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20h45m
O policial estava apoiado a um canto do balcão de informações, observando o eurasiano alto disfarçadamente. Usava um terno de tropical claro e a gravata da polícia sobre uma camisa branca; fazia calor dentro do terminal fortemente iluminado, o ar estava úmido e pesado de odores, e um montão de chineses barulhentos se movimentavam pelo prédio, como sempre. Uma abundância de cantonenses, alguns asiáticos, uns poucos europeus.
— Superintendente? — Uma das moças do setor de informações estendia-lhe um telefone. — É para o senhor — disse, e deu um sorriso bonito, dentes brancos, cabelos escuros, olhos negros, linda pele dourada.
— Obrigado — disse ele, notando que ela era cantonense e jovem, e não se importou com a realidade do vazio do seu sorriso, sem nada por trás dele senão uma obscenidade cantonense. — Pronto — falou, ao aparelho.
— Superintendente Armstrong? Aqui fala a torre: o Yankee 2 acaba de pousar, no horário.
— Ainda é o portão 16?
— É. Estará lá dentro de seis minutos.
— Obrigado. — Robert Armstrong era um homem grande, e inclinou-se sobre o balcão para repor o fone no gancho. Notou as pernas longas da moça e a curva de seu traseiro no cheong-sam uniformizado, lustroso e um tantinho justo demais, e imaginou por um breve momento como seria ela na cama. — Como se chama? — perguntou, sabendo que qualquer chinês detestava dar o nome a um policial, especialmente se fosse europeu.
— Mona Leung, senhor.
— Obrigado, Mona Leung.
Fez-lhe um gesto de cabeça, com os olhos azul-claros fitos nela, e notou o leve arrepio de apreensão que a percorreu.
Ficou satisfeito. "Vá tomar no rabo você também", pensou, depois voltou a focalizar a atenção na sua presa.
O eurasiano, John Chen, estava no lado de uma das saídas, sozinho, e isso o surpreendeu, assim como o fato de estar nervoso. Geralmente, John Chen era imperturbável, mas agora, a curtos intervalos, olhava para o relógio de pulso, depois para o quadro de chegada, depois de novo para o relógio.
"Mais um minuto e então começaremos", pensou Armstrong.
Começou a procurar um cigarro no bolso, depois lembrou-se de que deixara de fumar há duas semanas, como presente de aniversário para a mulher. Então praguejou rapidamente e enfiou as mãos mais fundo nos bolsos.
À volta do balcão de informações, passageiros e pessoas à espera de passageiros, aborrecidos, chegavam, empurravam, iam embora e voltavam de novo, perguntando em altas vozes onde, quando, como e por quê, e onde novamente, numa infinidade de dialetos. O cantonense ele compreendia bem, compreendia um pouco do mandarim e do dialeto de Xangai. Algumas expressões chu-chow e a maioria dos seus palavrões. Um pouco do dialeto de Formosa.
Deixou então o balcão, mais alto uma cabeça do que a maioria da multidão, um homem grande, de ombros largos, com um caminhar descontraído e atlético, há dezessete anos na força policial de Hong Kong, agora chefe do DIC, Departamento de Investigações Criminais, de Kowloon.
— Boa noite, John — cumprimentou. — Como vão as coisas?
— Oh, alô, Robert — disse John Chen, pondo-se em guarda instantaneamente, no seu inglês com sotaque americano. — Tudo bem, obrigado. E você?
— Muito bem. Seu contato no aeroporto mencionou à Imigração que você veio receber um vôo especial, um avião fretado... o Yankee 2.
— É, mas não é avião fretado. É particular. Pertence a Lincoln Bartlett... o milionário americano.
— Ele está a bordo? — perguntou Armstrong, sabendo que estava.
— Está.
— Com comitiva?
— Só o seu vice-presidente-executivo... o destruidor da reputação dos seus oponentes.
— O Sr. Bartlett é um amigo? — perguntou, sabendo que não era.
— Um convidado. Esperamos fazer negócios com ele.
— É? Bem, o avião dele acaba de pousar. Por que não vem comigo? Deixaremos de lado toda a burocracia para você. É o mínimo que podemos fazer pela Casa Nobre, não é?
— Obrigado por se dar ao trabalho.
— Não é trabalho algum.
Armstrong foi na frente, e cruzaram uma porta lateral na barreira da alfândega. Os policiais uniformizados ergueram os olhos, batendo continência imediatamente para Armstrong, e observando, pensativos, a figura de John Chen, a quem reconheceram de pronto.
— O nome de Lincoln Bartlett — continuou Armstrong, com fingida cordialidade — não me diz nada. Será que deveria?
— Só se você estivesse no ramo empresarial — disse John Chen. Depois continuou, nervosamente: — O apelido dele é "O Incursor", por causa de suas bem-sucedidas incursões e compras de controle de outras companhias, freqüentemente bem maiores que a dele. Um homem interessante. Conheci-o em Nova York, no ano passado. O conglomerado dele tem uma renda bruta de quase meio bilhão de dólares por ano. Dizem que começou em 45, com dois mil dólares emprestados. Agora está metido com derivados do petróleo, engenharia pesada, eletrônica, mísseis, faz um bocado de trabalho para o governo americano, espuma, produtos de espuma de poliuretano, fertilizantes... tem até mesmo uma companhia que faz e vende esquis e artigos esportivos. O grupo dele chama-se Indústrias Par-Con. Basta pensar numa coisa, e ele a tem.
— Pensei que sua companhia já possuísse tudo. John Chen sorriu cortesmente.
— Não nos Estados Unidos, e não é minha companhia. Sou apenas um acionista minoritário da Struan, um empregado.
— Mas é diretor, e o filho mais velho da Casa Nobre Chen; portanto, será o próximo representante nativo junto à firma.
Segundo o costume histórico, o representante nativo era sempre um empresário chinês ou eurasiano que agia como intermediário exclusivo entre a firma comercial européia e os chineses. Todas as transações passavam pelas suas mãos, e um pouquinho de tudo grudava-se a elas.
"Tanto dinheiro e tanto poder", pensou Armstrong, "e no entanto, com um pouquinho de sorte, podemos fazê-lo em pedaços, e a Struan junto com você. Meu Deus", pensou, nauseado com a doçura da expectativa, "se isso acontecer, o escândalo vai explodir Hong Kong."
— Será o representante deles, como seu pai, seu avô e seu bisavô o foram, antes de você. Seu bisavô foi o primeiro, não foi? Sir Gordon Chen, o representante nativo do grande Dirk Struan, que fundou a Casa Nobre, e praticamente fundou Hong Kong.
— Não. O representante de Dirk foi um homem chamado Chen Sheng. Sir Gordon Chen foi o representante do filho de Dirk, Culum Struan.
— Eram meios irmãos, não é?
— É o que diz a lenda.
— Ah, lendas... delas nos alimentamos. Culum Struan, outra lenda de Hong Kong. Mas Sir Gordon também é uma lenda... você tem sorte.
Sorte?, perguntou-se John Chen, com amargura. Descender do filho ilegítimo de um pirata escocês — um traficante de ópio, um gênio depravado e malvado, um assassino, se algumas das histórias fossem verdadeiras — e uma garota cantonense desenxabida tirada de um bordel nojento que ainda existe num beco nojento de Macau? Saber que quase todo mundo em Hong Kong conhecia a sua linhagem e ser desprezado por causa dela, por ambas as raças?
— Não é sorte — falou, tentando aparentar calma. Seus cabelos escuros tinham fios grisalhos, o rosto era anglo-saxão e bonito, embora um pouco flácido nas bochechas, e os olhos escuros apenas levemente asiáticos. Tinha quarenta e dois anos, e usava ternos de tropical, sempre impecavelmente talhados, com sapatos Hermes e relógio Rolex.
— Não concordo — falou Armstrong, sem ironia. — Ser o representante nativo da Struan, a Casa Nobre da Ásia... é algo muito especial.
— É, é especial — disse John Chen, secamente.
Desde que se entendia por gente, sua herança familiar o atormentava. Podia sentir olhos a fitá-lo — a ele, o filho mais velho, o seguinte na linha de sucessão —, podia sentir a cobiça e a inveja perenes. Aquilo o aterrorizava continuamente, embora tentasse combater de todas as formas o terror. Nunca quisera aquele poder ou aquela responsabilidade. Na véspera mesmo tivera outra briga angustiante com o pai, pior que as anteriores.
— Não quero ter nada a ver com a Struan! — berrara. — Pela centésima vez, quero dar o fora de Hong Kong, quero voltar para os Estados Unidos, quero viver a minha vida, do jeito que quero, onde quero e como quero!
— Pela milésima vez, vai me escutar. Mandei-o para os Esta...
— Deixe-me cuidar dos nossos interesses americanos, Pai.
Por favor. Há coisa de sobra para se fazer! Podia me dar uns dois mil...
— Ayeeyah, trate de me escutar! É aqui, aqui em Hong Kong e na Ásia que ganhamos o nosso dinheiro! Mandei-o estudar nos Estados Unidos para preparar a família para o mundo moderno. Está preparado, é seu dever para com a fam...
— Pai, há Richard, e o jovem Kevin... Richard é dez vezes melhor comerciante que eu, e está louco para agir. E quanto ao tio Jam...
— Fará o que estou mandando! Santo Deus, sabe que este americano Bartlett é vital para nós, precisamos do seu conheci...
—...tio James ou tio Thomas. Tio James seria o melhor para o senhor; melhor para a família e mel...
— Você é o meu filho mais velho. Será o próximo chefe de família e o próximo representante da firma!
— Juro por Deus que não!
— Então não ganhará nem mais um tostão furado!
— O que não fará muita diferença! Todos nós só recebemos uma miséria, não importa o que os estranhos pensem! Quanto o senhor vale? Quantos milhões? Cinqüenta? Setenta? Cem?...
— A não ser que peça desculpas imediatamente e acabe com toda essa baboseira, agora e para sempre, deserdo você agora mesmo! Agora mesmo!
— Peço desculpas por deixá-lo zangado, mas nunca vou mudar! Nunca!
— Dou-lhe um tempo até o meu aniversário. Oito dias. Oito dias para se tornar um filho obediente. É a minha última palavra. A não ser que se torne obediente até o meu aniversário, retirarei você e sua linhagem para sempre da nossa árvore genealógica! Agora, saia daqui!
O estômago de John Chen retorceu-se, desagradavelmente. Odiava as brigas intermináveis, o pai roxo de raiva, a mulher em lágrimas, os filhos apavorados, a madrasta, irmãos e primos todos exultando maldosamente, querendo que ele se fosse, todas as suas irmãs, a maioria dos tios, todas as suas mulheres. Inveja, cobiça. "Para o diabo tudo e todos", pensou. "Mas o Pai tem razão quanto a Bartlett, embora não do jeito que imagina. Não. Este é para mim. Este negócio. Basta este para eu ficar livre para sempre."
A essa altura já tinham atravessado quase todo o longo saguão da alfândega, fortemente iluminado.
— Vai às corridas no sábado? — perguntou John Chen.
— E quem não vai?
Na semana anterior, para êxtase geral, o imensamente poderoso Turf Club, com o seu monopólio exclusivo das corridas de cavalo — a única forma legal de jogo permitida na colônia —, distribuíra um aviso especial:
"Embora a nossa temporada oficial não comece este ano antes de 5 de outubro, com a gentil permissão de nosso ilustre governador, Sir Geoffrey Allison, os administradores resolveram declarar o sábado, dia 24 de agosto, um Dia de Corridas Muito Especial, para o prazer de todos, e como homenagem à nossa população trabalhadora, que está suportando o forte peso da segunda pior seca de nossa história com ânimo forte..."
— Ouvi dizer que a sua Golden Lady corre no quinto páreo — disse Armstrong.
— O treinador disse que ela tem chance. Por favor, venha até a tribuna do Pai tomar um drinque conosco. Bem que eu podia usar alguns dos seus palpites, você é um grande apostador.
— Só tenho sorte. Mas meus dez dólares de apostas jamais poderiam se comparar aos seus dez mil.
— Mas isso é só quando algum de nossos cavalos está correndo. A temporada passada foi um desastre... estou a fim de um vencedor.
— Eu também. — "Ah, Deus, como preciso de um vencedor", pensou Armstrong. "Mas quanto a você, Johnny Chen, está se cagando se perde ou ganha dez mil ou cem mil." Tentou controlar a sua inveja crescente. "Acalme-se", disse a si mesmo. "Os vigaristas existem, e é seu trabalho apanhá-los, se puder... não importa quão ricos ou poderosos sejam... e se contentar com o seu salário miserável quando em cada esquina há um monte de grana grátis. Por que invejar este filho da mãe... vai se ferrar, de um jeito ou de outro." — Ah, a propósito, mandei um guarda ir buscar o seu carro para passá-lo pelo portão. Estará à sua espera e dos seus convidados na saída do avião.
— Puxa, que ótimo, obrigado. Lamento a trabalheira.
— Não é trabalheira nenhuma. É uma questão de prestígio. Não é? Achei que devia ser muito especial, para você vir em pessoa. — Armstrong não pôde resistir a mais uma alfinetada. — Como já disse, nada é trabalho demais para a Casa Nobre.
John Chen manteve o seu sorriso cortês, mas pensou: "Vá se foder. Nós o toleramos pelo que é, um tira muito importante, cheio de inveja, com dívidas até o pescoço, certamente corrupto e que nada entende de cavalos. Vá se foder duas vezes. Dew neh loh moh para todas as suas gerações", pensou John Chen, mas disfarçou cuidadosamente o pensamento obsceno, pois embora Armstrong fosse verdadeiramente odiado por todos os yan de Hong Kong, John Chen sabia, de longa experiência, que a astúcia implacável e vingativa de Armstrong era digna de um manchu nojento. Estendeu a mão para a meia moeda que usava num fio de couro fino ao pescoço. Seus dedos tremeram ao tocar no metal, através da camisa. Estremeceu, involuntariamente.
— O que foi? — perguntou Armstrong.
— Nada. Nada mesmo. "Controle-se", pensou John Chen.
Já haviam cruzado o saguão da alfândega e estavam na área da Imigração, com a noite escura lá fora. Filas de pessoas ansiosas, inquietas, cansadas, esperavam diante das mesas pequenas e ordeiras dos funcionários da Imigração, uniformizados e de ar frio. Os homens saudaram Armstrong. John Chen sentiu sobre si seus olhos perscrutadores.
Como sempre, seu estômago dava voltas sob o escrutínio deles, embora soubesse que estava a salvo de suas perguntas insistentes. Tinha um passaporte britânico, não apenas um passaporte de Hong Kong de segunda classe, e também um cartão verde americano — o cartão dos estrangeiros —, o bem sem preço que lhe dava livre acesso a trabalhar, divertir-se e morar nos Estados Unidos, todos os privilégios de um americano nato, exceto o direito de votar. E quem precisava votar, pensou, e devolveu o olhar de um dos homens, tentando ganhar coragem, mas mesmo assim sentindo-se despido ante o olhar fixo do homem.
— Superintendente? — Um dos funcionários segurava um telefone. — É para o senhor.
Ficou olhando Armstrong voltar para atender ao telefonema, e imaginou como seria ser um policial, com tantas oportunidades para a corrupção, e pela milionésima vez, como seria ser totalmente britânico ou totalmente chinês, e não um eurasiano desprezado por ambas as raças.
Olhava enquanto Armstrong escutava atentamente, depois ouviu-o dizer, acima da balbúrdia:
— Não, basta protelar. Eu mesmo trato disso, pessoalmente. Obrigado, Tom.
Armstrong voltou.
— Desculpe — disse. Depois cruzou o cordão da Imigração, subiu um pequeno corredor e entrou na sala VIP. Era simpática e espaçosa, com um bar e uma bela vista do aeroporto, da cidade e da baía. A sala estava vazia, exceto por dois funcionários da Imigração e da alfândega, e um dos homens de Armstrong esperando junto ao portão 16... uma porta de vidro que dava para a pista iluminada. Podiam ver o 707 chegando junto às suas marcas de estacionamento.
— Boa noite, sargento Lee — disse Armstrong. — Tudo certo?
— Sim, senhor. O Yankee 2 está desligando os motores. O sargento Lee bateu continência de novo, e abriu o portão para eles.
Armstrong olhou para John Chen, sabendo que o gargalo da armadilha estava quase fechado.
— Pode passar.
— Obrigado.
John Chen saiu para a pista de tarmac.
O Yankee 2 agigantava-se acima deles, os jatos que se desligavam emitindo apenas um rosnar abafado. A tripulação de terra colocava a escada alta, motorizada, no lugar. Pelas pequenas janelas da cabine podiam ver os pilotos fracamente iluminados. A um canto, nas sombras, estava o Silver Cloud Rolls azul-escuro de John Chen, com o chofer chinês uniformizado de pé ao lado da porta, e um policial próximo.
A porta principal do avião se abriu e um comissário uniformizado saiu para cumprimentar os dois funcionários do aeroporto que esperavam na plataforma. Ele entregou a um dos funcionários uma sacola com os documentos do avião e o manifesto de chegada, e começaram a bater papo, afavelmente. Então todos pararam. Respeitosamente. E fizeram uma saudação cortês.
A moça era alta, elegante, requintada e americana.
Armstrong assobiou baixinho.
— Ayeeyah!
— Bartlett tem bom gosto — comentou John Chen, o coração batendo mais depressa.
Ficaram observando enquanto ela descia as escadas, ambos perdidos em reflexões masculinas.
— Acha que é modelo?
— Anda como se fosse. Quem sabe uma estrela de cinema?
John Chen se adiantou.
— Boa noite. Sou John Chen, da Struan. Vim receber o Sr. Bartlett e o Sr. Tchuluck.
— Ah, claro, Sr. Chen. Muita gentileza sua, senhor, especialmente num domingo. Prazer em conhecê-lo, Sou K. C. Tcholok. Linc disse que se...
— Casey Tchuluck? — John Chen fitou-a, de boca aberta. — Como?
— É — disse ela, com um sorriso amável, ignorando pacientemente a pronúncia errada. — Sabe, Sr. Chen, como as minhas iniciais são K. C, acabei ficando com o apelido de Casey, que é a pronúncia inglesa das duas letras juntas. — Fitou Armstrong. — Boa noite. Também é da Struan?
A voz dela era melodiosa.
— Ah, sim, desculpe, este, este é o superintendente Armstrong — gaguejou John Chen, ainda tentando se recuperar.
— Boa noite — cumprimentou Armstrong, notando que ela ainda era mais atraente vista de perto. — Bem-vinda a Hong Kong.
— Obrigada. Superintendente? Da polícia? — E então o nome se encaixou no lugar. — Ah, Armstrong. Robert Armstrong? Chefe do DIC de Kowloon?
Ele disfarçou a surpresa.
— Está muito bem informada, srta. Tcholok. — Ela riu.
— Parte da minha rotina. Quando vou a um lugar novo, especialmente um como Hong Kong, meu trabalho é estar preparada... portanto mandei buscar as listagens atuais.
— Não temos listagens publicadas.
— Eu sei. Mas a administração de Hong Kong imprime um catálogo telefônico do governo que qualquer um pode comprar por uma ninharia. Mandei buscar um desses. Constam dele todos os departamentos policiais... chefes dos departamentos, a maioria com o telefone de casa... juntamente com todos os outros departamentos governamentais. Consegui um catálogo através do escritório de RP de Hong Kong, em Nova York.
— Quem é o chefe da Seção Especial? — perguntou, testando-a.
— Não sei. Não creio que esse departamento esteja incluído. Está?
— Às vezes.
Uma ligeira ruga vincava-lhe a testa.
— Vem receber todos os aviões particulares, superintendente?
— Somente quando me dá vontade. — Sorriu para ela. — Somente quando há senhoras bonitas e bem-informadas a bordo.
— Alguma coisa errada? Algum problema?
— Ah, não. Só rotina. O aeroporto de Kai Tak é parte de minha responsabilidade — disse Armstrong, com naturalidade. — Posso ver seu passaporte, por favor?
— Claro.
A ruga se aprofundou, enquanto ela abria a bolsa e lhe entregava o passaporte americano.
Anos de experiência fizeram com que a inspeção dele fosse muito detalhada.
— Nasceu em Providence, Rhode Island, a 25 de novembro de 1936; altura, um metro e setenta e três, cabelos louros, olhos castanho-amarelados.
O passaporte ainda tinha validade por dois anos. "Vinte e seis, hem? Pensei que fosse mais moça, mas se a gente olhar de perto, nota algo estranho nos olhos dela."
Com casualidade aparente, foi virando descuidadamente as páginas. Seu visto de três meses para Hong Kong estava em ordem. Uma dúzia de carimbos de imigração, todos da Inglaterra, França, Itália ou América do Sul. Exceto um. URSS, datado de julho daquele ano. Uma visita de sete dias. Reconheceu o carimbo de Moscou.
— Sargento Lee!
— Pronto, senhor.
— Mande carimbá-lo para ela — disse, com naturalidade, e sorriu para a moça. — Tudo em ordem. Pode ficar o tempo que quiser. Quando os três meses estiverem chegando ao fim, basta ir à delegacia mais próxima e prolongaremos o seu visto.
— Muitíssimo obrigada.
— Vai ficar com a gente durante muito tempo?
— Isso vai depender dos nossos negócios — disse Casey, depois de uma pausa. Sorriu para John Chen. — Esperamos que os nossos negócios durem muito tempo.
John Chen disse:
— E nós esperamos a mesma coisa.
Ainda estava intrigado, com a cabeça a mil por hora. "Certamente é impossível que Casey Tcholok seja uma mulher", pensou.
Às costas deles o comissário de bordo, Sven Svensen, desceu animadamente a escada, carregando duas malas leves.
— Pronto, Casey. Tem certeza de que chega, por esta noite?
— Tenho, sim. Obrigada, Sven.
— Linc mandou você ir na frente. Quer uma mãozinha para passar pela alfândega?
— Não, obrigada. O Sr. John Chen teve a gentileza de vir nos receber. Assim como o superintendente Armstrong, chefe do DIC de Kowloon.
— Certo. — Sven olhou pensativo para o policial, por um momento. — É melhor eu voltar.
— Tudo bem? — perguntou ela.
— Acho que sim. — Sven Svensen abriu um sorriso. — A alfândega está verificando o nosso estoque de bebidas e cigarros.
Apenas quatro coisas estavam sujeitas a licença de importação ou taxa alfandegária na colônia: ouro, bebidas alcoólicas, fumo e gasolina. Só um contrabando (sem falar em narcóticos) era totalmente proibido: todas as formas de armas de fogo e munição.
Casey sorriu para Armstrong.
— Não temos arroz a bordo, superintendente. Linc não come arroz.
— Então vai passar mal aqui.
Ela deu uma risada, depois virou-se para Svensen.
— Até amanhã. Obrigada.
— Às nove em ponto!
Svensen voltou para o avião, e Casey virou-se para John Chen.
— Linc disse que não esperássemos por ele. Espero que não haja mal nisso — disse.
— Hã?
— Vamos? Temos reservas no Victoria and Albert Hotel, em Kowloon. — Começou a pegar as malas, mas um carregador surgiu de dentro da escuridão e tirou-as de suas mãos. — Linc virá mais tarde... ou amanhã.
John Chen ficou olhando para ela, com cara de bobo.
— O Sr. Bartlett não vem?
— Não. Vai passar a noite no avião, se obtiver permissão. Senão, virá depois, de táxi. De qualquer modo, almoçará conosco amanhã, conforme o combinado. O almoço ainda está de pé, não é mesmo?
— Claro, mas... — John Chen tentava pôr sua cabeça para funcionar. — Então, vai querer cancelar a reunião das dez horas?
— Ah, não. Comparecerei, como foi combinado. Linc não é esperado nessa reunião, que trata só de finanças... não de política. Estou certa de que compreende. Linc está muito cansado, Sr. Chen. Chegou da Europa ontem. — Olhou para Armstrong. — O comandante perguntou à torre se Linc podia pernoitar no avião, superintendente. Eles foram verificar com a Imigração; de lá responderam que depois entrariam em contato conosco, mas imagino que nosso pedido acabará chegando às suas mãos. Gostaríamos muito que o aprovasse. Linc está há muito tempo com os horários descontrolados, por causa das viagens a jato.
Armstrong se pegou dizendo:
— Acertarei isso com ele.
— Ah, obrigada, muito obrigada. — Voltou-se novamente para John Chen. — Desculpe toda essa trabalheira, Sr. Chen. Vamos?
Começou a se dirigir para o portão 16, com o carregador atrás, mas John Chen indicou o seu Rolls.
— Não, por aqui, srta. Tchu... Casey. — Ela arregalou os olhos.
— E a alfândega?
— Hoje, não — disse Armstrong, gostando dela. — Um presente do governo de Sua Majestade.
— Sinto-me como se fosse membro da realeza, em visita.
— Tudo faz parte do serviço.
Ela entrou no carro. Cheiro gostoso de couro. E de luxo. Então, notou o carregador cruzando o portão que levava ao terminal do aeroporto.
— Mas, e quanto às minhas malas?
— Não precisa se preocupar com elas — falou John Chen, com irritação. — Estarão na sua suíte antes que chegue lá.
Armstrong ficou segurando a porta por mais um momento.
— John veio com dois carros. Um para a senhorita e o Sr. Bartlett... outro para a bagagem.
— Dois carros?
— Claro. Não se esqueça de que está em Hong Kong.
Armstrong ficou observando o carro se afastar. "Linc Bartlett é um homem de sorte", pensou, e ficou imaginando, distraidamente, por que o SEI, Serviço Especial de Informações, estava interessado nela.
— Vá receber o avião e examine o passaporte dela pessoalmente — o diretor do sei lhe dissera, pela manhã. — E o do Sr. Lincoln Bartlett também.
— Posso saber por quê, senhor?
— Não, Robert, não pode. Já não faz mais parte desta seção... está num empreguinho confortável em Kowloon. Uma bela sinecura, pois não?
— Sim, senhor.
— E Robert, faça o favor de não esculhambar a nossa operação de hoje à noite... pode haver muitos figurões envolvidos. Temos um trabalhão para manter vocês atualizados com o que os "homens maus" estão fazendo.
— Sim, senhor.
Armstrong suspirou enquanto subia as escadas que levavam ao avião, seguido pelo sargento Lee. Dew neh loh moh para todos os oficiais superiores, especialmente o diretor do SEI.
Um dos funcionários da alfândega esperava no topo da escada, junto com Svensen.
— Boa noite, senhor — cumprimentou ele. — Tudo em ordem a bordo. Há um 38 com uma caixa de cem cartuchos fechada como parte do estoque do avião. Uma pistola Verey Light. E mais três rifles de caça e um calibre 12 com munição, pertencentes ao Sr. Bartlett. Estão todos arrolados no manifesto de carga, e já os inspecionei. Há um armário de armas trancado na cabine principal. O comandante tem a chave.
— Ótimo.
— Ainda vai precisar de mim, senhor?
— Não, obrigado. — Armstrong pegou o manifesto de carga do avião e começou a verificá-lo. Muito vinho, cigarro, fumo, cerveja e bebidas mais fortes. Dez caixas de Dom Pérignon 59, quinze de Puligny Montrachet 53, nove de Château Haut Brion 53. — Não têm Lafite Rothschild 1916, Sr. Svensen? — perguntou, com um sorrisinho.
— Não, senhor — respondeu Svensen, com um sorriso amplo.— 1916 foi um ano muito ruim. Mas temos meia caixa do 1923. Está na página seguinte.
Armstrong virou a página. Havia mais vinhos e charutos na lista.
— Ótimo — falou. — Naturalmente, tudo isso estará sob retenção alfandegária, enquanto estiverem em terra.
— Sim, senhor. Já tranquei tudo no armário... e seu homem o lacrou. Disse que não fazia mal deixar uma caixa com doze latas de cerveja na geladeira.
— Se quiser importar qualquer vinho, basta me avisar. Não há complicações, apenas uma modesta contribuição para a gaveta inferior de Sua Majestade.
— Como? — perguntou Svensen, perplexo.
— Hem? Ah, só uma piadinha inglesa. Refere-se à gaveta inferior da cômoda de uma senhora... onde guarda as coisas de que vai precisar no futuro. Desculpe. O seu passaporte, por favor. — O passaporte de Svensen era canadense. — Obrigado.
— Posso apresentá-lo ao Sr. Bartlett? Está à sua espera.
Svensen entrou no avião, à sua frente. O interior era elegante e simples. Saindo do pequeno corredor, entrava-se numa sala de estar com meia dúzia de poltronas de couro e um sofá. Uma porta central isolava o resto do avião, na direção da popa. Numa das poltronas uma aeromoça dormitava, com as maletas ao lado. À esquerda ficava a porta da cabine de vôo. Estava aberta.
O comandante e o co-piloto estavam nos seus lugares, ainda examinando a papelada.
— Com licença, comandante. Este é o superintendente Armstrong — disse Svensen, afastando-se.
— Boa noite, superintendente — falou o comandante. — Sou o comandante Jannelli e este é o meu co-piloto, Bill O'Rourke.
— Boa noite. Posso ver seus passaportes, por favor?
Os dois pilotos tinham vistos internacionais e carimbos de imigração aos montes. Nenhum país da Cortina de Ferro. Armstrong entregou-os ao sargento Lee, para carimbá-los.
— Obrigado, comandante. Esta é sua primeira visita a Hong Kong?
— Não, senhor. Estive aqui umas duas vezes, de licença, durante a Guerra da Coréia. E viajei com a Far Eastern, como primeiro-oficial, durante seis meses, na rota da volta ao mundo deles em 56, durante os tumultos.
— Que tumultos? — quis saber O'Rourke.
— Kowloon inteira explodiu. Uns duzentos mil chineses de repente endoidaram, saíram por aí destruindo, queimando. Os tiras, desculpe, a polícia tentou resolver a coisa com paciência, depois as turbas começaram a matar, então os tiras, bem, a polícia passou a mão nuns fuzis e matou uma meia dúzia de palhaços e tudo se acalmou rapidinho. Aqui, só a polícia tem armas de fogo, o que é uma ótima idéia. — E, dirigindo-se a Armstrong: — Acho que vocês fizeram um serviço e tanto.
— Obrigado, comandante Jannelli. Onde teve início este vôo?
— Em Los Angeles. O escritório principal de Linc, do Sr. Bartlett, fica lá.
— Sua rota foi Honolulu, Tóquio, Hong Kong?
— Sim, senhor.
— Quanto tempo ficaram parados em Tóquio?
Bill O'Rourke foi verificar imediatamente o registro.
— Duas horas e dezessete minutos. Apenas para reabastecimento, senhor.
— Um tempinho para esticar as pernas, não é? Jannelli falou:
— Fui o único a saltar. Sempre dou uma checada no trem de aterrissagem e faço uma inspeção externa, onde quer que pousemos.
— É um bom hábito — falou o policial, cortesmente. — Quanto tempo vão ficar aqui?
— Não sei, isso é com Linc. Com certeza até amanhã.
Não podemos partir antes das catorze horas. Nossas ordens são para estarmos prontos para ir a qualquer lugar, a qualquer hora.
— Tem um belo avião, comandante. Pode ficar aqui até as catorze horas. Se quiser uma prorrogação, fale com o controle de terra antes desse horário. Quando estiver pronto, passe pela alfândega por aquele portão. E por favor, que a tripulação passe toda junta.
— Claro. Logo que acabarmos de abastecer.
— O senhor e toda a sua tripulação sabem que a importação de qualquer arma de fogo para a colônia é estritamente proibida? Ficamos muito nervosos com armas de fogo em Hong Kong.
— Eu também fico, superintendente... em qualquer lugar. É por isso que possuo a única chave do armário das armas.
— Ótimo. Qualquer problema, por favor, fale com o meu gabinete.
Armstrong saiu e passou para a ante-sala, com Svensen à sua frente.
Jannelli observou-o enquanto ele inspecionava o passaporte da aeromoça. Ela era bonitinha, e chamava-se Jenny Pollard.
— Filho da puta — resmungou, depois acrescentou baixinho: — Alguma coisa aqui está cheirando mal.
— Hem?
— Desde quando um figurão do DIC vem verificar as porras dos passaportes? Tem certeza de que não estamos transportando nada de curioso?
— Porra, não. Sempre verifico tudo. Inclusive os estoques de Sven. Claro que não vistorio as coisas de Linc... nem de Casey... mas eles não fariam nenhuma burrice.
— Há quatro anos vôo para ele, e nem uma só vez... Mesmo assim, pode apostar que alguma coisa está cheirando mal. — Jannelli se virou, cansado, e se acomodou mais confortavelmente no assento do piloto. — Puxa, o que eu não daria por uma massagem e uma semana de folga.
Na ante-sala, Armstrong entregou o passaporte ao sargento Lee, que o carimbou.
— Obrigado, srta. Pollard.
— Obrigada.
— Acabou a tripulação, senhor — falou Svensen. — Agora, o Sr. Bartlett.
— Sim, por favor.
Svensen bateu à porta central e abriu-a sem esperar resposta.
— Linc, este é o superintendente Armstrong — falou, com tranqüila informalidade.
— Oi — disse Linc Bartlett, levantando-se da mesa de trabalho. Estendeu a mão. — Quer uma bebida? Cerveja?
— Não, obrigado. Quem sabe um café. Svensen dirigiu-se imediatamente para a copa.
— Vem já — falou.
— Fique à vontade. Aqui está meu passaporte — falou Bartlett. — Vou demorar só um momentinho.
Voltou à máquina de escrever, e continuou a bater nas teclas com dois dedos.
Armstrong examinou-o com calma. Bartlett tinha cabelos avermelhados, olhos azul-acinzentados, um rosto forte e bonito. Esbelto. Camisa esporte e jeans. Armstrong olhou para o passaporte. Nascido em Los Angeles, no dia 1.° de outubro de 1922. "Parece jovem, para quarenta anos", pensou. Carimbo de Moscou, como Casey Tcholok, e mais nenhuma visita à Cortina de Ferro.
Correu os olhos pelo aposento. Espaçoso, toda a largura do avião. Havia um curto corredor central na direção da popa, que dava para duas cabines e dois banheiros. E no final do corredor uma porta que imaginava dar para a suíte principal.
A cabine mais parecia um centro de comunicações. Tele-tipos, telefones internacionais, máquinas de escrever embutidas. Um relógio iluminado marcava as horas numa antepara. Arquivos, copiadora e uma escrivaninha embutida de tampo de couro, coalhada de papéis. Prateleiras com livros. Livros de impostos. Algumas brochuras. O resto eram livros de guerra, e livros sobre generais ou escritos por generais. Às dúzias. Wellington, Napoleão e Patton, Cruzada na Europa, de Eisen-hower, A arte da guerra, de Sun Tse...
— Pronto, senhor — falou uma voz, interrompendo a inspeção de Armstrong.
— Ah, obrigado, Svensen.
Pegou a xícara de café e acrescentou um pouco de creme.
Sven pôs uma lata nova e aberta de cerveja gelada ao lado de Bartlett, pegou a lata vazia e voltou para a copa, fechando a porta atrás de si. Bartlett bebeu a cerveja direto da lata, relendo o que havia escrito, depois apertou uma campainha. Svensen apareceu imediatamente.
— Diga a Jannelli que peça à torre para transmitir isso. — Svensen fez um sinal de cabeça e saiu. Bartlett relaxou os ombros e voltou-se na cadeira giratória. — Desculpe... tinha que mandar aquilo com urgência.
— Tudo bem, Sr. Bartlett. Seu pedido para pernoitar está aprovado.
— Obrigado... muito obrigado. Será que Svensen também poderia ficar? — Abriu um sorriso. — Não sou grande coisa como dono-de-casa.
— Pois não. Quanto tempo seu avião vai ficar aqui?
— Tudo depende da reunião que teremos amanhã, superintendente. Esperamos fazer negócios com a Struan. Uma semana, dez dias.
— Então vai precisar de um local de estacionamento alternativo, amanhã. Temos outro vôo VIP chegando às dezesseis horas. Disse ao comandante Jannelli para ligar para o controle de terra antes das catorze horas.
— Obrigado. O chefe do DIC de Kowloon costuma tratar do estacionamento aqui no aeroporto?
Armstrong sorriu.
— Gosto de saber o que ocorre na minha divisão. É um hábito tedioso, mas arraigado. Não é freqüente termos aviões particulares nos visitando... ou o Sr. Chen vindo receber alguém pessoalmente. Gostamos de agradar, quando possível. A Struan é dona da maior parte do aeroporto, e John é um amigo pessoal. É um velho amigo seu?
— Passei algum tempo com ele em Nova York e Los Angeles, e gostei muito dele. Sabe, superintendente, este avião é o meu cen... — Um dos telefones tocou. Bartlett atendeu. — Ah, alô, Charlie, o que está acontecendo em Nova York?... Puxa, que ótimo! Quanto?... Certo, Charlie, compre o lote todo... É, todas as duzentas mil ações... Claro, logo na segunda de manhã, assim que o mercado abra. Mande a confirmação por telex... — Bartlett largou o telefone e voltou-se para Armstrong. — Desculpe. Sabe, superintendente, este é meu centro de comunicações, e estaria perdido sem ele. Se estacionarmos por uma semana, posso entrar e sair à vontade?
— Temo que isso seja um pouco enrolado, Sr. Bartlett.
— Isso quer dizer sim, não, ou talvez?
— Ah, é gíria para "difícil". Sinto muito, mas nossa segurança em Kai Tak é muito especial.
— Se tiver que destacar mais homens, não me incomodo em pagar.
— É questão de segurança, não de dinheiro, Sr. Bartlett. E vai ver que o sistema telefônico de Hong Kong é de primeira classe.
"Além disso, vai ser muito mais fácil para o Serviço de Informações controlar suas ligações", pensou.
— Bem, se puder conseguir isso, ficaria grato. Armstrong tomou o café.
— É sua primeira visita a Hong Kong?
— É, sim. Minha primeira visita à Ásia. O mais longe que já tinha ido foi Guadalcanal, em 43.
— Exército?
— Sargento, da Engenharia. Construção... construíamos de tudo: hangares, pontes, campos, o que surgisse. Uma grande experiência. — Bartlett bebia direto da lata. — Não quer mesmo uma bebida?
— Não, obrigado. — Armstrong esvaziou a xícara, começou a se levantar. — Obrigado pelo café.
— Agora posso lhe fazer uma pergunta?
— Claro.
— Que tal é Dunross? Ian Dunross, o chefe da Struan?
— O tai-pan? — Armstrong riu francamente. — Isso depende da pessoa a quem perguntar, Sr. Bartlett. Não o conhece?
— Não, ainda não. Vou conhecê-lo amanhã. Na hora do almoço. Por que o chama de o tai-pan?
— "Tai-pan" quer dizer "líder supremo" em cantonense... a pessoa com o poder definitivo. Os chefes europeus de todas as velhas firmas comerciais são todos tai-pans, para os chineses. Mas mesmo entre os tai-pans, há sempre o maior. O tai-pan. A Struan é apelidada de Casa Nobre ou Hong Nobre, e "hong" significa "companhia". Isso remonta ao começo do comércio com a China e aos primórdios de Hong Kong. Hong Kong foi fundada em 1841, no dia 26 de janeiro, para ser preciso. O fundador da Struan e Companhia foi legendário... ainda o é, de certa forma: Dirk Struan. Há quem diga que foi um pirata, há quem diga que foi um príncipe. De qualquer maneira, fez fortuna contrabandeando ópio indiano para a China, depois convertendo o dinheiro em chás chineses que transportava para a Inglaterra numa frota de veleiros chineses. Tornou-se um príncipe mercador, ganhou o título de tai-pan, e desde então a Struan tem sempre tentado ser a primeira em tudo.
— E é?
— Ah, tem umas duas companhias nos seus calcanhares, especialmente a Rothwell-Gornt, mas diria que é a primeira, sim. A verdade é que não é possível que coisa alguma entre ou saia de Hong Kong, seja comida, enterrada ou fabricada sem que a Struan, a Rothwell-Gornt, as Propriedades Asiáticas, o BLACS (Banco de Londres, Cantão e Xangai), ou o Victoria Bank tenham metido a colher, de alguma forma.
— E Dunross, pessoalmente, como é?
Armstrong pensou um momento, depois disse, despreocupadamente:
— Repito, isso depende da pessoa a quem perguntar, Sr. Bartlett. Eu o conheço um pouco, socialmente... de vez em quando nos encontramos nas corridas. Já tive dois encontros oficiais com ele. É encantador, excelente no seu trabalho... suponho que "brilhante" seja a palavra certa.
— Ele e a família são donos de grande parte da Struan?
— Não sei ao certo. Duvido que alguém saiba, fora da família. Mas suas ações não são a chave para a mesa do tai-pan. Ah, não. Não na Struan. Disso estou certo. — Armstrong olhou firme nos olhos de Bartlett. — Há quem diga que Dunross é implacável e vive pronto para matar. Sei que não gostaria de tê-lo como inimigo.
Bartlett tomou a cerveja, e as ruguinhas ao redor dos olhos apareceram, num sorriso curioso.
— Às vezes, um inimigo é mais valioso do que um amigo.
— Às vezes. Espero que tenha uma estadia proveitosa. Bartlett pôs-se de pé, imediatamente.
— Obrigado. Vou acompanhá-lo. — Abriu a porta e fez Armstrong e o sargento Lee passarem, depois saiu atrás deles pela porta da cabine principal, até os degraus da escada. Inspirou fundo. Mais uma vez, notou algo de estranho no vento, nem agradável nem desagradável, nem odor nem perfume... só estranho, e curiosamente excitante. — Superintendente, que cheiro é esse? Casey também o sentiu, no momento em que Sven abriu a porta.
Armstrong hesitou. Depois sorriu.
— É o cheiro particular de Hong Kong, Sr. Bartlett. De dinheiro.