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11h15m

— Repito, sr. Sinders, não sei coisa alguma sobre nenhum cabograma, nenhum Arthur, nenhuma pasta, nenhum americano, e não conheço nenhum major Iúri Bakian... o homem era ígor Voranski, marinheiro de primeira classe.

Suslev controlava com força o seu gênio. Sinders estava sentado diante dele, atrás da mesa na sala de interrogatório do quartel-general da polícia. Suslev esperara encontrar Roger Crosse ali, para ajudá-lo. Mas não o vira desde que chegara.

"Tome cuidado", advertira a si mesmo, "está por sua própria conta. Não vai obter ajuda do Roger. E com razão. O espião tem que ser protegido. E quanto a Boradinov, também não é de nenhuma ajuda." Lançou um olhar ao seu imediato, sentado ao seu lado, duro, rígido na cadeira, e muitíssimo constrangido.

— E ainda insiste em que o nome desse espião Dmítri Metkin não era Leonov, Nikolai Leonov, também major do KGB?

— É bobagem, tudo bobagem. Relatarei ao meu governo todo este incidente, eu...

— Seus reparos já estão terminados?

— Sim, ou pelo menos estarão até a meia-noite. Trazemos bom dinheiro para Hong Kong, e pagamos nossas contas...

— E não criam outra coisa senão problemas curiosos. Como o major Leonov, como Bakian?

— Está se referindo ao Metkin? — Suslev olhou feio para Boradinov, para aliviar um pouco a pressão. — Conhecia algum Leonov?

— Não, camarada comandante — gaguejou Boradinov. — Não sabíamos de nada.

— Que bando de falsários! — suspirou Sinders. — Felizmente Leonov nos contou um bocado de coisas sobre vocês e o Ivánov antes de vocês o assassinarem. É, seu major Leonov cooperou muito. — Subitamente, sua voz ficou cortante como um chicote. — Imediato Boradinov, queira esperar Iá fora!

O homem mais moço se pôs de pé sem sentir, muito pálido. Abriu a porta. Do lado de fora, um hostil agente chinês do sei indicou-lhe uma cadeira, fechando a porta mais uma vez.

Sinders deixou o cachimbo de lado, pegou um maço de cigarros e acendeu um tranqüilamente. A chuva fustigava as janelas. Suslev esperou, o coração doendo dentro do peito. Observava o inimigo por sob as sobrancelhas espessas, imaginando o que Roger Crosse teria para ele de tão urgente. Naquela manhã, quando o telefone secreto tocara, era Arthur perguntando se Suslev poderia encontrar-se com Roger Crosse por volta das oito da noite, no Sinclair Towers.

— O que há de tão urgente? Eu deveria estar no meu navio, preparando-me...

— Não sei. Roger disse que era urgente. Não havia tempo de discutir nada. Já se encontrou com Koronski?

— Já. Está tudo acertado. Pode fazer a entrega?

— Ah, sim. Muito antes da meia-noite.

— Não falhe, o Centro agora está contando com você. — E acrescentara, mentindo: — Diga ao Nosso Amigo que são ordens.

— Excelente. Não falharemos.

Suslev notara o entusiasmo. Parte do seu medo o abandonara. Agora, estava voltando. Não gostava de estar ali, tão perto de ficar permanentemente. A reputação de Sinders era bem conhecida no KGB: dedicado, inteligente, dado a grandes intuições.

— Estou muito cansado dessas perguntas, sr. Sinders — disse, espantadíssimo ao ver que o chefe da MI-6 em pessoa viera a Hong Kong, e podia parecer tão sem importância. Levantou-se, testando-o. — Vou-me embora.

— Fale-me da Sevrin.

— Severin? O que é Severin? Não tenho que ficar e responder às suas perguntas, não tenho...

— Concordo, camarada comandante. Normalmente. Mas um dos seus homens foi pego espionando, e nossos amigos americanos realmente desejam pôr as mãos no senhor.

— Hem?

— É, sim, e temo que não sejam tão pacientes quanto nós. O medo de Suslev voltou com força total.

— Mais ameaças! Por que me ameaçam? — falou nervosamente. — Respeitamos a lei. Não sou responsável pelos problemas! Exijo que me deixem voltar para o meu navio! Agora!

Sinders simplesmente olhou para ele.

— Está certo. Por favor, retire-se — falou, serenamente.

— Posso ir?

— Sim, claro. Bom dia.

Atônito, Suslev fitou-o por um momento, depois virou-se e dirigiu-se à porta.

— Naturalmente, "vazaremos" para os seus superiores que o senhor nos entregou Leonov.

Suslev deteve-se, sem cor.

— O que foi, o que foi que disse?

— Leonov nos contou, entre outras coisas, que o senhor o encorajou a fazer a intercepção. Que deixou "vazar" a troca.

— Mentiras... mentiras — falou, repentinamente apavorado com a possibilidade de Roger Crosse ter sido apanhado, como Metkin o fora.

— Também não deixou "vazar" sobre o Bakian para os agentes norte-coreanos?

— Não, claro que não — gaguejou Suslev, imensamente aliviado ao descobrir que Sinders estava jogando verde, provavelmente sem nenhuma informação verdadeira. Um pouco da sua confiança voltou. — Mais bobagem. Não conheço nenhum norte-coreano.

— Acredito no senhor, mas estou certo de que o Primeiro Diretório não acreditará. Bom dia.

— O que quer dizer com isso?

— Fale-me do cabograma.

— Não sei nada a respeito. Seu superintendente se enganou, não o deixei cair.

— Ah, deixou, sim. Que americano?

— Não sei nada de americano nenhum.

— Fale-me da Sevrin.

— Nem sei o que é essa Severin. O que é, quem é?

— Estou certo de que sabe que seus superiores no KGB são muito impacientes com "vazamentos", e muito desconfiados. Se conseguirem zarpar, sugiro que o senhor, seu imediato, seu navio e toda a sua tripulação não voltem novamente para estas águas...

— Está me ameaçando de novo? Isso se tornará um incidente internacional. Informarei ao meu governo e ao seu, e...

— É, e nós também, oficial e particularmente. Muito particularmente.

Os olhos de Sinders estavam gelados, embora seus lábios ostentassem um sorriso.

— Posso... posso ir, agora?

— Sim. Em troca de informação.

— Como?

— Quem é o americano, e quem é Arthur?

— Não conheço nenhum Arthur. Arthur do quê?

— Vou esperar até meia-noite. Se o senhor zarpar sem me contar, quando voltar a Londres providenciarei para que chegue aos ouvidos do seu adido naval em Londres a informação de que o senhor entregou Leonov, a quem chama de Metkin, assim como Bakian, a quem chama de Voranski, em troca de favores do sei.

— Mentira, tudo mentira, sabe que é mentira.

— Quinhentas pessoas o viram no hipódromo com o superintendente Crosse. Foi quando lhe entregou o Metkin.

— Tudo mentira — repetiu Suslev, tentando ocultar o seu terror.

Sinders deu uma risadinha.

— Veremos, não é? Seu novo adido naval em Londres se agarrará a qualquer oportunidade de cair nas boas graças dos superiores,

— Não entendo — disse Suslev, entendendo muito bem. Estava encurralado.

Sinders inclinou-se para a frente para esvaziar o fumo do cachimbo.

— Ouça-me claramente — falou, com um tom de decisão na voz. — Trocarei sua vida pelo americano e por Arthur.

— Não conheço nenhum Arthur.

— Será um segredo apenas entre nós dois. Não contarei a ninguém. Dou-lhe a minha palavra.

— Não conheço nenhum Arthur.

— Indique-o, e estará seguro. O senhor e eu somos profissionais, compreendemos permutas... e segurança... e um acordo particular ocasional e muito sigiloso. Desta feita foi apanhado, tem que negociar. Se zarpar sem me dizer quem é Arthur, assim como Deus fez os peixinhos do mar e o KGB existe, vou denunciá-lo. — Os olhos penetrantes o fitaram. — Bom dia, camarada comandante.

Suslev levantou-se e saiu. Quando ele e Boradinov estavam novamente ao ar livre, na realidade de Hong Kong, começaram a respirar. Em silêncio, Suslev levou o outro até o bar mais próximo, do outro lado da rua. Pediu duas vodcas duplas.

A mente de Suslev estava embaralhada. "Khristos", queria gritar, "estou morto se o fizer, e estou morto se não o fizer. Aquele cabograma amaldiçoado! Se eu entregar Banastasio e Arthur, admitirei que estou a par da Sevrin, e estarei nas mãos deles para sempre. Se não o fizer, minha vida estará terminada, sem dúvida. De uma maneira ou de outra, será perigoso ir para casa agora, e igualmente perigoso voltar. De uma maneira ou de outra, agora preciso das pastas de Alan ou de Dunross, ou de ambos, para proteção. De uma maneira ou de...

— Camarada coman...

Virou-se com violência para Boradinov e xingou-o em russo. O homem mais moço empalideceu e parou, apavorado.

— Vodca! Mais duas — pediu. — Por favor. A garçonete as trouxe.

— Meu nome Sally. Qual o seu, heya?

— Vá à merda — rosnou Boradinov.

— Dew neh loh moh para o seu vá à merda, heya? Você sr. Merda? Não gosto sua cara, sr. Merda, portanto vá à merda sem dizer palavrão.

Ela agarrou a garrafa de vodca e se preparou para continuar a batalha.

— Peça desculpas a ela — disse Suslev bruscamente, sem querer encrenca, sem ter certeza de que ela não era uma agente disfarçada, o bar ficando tão perto do QG da polícia.

Boradinov ficou chocado.

— O quê?

— Peça-lhe desculpas, seu bosta sem mãe!

— Desculpe — resmungou Boradinov afogueado. A garota achou graça.

— Ei, grandalhão, quer fuque-fuque?

— Não — retrucou Suslev. — Apenas mais vodca.

Crosse saltou do carro de polícia e entrou apressado no Edifício Struan, debaixo da chuva leve. Às suas costas as ruas estavam cheias de guarda-chuvas, trânsito congestionado, as calçadas superlotadas, gente que ia e vinha trabalhar, já que o domingo não era um dia de folga geral. Saltou no vigésimo andar.

— Bom dia, superintendente Crosse. Sou Sandra Yi, secretária do sr. Dunross. Por aqui, por favor.

Crosse acompanhou-a pelo corredor, os olhos notando o seu traseiro coberto pelo cheong-sam. Ela abriu uma porta para ele, que entrou.

— Alô, Edward — ele cumprimentou Sinders.

— Você também chegou cedo, como de costume. — Sinders bebia uma cerveja. — Velho hábito do exército, hem, a hora certa é cinco minutos adiantado?

Atrás dele, na luxuosa sala de reunião de diretoria, havia um bar bem suprido. E café.

— Quer tomar algo, senhor? Já preparei bloody marys — falou Sandra Yi.

— Obrigado, basta o café. Preto. Ela o serviu e se retirou.

— Como correu a coisa? — perguntou Crosse.

— O nosso visitante? Bem, tudo bem. Diria que o es-fíncter dele está em péssimas condições. — Sinders sorriu. — Gravei a sessão. Você poderá escutá-la depois do almoço. Ah, é, o almoço. Roger, pode-se comer peixe com batatas fritas em Hong Kong?

— Claro. É o que vamos comer.

Crosse abafou um bocejo. Passara a maior parte da noite revelando e tirando cópias do rolo de filme que usara na caixa-forte. Pela manhã, lera e relera as páginas verdadeiras de Alan com enorme interesse, entendendo por que Dunross fora tão circunspecto, e concordando com ele. Alan valia o quanto ganhava, fosse Iá quanto fosse, pensou. Não havia dúvida de que aquelas pastas valiam uma fortuna.

O relógio suspenso por argolas bateu as horas, agradavelmente. Meio-dia. A porta se abriu e Dunross entrou.

— Bom dia. Obrigado por terem vindo até aqui. Cortesmente, os outros dois se levantaram e apertaram-lhe a mão.

— Mais café?

— Não, obrigado, sr. Dunross.

Enquanto Crosse observava atentamente, Dunross tirou um envelope lacrado do bolso e ofereceu-o a Sinders. O homem mais velho pegou-o, sopesando-o na mão. Crosse notou que seus dedos tremiam ligeiramente.

— Naturalmente leu o conteúdo, não, sr. Dunross?

— Li, sr. Sinders.

— E?

— E nada. Veja por si mesmo.

Sinders abriu o envelope. Fitou a primeira página, depois folheou todas as onze. De onde estava, Crosse não podia ver o que havia nos pedaços de papel. Em silêncio, Sinders entregou-lhe o primeiro deles. As letras, números e símbolos do código não tinham sentido para ele.

— Parece que foram recortados de algum lugar. — Crosse olhou para Dunross. — Não é?

— E quanto ao Brian?

— Onde os arranjou, Ian?

Crosse notou que o olhar de Dunross se alterou um pouco.

— Mantive a minha parte da troca. Vão manter a sua? Sinders se sentou.

— Não concordei com uma troca, sr. Dunross. Apenas concordei em que era possível que se atendesse ao seu pedido.

— Quer dizer que não vão soltar Brian Kwok?

— É possível que ele esteja onde o senhor quer que esteja, na hora em que quer.

— Não pode ser mais preciso?

— Desculpe.

Fez-se um longo silêncio. O tique-taque do relógio enchia o aposento. Ouvia-se também o ruído da chuva. Outra rajada de vento e chuva veio e se foi. A chuva vinha caindo esporadicamente, desde a manhã. Os boletins meteorológicos previam que logo a tempestade passaria. Mas os reservatórios, apesar de toda a chuva, mal haviam sido tocados.

Dunross pediu:

— Quer me dizer as probabilidades? Precisamente. Por favor?

— Primeiro, três perguntas: o senhor próprio recortou estes papéis de algum lugar?

— Sim.

— De onde e como?

— Alan me dera instruções por escrito. Eu devia usar um isqueiro sob o quadrante inferior direito de algumas páginas que ele me mandara, um relatório datilografado inócuo. Quando aqueci as páginas, as letras datilografadas desapareceram, e o que surgiu foi isso que vocês viram. Quando acabei, novamente seguindo as instruções dele, recortei os pedaços pertinentes e destruí o resto. E a carta dele.

— Guardou cópias?

— Dos onze pedaços? Sim.

— Tenho que lhe pedir que me sejam entregues.

— O senhor as receberá quando completar o nosso trato — falou Dunross, com voz agradável. — Bem, quais são as probabilidades?

— Por favor, dê-me as cópias.

— Darei, quando cumprir a sua parte. Segunda-feira, ao pôr-do-sol.

Os olhos de Sinders ficaram ainda mais frios.

— As cópias, agora, faça o favor.

— Quando o senhor cumprir a sua parte. É irrevogável. Agora, quais as probabilidades?

— Meio a meio — falou Sinders, testando-o.

— Ótimo. Obrigado. Já providenciei para que na terça de manhã todas as onze páginas sejam publicadas no China Guardian e em dois jornais chineses, um nacionalista e um comunista.

— Então agirá assim por seu próprio risco. O governo de Sua Majestade não aprecia coação.

— Eu o ameacei? Não, absolutamente. Essas letras e números são uma confusão sem sentido, exceto, talvez... talvez para um perito decifrador de códigos. Talvez. Talvez isso tudo seja apenas uma piada de um morto.

— Posso impedi-lo segundo a Lei dos Segredos Oficiais.

— Sem dúvida, pode tentar — concordou Dunross. — Mas haja o que houver, com ou sem Lei dos Segredos Oficiais, se eu quiser, essas páginas serão publicadas em algum lugar da terra esta semana. Isso também é irrevogável. Alan deixou o assunto nas minhas mãos. Mais alguma coisa, sr. Sinders?

Sinders hesitou.

— Não. Não, obrigado, sr. Dunross. Igualmente cortês, Dunross virou-se e abriu a porta.

— Desculpe, tenho que voltar ao trabalho. Obrigado por terem vindo.

Crosse deixou Sinders sair na frente e acompanhou-o até o elevador. Sandra Yi, à mesa de recepção, já havia apertado o botão para eles.

— Ah, com licença, senhor — disse ela para Crosse —, sabe me dizer quando o superintendente Kwok vai voltar à colônia?

— Não tenho certeza — respondeu Crosse, fitando-a. — Posso perguntar, se desejar. Por quê?

— Íamos jantar juntos na sexta-feira à noite, e nem a governanta dele nem o seu escritório souberam informar.

— Terei prazer em perguntar.

A campainha tocou no painel telefônico.

— Oh, obrigada, senhor. Alô, Struan — disse ao telefone.

— Um momentinho. — Começou a completar a ligação. Crosse ofereceu um cigarro a Sinders enquanto esperavam, vendo os números do elevador se aproximando. — Sua ligação para o sr. Alastair, tai-pan — disse Sandra Yi, ao telefone. A campainha tocou de novo no painel. — Alô — atendeu Sandra Yi.

— Só um momento, madame, vou verificar. — Consultou uma lista de compromissos datilografada enquanto as portas do elevador se abriam. Sinders entrou, e Crosse começou a segui-lo.

— É para as treze horas, sra. Gresserhoff.

Imediatamente Crosse parou e se abaixou como que para amarrar o cordão dos sapatos, e Sinders, com igual eficácia e naturalidade, prendeu a porta.

— Oh, tudo bem, madame, é fácil a gente se enganar com a hora. A mesa está reservada em nome do tai-pan. O Skyline, no Mandarim, às treze horas.

Crosse levantou-se.

— Tudo bem? — perguntou Sinders.

— Tudo bem.

As portas se fecharam às suas costas. Ambos sorriram.

— Quem espera sempre alcança — falou Crosse.

— É. Vamos comer peixe com batatas fritas no jantar, então.

— Não. Vamos comê-los mesmo no almoço. Não devemos comer no Mandarim. Sugiro que nós mesmos a identifiquemos secretamente. Nesse meio tempo, vou mandar descobrir onde está hospedada, certo?

— Excelente. — A fisionomia de Sinders endureceu. — Gresserhoff, hem? Hans Gresserhoff era o nome de cobertura de um espião da Alemanha Oriental que tentamos pegar há anos.

— É? — comentou Crosse, não deixando transparecer seu interesse.

— É. Era sócio de outro filho da mãe nojento, um assassino treinado. Um dos seus nomes era Viktor Grünwald, o outro, Simeon Tzerak. Gresserhoff, hem? — Sinders ficou calado por um momento. — Roger, aquela história da publicação, a ameaça de Dunross. Pode ser muito perigoso.

— Você conseguiu ler o código?

— Santo Deus, não.

— O que poderia ser?

— Qualquer coisa. As páginas são para mim ou para o primeiro-ministro, portanto provavelmente são nomes e endereços de contatos. — Sinders acrescentou, gravemente: — Não ouso confiá-los a telegramas, embora em código. Acho melhor voltar imediatamente para Londres.

— Hoje?

— Amanhã. Quero deixar isso tudo terminado, e gostaria muito de identificar essa sra. Gresserhoff. Será que Dunross fará o que disse?

— Sem dúvida alguma.

Sinders apertou as têmporas, os olhos azul-claros e aguados mais sem cor do que de costume.

— E quanto ao cliente?

— Eu diria...

A porta do elevador se abriu. Eles saltaram e atravessaram o saguão. O porteiro uniformizado abriu a porta do carro de Crosse para ele.

Crosse entrou no trânsito congestionado, o porto nublado, a chuva tendo parado por um momento.

— Diria que basta mais uma sessão, depois o Armstrong pode começar a recompô-lo. Segunda ao anoitecer é cedo demais, porém... — Deu de ombros. — Eu não sugeriria mais sessões no Quarto Vermelho.

— É, concordo, Roger. Graças a Deus que o sujeito é forte.

— É.

— Acho que quem está prestes a desabar é o Armstrong, pobre coitado.

— Ainda pode realizar mais uma. Com segurança.

— Espero que sim. Meu Deus, como tivemos sorte! É incrível!

A sessão das seis horas daquela manhã não apresentara nada de novo. Mas, quando já estavam desistindo, as táticas de Armstrong descobriram ouro: finalmente, o quem, o porquê e o quê do professor Joseph Yu. Da Cal Tech, Princeton, Stan-ford. Perito em foguetes e consultor da NASA.

— Quando ele deve chegar a Hong Kong, Brian? — perguntara Armstrong, todo o time do sei na sala de controle prendendo a respiração.

— Eu... não... deixe-me pensar, deixe-me pensar... ah, não consigo me lembrar... ah, sim, é daqui a uma se... no fim do... desse mês... em que mês estamos? Não consigo lem... lembrar que dia é hoje. Ele deveria chegar e depois partir.

— De onde e para onde?

— Ah, não sei, não me disseram, exceto que... exceto que alguém falou que ele ia velejar em Guam, de férias no Havaí, e que devia chegar aqui dez dias... acho que eram dez dias depois... depois do dia da corrida.

E quando Crosse ligara para Rosemont e lhe contara... embora não tivesse revelado a fonte da informação... o americano ficara sem fala e em pânico. Imediatamente, ordenara que se vasculhasse toda a área de Guam para impedir a deserção.

— Será que o apanharão? — resmungou Crosse.

— Quem?

— Joseph Yu.

— Ora, tomara que sim — falou Sinders. — Por que diabo esses cientistas desertam? Uma merda! A única coisa boa é que lançará os foguetes chineses na estratosfera, e fará arrepios de horror correrem por todas as espinhas soviéticas. O que é danado de bom, na minha opinião. Se esses dois entrassem em choque, isso nos poderia ajudar imensamente. — Ajeitou-se mais confortavelmente no banco do carro, sentindo as costas doerem. — Roger, não posso me arriscar a que Dunross fique com cópias daqueles códigos, ou os publique.

— Sei.

— Ele é metido a espertinho demais, o seu tai-pan. Se transpirar que Alan nos enviou uma mensagem em código, e se Dunross tem a memória que dizem que ele tem, é um homem marcado, certo?

— Certo.

Chegaram ao restaurante de cobertura Skyline com tempo de sobra. Crosse foi reconhecido imediatamente, e logo esvaziaram uma mesa discreta no bar. Enquanto Sinders pedia uma bebida e mais café, Crosse telefonou para dois agentes, um deles britânico, o outro chinês. Chegaram depressa.

Faltando alguns minutos para uma hora, Dunross chegou, e eles o viram ser levado para a melhor mesa, o mattre seguindo na frente, os garçons atrás, o champanha já esperando num balde de gelo.

— O sacana treinou todo o pessoal muito bem, não é?

— Você não faria o mesmo? — comentou Crosse. Os olhos dele varreram a sala, e se detiveram. — Lá está o Rosemont! Será uma coincidência?

— O que você acha?

— Ah, olhe ali, naquele canto. É o Vincenzo Banastasio. O chinês que está com ele é Vee Cee Ng. Talvez sejam eles que Rosemont está vigiando.

— Talvez.

— Rosemont é esperto — disse Crosse. —- Bartlett também foi vê-lo. Pode ser que estejam vigiando o Banastasio.

— Armstrong lhes contara a sua conversa com Banastasio. A vigilância sobre o sujeito fora aumentada. — A propósito, ouvi dizer que ele alugou um helicóptero para Macau na segunda-feira.

— Devíamos cancelar isso.

— Já o fizemos. Defeitos no motor.

— Ótimo. Suponho que o fato de Bartlett informar sobre o Banastasio o deixa limpo, não é?

— Talvez.

— Ainda acho melhor eu ir embora na segunda. É. Interessante que a recepcionista de Dunross tivesse um encontro marcado com o cliente. Puxa vida, mas que mulher espetacular! — exclamou Sinders.

A moça acompanhava o maitre. Os dois homens ficaram surpresos quando ela parou à mesa do tai-pan, fez uma curvatura e sentou.

— Porra! A sra. Gresserhoff é chinesa? — exclamou Sinders, com voz abafada.

Crosse concentrava-se nos lábios deles.

— Nenhuma chinesa se curvaria assim. Ela é japonesa.

— Que diabo, onde ela se encaixa?

— Talvez haja mais de uma convidada. Talvez... ora essa!

— O que foi?

— Não estão falando inglês. Deve ser japonês.

— Dunross fala essa língua de amarelo? Crosse olhou para ele.

— Sim, fala japonês. E alemão, francês, três dialetos chineses, e um italiano razoável.

Sinders devolveu o olhar.

— Não precisa bancar o desaprovador, Roger. Perdi um filho no HMS Prince of Wales, meu irmão morreu de fome na Burma Road. Portanto, não queira me passar nenhuma merda de sermão, embora ainda ache que ela é espetacular.

— Isso pelo menos demonstra uma certa dose de tolerância — disse Crosse, virando-se para examinar Dunross e a moça.

— A sua guerra foi na Europa, não é?

— Minha guerra, Edward, nunca tem fim. — Crosse sorriu, gostando do som das suas palavras. — A Segunda Guerra Mundial já é história antiga. Lamento o que aconteceu com seus parentes, mas agora o Japão não é o inimigo, é nosso aliado. Na verdade, o único que temos na Ásia.

Esperaram durante meia hora. Ele não conseguia ler os lábios deles.

— Ela deve ser a Gresserhoff — disse Sinders. Crosse concordou.

— Vamos indo, então? Não há motivo para esperar. Vamos ao nosso peixe com batatas fritas.

Saíram. Os agentes chinês e britânico do sei ficaram esperando pacientemente, sem conseguir ouvir o que estava sendo dito, invejando Dunross, como muitos na sala... porque ele era o tai-pan, e por causa dela.

— Gehen Sie? — ela perguntou em alemão. (Você vai?)

— Para o Japão, Riko-jtf#? Vou, sim — respondeu, no mesmo idioma —, daqui a duas semanas. Receberemos um novo cargueiro gigante das Indústrias de Navegação Toda. Conversou com Hiro Toda ontem?

— Ah, sim, tive essa honra. A família Toda é famosa no Japão. Antes da Restauração, quando a classe dos samurais foi abolida, minha família serviu aos Todas.

— Sua família era samurai?

— Sim, mas de um grau inferior. Não mencionei minha família para ele. Aquela era uma época antiga. Não gostaria que ele soubesse.

— Como quiser — disse, a curiosidade aguçada. — Hiro Toda é um homem interessante — falou, dando-lhe corda.

— Toda-sama é muito sábio, muito forte, muito famoso. — O garçom trouxe a salada deles, e, quando ele se foi, ela continuou: — A Struan também é famosa no Japão.

— Não é bem assim.

— Ah, é. Lembramo-nos do príncipe Yoshi.

— Ah, não sabia que você sabia.

Em 1854, quando Perry forçara o xógum Yoshimitsu To-ranaga a abrir o Japão para o comércio, a Bruxa zarpara para o norte, saindo de Hong Kong, com o pai e inimigo, Tyler Brock, atrás. Graças a ela, a Struan foi a primeira empresa a entrar no Japão, a primeira a comprar terras para um posto comercial, e a primeira de fora a comerciar. Ao longo dos anos e de muitas viagens, ela fez do Japão uma pedra angular da política da Struan.

Durante os primeiros anos, ela conheceu um jovem príncipe, príncipe Yoshi, parente do imperador e primo do xógum... sem cuja permissão nada acontecia no Japão. Seguindo a sugestão dela, e com a sua ajuda, esse príncipe foi para a Inglaterra num veleiro da Struan para conhecer o poderio do Império Britânico. Voltou para casa, alguns anos depois, em outro navio da Struan, e naquele ano alguns dos barões feudais — os daimios —, odiando a incursão dos estrangeiros, revoltaram-se contra o xógum, cuja família, Toranaga, governara o Japão exclusivamente por dois séculos e meio, numa linhagem sem interrupção, remontando ao grande general Yoshi Toranaga. A revolta dos daimios obteve êxito, e o poder foi devolvido ao imperador, mas o país estava fendido.

— Sem o príncipe Yoshi, que se tornou um dos principais ministros do imperador — disse ela, inconscientemente falando em inglês —, o Japão ainda estaria tremendo e dividido pela guerra civil.

— E por quê? — perguntou ele, querendo que ela continuasse a falar com aquele sotaque encantador.

— Sem a ajuda dele, o imperador não teria êxito, não teria conseguido abolir os xóguns, abolir a lei feudal, os daimios, toda a classe dos samurais, forçando-os a aceitar uma Constituição moderna. Foi o príncipe Yoshi que negociou a paz entre os daimios, depois convidou peritos ingleses para o Japão, para construir a nossa marinha, nossos bancos e nosso funcionalismo público, e nos ajudar a entrar no mundo moderno. — Uma ligeira sombra cobriu seu rosto. — Meu pai me falou muito dessa época, tai-pan, e ainda não faz cem anos que tudo aconteceu. A transição do domínio dos samurais para a democracia foi freqüentemente sangrenta. Mas o imperador decretara um término, então houve um término, e todos os daimios e samurais arrastaram-se dolorosamente para o começo de uma nova vida. — Ela brincou com a taça, olhando as borbulhas. — A família Toda era senhora de Izu e Sagami, onde fica Yokohama. Durante séculos eles tiveram estaleiros. Para eles e seus aliados, a família Kasigi, foi fácil entrar na era moderna. Para nós... — Ela se interrompeu. — Ah, mas você já sabe de tudo isso, desculpe.

— Só sei do príncipe Yoshi. O que aconteceu com sua família?

— Meu bisavô tornou-se um membro de pouca importância da equipe do príncipe Yoshi, como funcionário público. Foi mandado para Nagasáqui, onde minha família viveu desde então. Teve dificuldades em não usar as duas espadas. Meu avô também foi funcionário público, como meu pai, mas muito insignificante. — Ergueu os olhos e sorriu para ele. — O vinho é gostoso demais. Solta a minha língua.

— Não, de maneira alguma — disse ele; depois, cônscio dos olhos que o observavam, acrescentou em japonês: — Conversemos um pouquinho em japonês.

— A honra é minha, tai-pan-san.

Mais tarde, enquanto tomavam café, ele falou:

— Onde devo depositar o dinheiro que lhe devo, Riko-san?

— Se pudesse me dar um cheque administrativo ou uma letra de câmbio — ela usou as palavras em inglês, pois não havia equivalente em japonês —, antes que eu me vá, seria perfeito.

— Na segunda de manhã mandarei entregá-lo a você. São dez mil seiscentas e vinte e cinco libras, e mais oito mil e quinhentas a serem pagas em janeiro, e o mesmo no ano que vem — disse-lhe ele, sabendo que a boa educação dela não lhe permitiria perguntar abertamente. Notou o lampejo de alívio, e ficou contente por ter decidido dar-lhe dois anos extras de salário. — Apenas as informações de Alan sobre o petróleo já valem mais do que isso. Onze da manhã seria conveniente para a "letra de câmbio à vista"?

Novamente Dunross usou as palavras em inglês.

— O que for melhor para você. Não desejo causar-lhe nenhum incômodo.

Dunross notou que ela falava vagarosa e nitidamente para ajudá-lo.

— Quais são seus planos de viagem?

— Na segunda-feira, acho que irei para o Japão. Depois... não sei. Talvez volte à Suíça, embora não tenha motivos reais para voltar. Não tenho parentes Iá. A casa era alugada, e o jardim não era meu. Minha vida como Gresserhoff terminou com a morte dele. Agora acho que devo voltar a ser Riko Anjin. Carma é carma.

— É — disse-lhe ele. — Carma é carma.

Tirou do bolso um pacote embrulhado para presente.

— Este é um presente da Casa Nobre, em agradecimento por você ter-se dado a tanto trabalho e feito uma viagem tão cansativa por nós.

— Oh! Ora, obrigada, mas foi uma honra e um prazer para mim. — Ela fez uma curvatura. — Obrigada. Posso abri-lo agora?

— Talvez mais tarde. É apenas um simples pingente de jade, mas a caixa também contém um envelope confidencial que seu marido queria que lhe fosse entregue. Apenas para os seus olhos, e não para os olhos que nos cercam.

— Ah, claro, compreendo. — Curvou-se de novo. — Sinto muito... queira desculpar a minha estupidez.

Dunross sorriu para ela.

— Nada de estupidez, nunca... apenas beleza. Ela enrubesceu, e tomou café para disfarçar.

— O envelope está lacrado, tai-pan-sun?

— Está, conforme as instruções dele. Sabe o que há nele?

— Não. Só que... só que o sr. Gresserhoff disse que você me daria um envelope lacrado.

— Ele falou por quê? Ou o que você devia fazer com ele?

— Algum dia viria alguém reclamá-lo.

— Por nome?

— Sim, mas meu marido me disse que jamais devia divulgar o nome, nem mesmo a você. Nunca. Tudo o mais eu poderia contar-lhe, exceto o... o nome. Sinto muito, por favor, desculpe-me.

Dunross franziu o cenho.

— Terá apenas que entregá-lo a ele?

— Ou a ela — falou a moça, amavelmente. — Sim, e quando vierem me pedir, não antes. Depois que ele tiver sido utilizado, o sr. Gresserhoff disse que a pessoa pagaria uma dívida. Obrigada pelo presente, tai-pan-sa». Eu o guardarei com carinho.

O garçom veio e serviu o restinho do champanha para ele, e depois se afastou de novo.

— Como poderei entrar em contato com você no futuro, Kiko-s an?

— Dar-lhe-ei três endereços e números de telefone onde posso ser encontrada. Um na Suíça, dois no Japão.

Após uma pausa, ele disse:

— Você estará no Japão daqui a duas semanas?

Riko ergueu os olhos para ele, que sentiu o espírito se contrair ante tanta beleza.

— Sim, se você quiser — disse ela.

— Eu quero.


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