5
9h50m
O tai-pan surgiu de trás do morro e desceu à toda a Peak Road no seu Jaguar modelo E, indo para o leste, na direção da Magazine Gap. Na estrada sinuosa havia uma só faixa de cada lado, com poucos lugares para a ultrapassagem e beirando precipícios na maioria das curvas. Naquele dia a superfície estava seca, e, conhecendo bem o caminho, Ian Dunross fazia as curvas rápida e docemente, colado às montanhas, seu conversível escarlate firme nas curvas internas. Engrenou a marcha de corrida e desceu desabalado, freando com força ao fazer uma curva e deparar com um caminhão antiquado e vagaroso. Esperou com paciência, depois, na hora exata, saiu na contramão e fez a ultrapassagem com segurança antes que o carro que vinha na direção oposta houvesse dobrado a curva cega logo adiante.
Agora, Dunross estava livre durante um certo trecho, e podia ver que a estrada sinuosa à sua frente estava vazia. Pisou fundo no acelerador e fez algumas curvas ocupando a estrada inteira, seguindo a linha mais reta, usando mãos, olhos, pés e mudanças em uníssono, sentindo o imenso poder da máquina e das rodas em todo o seu ser. Bem à frente, subitamente, apareceu um caminhão dobrando a curva, vindo em sua direção, e sua liberdade desapareceu. Mudou de marcha e freou em cima da hora, colando-se no seu lado da estrada, lamentando a perda da liberdade. Depois acelerou e voltou a entrar firme nas curvas perigosas. Agora surgia um outro caminhão, desta feita cheio de passageiros, e ele esperou alguns metros, atrás dele, sabendo que durante certo tempo não havia como ultrapassar. Foi então que uma das passageiras notou o número da sua chapa, 1-1010, apontou, e todos olharam, tagarelando excitados uns com os outros, e um deles bateu na boléia do caminhão. O motorista, gentilmente, saiu da estrada para o minúsculo acostamento, e fez-lhe sinal para passar. Dunross certificou-se de que era seguro, depois passou, acenando-lhes e sorrindo.
Mais curvas, a velocidade, a espera para ultrapassar, a ultrapassagem e o perigo dando-lhe prazer. A seguir, virou à esquerda na Magazine Gap Road, desceu o morro, as curvas mais traiçoeiras, o tráfego aumentando e tornando-se mais vagaroso. Ultrapassou um táxi e três carros com muita velocidade, e estava de volta à sua faixa, embora ainda acima do limite permitido, quando viu os policiais de trânsito de motocicleta, logo à frente. Mudou de marcha e passou por eles na velocidade permitida de cinqüenta quilômetros por hora. Acenou-lhes, bem-humorado. Eles retribuíram o aceno.
— Você precisa andar mais devagar, Ian — havia lhe dito seu amigo Henry Foxwell, superintendente-chefe do tráfego. — Precisa mesmo.
— Nunca sofri um acidente... ainda. Nem fui multado.
— Santo Deus, Ian, não há um guarda de tráfego nesta ilha que tenha coragem de multá-lo! Você, o tai-pan? Deus o livre. Estou falando para o seu próprio bem. Guarde bem guardado o seu demônio da velocidade para Mônaco, ou para sua Corrida da Estrada de Macau.
— Mônaco é para profissionais. Não me arrisco, e além disso não corro tanto assim.
— Cento e cinco quilômetros por hora em Wongniechong não é exatamente devagar, meu velho. Vamos admitir que fossem quatro horas e vinte e três minutos da manhã e a estrada estivesse quase vazia. Mas é uma zona de cinqüenta quilômetros horários.
— Há muitos modelos E em Hong Kong.
— É, concordo. Sete. Mas conversíveis escarlates com uma placa de número especial? Com capota de lona preta, rodas e pneus de corrida que fazem um barulhão dos diabos? Foi na quinta-feira, meu velho. Radar e tudo o mais. Você tinha ido... visitar amigos. Na Sinclair Road, creio.
Dunross controlou a sua ira súbita.
— É? — disse, a superfície do rosto ostentando um sorriso. — Quinta-feira? Parece que fui jantar com John Chen naquele dia. No apartamento dele, no Sinclair Towers. Mas pensei que tinha chegado a casa muito antes das quatro e vinte e três.
— Ah, com certeza chegou. Decerto o policial se enganou quanto à placa, à cor e a tudo o mais. — Foxwell bateu-lhe nas costas, amistosamente. — Mesmo assim, ande um pouco mais devagar, sim? Seria muito chato se você se matasse durante a minha gestão. Espere até me transferirem de novo para a Seção Especial... ou para a escola de polícia, sim? É, estou certo que ele cometeu um engano.
"Não há engano", disse Dunross consigo mesmo. "Você sabe, eu sei, John Chen devia saber e Wei-wei também.
"Com que então vocês estão sabendo sobre Wei-wei! Que interessante!"
— Vocês estão me vigiando? — perguntou, sem rodeios.
— Santo Deus, não! — Foxwell ficou chocado. — O Serviço Especial de Informações estava vigiando um bandido que tem um apartamento no Sinclair Towers. Aconteceu de você ser visto. É uma pessoa muito importante aqui, sabe disso. Chegou aos meus ouvidos através de certos canais. Sabe como é.
— Não, não sei.
— Dizem que para bom entendedor meia palavra basta, meu velho.
— É o que dizem. Então, é melhor avisar ao seu pessoal do Serviço de Informações para ser mais inteligente no futuro.
— Felizmente, são muito discretos.
— Mesmo assim, não quero que meus movimentos sejam registrados.
— Estou certo de que não são.
— Ótimo. Que bandido mora no Sinclair Towers?
— Um dos nossos informantes capitalistas, mas secretamente suspeito de ser um camarada comuna. Muito tedioso, mas o sei tem que ganhar o pão nosso de cada dia, não é?
— Será que o conheço?
— Imagino que conheça todo mundo.
— É xangaiense ou cantonense?
— O que o faz pensar que seja uma coisa ou outra?
— Ah, então é europeu?
— É só um bandido, Ian. Lamento, mas ainda está tudo sob sigilo.
— Qual é, aquele bloco de apartamentos é nosso! Quem foi? Não vou abrir a boca.
— Eu sei. Desculpe, meu velho, mas não posso. Contudo, tenho outra idéia hipotética para você. Digamos que um VIP casado tenha uma amiguinha cujo tio é o subchefe secreto da polícia secreta ilegal do Kuomintang em Hong Kong. Digamos, hipoteticamente, que o Kuomintang quisesse o tal VIP do seu lado. Claro que ele poderia ser pressionado pela amiguinha. Não acha?
— Acho — disse Dunross, tranqüilamente —, se ele fosse burro.
Sabia tudo sobre o tio de Wei-wei Jen, e se encontrara com ele várias vezes, em diversas festas particulares em Taipé. E simpatizara com ele. "Nenhum problema por esse lado", pensara, "porque ela não é minha amante nem minha amiguinha, embora muito linda e desejável. E tentadora."
Sorriu consigo mesmo ao entrar no fluxo de tráfego da Magazine Gap Road, depois esperou na fila para fazer o balão e descer a Garden Road na direção da Central, a uns oitocentos metros, e em direção ao mar.
Agora podia ver o altíssimo bloco de escritórios modernos que era a Struan. Tinha vinte e dois andares, ficava de frente para a Connaught Road e para o mar, quase em frente ao Terminal da Balsa Dourada, cujas balsas trafegavam entre Hong Kong e Kowloon. Como sempre, a vista lhe era agradável.
Foi serpenteando pelo tráfego denso sempre que podia, passou se arrastando pelo Hilton Hotel e pelo campo de críquete à sua esquerda, depois entrou na Connaught Road, com suas calçadas abarrotadas de pedestres. Parou diante da entrada principal.
"Hoje é o grande dia", pensou. "Os americanos chegaram.
"E, com sorte, Bartlett será a corda que enforcará Quillan Gornt para todo o sempre. Santo Deus, se isso der certo!"
— Bom dia, senhor — cumprimentou vivamente o porteiro uniformizado.
— Bom dia, Tom.
Dunross esgueirou-se de dentro do carro baixo e subiu correndo os degraus de mármore, de dois em dois, na direção da imensa entrada de vidro. Outro porteiro foi guardar o carro na garagem subterrânea, e um terceiro abriu-lhe a porta de vidro. Percebeu na porta o reflexo do Rolls que se acercava. Reconhecendo-o, olhou para trás. Casey saltou, e ele deu um assobio involuntário. Carregava uma pasta. Usava um costume de seda verde-mar, muito conservador, mas que não conseguia esconder a esbelteza do corpo, ou a graça do andar, o tom de verde realçando o louro-queimado do seu cabelo.
Ela olhou à sua volta, sentindo o olhar dele. Reconheceu-o imediatamnete, e avaliou-o como ele a avaliara; embora o instante fosse breve, pareceu longo a ambos. Longo e descontraído.
Ela se mexeu primeiro e dirigiu-se a ele, que veio encontrá-la a meio caminho.
— Alô, Sr. Dunross.
— Alô. Nunca nos vimos antes, não é?
— Não. Mas é fácil reconhecê-lo pelas suas fotografias. Não esperava ter o prazer de conhecê-lo, senão mais tarde. Sou Cas...
— Sei — disse, abrindo um sorriso. — Recebi um telefonema perturbado de John Chen, ontem à noite. Bem-vinda a Hong Kong, srta. Tcholok. É senhorita, não?
— É. Espero que o fato de eu ser mulher não vá atrapalhar demais as coisas.
— Ah, vai sim, e muito. Mas tentaremos contornar o problema. A senhorita e o Sr. Bartlett aceitariam ser meus convidados para as corridas de sábado? Com almoço e tudo?
— Eu gostaria muito. Mas terei que consultar Linc... posso confirmar hoje à tarde?
— Claro. — Ele olhou para ela, que retribuiu o olhar. O porteiro ainda mantinha a porta aberta. — Bem, vamos indo, srta. Tcholok, e que a batalha comece.
Ela lançou-lhe um rápido olhar.
— Por que falar em batalha? Estamos aqui para tratar de negócios.
— Ah, sim, claro. É só um ditado de Sam Ackroyd. Explico outra hora. — Fê-la entrar no prédio e dirigiu-se para os elevadores. As muitas pessoas nas filas, esperando, imediatamente se afastaram para que eles entrassem no primeiro elevador, deixando Casey embaraçada. — Obrigado — falou Dunross, sem achar aquilo fora do comum. Fê-la entrar, apertou o botão superior, do vigésimo andar, notando distraidamente que a moça não usava perfume ou jóias, apenas uma fina corrente de ouro no pescoço.
— Por que a porta da frente está inclinada? — perguntou ela.
— Como?
— A entrada da frente me pareceu ligeiramente inclinada, não está em linha reta... fiquei imaginando o motivo.
— É muito observadora. A resposta é fung sui. Quando o prédio foi construído, há quatro anos, não sei como esquecemos de consultar o nosso homem do fung sui. Ele é como um astrólogo, um homem que se especializa em céu, terra, correntezas e demônios, esse tipo de coisa, e se certifica de que o prédio foi construído nas costas do Dragão da Terra, e não na sua cabeça.
— Como?
— É isso mesmo. Sabe, cada prédio em toda a China ergue-se sobre alguma parte do Dragão da Terra. Ficar nas costas dele é perfeito, mas ficar na cabeça é muito ruim, e é terrível ficar no seu globo ocular. Bem, quando resolvemos consultá-lo, o nosso homem do fung sui disse que estávamos sobre as costas do Dragão, graças a Deus, caso contrário teríamos que nos mudar, mas que os demônios estavam entrando pela porta, e que essa era a razão dos problemas. Ele me aconselhou a mudar a porta de posição, e assim, sob a orientação dele, mudamos o ângulo, e agora todos os demônios foram afastados.
Ela riu.
— Agora, conte-me o verdadeiro motivo.
— Fung sui. Tivemos muito azar por aqui, um azar dos diabos, para falar a verdade, até que a porta foi mudada. — O rosto dele se endureceu momentaneamente, depois a sombra passou. — No momento em que modificamos o ângulo, tudo ficou bom novamente.
— Está querendo me dizer que acredita mesmo nisso? Em demônios e dragões?
— Não acredito em nada disso. Mas a gente aprende, a duras penas, que quando se está na China é bom agir um pouco à chinesa. Nunca se esqueça de que, embora Hong Kong seja britânica, ainda fica na China.
— Aprendeu a du...
O elevador parou e a porta se abriu, dando para um corredor de lambris, uma escrivaninha e uma recepcionista chinesa elegante e eficiente. Os olhos dela avaliaram instantaneamente o preço das roupas de Casey.
"Vaca", pensou Casey, lendo os pensamentos dela, e retribuiu o sorriso com igual doçura.
— Bom dia, tai-pan — disse suavemente a recepcionista.
— Mary, esta é a srta. K. C. Tcholok. Por favor, leve-a ao escritório do Sr. Struan.
— Ah, mas... — Mary Li tentou disfarçar o choque. — Eles, bem, estão esperando um... — Pegou no telefone, mas ele a deteve.
— Basta levá-la. Agora. Não há necessidade de anunciá-la. — Virou-se para Casey e sorriu. — É a sua vez. Até breve.
— Obrigada. Até logo.
— Por favor, queira vir comigo, srta. Tchuluk — falou Mary Li, e começou a descer o corredor, com o cheong-sam justo e aberto no alto das coxas, pernas longas com meias de seda e andar atrevido. Casey observou-a por um momento. "Deve ser o corte que torna o andar delas tão descaradamente sensual", pensou, achando divertida tal demonstração óbvia. Lançou um olhar para Dunross, e alçou uma das sobrancelhas.
Ele abriu um sorriso.
— Até logo, srta. Tcholok.
— Por favor, chame-me de Casey.
— Quem sabe eu prefira Kamalian Ciranoush. Ela o olhou, de boca aberta.
— Como sabe os meus nomes? Duvido que até mesmo Linc se lembre deles.
— Ah, vale a pena ter amigos em posições influentes, não é? — disse, com um sorriso. — À bientôt.
— Oui, merci — replicou ela, automaticamente.
Ele se dirigiu para o elevador em frente e apertou o botão. As portas se abriram instantaneamente e se fecharam às suas costas.
Pensativa, Casey seguiu Mary Li, que esperava, ouvido atento a cada nuança. Dentro do elevador, Dunross pegou uma chave, enfiou na fechadura e girou. Agora, o elevador estava ativado. Servia apenas aos dois andares superiores. Apertou o botão inferior. Somente três pessoas tinham chaves semelhantes: Claudia Chen, sua secretária-executiva, Sandra Yi, sua secretária particular, e o seu Criado Número Um Lim Chu.
No vigésimo primeiro andar ficavam seus escritórios particulares, e a sala da diretoria da assembléia interna. No vigésimo segundo, a cobertura, ficava a suíte pessoal do tai-pan. E somente ele possuía a chave para o último elevador particular que ligava a garagem subterrânea diretamente com a cobertura.
— Ian — dissera o tai-pan que o precedera, Alastair Struan, ao lhe entregar as chaves, depois que Phillip Chen os deixara a sós —, sua privacidade é a coisa mais valiosa que possui. Também isso Dirk Struan especificou no seu legado, e como foi sábio! Nunca se esqueça: os elevadores particulares não são um luxo ou uma ostentação, do mesmo modo que a suíte do tai-pan não o é. Existem apenas para lhe dar uma noção do sigilo de que vai precisar, talvez até de um lugar para se esconder. Vai entender melhor depois de ler o legado e ver o que há no cofre do tai-pan. Proteja esse cofre com todas as armas de que dispuser. Todo o cuidado é pouco, há muitos segredos ali, segredos demais, no meu entender, e alguns não são bonitos.
— Espero não falhar — dissera cortesmente, detestando o primo, seu entusiasmo intenso pela posse do prêmio pelo qual tanto trabalhara e tanto arriscara.
— Não falhará. Não você — dissera o velho, tensamente. — Você foi testado, e quer este cargo desde que se entende por gente, não é?
— É — replicara Dunross. — Tentei me preparar para ele. É. Só estou surpreso por você tê-lo dado a mim.
— Você está recebendo o cargo máximo da Struan não por causa do seu direito inato... ele só lhe dava acesso à assembléia interna... mas porque acho que você é o melhor que temos para me suceder, e há anos você vem tramando, empurrando e forçando a barra. É verdade, não é?
— A Struan precisa de modificações. Vamos falar mais verdades: a Casa Nobre está uma joça. Não é tudo culpa sua, houve a guerra, depois a Coréia, depois Suez, você teve uma longa maré de azar. Levará anos para ficarmos em segurança. Se Quillan Gorn, ou qualquer outro dos nossos vinte inimigos, soubesse metade da verdade, soubesse como estamos endividados, estaríamos afogados nos nossos títulos inúteis em uma semana.
— Nossos títulos têm valor... não são inúteis! Você está exagerando... como sempre!
— Valem vinte centavos em cada dólar, porque não temos capital suficiente, nem fluxo de caixa suficiente, e estamos realmente em perigo mortal.
— Besteira!
— É? — A voz de Dunross se tornara cortante, pela primeira vez. — Rothwell-Gorn podia nos engolir em um mês, se soubesse o valor das nossas atuais contas a receber, comparadas às nossas obrigações prementes.
O velho olhara para ele, sem responder. Depois dissera:
— É uma condição temporária. Oportuna e temporária.
— Besteira! Sabe muito bem que está me dando o cargo porque sou o único homem que pode endireitar a bagunça que vocês deixaram, você, meu pai, e seu irmão.
— É, estou apostando que pode. Isso lá é verdade — explodiu Alastair. — É, você realmente tem a quantidade certa do Demônio Struan no seu sangue para servir a esse amo, se quiser.
— Obrigado. Admito que não vou deixar que nada se interponha no meu caminho. E já que esta é a noite das verdades, posso dizer-lhe por que sempre me odiou, por que meu próprio pai sempre me odiou.
— Pode, é?
— Posso. É porque sobrevivi à guerra, e seu filho, não. E porque seu sobrinho Linbar, o último do seu ramo dos Struans, é um bom rapaz, mas um inútil. É, eu sobrevivi, mas meus pobres irmãos, não, e isso ainda deixa meu pai louco. É ou não é a verdade?
— É — concordou Alastair Struan. — Temo que seja.
— Eu não temo que seja. Eu não temo nada. Vovó Dunross cuidou para que eu não temesse.
— Heya, tai-pan — falou Claudia Chen alegremente quando a porta do elevador se abriu. Era uma eurasiana grisalha e animada, de sessenta e tantos anos, e estava sentada atrás de uma mesa imensa que dominava o saguão do vigésimo primeiro andar. Servia à Casa Nobre há quarenta e dois anos, e aos diversos tai-pans, exclusivamente, há vinte e cinco desses anos. — Neh hoh mah? Como vai?
— Ho, ho — replicou, distraidamente. Bom. E a seguir, em inglês: — Bartlett telefonou?
— Não. — Franziu o cenho. — Não é esperado antes da hora do almoço. Quer que tente localizá-lo?
— Não, deixe para lá. E quanto à minha ligação para Foster, em Sydney?
— Ainda não foi completada. Nem sua ligação para o Sr. MacStruan, em Edimburgo. Algum problema? — perguntou, percebendo instantaneamente a disposição dele.
— O quê? Ah, não, nenhum. — Afastou a sua tensão, passou pela mesa dela, entrou na própria sala, com vista para o porto, e sentou-se na poltrona junto ao telefone. Ela fechou a porta e sentou-se perto dele, com o bloquinho à mão. — Estava apenas recordando o meu Dia D — disse ele. — O dia em que assumi o cargo.
— Ah. Sorte, tai-pan.
— É.
— Sorte — repetiu ela —, e há muito tempo. Ele riu.
— Muito tempo? Quarenta vidas inteiras. Faz três anos, mas o mundo todo mudou, e continua indo depressa. Como serão os próximos dois anos?
— Semelhantes, tai-pan. Ouvi dizer que o senhor se encontrou com a srta. Casey Tcholok na porta de entrada.
— Ei, quem lhe contou? — perguntou, vivamente.
— Pelo bom Deus, tai-pan, não posso revelar as minhas fontes. Mas ouvi dizer que a fitou, e ela ao senhor. Heya?
— Bobagem! Quem lhe falou dela?
— Ontem à noite liguei para o hotel para verificar se tudo estava bem. O gerente me contou. Sabe que aquele idiota ia estar com "a casa cheia"? "Ora, se eles partilham uma suíte ou uma cama, não é da sua conta", disse-lhe eu. "Estamos em 1963, na era moderna, com muita liberação, e de qualquer maneira, é uma bela suíte com suas entradas e quartos separados, e, mais importante ainda, são nossos convidados." — Ela casquinou. — Dei uma de importante... Ayeeyah, o poder é um belo brinquedo.
— Contou ao jovem Linbar, ou aos outros, que K. C. é mulher?
— Não. A ninguém. Sabia que o senhor sabia. Barbara Chen me contou que o Patrão Chen já lhe telefonara contando sobre Casey Tcholok. Que tal é ela?
— "Boa para se levar para a cama", seria uma descrição — disse ele, sorrindo.
— Sei... e que mais? Dunross pensou por um momento.
— É muito atraente, veste-se muito bem, embora muito discretamente hoje, imagino que por nossa causa. Muito confiante e muito observadora; notou que a porta da entrada estava fora de esquadro e me perguntou o motivo. — Apanhou um cortador de papel de marfim e ficou brincando com ele. — John não gostou dela nem um pouquinho. Falou que apostava que ela era uma daquelas mulheres americanas patéticas que são como as frutas da Califórnia: bonitas, vistosas, mas sem gosto algum!
— Pobre Patrão John, embora adore a América, prefere certos... aspectos da Ásia!
Dunross riu.
— Logo vamos ver se ela é uma negociadora astuta. — Sorriu. — Mandei que entrasse sem ser anunciada.
— Aposto cinqüenta HK que pelo menos um deles sabia antecipadamente que ela era mulher.
— Phillip Chen, é claro, mas a velha raposa não diria aos outros. Aposto cem que nem Linbar, nem Jacques ou Andrew Gavallan sabiam.
— Fechado — disse Claudia, satisfeita. — Pode me pagar agora, tai-pan. Verifiquei muito discretamente, hoje de manhã.
— Tire o dinheiro da caixa das despesas — disse ele, com azedume.
— Desculpe. — Estendeu a mão. — Aposta é aposta, tai-pan.
Relutante, ele lhe entregou a nota vermelha de cem dólares.
— Obrigada. Agora, aposto cem que Casey Tcholok vai dar um banho no Patrão Linbar, Patrão Jacques e em Andrew Gavallan.
— O que você está sabendo? — perguntou ele, desconfiado. — Hem?
— Cem?
— Está bem.
— Excelente! — exclamou ela, vivamente, mudando de assunto. — E quanto aos jantares para o Sr. Bartlett? A partida de golfe e a viagem a Taipé? Claro que não vai poder levar uma mulher junto. Devo cancelá-los?
— Não. Vou falar com Bartlett... ele vai compreender. Mas convidei-a para vir com ele às corridas de sábado.
— Ih, vai haver um casal a mais. Vou cancelar os Pangs, não se importarão. Quer sentá-los juntos, à sua mesa? Dunross franziu o cenho.
— Ela deve sentar-se à minha mesa, como convidada de honra, e sente-o ao lado de Penelope, como convidado de honra.
— Pois não. Vou ligar para a sra. Dunross e avisá-la. Ah, e Barbara, a mulher do Patrão John, quer falar com o senhor. — Claudia deu um suspiro e alisou um vinco no seu elegante cheong-sam azul-escuro. — O Patrão John não voltou para casa ontem à noite, não que isso seja algo fora do comum. Mas já são dez e dez, e também não consigo encontrá-lo. Parece que nem compareceu à oração matinal.
— Ê, eu sei. Como ficou com Bartlett ontem à noite, disse-lhe que não precisava comparecer. — Oração matinal era o modo brincalhão com que o pessoal da Struan se referia à reunião obrigatória, realizada todos os dias às oito horas, com todos os diretores administrativos de todas as subsidiárias da Struan e o tai-pan. — Não havia necessidade de ele vir hoje, não tem nada para fazer até a hora do almoço. — Dunross apontou pela janela para o porto. — Está provavelmente no seu barco. Hoje é um dia excelente para se velejar.
— Ela estava muito exaltada, tai-pan, até mesmo pelos padrões dela.
— Ela está sempre exaltada, pobre coitado! John está no barco dele... ou no apartamento de Ming-li. Já ligou para lá?
Ela fungou.
— Seu pai costumava dizer que em boca fechada não entra mosca. Mesmo assim, acho que agora posso lhe contar. Há quase dois meses que Ming-li é a Namorada Número Dois. A nova favorita se chama Flor Fragrante, e ocupa um dos "apartamentos particulares" dele, perto da Aberdeen Main Road.
— Ah, por acaso perto do ancoradouro dele.
— Isso mesmo. Ela é bem uma flor, uma Flor Caída do Cabaré Dragão da Boa Sorte, em Wanchai. Mas também não sabe onde está o Patrão John. Não visitou nenhuma das duas, embora tivesse um encontro marcado com a srta. Flor Caída à meia-noite, segundo ela.
— Como descobriu tudo isso? — perguntou, cheio de admiração.
— Poder, tai-pan... e uma rede de relações construída ao longo de cinco gerações. De que outro modo sobrevivemos, heya? — Deu uma risadinha abafada. — Claro, se quiser um gostinho de escândalo de verdade, John Chen não sabe que ela não era a virgem que ela e seu agente alegavam que era, quando deitou com ela pela primeira vez.
— Hem?
— Não. Pagou ao agente... — Um dos telefones tocou e ela o apanhou e disse: — Um momento, por favor — apertou o botão de espera e continuou alegremente, no mesmo fôlego —...quinhentos dólares americanos à vista, mas todas as lágrimas dela, e todas as... provas, eram fingimento. Pobre coitado, mas bem feito, hem, tai-pan? Por que um homem da idade dele ia querer virgindade para nutrir o yang... ele tem só quarenta e dois anos, heya? — Apertou o botão que soltava a ligação. — Escritório do tai-pan, bom dia — disse, educadamente.
Ele a observava. Sentia-se divertido e perplexo, atônito como sempre com suas fontes de informação, incisivas ou não, e com sua alegria em conhecer segredos. E passá-los adiante. Mas só para os membros do clã, e alguns escolhidos especiais.
— Um momento, por favor. — Apertou o botão de espera. — O superintendente Armstrong gostaria de vê-lo. Está lá embaixo com o superintendente Kwok. Lamenta ter vindo sem marcar hora, mas será que o senhor poderia dar-lhes um momento de atenção?
— Ah, as armas. Nossa polícia fica mais eficiente a cada dia que passa — falou, com um sorriso sombrio. — Só os esperava depois do almoço.
Às sete da manhã recebera um relatório detalhado de Phillip Chen, que recebera um telefonema de um dos sargentos da polícia que participara da batida e era parente dos Chens.
— Ponha todas as nossas fontes particulares em ação para descobrir quem e por quê, Phillip — dissera, muito preocupado.
— Foi o que já fiz. É coincidência demais que as armas estivessem no avião de Bartlett.
— Poderá ser altamente embaraçoso se por acaso estivermos ligados a isso, de qualquer modo.
Viu que Claudia esperava pacientemente.
— Peça a Armstrong para me dar dez minutos. Depois, faça-os subir.
Ela tratou disso, depois falou:
— Se o superintendente Kwok já entrou na jogada tão cedo, deve ser mais sério do que imaginávamos, heya, tai-pan?
— A Seção Especial ou o Serviço Especial de Informações têm que se envolver imediatamente. Aposto que o FBI e a CIA já foram contatados. Brian Kwok é a escolha lógica, porque é um velho amigo de Armstrong... e um dos melhores homens que eles têm.
— É mesmo — concordou Claudia, orgulhosamente. — Eeeee, mas que marido fabuloso daria!
— Especialmente para uma Chen... tanto poder a mais, heya?
Era voz corrente que Brian Kwok estava sendo preparado para ser o primeiro-comissário assistente chinês.
— Naturalmente que um poder desses tem que ficar na família. — O telefone tocou. Ela atendeu. — Sim, direi a ele, obrigada. — Pôs o fone no gancho, abespinhada. — O camarista do governador... ligou para relembrar o coquetel de hoje, às dezoito horas... humm, como se eu fosse esquecer!
Dunross pegou um dos telefones e discou.
— Weyyyy? — disse a voz áspera da amah, a empregada chinesa. — Alô?
— Chen tai-tai — falou ao telefone, no seu cantonense perfeito. — A sra. Chen, por favor. Aqui fala o Sr. Dunross.
Esperou.
— Ah, Barbara, bom dia.
— Oh, alô, Ian. Já teve notícias do John? Desculpe incomodá-lo — falou.
— Não é incômodo algum. Não, ainda não. Mas tão logo saiba dele, mandarei que ligue para você. Pode ter ido cedo à pista para ver Golden Lady treinar. Já tentou o Turf Club?
— Já, mas não se lembram de o terem visto tomando café ali, e os treinos são entre cinco e seis horas. Que droga! Ele não tem consideração alguma! Ayeeyah, homens!
— Provavelmente está no barco. Não tem nada para fazer aqui até a hora do almoço, e está um dia excelente para velejar. Sabe como ele é... já verificou no ancoradouro?
— Não posso, Ian, não sei ir até lá, não há telefone. Tenho hora marcada no cabeleireiro, e não posso faltar... Hong Kong inteira estará na sua festa, logo mais... simplesmente não posso ir a Aberdeen.
— Mande um dos seus motoristas — disse Dunross, secamente.
— Tang está de folga hoje, e preciso de Wu-chat para me levar aos meus compromissos, Ian. Não dá para mandá-lo a Aberdeen... isso levaria uma hora, e tenho um jogo de tnah-jong das duas às quatro.
— Mandarei John ligar para você, mais ou menos na hora do almoço.
— Antes das cinco não estarei em casa. Quando eu o encontrar, ele vai comer fogo. Oh, bem, obrigada, desculpe incomodá-lo. Até logo.
— Até logo. — Dunross desligou o aparelho e deu um suspiro. — Sinto-me como se fosse uma ama-seca.
— Fale com o pai de John, tai-pan — disse Claudia Chen.
— Já falei. Uma vez. E chega. Não é só culpa do John. Essa mulher deixa qualquer um louco. — Abriu um sorriso. — Mas concordo em que está exaltadíssima... desta vez. Isso vai custar a John um anel de esmeraldas, ou pelo menos um casaco de vison.
O telefone tocou de novo. Claudia atendeu.
— Alô, escritório do tai-pan! Sim? Oh! — Sua felicidade se evaporou, e ela endureceu a fisionomia. — Um momento, por favor. — Apertou o botão de espera. — Uma ligação pessoal de Hiro Toda, de Yokohama.
Dunross sabia como Claudia se sentia a respeito do homem, sabia que ela odiava os japoneses e abominava a ligação da Casa Nobre com eles. Ele tampouco podia perdoar aos japoneses o que haviam feito à Ásia durante a guerra. O que haviam feito com aqueles que conquistaram, com os indefesos. Homens, mulheres e crianças. Os campos de prisioneiros e as mortes desnecessárias. De soldado a soldado, não tinha por que se queixar. Guerra é guerra.
A guerra dele fora contra os alemães. Mas a guerra de Claudia fora ali em Hong Kong. Durante a ocupação japonesa, como era eurasiana, não fora posta na Prisão Stanley junto com todos os civis europeus. Ela, a irmã e o irmão haviam tentado ajudar os prisioneiros de guerra com alimentos, remédios e dinheiro, contrabandeando-os para dentro do campo. A Kampeitai, a polícia militar japonesa, a pegara. Agora, não podia ter filhos.
— Digo que não está? — perguntou.
— Não. — Dois anos antes, Dunross aplicara uma quantia enorme de capital nas Indústrias de Navegação Toda, de Yokohama, comprando dois gigantescos cargueiros para aumentar a frota Struan, que fora dizimada na guerra. Escolhera o estaleiro japonês porque o produto deles era o melhor, assim como os seus termos — eles garantiam a entrega e tudo o mais que os estaleiros britânicos não garantiam —, e porque sabia que estava na hora de esquecer. — Alô, Hiro — disse. Gostava do sujeito, pessoalmente. — Prazer em ouvi-lo. Como vai o Japão?
— Por favor, desculpe-me por interrompê-lo, tai-pan. O Japão vai bem, embora quente e úmido. Nenhuma mudança.
— E meus navios, como vão indo?
— Muito bem, tai-pan. Tudo corre conforme combinamos. Só queria avisá-lo de que irei a Hong Kong no sábado de manhã, a negócios. Passarei aí o fim de semana, seguirei para Cingapura e Sydney, depois voltarei a tempo de fechar o negócio em Hong Kong. Ainda pretende vir a Yokohama para os dois lançamentos?
— Sim, sem dúvida. A que horas chega no sábado?
— Às onze e dez, pela Japan Air Lines.
— Mandarei um carro ir recebê-lo. Não quer vir diretamente para o Happy Valley, para as corridas? Podia almoçar conosco, depois meu carro o levará ao hotel. Vai se hospedar no Victoria and Albert?
— Desta vez no Hilton, no lado de Hong Kong. Tai-pan, queira me desculpar, não quero lhe dar nenhum trabalho, sinto muito.
— Não é trabalho nenhum. Mandarei um dos meus homens recebê-lo. Provavelmente Andrew Gavallan.
— Ah, ótimo. Então, obrigado, tai-pan. Terei prazer em vê-lo. Desculpe o transtorno.
Dunross desligou o telefone. "Por que será que me ligou, o motivo verdadeiro?", perguntou-se. Hiro Toda, diretor-administrativo do complexo de construção de navios mais ativo do Japão, nunca fazia nada repentino ou não-premeditado.
Dunross pensou no fechamento da transação deles, e nos três pagamentos de dois milhões cada, que venciam nos dias 1°, 11 e 15 de setembro, o restante em noventa dias; doze milhões de dólares americanos ao todo, que ele não tinha no momento. Ou o contrato assinado do fretador que era necessário para sustentar o empréstimo bancário que não tinha, ainda.
— Não faz mal — falou, tranqüilamente —, tudo vai dar certo.
— Para eles, sim — falou Claudia. — Sabe que não confio neles, tai-pan. Em nenhum deles.
— Não pode culpá-los, Claudia. Estão apenas tentando fazer economicamente o que não conseguiram fazer militar-mente.
— Tirando todo mundo dos mercados mundiais, com sua política de preços.
— Eles estão trabalhando duro, estão obtendo lucros, e nos enterrarão, se deixarmos. — O olhar dele também endureceu. — Mas, afinal, Claudia, por baixo do verniz de todo inglês, ou escocês, encontra-se um pirata. Se formos tão idiotas a ponto de permitir que nos enterrem, merecemos esse fim... afinal, não é esta a finalidade de Hong Kong?
— Por que ajudar o inimigo?
— Eles foram o inimigo — falou, bondosamente. — Mas apenas durante vinte e tantos anos, e nossas ligações com o Japão datam de cem anos. Não fomos os primeiros comerciantes a entrar no Japão? A Bruxa Struan não comprou para nós o primeiro lote posto à venda em Yokohama, em 1860? Ela não ordenou que fosse uma das pedras fundamentais da política da Struan manter o triângulo China-Japão-Hong Kong?
— Sim, tai-pan, mas não ach...
— Não, Claudia, negociamos com os Todas, os Kasigis, os Toranagas durante cem anos, e neste momento as Indústrias de Navegação Toda são muito importantes para nós.
O telefone tocou de novo. Ela atendeu:
— Sim, ligo depois para ele. — Depois, para Dunross: — É do bufê... sobre a sua festa logo mais.
— Qual é o problema?
— Nenhum, tai-pan... estão preocupados. Afinal, é o vigésimo aniversário de casamento d'o tai-pan. Hong Kong inteira tem que ficar impressionada. — O telefone tocou outra vez. Claudia atendeu. — Ah, ótimo! Complete a ligação... É Bill Foster, de Sydney.
Dunross atendeu.
— Bill... não, você estava no topo da lista. Já fechou negócio com as Propriedades Woolara?... Qual é o galho?... Não estou gostando. — Deu uma olhada no relógio. — Passa do meio-dia, aí na sua terra. Ligue para eles imediatamente e ofereça mais cinqüenta centavos australianos por ação, a oferta valendo até o encerramento do expediente comercial de hoje. Entre em contato com o banco em Sydney imediatamente e diga-lhes para exigirem o pagamento integral de todos os seus empréstimos até o fim do expediente comercial de hoje... Pouco me importa, já estão com trinta dias de atraso. Quero o controle daquela companhia agora. Sem ele, nosso novo negócio de cargueiros a frete vai se desmantelar, e vamos ter que começar do zero de novo. E tome o vôo 543 da Qantas na quinta-feira. Quero você aqui para uma conferência. — Desligou. — Mande o Linbar aqui para cima logo que a reunião com a Tcholok acabe. Reserve passagem para ele no vôo 716 da Qantas para Sydney, na sexta de manhã.
— Sim, tai-pan. — Tomou nota, depois entregou-lhe uma lista. — Estes são os seus compromissos para hoje.
Lançou uma olhada para o papel. Quatro reuniões de diretoria de algumas companhias subsidiárias naquela manhã: Balsa Dourada, às dez e meia; Motores Importados da Struan de Hong Kong, às onze; Alimentos Chong-Li, às onze e quinze; e Investimentos Kowloon, às onze e trinta. Almoço com Lincoln Bartlett e a srta. Casey Tcholok, de doze e quarenta às catorze horas. Mais reuniões de diretoria à tarde, Peter Marlowe às dezesseis. Phillip Chen às dezesseis e vinte, coquetel com o governador às dezoito, sua festa de aniversário de casamento começando às vinte, um lembrete para ligar para Alastair Struan na Escócia às onze, e pelo menos mais umas quinze pessoas em toda a Ásia para quem telefonar.
— Marlowe? — indagou.
— É escritor, está hospedado no Vic... Não está lembrado? Escreveu pedindo uma entrevista faz uma semana. Está fazendo pesquisas para um livro sobre Hong Kong.
— Ah, sei, o cara que foi da RAF.
— É. Quer que adie o encontro?
— Não. Mantenha o programa combinado, Claudia. — Tirou do bolso das calças um estojinho de couro preto para cartões, e passou para ela uma dúzia de cartões cobertos com anotações taquigrafadas. — Aqui estão alguns telegramas e telex para serem enviados imediatamente, e anotações para as diversas reuniões. Ligue-me com Jen, em Taipé, depois com Havergill, no banco, depois vá seguindo a lista.
— Sim, tai-pan. Ouvi dizer que Havergill vai se aposentar.
— Que maravilha! Quem vai tomar o seu lugar?
— Ninguém sabe, ainda.
— Tomara que seja o Johnjohn. Ponha seus espiões para trabalhar. Aposto cem como descubro antes de você!
— Fechado!
— Ótimo. — Dunross estendeu a mão e falou, docemente: — Pode ir me pagando. É o Johnjohn.
— Hem?
Ela o fitou, aparvalhada.
— Decidimos ontem à noite... todos os diretores. Pedi-lhes para não dizerem a ninguém até as onze horas de hoje.
Relutante, ela apanhou a nota de cem dólares e entregou a ele.
— Ayeeyah, eu gostava especialmente desta nota.
— Obrigado — falou Dunross, pondo-a no bolso. — Eu também gosto dela, especialmente.
Bateram à porta.
— Sim? — falou ele.
A porta foi aberta por Sandra Yi, a secretária particular de Dunross.
— Com licença, tai-pan, mas o mercado subiu dois pontos, e Holdbrook está na linha 2.
Alan Holdbrook era o chefe da companhia de corretagem da casa.
Dunross apertou o botão da linha 2.
— Claudia, logo que eu acabar, pode trazer Armstrong. Ela saiu com Sandra Yi.
— Sim, Alan?
— Bom dia, tai-pan. Primeiro: corre à boca pequena que vamos fazer uma oferta para o controle das Propriedades Asiáticas.
— Isso foi provavelmente espalhado por Jason Plumm, para aumentar o valor de suas ações antes da reunião anual deles. Sabe como é esperto o filho da mãe.
— Nossas ações subiram dez centavos, talvez por causa do boato.
— Ótimo. Compre-me vinte mil imediatamente.
— Com margem de lucro?
— Claro que sim.
— Certo. Segundo boato: fechamos um negócio multi-milionário com as Indústrias Par-Con... grandes expansões.
— Fantasias — falou Dunross, com naturalidade, perguntando-se furiosamente onde estariam os "vazamentos". Apenas Phillip Chen e, em Edimburgo, Alastair Struan e o velho Sean MacStruan deviam saber da trama para esmagar as Propriedades Asiáticas. E a transação da Par-Con era secretíssima, apenas de conhecimento da assembléia interna.
— Terceiro: há alguém comprando grandes lotes das nossas ações.
— Quem?
— Não sei. Mas há alguma coisa ocorrendo que não me cheira bem, tai-pan. O jeito que nossas ações vêm subindo devagar, neste último mês... Não vejo motivo para isso, exceto um comprador, ou compradores. A mesma coisa com a Rothwell-Gornt. Ouvi dizer que um lote de duzentas mil foi comprado no exterior.
— Descubra quem comprou.
— Santo Deus, gostaria de saber como. O mercado está instável, muito nervoso. Um bocado de dinheiro chinês flutuando por aí. Muitas pequenas transações acontecendo... umas poucas ações aqui, outras ali, mas multiplicadas por cerca de cem mil... o mercado pode começar a desabar... ou subir vertiginosamente.
— Ótimo. Então todos vamos ter um lucro e tanto. Ligue para mim antes de o mercado fechar. Obrigado, Alan. — Desligou o aparelho, sentindo as costas molhadas de suor. — Merda — falou em voz alta. — Mas que diabo está acontecendo?
Na ante-sala, Claudia Chen examinava alguns papéis com Sandra Yi, que era sua sobrinha por parte de mãe... inteligente, bonita, vinte e sete anos, e uma cabeça como um ábaco. A seguir, olhou para o relógio e disse, em cantonense:
— O superintendente Brian Kwok está lá embaixo, por que não vai buscá-lo, Irmãzinha... daqui a seis minutos?
— Ayeeyah, sim, Irmã Mais Velha!
Sandra Yi deu uma retocada rápida na maquilagem e saiu. Claudia sorriu ao vê-la se afastar, e pensou que Sandra Yi seria perfeita... a escolha perfeita para Brian Kwok. Feliz, sentou-se à sua mesa e começou a datilografar os telex. "Tudo o que tinha que ser feito foi feito", disse para si mesma. "Não, algo que o tai-pan disse... O que foi mesmo? Ah, sim!" Ligou para a sua casa.
— Weyyyyy? — atendeu a sua amah, Ah Sam.
— Escute, Ah Sam — perguntou em cantonense —, a Terceira Arrumadeira Fung, do Vic, não é sua prima em terceiro grau?
— Ah, sim, Mãe — respondeu Ah Sam, usando o modo polido com que a criada se dirigia à patroa. — Mas é em quarto grau, e dos Fung-tats, não dos Fung-sams, que é o meu ramo.
— Não importa, Ah Sam. Ligue para ela e descubra tudo o que puder sobre os dois demônios estrangeiros da Montanha Dourada. Estão na suíte Riacho Fragrante. — Pacientemente, soletrou os seus nomes, depois acrescentou, com delicadeza: — Ouvi dizer que têm hábitos de cama peculiares.
— Ayeeyah, se alguém for capaz de descobrir, esse alguém é a Terceira Arrumadeira Fung. Ah! Peculiares, como?
— Peculiares, estranhos, Ah Sam. Trate logo disso, sua danadinha.
Abriu um amplo sorriso e desligou.
As portas do elevador se abriram e Sandra Yi fez entrar os dois policiais, depois foi embora, relutante. Brian Kwok ficou olhando enquanto ela se afastava. Tinha trinta e nove anos, era alto para um chinês, passava um pouco de um metro e oitenta, bonitão, com cabelos negro-azulados. Os dois homens estavam à paisana. Claudia Chen conversou educadamente com eles, mas no momento em que viu a luz da linha 2 se apagar, fê-los entrar na outra sala e fechou a porta.
— Desculpe aparecer sem marcar hora — disse Armstrong.
— Não esquente a cabeça, Robert. Está com cara de cansado.
— Uma noite pesada. É todo esse banditismo à solta em Hong Kong — falou Armstrong, descontraidamente. — Abundam os homens maus, e os santos são crucificados.
Dunross sorriu, depois lançou um olhar para Kwok.
— E que tal a vida, Brian? Brian Kwok também sorriu.
— Muito boa, obrigado, Ian. O mercado de capitais está alto... tenho alguns dólares no banco, meu Porsche ainda não caiu aos pedaços, e as damas continuam a existir.
— Graças a Deus! Vai subir a colina no domingo?
— Se puder botar a Lulu em forma. Está lhe faltando um acoplamento hidráulico de direita.
— Já tentou na nossa loja?
— Já. Não dei sorte, tai-pan. Você vai?
— Depende. Tenho que ir a Taipé no domingo à tarde... irei se tiver tempo. De qualquer forma, inscrevi-me. Que tal o sei?
Brian Kwok abriu um sorriso.
— É melhor do que trabalhar para viver.
O Serviço Especial de Informações era um departamento completamente independente dentro da semi-secreta Seção Especial, o departamento de elite responsável pela prevenção e detecção de atividades subversivas na colônia. Tinha os seus modos de agir secretos, fundos secretos e poderes quase absolutos. Respondia exclusivamente ao governador.
Dunross recostou-se na cadeira.
— O que há? Armstrong disse:
— Estou certo de que já sabe. É sobre as armas no avião de Bartlett.
— Ah, é, ouvi dizer, hoje de manhã. Como posso ajudar? Tem alguma idéia de para onde se destinavam? E por quem foram enviadas? Pegou dois homens?
Armstrong deu um suspiro.
— Peguei. Eram mesmo mecânicos de verdade... os dois previamente treinados pela Força Aérea Nacionalista. Nenhuma ficha criminal anterior, embora sejam suspeitos de pertencer a tríades secretas. Ambos estão aqui desde o êxodo de 1949. A propósito, podemos manter isso confidencial, só entre nós três?
— E quanto aos seus superiores?
— Gostaria também de incluí-los... mas não conte a mais ninguém.
— Por quê?
— Temos motivos para crer que as armas destinavam-se a alguém na Struan.
— Quem? — perguntou Dunross, bruscamente.
— Confidencial.
— Sei. Quem?
— O que sabe a respeito de Lincoln Bartlett e Casey Tcholok?
— Temos um dossiê detalhado sobre ele... mas não sobre ela. Gostaria de vê-lo? Posso lhe dar uma cópia, desde que também seja considerada confidencial.
— Naturalmente. Seria uma grande ajuda. Dunross apertou o intercomunicador.
— Sim, senhor? — disse a voz de Claudia.
— Faça uma cópia do dossiê de Bartlett e entregue-a ao superintendente Armstrong na saída.
Dunross desligou o intercomunicador.
— Não vamos tomar muito mais do seu tempo — falou Armstrong. — Sempre faz dossiê dos clientes em potencial?
— Não. Mas gostamos de saber com quem estamos lidando. Se o negócio com Bartlett for fechado, pode significar milhões para nós, para ele, mil novos empregos para Hong Kong... fábricas, depósitos, uma grande expansão... juntamente com riscos igualmente grandes. Todos os empresários fazem um levantamento financeiro confidencial... talvez sejamos mais meticulosos. Aposto cinqüenta dólares contra um alfinete quebrado que ele tem um dossiê sobre mim.
— Nenhuma ligação criminosa foi mencionada? Dunross ficou espantado.
— Máfia? Esse tipo de coisa? Santo Deus, nada. Além disso, se a Máfia estivesse tentando entrar aqui, não iria mandar apenas dez rifles Ml4, duas mil balas e uma caixa de granadas.
— Sua informação é boa pra cachorro — interrompeu Brian Kwok. — Boa demais. Desempacotamos o material só faz uma hora. Quem é seu informante?
— Sabe que não há segredos em Hong Kong.
— Não se pode confiar nem nos nossos tiras, hoje em dia.
— A Máfia certamente enviaria um carregamento vinte vezes maior do que esse, e seriam armas portáteis, estilo americano. Mas a Máfia na certa falharia aqui, não importa o que fizesse. Jamais poderia substituir as nossas tríades. Não, não pode ser a Máfia. Tem que ser alguém do lugar. Quem lhe deu a dica sobre o carregamento, Brian?
— A polícia do aeroporto de Tóquio — falou Kwok. — Um dos mecânicos deles estava fazendo uma inspeção de rotina... sabe como são meticulosos. Relatou a descoberta ao seu superior, a polícia deles nos telefonou, e nós mandamos deixar passar.
— Nesse caso entre em contato com o FBI e a CIA... mande que verifiquem o que houve em Honolulu... ou Los Angeles.
— Também viu o plano de vôo?
— Claro. É óbvio. Por que alguém da Struan?
— Os dois bandidos disseram... — Armstrong pegou o seu bloquinho e consultou-o. — A nossa pergunta foi: "Para onde deviam levar os embrulhos?" Ambos responderam, usando palavras diferentes: "Para o barracão 15, devíamos colocar os pacotes no compartimento número 7, nos fundos".
Ergueu os olhos para Dunross.
— Isso não prova nada. Temos os maiores depósitos em Kai Tak... só porque iam levá-los para um dos nossos barracões, não prova nada... exceto que são espertos. Temos tanta mercadoria em circulação, que seria fácil para um caminhão de fora entrar. — Dunross pensou por um momento. — O número 15 fica junto da saída... localização perfeita. — Estendeu a mão para o telefone. — Vou pôr minha segurança no circuito, agora mes...
— Por favor, agora não.
— Por quê?
— Nossa pergunta seguinte foi: "Quem os contratou?" Claro que nos deram nomes e descrições fictícios, e negaram tudo, mas não tardarão a ser mais prestimosos. — Deu um sorriso sombrio. — Um deles falou, contudo, quando um dos meus sargentos torcia um pouco a sua orelha, de modo figurado, é claro — leu no bloquinho: — "Deixe-me em paz, tenho amigos muito importantes!" "Não tem nenhum amigo no mundo", falou o sargento. "Pode ser, mas o Honorável Tsu-yan tem, e o Chen da Casa Nobre tem."
O silêncio foi longo e pesado. Esperaram. "Aquelas armas amaldiçoadas!", pensou Dunross, furioso. Mas manteve a fisionomia calma e ficou mais atento.
— Temos mais de uma centena de Chens trabalhando para nós, aparentados ou não... Chen é um nome tão comum quanto Smith.
— E Tsu-yan? — perguntou Brian Kwok. Dunross deu de ombros.
— É diretor da Struan... mas também é diretor do Blacs, do Victoria Bank e de quarenta outras companhias, um dos homens mais ricos de Hong Kong, e um nome que qualquer um na Ásia poderia citar facilmente. Como o Chen da Casa Nobre.
— Sabe que suspeitam que ele seja muito graduado na hierarquia das tríades... especialmente na Pang Verde? — perguntou Brian Kwok.
— Todo xangaiense importante é igualmente suspeito. Meus Deus, Brian, você sabe que dizem que Chang Kai-chek entregou Xangai à Pang Verde há anos, como seu distrito exclusivo, em troca do apoio deles na sua campanha setentrional contra os senhores da guerra. A Pang Verde ainda não é, mais ou menos, uma sociedade secreta nacionalista oficial? Brian Kwok disse:
— Onde foi que Tsu-yan ganhou o seu dinheiro, Ian? Sua primeira fortuna?
— Não sei. Conte-me, Brian.
— Ganhou-a durante a Guerra da Coréia, contrabandeando penicilina, drogas e gasolina, especialmente penicilina, para o outro lado da fronteira, para os comunistas. Antes da Coréia, tudo o que tinha era uma tanga e um jinriquixá desconjuntado.
— São boatos, Brian.
— A Struan também fez fortuna.
— É. Mas seria muito pouco sensato sugerir que a fizemos contrabandeando... pública ou particularmente — falou Dunross, suavemente. — Muito pouco sensato, realmente.
— E não fizeram?
— A Struan começou com um pouco de contrabando há cento e vinte e tantos anos, segundo consta, mas era uma profissão honrada, e nunca contra a lei britânica. Somos capitalistas tementes à lei e mercadores da China, e o temos sido há anos.
Brian Kwok não sorriu.
— Outros boatos dizem que um bocado da penicilina dele não prestava. Não prestava mesmo.
— Se não prestava, se isso for verdade, por favor, vá prendê-lo, Brian — disse Dunross, friamente. — Pessoalmente, acho que é mais um boato espalhado por competidores invejosos. Se isso fosse verdade, ele estaria boiando na baía, com os outros que tentaram, ou seria punido, como Wong Pó Estragado.
Referia-se a um contrabandista de Hong Kong que vendera grande quantidade de penicilina estragada para o outro lado da fronteira, durante a Guerra da Coréia, e investira sua fortuna em ações e terras em Hong Kong. Dentro de sete anos, estava riquíssimo. E então, certas tríades de Hong Kong tiveram ordens para acertar as contas. Cada semana um membro da família dele desaparecia, ou morria. Por afogamento, acidente de carro, estrangulamento, veneno ou arma branca. Nenhum assaltante jamais foi preso. A matança continuou por dezessete meses e três semanas, e depois parou. Apenas ele e um neto, um bebê meio retardado, sobreviveram. Ainda viviam, enfurnados no mesmo vasto apartamento de cobertura, outrora luxuoso, com um criado e um cozinheiro, apavorados, vigiados dia e noite, sem jamais sair de casa... sabendo que nem guardas nem dinheiro algum no mundo seriam capazes de impedir a inexorabilidade da sua sentença, publicada num quadrinho minúsculo de um jornal chinês local: "Wong Pó Estragado será punido, ele e todas as suas gerações". Brian Kwok disse:
— Entrevistamos o sujeito certa vez, Robert e eu.
— Não diga!
— É assustador. Todas as portas têm trancas duplas e correntes, todas as janelas são fechadas com tábuas e pregos... só uns buraquinhos aqui e ali, por onde espiar. Ele não saiu de casa desde que a matança começou. O lugar fedia, meu Deus, mas como fedia! Só o que ele faz é jogar damas com o neto e ver televisão.
— E esperar — disse Armstrong. — Um dia irão atrás dos dois. O neto deve estar agora com uns sete ou oito anos.
Dunross disse:
— Acho que você provou o que eu disse. Tsu-yan não é como ele, e nunca foi. E qual a utilidade de uns poucos Ml4 para Tsu-yan? Imagino que, se quisesse, poderia reunir metade do exército nacionalista, junto com um batalhão de tanques.
— Em Formosa, mas não em Hong Kong.
— Tsu-yan já esteve alguma vez envolvido com Bartlett? — perguntou Armstrong. — Nas suas negociações?
— Já. Esteve uma vez em Nova York, e em Los Angeles, nos representando. Ambas as vezes com John Chen. Eles deram início ao acordo entre a Struan e as Indústrias Par-Con, que deverá ser ultimado... ou abandonado... aqui, este mês, e convidaram Bartlett formalmente para vir a Hong Kong, em meu nome.
Armstrong olhou para seu parceiro chinês. Depois, perguntou:
— E quando foi isso?
— Há quatro meses. Foi necessário todo esse tempo para os dois lados prepararem todos os detalhes.
— John Chen, hem? — comentou Armstrong. — Ele bem que podia ser o Chen da Casa Nobre.
— Sabe que John não é desse tipo — falou Dunross. — Não há motivo para ele estar metido numa trama dessas. Deve ser coincidência.
— Há mais uma coincidência curiosa — falou Brian Kwok. — Tanto Tsu-yan quanto John Chen conhecem um americano chamado Banastasio, ou pelo menos ambos já foram vistos em sua companhia. O nome não lhe diz nada?
— Não. Quem é ele?
— Um jogador da pesada, e suspeito de ser escroque. Dizem também que mantém ligações estreitas com uma das famílias da Cosa Nostra. Vincenzo Banastasio.
Os olhos de Dunross se estreitaram.
— Você falou "foram vistos em sua companhia". Quem foi que viu?
— O FBI.
O silêncio ficou mais pesado.
Armstrong enfiou a mão no bolso para puxar um cigarro. Dunross empurrou em sua direção a caixa de cigarros de prata.
— Tome.
— Ah, obrigado. Não, não vou fumar... agi sem pensar. Há duas semanas que parei. Cigarro mata. — A seguir acrescentou, tentando controlar o seu desejo: — O FBI nos passou a informação porque Tsu-yan e John Chen são figuras muito destacadas aqui. Pediram-nos que ficássemos de olho neles.
Foi então que Dunross se lembrou de repente do comentário de Foxwell sobre um importante capitalista que era comunista em segredo, e a quem estava vigiando no Sinclair Towers. "Santo Deus", pensou, "Tsu-yan tem um apartamento lá, e John Chen também. Mas é impossível que um deles esteja metido com os comunistas."
— Claro que a heroína é um negócio grande — dizia Armstrong, com voz muito dura.
— O que quer dizer, Robert?
— O tráfico de drogas exige quantias imensas para financiá-lo. Dinheiro de tal ordem só pode vir de bancos ou banqueiros, disfarçadamente, é claro. Tsu-yan faz parte da diretoria de vários bancos... e o Sr. Chen também.
— Robert, é melhor ir com muita calma nesse tipo de comentário — falou Dunross, com voz áspera. — Está tirando conclusões muito perigosas, sem prova alguma. Isso pode ser discutível, creio, e não o admito.
— Tem razão, desculpe. Retiro a coincidência. Mesmo assim, o comércio de drogas é um negócio e tanto, e existe aqui em Hong Kong em abundância, especialmente para posterior consumo nos Estados Unidos. Vou dar um jeito de descobrir quem são os nossos homens maus.
— É elogiavel. E terá todo o auxílio que quiser da Struan e de mim. Também odeio o tráfico.
— Ah, não o odeio, tai-pan, nem aos traficantes. É um fato da vida. É só mais um negócio... ilegal, é claro, mas ainda assim um negócio. Deram-me a tarefa de descobrir quem são os tai-pans. É uma questão de satisfação pessoal, nada mais.
— Se quiser ajuda, é só pedir.
— Obrigado. — Armstrong levantou-se, cansado. — Antes de partirmos, tenho mais duas coincidências para o senhor. Quando Tsu-yan e o Chen da Casa Nobre foram mencionados, hoje de manhã, pensamos em bater um papinho com eles imediatamente, mas logo depois que descobrimos as armas, Tsu-yan pegou o primeiro vôo para Taipé. Curioso, não?
— Ele viaja daqui para lá o tempo todo — falou Dunross, sua inquietação aumentando vertiginosamente. Tsu-yan era esperado na sua festa, logo mais à noite. Seria um fato extraordinário se não comparecesse.
Armstrong assentiu.
— Parece que foi uma decisão de última hora... não tinha reservas, nem bilhete, nem bagagens, mas passou alguns dólares extras por baixo do balcão, e alguém desistiu do vôo, deixando-lhe o lugar. Carregava apenas uma pasta. Estranho, não?
Brian Kwok falou:
— Não temos a mínima esperança de conseguir sua extradição de Formosa.
Dunross fitou-o, depois voltou a encarar Armstrong, os olhos firmes e da cor do gelo do mar.
— Disse que havia duas coincidências. Qual é a outra?
— Não conseguimos achar John Chen.
— Mas do que está falando?
— Não está em casa, nem na casa da namorada, nem nos lugares que costuma freqüentar. Há meses que o vigiamos, assim como a Tsu-yan, desde que o FBI nos alertou sobre eles.
O silêncio aumentou.
— Verificou o barco dele? — perguntou Dunross, já certo da resposta.
— Está atracado, não saiu desde ontem. Seu marinheiro também não o viu.
— No campo de golfe?
— Não está lá — falou Armstrong. — Nem na pista de corridas. Não foi assistir ao treino, embora fosse esperado, segundo o treinador. Sumiu, desapareceu, evaporou-se.