

— Chapéu verde?

— É. Os chineses são maravilhosos! Têm um senso de humor espetacular! O sujeito publicou um anúncio num dos jornais chineses há alguns meses, dizendo: "Sei que uso um chapéu verde, mas a mulher do homem que o colocou em mim teve dois dos filhos dele com outros homens!"

Casey fitou-o, abismada.

— Quer dizer que ele assinou o anúncio?

— Assinou. Era um trocadilho feito com um dos nomes dele, mas todas as pessoas importantes sabiam de quem se tratava.

— E era verdade?

Peter Marlowe deu de ombros.

— Não importa. O outro sujeito ficou desmoralizado, e a mulher dele comeu o pão que o diabo amassou.

— Mas isso não é justo, não é nada justo.

— No caso dela, era.

— O que foi que ela fez?

— Teve dois filhos com outro...

— Ora, corta essa, sr. Contador de Histórias!

— Ei, olhe, Iá está o dr. Tooley!

Ela vasculhou a pista com o olhar, e então o viu.

— Ele não está com uma cara nada feliz.

— Espero que Travkin esteja bem. Ouvi dizer que Tooley foi examiná-lo.

— Foi uma queda feia.

— É. Terrível.

Ambos haviam sido submetidos às perguntas severas de Tooley sobre a sua saúde, sabendo que o espectro do tifo, talvez da cólera, e certamente da hepatite, ainda pesava sobre eles.

— Joss! — disse Peter Marlowe, com firmeza.

— Joss! — ela fizera eco, tentando não se preocupar com Linc. "É pior para um homem", pensou, lembrando-se do que Tooley dissera: "A hepatite pode escangalhar o seu fígado... e a sua vida, para sempre, se você for homem".

Após um momento, ela falou:

— As pessoas aqui parecem ser muito mais excitantes, Peter. Será por causa da Ásia?

— Provavelmente. Os costumes aqui são tão diferentes! E aqui em Hong Kong temos a nata. Acho que a Ásia é o centro do mundo, e Hong Kong, o núcleo. — Peter Marlowe acenou para alguém em outro reservado, que acenou para Casey. — Lá está outro admirador seu.

— Lando? É um homem fascinante.

Casey passara algum tempo com ele entre os páreos.

— Precisa vir a Macau, srta. Tcholok. Talvez possamos jantar juntos amanhã. Às sete e meia seria conveniente? — perguntara Mata, com o seu maravilhoso encanto do Velho Mundo, e Casey compreendera direitinho o que ele queria dizer.

Durante o almoço, Dunross advertira-a quanto a ele.

— É um bom sujeito, Casey — dissera o tai-pan, delicadamente. — Mas, aqui, para uma quai loh estranha, especialmente tão linda quanto você, numa primeira viagem à Ásia, bem, às vezes é melhor se lembrar de que ter mais de dezoito anos nem sempre é o bastante.

— Saquei, tai-pan — dissera ela, com uma risada. Mas, à tarde, ela se deixara magnetizar por Mata, na segurança da tribuna do tai-pan. Sozinha, suas defesas estariam levantadas, como sabia que estariam na noite seguinte.

— Depende, Lando — dissera —, gostaria muito de jantar com você. Vai depender da hora em que eu voltar do passeio de barco... não sei se o tempo vai permitir.

— Com quem vai? Com o tai-pan?

— Só com uns amigos.

— Ah. Bem, se não for no domingo, minha cara, quem sabe na segunda-feira? Há várias oportunidades comerciais para você, aqui ou em Macau, para você e o sr. Bartlett, se quiserem, e para a Par-Con. Posso ligar para você amanhã às sete, para saber se está livre?

"Posso cuidar dele, de um jeito ou de outro", pensou ela, tranqüilizando-se, "embora tenha de ficar de olho no vinho, e quem sabe até no garçom, para evitar que me dêem alguma droga excitante."

— Peter, os homens aqui, os que estão a fim de uma mulher... dar-lhe-iam alguma droga excitante?

— Está se referindo ao Mata? — perguntou ele, estreitando os olhos.

— Não, falo de um modo geral.

— Duvido que um chinês ou um eurasiano agisse assim com uma quai loh, se é isso o que está perguntando. — Franziu a testa. — Diria, contudo, que é melhor você bancar a circunspecta, com eles e com os europeus. Claro, para falar sem rodeios, você estaria no topo da lista deles. Tem o que é preciso para deixar a maioria deles numa tonteira orgiástica.

— Obrigadíssima! — Debruçou-se no balcão, curtindo o elogio. "Queria que o Linc estivesse aqui. Seja paciente." — Quem é aquele? — perguntou. — O velho olhando obscena-mente para a mocinha? Lá no primeiro balcão. Olhe, pôs a mão no traseiro dela!

— Ah, aquele é um dos nossos piratas locais... Wu Quatro Dedos. A moça é Vênus Poon, uma estrela local de tv. O rapaz que está conversando com eles é o sobrinho dele. Dizem que, na verdade, é filho dele. Tem um diploma de administração de Harvard, um passaporte americano, e é vivíssimo. O velho Quatro Dedos é outro multimilionário, dizem que contrabandista, ouro e qualquer outra coisa, com uma mulher oficial e três concubinas de idades diferentes. E agora está atrás de Vênus Poon. Ela era amante de Richard Kwang. Era. Mas, quem sabe, agora, com a compra de controle do Victoria, ela largue Quatro Dedos e volte para ele. Quatro Dedos mora num junco nojento em Aberdeen, e armazena a sua imensa fortuna. Ah, olhe ali! O homem e a mulher enrugados com quem o tai-pan está conversando.

Ela acompanhou o olhar dele para a segunda tribuna depois da deles.

— Aquela é a tribuna de Shitee TChung — falou. — Shitee é descendente direto de May-may e Dirk, através do filho deles, Duncan. O tai-pan já lhe mostrou os retratos de Dirk?

— Já. — Um pequeno arrepio a percorreu ao se lembrar da faca da Bruxa enfiada no quadro que representava o pai, Tyler Brock. Pensou em contar a ele, mas resolveu não fazê-lo. — Há uma grande semelhança — falou.

— Sem dúvida! Quem me dera eu pudesse ver a Galeria Longa! Bem, aquele casal de velhos com quem ele está conversando mora num cortiço, um prédio sem elevador, num sexto andar, num apartamento de dois cômodos, Iá em Glessing's Point. São donos de um imenso lote de ações da Struan. Todos os anos, antes de cada assembléia anual da diretoria, o tai-pan, seja ele quem for, tem que ir de chapéu na mão pedir permissão para votar as ações deles. A permissão é sempre dada, isso faz parte do acordo original, mas, mesmo assim, ele tem que ir pessoalmente.

— Por que motivo?

— Para prestigiá-los. E por causa da Bruxa. — Uma sombra de sorriso. — Ela era uma mulher fantástica, Casey. Ah, como gostaria de tê-la conhecido! Durante a Revolta dos Boxers, em 1889-1900, quando a China estava em outra das suas conflagrações, a Casa Nobre teve todos os seus bens em Pequim, Tien-tsin, Foochow e Cantão destruídos pelos terroristas boxers, que eram mais ou menos patrocinados e certamente encorajados por Tseu-Hi, a velha imperatriz viúva. Eles se chamavam de "Os Punhos Harmoniosos e Virtuosos", e seu grito de batalha era "Protejam a dinastina Tsing e matem todos os demônios estrangeiros!" Falemos a verdade, as potências européias e o Japão tinham realmente dividido muito a China. De qualquer modo, os boxers atacavam todas as empresas estrangeiras, as colônias, as áreas desprotegidas, e as dizimavam. A Casa Nobre estava enrascadíssima. Naquela época, o tai-pan nominal era novamente o velho Sir Lochlin Struan, último filho de Robb Struan, nascido com um braço defeituoso. Foi tai-pan logo depois de Culum. A Bruxa indicou-o quando ele tinha dezoito anos, logo depois da morte de Culum. Depois, indicou-o de novo, após Dirk Dunross, e o manteve preso à barra de sua saia até que ele morreu, em 1915, com setenta e dois anos.

— Onde arranja todas essas informações, Peter?

— Invento-as — disse ele, imponentemente. — De qualquer maneira, a Bruxa precisava de um bocado de dinheiro, e depressa. O avô de Gornt comprara um bocado de ações da Struan, e tinha "baixado o pau". Não havia uma fonte normal de finanças, lugar algum onde ela pudesse pedir um empréstimo, pois toda a Ásia, todas as hongs estavam igualmente em dificuldades. Mas o pai daquele sujeito, o pai daquele com quem o tai-pan está conversando, era o Rei dos Mendigos em Hong Kong. Mendigar antigamente costumava ser um grande negócio, aqui. De qualquer maneira, esse homem veio procurá-la, segundo contam:

"— Vim comprar uma quinta parte da Casa Nobre — dissera o homem, com grande dignidade —, está à venda? Ofereço duzentos mil taéis de prata.

"Era a quantia exata de que ela necessitava para salvar a pele. Para manter as aparências, eles barganharam, e ele acabou aceitando um décimo, dez por cento — um acordo incrivelmente justo —, ambos sabendo que ele poderia obter trinta ou quarenta por cento pela mesma quantia, pois a essa altura a Bruxa estava desesperada. Ele não exigiu outro contrato além do carimbo dela, e sua promessa de que, uma vez por ano, ela, ou o tai-pan, viria até ele ou seus descendentes, onde quer que eles vivessem, para pedir permissão para votar as ações.

"— Contanto que o tai-pan peça, o direito de voto será concedido.

"— Mas, por quê, Honorável Rei dos Mendigos? Por que me salvar dos meus inimigos? — perguntara ela.

"— Porque seu avô, o velho Demônio dos Olhos Verdes, certa vez salvou o prestígio do meu avô e ajudou-o a se tornar o primeiro Rei dos Mendigos de Hong Kong."

— Acredita nisso, Peter? — perguntou Casey, com um suspiro.

— Claro que sim. — Olhou para o Happy Valley. — Houve época em que tudo isso era um pântano cheio de malária. Dirk também saneou isso. — Soltou uma baforada do seu cigarro. — Algum dia escreverei sobre Hong Kong.

— Se continuar a fumar, jamais escreverá coisa alguma.

— Deu o seu recado. Está bem, vou parar. Agora. Por hoje. Porque você é bonita. — Apagou o cigarro. Outro sorriso, diferente. — Eeee, eu podia contar algumas histórias sobre um bocado das pessoas que você conheceu hoje. Não vou contar, não é justo, não é direito. Nunca posso contar as histórias reais, embora saiba muitas!

Ela riu junto com ele, deixando os olhos vagarem do estranho casal idoso até as outras tribunas. Involuntariamente, soltou uma exclamação abafada. Sentada no balcão dos sócios, ao abrigo da chuva, viu Orlanda. Linc estava com ela. Muito juntinho. Os dois estavam muito felizes juntos. Notava-se até daquela distância.

— O que... — começou Peter Marlowe. Depois os viu também. — Ah, não se preocupe.

Depois de uma pausa, ela desviou os olhos.

— Peter, aquele favor. Posso lhe pedir agora aquele favor?

— O que quer como favor?

— Quero saber a respeito de Orlanda.

— Para destruí-la?

— Para proteção. Proteção para o Linc contra ela.

— Pode ser que ele não queira ser protegido, Casey.

— Juro que jamais usarei nada contra ela, a não ser que sinta que é realmente necessário.

O homem alto suspirou.

— Desculpe — falou, com grande compaixão —, mas nada que eu possa lhe dizer sobre ela daria a você ou ao Linc alguma proteção. Nada que pudesse destruí-la ou desmoralizá-la. Mesmo que pudesse, não o faria, Casey. Não seria correto, não é?

— Não, mas mesmo assim estou lhe pedindo. — Ela o fitou, forçando a barra. — Você me prometeu um favor. Eu estava Iá quando você precisava de uma mão. Preciso de uma mão agora. Por favor.

Ele a fitou durante longo tempo.

— O que sabe sobre ela?

Contou-lhe o que soubera; sobre Gornt sustentar Orlanda, Macau, a criança.

— Então você sabe tudo o que sei, exceto, talvez, que deva sentir pena dela.

— Por quê?

— Porque é eurasiana, sozinha. Gornt é seu único apoio, o que é a coisa mas precária do mundo. Ela está vivendo equilibrada num fio de navalha. É jovem, bela, e merece um futuro. Aqui, não há nenhum para ela.

— Exceto Linc?

— Exceto Linc, ou alguém como ele. — Os olhos de Peter Marlowe estavam cor de ardósia. — Talvez isso não fosse tão ruim, do ponto de vista dele.

— Porque ela é asiática, e eu não sou? Novamente o sorriso curioso.

— Porque ela é mulher, e você também, mas você detém todas as cartas, e a única coisa verdadeira que tem que decidir é se realmente deseja a guerra.

— Seja sincero comigo, Peter, por favor. Estou perguntando. Qual o seu conselho? Estou com medo... pronto, já admiti para você. Por favor?

— Está bem, mas este não é o favor que estou lhe devendo. Correm boatos de que você e Linc não são amantes, embora seja óbvio que você o ame. Os boatos dizem que vocês estão juntos há seis ou sete anos, em grande proximidade, mas sem... contato formal. Ele é um sujeito fantástico, você é uma moça fantástica, e vocês formariam um excelente casal. A palavra-chave é "casal", Casey. Pode ser que você queira dinheiro e poder, e a Par-Con, mais do que quer a ele. O problema é seu. Não creio que possa ter ambos.

— Por que não?

— Parece-me que ou você escolhe a Par-Con e o poder e as riquezas, e nada de Bartlett, exceto como amigo... ou se torna a sra. Linc Bartlett e se comporta e ama e age como o tipo de mulher que, sem dúvida alguma, Orlanda seria. De um modo ou de outro, teria que ser cem por cento... você e o Linc são fortes demais, e provavelmente já se testaram mutuamente inúmeras vezes para se enganarem. Ele já se divorciou uma vez, portanto está com um pé atrás. Você já passou da idade de uma cegueira de Julieta, portanto está igualmente com um pé atrás.

— Você também é psiquiatra?

— Não — riu-se ele —, nem padre confessor, embora goste de saber das pessoas e goste de escutar, mas não de fazer sermão, e jamais de dar conselhos... é a coisa mais ingrata do mundo.

— Então, não há como conciliar?

— Acho que não, mas não sou você. Você tem o seu próprio carma. Independentemente de Orlanda... se não for ela, será outra, melhor ou pior, mas bonita, embora talvez não, porque, ganhe, perca ou empate, Orlanda tem classe, tem o necessário para tornar um homem satisfeito, feliz, fazê-lo sentir-se vivo como homem. Desculpe, não quis ser chauvinista, mas, já que perguntou, aconselharia você a se decidir depressa.

Gavallan entrou apressado na tribuna de Shitee TChung e reuniu-se ao tai-pan.

— Boa tarde — cumprimentou educadamente o casal idoso. — Desculpe, tai-pan, mas Crosse e o outro sujeito que você queria já tinham ido embora.

— Raios! — Dunross pensou por um momento, depois pediu licença e se afastou com Gavallan. — Você vem ao coquetel?

— Sim, se você quiser que eu vá... infelizmente não estou sendo muito boa companhia.

— Vamos entrar ali um minutinho — falou Dunross, e entraram na sala particular. O chá estava servido, além de uma garrafa de Dom Pérignon num balde de gelo.

— Comemoração? — perguntou Gavallan.

— É. Três coisas: a compra de controle da General Stores, a recuperação do Ho-Pak e o nascimento de uma nova era.

— É?

— É — Dunross começou a abrir a garrafa. — Você, por exemplo. Quero que vá para Londres segunda à noite, com as crianças. — Os olhos de Gavallan se arregalaram, mas ele ficou calado. — Quero que vá ver Kathy, visitar o especialista dela, depois levá-la, e às crianças, para o Castelo Avisyard. Quero que ocupe Avisyard por seis meses, talvez um ano ou dois. Seis meses, com certeza; ocupem toda a ala leste. — Gavallan soltou uma exclamação abafada. — Vai dirigir uma nova divisão, muito secreta, secreta para Alastair, para meu pai, para todos os membros da família, inclusive o David. Secreta para todos, exceto para mim.

— Que divisão? — perguntou Gavallan, demonstrando o seu entusiasmo e felicidade.

— Esta noite quero que você se aproxime de um sujeito, Andrew. Jamie Kirk. A mulher dele é meio chata, mas convide-os para Avisyard. Quero que você se infiltre na Escócia, especialmente em Aberdeen. Quero que adquira propriedades, mas muito discretamente: fábricas, desembarcadouros, pistas de pouso em potencial, heliportos perto das docas. Existem docas ali?

— Pombas, tai-pan, e eu Iá sei! Nunca estive Iá.

— Nem eu.

— Como?

Dunross riu ante a expressão no rosto de Gavallan.

— Não se preocupe. Seu orçamento inicial é de um milhão de libras esterlinas.

— Porra, mas de onde vai sair um milhão de...

— Não importa! — Dunross girou a rolha e segurou-a, abafando a explosão jeitosamente. Serviu o vinho claro e muito seco. — Tem um milhão de libras esterlinas para empregar nos próximos seis meses. Outros cinco milhões durante os próximos dois anos.

Gavallan fitava-o, boquiaberto.

— Ao fim desse tempo, quero que a Casa Nobre, muito discretamente, se torne uma potência em Aberdeen, com as melhores terras, a maior influência nos conselhos administrativos. Quero que você seja o senhor de Aberdeen... estendendo-se até Inverness, a leste, e Dundee, ao sul. Em dois anos, certo?

— Sim, mas... — Gavallan se deteve, sem saber o que dizer. Toda a sua vida desejara sair da Ásia. Kathy e as crianças também, mas nunca fora possível sequer levar isso em consideração. Agora, Dunross lhe entregava a Utopia, e ele nem conseguia aceitar direito a idéia. — Mas por quê?

— Fale com Kirk, encante a mulher dele, e lembre-se, meu rapaz: bico fechado. — Dunross entregou-lhe um copo e pegou um para si mesmo. — À Escócia, à nova era, e ao nosso novo feudo.

E acrescentou, muito intimamente: "E ao mar do Norte! Que todos os deuses sejam testemunhas: a Casa Nobre está pondo em execução o Plano de Contingência Um".


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