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21h45m

Pok Liu Chau era uma ilhazinha a sudoeste de Aberdeen, e o jantar foi a melhor comida chinesa que Bartlett já provara. Estavam no oitavo prato, pequenas tigelas de arroz. Tradicionalmente, o arroz era o último prato de um banquete.

— Na verdade, você não devia comê-lo, Linc! — explicou Orlanda, rindo. — É uma forma de enfatizar ao anfitrião que você está quase estourando, de tão cheio!

— E é a pura verdade, Orlanda! Quillan, foi fantástico!

— Foi, foi, sim, Quillan — ecoou ela. — Escolheu magnificamente.

O restaurante ficava junto de um pequeno molhe perto de uma aldeia pesqueira — desmazelado, iluminado por lâmpadas sem proteção, mobiliado com mesas cobertas com oleados, cadeiras toscas e ladrilhos quebrados no chão. Por trás dele ficava uma fila de aquários onde a pesca do dia da ilha era guardada para venda. Sob a orientação do proprietário, tinham escolhido entre o que nadava no aquário: pitus, lulas, camarões, lagostas, siris e peixes de todos os tipos e tamanhos.

Gornt discutira o cardápio com o proprietário, acertando quais os peixes a serem escolhidos. Ambos eram peritos, e Gornt, um cliente importante. Mais tarde, tinham se sentado a uma mesa no pátio. Estava fresco, e tinham tomado cerveja, felizes com a confraternização. Todos sabiam que, ao menos durante o jantar, haveria uma trégua, sem necessidade de estarem em guarda.

Dali a pouco chegara o primeiro prato... montes de suculentos camarões dourados no óleo, com gosto de mar, deliciosos como nenhuns outros. Depois, polvos pequeninos com alho, gengibre, pimenta e todos os condimentos do Oriente. Depois asas de galinha frita, que comeram com sal marinho, um grande peixe abafado com soja, cebolinha fresca e gengibre, numa travessa, a cabeça, o pitéu do peixe, dado a Bartlett, como convidado de honra.

— Puxa, quando vi esta espelunca, desculpem, este lugar, achei que vocês estavam me gozando.

— Ah, meu caro — explicou Gornt —, é preciso conhecer os chineses. Não ligam para o ambiente, só para a comida. Ficariam muito desconfiados de qualquer restaurante que desperdiçasse dinheiro na decoração, nas toalhas de mesa ou em velas. Gostam de ver o que estão comendo... por esse motivo a luz é tão forte. Os chineses sentem-se muito bem quando estão comendo. São como os italianos. Adoram rir, comer, beber e arrotar...

Todos bebiam cerveja.

— Ela combina com a comida chinesa, embora o chá chinês seja melhor... é mais digestivo e contrabalança todo o óleo.

— Por que está sorrindo, Linc? — perguntou Orlanda. Estava sentada entre os dois.

— Por nada. Só estava pensando que vocês realmente sabem comer, aqui. O que é isso aqui?

Ela deu uma olhada no prato de arroz frito misturado com vários tipos de peixe.

— Lula.

— O quê?

Os outros acharam graça, e Gornt falou:

— Os chineses dizem que, se as costas delas dão para o céu, então pode-se comer. Vamos indo?

Logo que estavam a bordo e mar adentro, longe do molhe, foram servidos café e conhaque. Gornt disse:

— Querem me dar licença um instantinho? Tenho que trabalhar nuns papéis. Se sentirem frio, usem o salão da proa.

Foi Iá para baixo.

Pensativo, Bartlett ficou bebericando o conhaque. Orlanda estava à sua frente, os dois recostados em espreguiçadeiras no convés da popa. Subitamente, sentiu vontade de que aquele barco fosse seu, e eles estivessem sozinhos. Ela o fitava. Sem que ele pedisse, ela se aproximou e colocou a mão na nuca dele, massageando os músculos suave e habilmente.

— Que gostosura! — disse, desejando-a.

— Ah! — replicou ela, muito satisfeita — sou muito boa em massagem, Linc. Tomei aulas com um japonês. Costuma ser massageado regularmente?

— Não.

— Mas devia. É muito importante para o corpo, muito importante manter cada músculo ajustado. Você ajusta os motores do seu avião, não é? Então por que não o seu corpo? Amanhã vou providenciar isso para você. — Enfiou as unhas no pescoço dele, maliciosamente. — É massagista mulher, mas não pode ser tocada, heya?

— Qual é, Orlanda!

— Eu estava brincando, bobo — falou imediatamente, com vivacidade, afastando facilmente a repentina tensão. — A mulher é cega. Antigamente, na China — e isso ainda acontece hoje, em Formosa —, dava-se aos cegos o monopólio da arte e profissão da massagem, já que seus dedos são seus olhos. É, sim. Claro que há muitos vigaristas e charlatães. Em Hong Kong a gente logo sabe quem é bom e quem não é. Isto aqui é uma aldeiazinha. — Ela se inclinou para a frente e roçou os lábios contra o pescoço dele. — Isso é por você ser bonito.

— Eu é que tenho que dizer isso — ele riu. Abraçou-a, enfeitiçado, e deu-lhe um ligeiro aperto, muito cônscio do capitão ao leme, a três metros de distância.

— Quer ir ver o resto do barco? — perguntou ela.

— Você também lê pensamentos? — exclamou, fitando-a. Ela riu, o lindo rosto um espelho de alegria.

— Não é o papel da moça perceber se o seu... seu acompanhante está alegre ou triste, querendo ficar sozinho, ou outra coisa qualquer? E ensinaram-me a usar meus olhos e meus sentidos, Linc. Claro que tento ler seus pensamentos, mas se eu estiver errada você precisa me dizer, para eu melhorar. Mas, se estiver certa... não é muito melhor para você?

"E muito mais fácil prendê-lo de modo a que não possa escapar. Controlá-lo numa linha tão fina que você possa facilmente rompê-la, se o desejar. Minha arte consiste em tornar essa linha finíssima uma malha de aço.

"Ah, mas não foi fácil aprender! Quillan foi um professor cruel, oh, tão cruel! A maior parte da minha educação foi feita com raiva, com Quillan me xingando. "

— Puta que o pariu, nunca vai aprender a usar a porra dos seus olhos? Devia estar claro como cristal, quando cheguei, que eu estava me sentindo um lixo, que tive um dia pesadíssimo! Que merda, por que não me deu logo uma bebida, não me fez um carinho imediatamente? E por que não calou essa maldita boca por dez minutos enquanto eu me recuperava? Bastava ser meiga e compreensiva por dez malditos minutos, e eu logo estaria bem!

— Mas, Quillan — choramingara ela, em meio às lágrimas, assustada pela fúria dele —, você entrou tão zangado que fiquei nervo...

— Já lhe disse umas cinqüenta vezes para não ficar nervosa só porque eu estou nervoso, porra! Seu papel é aliviar a minha tensão! Use os seus malditos olhos, ouvidos e sexto sentido! Só preciso de dez minutos, depois fico dócil e manso de novo. Puta que o pariu, não cuido de você o tempo todo? Não uso os meus malditos olhos e tento tranqüilizá-la? Todo mês, na mesma época, você fica irritadiça, não é? Não me esforço para ser o mais calmo possível e acalmar você? Hem?

— É, mas...

— Para o diabo com o mas! Por Deus, agora estou mais puto da vida do que quando cheguei! É culpa sua, porque é burra, não é feminina, e justamente você não podia ser assim!

Orlanda lembrava-se de como ele saíra do apartamento, batendo a porta, e ela desatara a chorar, o jantar de aniversário que preparara arruinado e a noite estragada. Mais tarde, ele voltara, dessa vez calmo, tomara-a nos braços e segurara-a com carinho, enquanto ela chorava, desculpando-se pela briga que reconhecia ter sido desnecessária e por culpa dela.

— Ouça, Orlanda — dissera, com muita meiguice —, não sou o único homem que você terá que controlar nesta vida, nem o único de quem dependerá... é um fato reconhecido que as mulheres dependem de algum homem, não importa o quanto ele seja terrível, mau e difícil... É tão fácil para uma mulher manter o controle! Ah, tão fácil, se usar os olhos, entender que os homens são crianças, e que, de vez em quando (a maior parte do tempo), são estúpidos, petulantes e terríveis. Mas eles fornecem o dinheiro, e é duro fazer isso, muito duro. É muito duro continuar fornecendo o dinheiro, dia após dia, seja você quem for. Moh ching moh meng... sem dinheiro, sem vida. Em troca, a mulher tem que fornecer a harmonia; o homem não pode, não o tempo todo. Mas a mulher sempre pode animar o seu homem, se quiser, sempre pode tirar-lhe o veneno. Sempre. Basta ser calma, amorosa, terna e compreensiva por algum tempo. Vou lhe ensinar o jogo da vida. Vai ter o seu doutorado em sobrevivência, como mulher, mas tem que trabalhar...

"Ah, e como trabalhei", pensou Orlanda, sombriamente, recordando todas as suas lágrimas. "Mas agora eu sei. Agora posso fazer instintivamente o que me forcei a aprender. "

— Venha, vou lhe mostrar a parte da frente do navio. Levantou-se, cônscia dos olhares do capitão, e foi na frente, confiante.

Enquanto andavam, tomou momentaneamente o braço de Linc, depois segurou o corrimão do corredor e desceu. O salão era grande, com espreguiçadeiras, sofás e poltronas presos ao chão. O barzinho era bem sortido.

— A cozinha fica no castelo da proa, junto com os alojamentos da tripulação — disse ela. — São acanhados, mas bons para Hong Kong. — Um pequeno corredor conduzia à proa. Quatro cabines, duas com cama de casal, duas com beliches. Jeitosas, impecáveis, convidativas. — O salão principal e a suíte principal de Quillan ficam na popa. São luxuosíssimos. — Deu um sorriso pensativo. — Ele curte o melhor.

— É — falou Bartlett. Beijou-a, e ela correspondeu integralmente. O desejo dele deixou-a mole e fraca, e ela abandonou-se, igualando a sua paixão, certa de que ele pararia, e de que ela não teria que detê-lo.

O jogo fora planejado assim.

Sentiu a força dele. Prontamente apertou-se contra ele, movendo-se ligeiramente. As mãos dele percorreram seu corpo, as dela corresponderam. Era glorioso estar nos braços dele, melhor do que jamais fora com Quillan, que fora sempre o professor, sempre no controle, sempre não-partilhável. Já estavam deitados quando Bartlett se afastou. O corpo dela clamava pelo dele, mas assim mesmo ela exultou.

— Vamos voltar para o convés — ouviu-o dizer, a voz rouca.

Gornt atravessou o belo salão, entrou na suíte principal e trancou a porta atrás de si. A garota dormia suavemente na imensa cama, sob a coberta leve. Ficou parado ao pé da cama, curtindo a visão, antes de tocá-la. Ela acordou devagarinho.

— Ayeeyah, como dormi bem, Honrado Senhor. Sua cama é tão convidativa! — falou em xangaiense, com um sorriso e um bocejo, e espreguiçou-se gloriosamente, como o faria uma gatinha. — Comeu bem?

— Excelentemente — replicou, no mesmo idioma. — Sua comida também estava boa?

— Ah, sim, deliciosa! — disse, cortesmente. — O Taifei-ro Cho me trouxe os mesmos pratos que vocês comeram. Gostei mais do polvo com feijão-preto e molho de alho. — Sentou-se na cama e recostou-se contra os travesseiros de seda, completamente nua. — Quer que me vista e suba ao convés, agora?

— Não, gatinha, ainda não.

Gornt sentou-se na cama, estendeu a mão e tocou-lhe os seios. Ela sentiu um ligeiro arrepio percorrê-la. Seu nome de guerra chinês era Beldade da Neve, e ele a contratara por uma noite no Cabaré Happy Hostess. Pensara primeiro em trazer Mona Leung, sua namorada, mas ela era independente demais para ficar Iá embaixo, quieta, e só subir quando ele mandasse.

Escolhera Beldade da Neve com muito cuidado. Sua beleza era extraordinária, de rosto, de corpo e de textura da pele.

Tinha dezoito anos, e fazia pouco mais de um mês que estava em Hong Kong. Um amigo de Formosa falara da raridade dela, e que estava prestes a ingressar no Cabaré Happy Hostess, vindo do clube irmão em Formosa. Duas semanas antes, ele estivera Iá e fizera um acordo lucrativo para ambos. Hoje, quando Orlanda lhe contara que ia jantar com Bartlett e ele os convidara para virem a bordo, prontamente ligara para o Happy Hostess, comprara a noite de Beldade da Neve no clube e a trouxera para bordo.

— Vou fazer uma brincadeira com um amigo, hoje — dissera à moça. — Quero que fique aqui nesta cabine, neste lugar, até que eu a leve ao convés. Pode demorar uma ou duas horas, mas você tem que ficar aqui, sem fazer nenhum barulho, até que eu venha buscá-la.

— Ayeeyah, neste palácio flutuante estou disposta a ficar uma semana, sem cobrar nada. Só a comida e o champanha... embora dormir junto fosse cobrado por fora. Posso dormir na cama, se quiser?

— Pois não, mas por favor tome primeiro uma chuveirada.

— Uma chuveirada? Os deuses sejam louvados! Água quente e fria? Será o paraíso... essa falta d'água não é nada higiênica.

Gornt a trouxera naquela noite para atormentar Orlanda, se decidisse atormentá-la. Beldade da Neve era muito mais moça, mais bonita, e ele sabia que, ao vê-la num dos robes elegantes que ela própria já usara, Orlanda ia ter um ataque. Durante todo o jantar, rira consigo mesmo, imaginando quando deveria apresentá-la para obter o máximo efeito: para excitar Bartlett e para lembrar a Orlanda que já era velha, pelos padrões de Hong Kong, e que sem a ajuda dele jamais conseguiria Bartlett, não do jeito que queria.

"Será que quero que ela se case com Bartlett?", perguntou a si mesmo, confuso.

"Não. E no entanto, se Orlanda fosse mulher de Bartlett, ele estaria sempre em meu poder, porque ela está e sempre estará. Ela ainda não se esqueceu disso. Tem sido obediente e filial. E assustada. "

Ele riu. "Ah, a vingança será doce quando eu descer o pau em você, minha cara. O que farei, algum dia. É, minha cara, não esqueci os risinhos de deboche de todos aqueles filhos da mãe de uma figa — Pug, Plumm, Havergill e o maldito Ian Dunross — quando souberam que você mal pôde esperar para se meter na cama com um garanhão com a metade da minha idade.

"Devo dizer-lhe agora que você é minha mui jai?"

Quando Orlanda estava com treze anos, a sua mãe xangaiense viera vê-lo.

— Os tempos estão muito difíceis, senhor, nossas dívidas para com a companhia são imensas, e sua paciência e bondade são excessivas.

— Os tempos estão difíceis para todos — dissera-lhe.

— Infelizmente, desde a semana passada o departamento do meu marido não mais existe. No fim do mês, terá que sair da companhia, depois de dezessete anos de serviço, e não poderemos pagar o que lhe devemos.

— Eduardo Ramos é um bom homem, e facilmente encontrará outro emprego melhor.

— Yin ksiao shih ta — dissera ela —, perdemos muito por causa de uma coisa pequena.

— Joss — sentenciara ele, esperando que a armadilha estivesse preparada e que todas as sementes que plantara fossem finalmente dar frutos.

— Joss — concordara ela. — Mas existe Orlanda.

— O que é que tem Orlanda?

— Quem sabe podia ser uma mui jai.

Uma mui jai era uma filha dada por um devedor a um credor para sempre, como pagamento de dívidas que não poderiam ser pagas de outra maneira... para ser criada, usada ou dada a outrem, como o credor quisesse. Era um antigo costume chinês, e dentro da lei.

Gornt se recordava da satisfação que sentira. As negociações duraram várias semanas. Gornt concordara em cancelar as dívidas de Ramos (dívidas que Gornt encorajara habilmente), concordara em reempossar Ramos, dando-lhe uma modesta pensão e ajuda para estabelecer-se em Portugal, e em pagar os estudos de Orlanda nos Estados Unidos. Em troca, os Ramos prometeram entregar-lhe Orlanda, virgem e adequadamente enamorada, no ou antes do seu décimo oitavo aniversário. Não haveria recusa.

— Isso, por todos os deuses, será um segredo perpétuo entre nós. Também acho que seria igualmente melhor esconder dela esse segredo, senhor, para sempre. Mas nós sabemos, e ela saberá, onde fica a sua tigela de arroz.

Gornt abriu um sorriso. "Os anos bons valeram toda a paciência, o planejamento e o pouco dinheiro envolvido. Todos lucraram", disse consigo mesmo, "e ainda há satisfação por vir. "

"É", pensou, concentrando-se em Beldade da Neve.

— A vida é muito boa — disse, acariciando-a.

— Estou feliz de que esteja feliz, Honrado Senhor. Estou feliz também. O seu banho de chuveiro foi um presente dos deuses. Lavei o cabelo, tudo. — Sorriu. — Se não quer fazer ainda a brincadeira com seus amigos, quer ir para a cama comigo?

— Quero — replicou ele, encantado, como sempre, pela franqueza sem rodeios de uma parceira de cama chinesa. O pai lhe explicara, anteriormente:

— Você lhes dá dinheiro, elas lhe dão juventude, as Nuvens e a Chuva, e o entretêm. Na Ásia, é uma troca justa e honrada. Quanto maior a juventude delas, os risos e a gratificação, mais você deve pagar. Esse é o acordo, mas não espere romance ou lágrimas de verdade. Apenas divertimento e sexo por algum tempo. Não abuse do que é justo!

Alegremente, Gornt se despiu e deitou-se ao lado dela. A moça correu as mãos pelo peito dele, os pêlos escuros, os músculos esguios, e começou. Logo estava fazendo os pequenos ruídos de paixão, encorajando-o. E embora a mama-san lhe tivesse dito que esse quai loh era diferente, e que não haveria necessidade de fingir, lembrou-se instintivamente da primeira regra de uma parceira de cama:

"Nunca deixe o seu corpo se envolver com um freguês, pois então você não poderá atuar com gosto ou audácia. Nunca se esqueça; quando estiver com um quai loh, deve sempre fingir que está adorando, que atingiu as Nuvens e Chuva, caso contrário ele a considerará uma afronta à sua masculinidade, de alguma forma. Os quai loh são incivilizados, e jamais entenderão que o yin não pode ser comprado, e que seu presente da cópula é exclusivamente para o prazer do freguês".

Quando Gornt acabou e seu coração voltou ao normal, Beldade da Neve saiu da cama e foi para o banheiro, onde tomou outro banho de chuveiro, cantando alegremente. Eufórico, ele descansou e colocou as mãos sob a cabeça. Logo ela voltou, trazendo uma toalha.

— Obrigado — disse. Ele se enxugou, e ela voltou a deitar ao seu lado.

— Ah, sinto-me tão limpa e maravilhosa! Quer mais uma vez?

— Agora não, Beldade da Neve. Agora pode descansar. Vou deixar minha mente vagar. Deixou o yang muito satisfeito. Informarei à mama-san.

— Obrigada — disse ela polidamente. — Gostaria que fosse meu freguês especial.

Ele balançou a cabeça, satisfeito com ela, com seu calor e sensualidade. Quando seria melhor para ela subir ao convés?, perguntou-se de novo, certo de que Bartlett e Orlanda estariam ali agora, e não na cama, como estaria uma pessoa civilizada.

Deu uma risadinha abafada.

Havia uma vigia ao lado da cama, e ele podia ver as luzes de Kowloon à distância, Kowloon e o arsenal da marinha de Kowloon. Os motores roncavam docemente, e dali a um momento ele saiu da cama e se dirigiu para o armário, onde havia camisolas, roupas de baixo, robes multicoloridos caríssimos e finos vestidos que comprara para Orlanda. Divertia-o guardá-los para outras usarem.

— Enfeite-se bastante e vista isso. — Entregou-lhe um cheong-sam longo de seda amarela, que tinha sido um dos prediletos de Orlanda. — Sem nada por baixo.

— Pois não. Puxa, mas como é lindo! Ele começou a vestir-se.

— Se minha brincadeira der certo, você pode ficar com ele, como gratificação — falou.

— Ah! Então, tudo será como deseja — disse, fervorosamente, e sua cobiça sincera fê-lo achar graça.

— Vamos primeiro largar meus passageiros no lado de Hong Kong. — Apontou pela vigia. — Está vendo aquele grande cargueiro, o que está atracado no cais, com a bandeira da foice e do martelo?

— Ah, sim, senhor. O navio agourento? Já estou vendo!

— Quando passarmos por ele, por favor, suba ao convés.

— Compreendo. O que devo dizer?

— Nada. Apenas sorria docemente para o homem e para a mulher, depois para mim, e volte de novo para cá e me espere.

Beldade da Neve riu.

— Só isso?

— É, seja apenas meiga, linda e sorria... especialmente para a mulher.

— Ah! Devo gostar dela ou odiá-la? — perguntou imediatamente.

— Nem uma coisa nem outra — replicou ele, impressionado com a argúcia dela, cônscio de que as duas se odiariam à primeira vista.

Na intimidade da sua cabine no Soviétski Ivánov, o comandante Grigóri Suslev terminou de codificar a mensagem urgente, depois sorveu um pouco de vodca, verificando outra vez o cabograma.

"Ivánov para o Centro. Arthur informa que as pastas podem ser falsificadas. O amigo dele me dará as cópias hoje à noite. Encantado por informar que o amigo de Arthur também interceptou a informação do porta-aviões. Recomendo que receba uma bonificação imediata. Mandei cópias extras para Bangkok, pela mala postal, e também para Londres e Berlim, como medida de segurança. "

Satisfeito, recolocou os livros de código no cofre e trancou-o, depois pegou o telefone.

— Mande para cá o sinaleiro de serviço. E o imediato. Destrancou a porta da cabine, voltou e foi olhar pela vigia para o porta-aviões, do outro lado do porto. Logo viu o barco de passeio perto do seu navio. Reconheceu o Sea Witch. Casualmente, apanhou o binóculo e focalizou-o. Viu Gornt no convés de ré, uma moça e outro homem, de costas para ele, sentados à volta de uma mesa. As lentes de alta potência varreram o navio, e sua inveja cresceu vertiginosamente. "Aquele filho da mãe sabe viver", pensou. "Que beleza! Se eu pudesse ter um barco desses no mar Cáspio, ancorado em Baku!

"Não é esperar demais", disse com seus botões, vendo o Sea Witch passar, "não depois de tantos serviços, tão lucrativos para a causa. Muitos comissários têm... os mais antigos”.

Novamente, voltou a focalizar o grupo. Outra moça subiu ao convés, uma beldade asiática, e então ouviu-se uma batidinha polida à porta.

— Boa noite, camarada comandante — disse o sinaleiro. Pegou a mensagem e assinou o recibo.

— Envie-a imediatamente.

— Sim, senhor.

O imediato chegou. Vassíli Boradinov era um sujeito bonitão e vigoroso, na casa dos trinta anos, capitão, membro do KGB, formado pelo departamento de espionagem da Universidade de Vladivostok, com patente de capitão de navio mercante.

— Sim, camarada comandante?

Suslev entregou-lhe um cabograma decifrado tirado da pilha que havia na sua mesa. Dizia:

"O imediato Vassíli Boradinov tomará o lugar de Dmítri Metkin como comissário do Ivánov, mas o comandante Suslev estará no comando em todos os níveis, até que sejam tomadas providências alternativas".

— Parabéns — disse.

Boradinov sorriu de orelha a orelha.

— Sim, senhor. Obrigado. O que quer que eu faça? Suslev ergueu a chave do cofre.

— Se eu não entrar em contato com você, nem voltar até a meia-noite de amanhã, abra o cofre. As instruções estão num pacote marcado "Emergência Um". Elas lhe dirão como proceder. A seguir... — Entregou-lhe um envelope lacrado. —

Aqui há dois números de telefone onde posso ser encontrado. Abra-o apenas numa emergência.

— Sim, senhor — disse o homem mais moço, o rosto orvalhado de suor.

— Não precisa se preocupar. Será perfeitamente capaz de assumir o comando.

— Espero que isso não seja necessário.

— Eu também, meu jovem amigo — riu Grigóri Suslev. — Por favor, sente-se. — Serviu duas vodcas. — Você merece a promoção.

— Obrigado. — Boradinov hesitou. — O que houve com Metkin?

— Primeiro, cometeu um erro estúpido e desnecessário. Depois, foi traído. Ou traiu-se. Ou o amaldiçoado sei o seguiu e o apanhou. Ou foi a CIA. Seja Iá o que tenha acontecido, o pobre idiota nunca podia ter abusado da sua autoridade e se metido em tal perigo. Foi uma burrice se arriscar, sem falar em toda a nossa segurança. Uma burrice!

O imediato se mexeu, inquieto, na cadeira.

— Qual é o nosso plano?

— Negar tudo. E não fazer nada, por enquanto. Nossa partida está prevista para a meia-noite de terça-feira; vamos nos ater ao plano.

Boradinov olhou pela vigia para o porta-aviões, o rosto tenso.

— Uma pena. Aquele material podia ter nos ajudado um bocado.

— Que material? — perguntou Suslev, estreitando os olhos.

— Não sabia, senhor? Antes de Dmítri sair, o coitado murmurou que achava que dessa vez íamos obter umas informações incríveis — uma cópia do sistema de orientação e uma cópia do manifesto de carga de armamentos deles, incluindo as armas atômicas. Era por esse motivo que estava indo pessoalmente. Era importante demais para enviar um mensageiro comum. Devo dizer-lhe que me ofereci para ir no seu lugar.

Suslev disfarçou o choque ao saber que Metkin fizera confidencias.

— Onde foi que ele ouviu isso? O outro deu de ombros.

— Não disse. Imagino que o marinheiro americano tenha lhe contado quando Dmítri falou com ele no telefone público para combinar a entrega. — Enxugou uma gota de suor. — Eles vão dobrá-lo, não é?

— Ah, vão — disse Suslev secamente, querendo instruir adequadamente o seu subordinado. — Podem dobrar qualquer um. É por isso que temos que estar preparados. — Tateou a leve saliência da cápsula de veneno na ponta da lapela, e Boradinov estremeceu. — É melhor tomá-lo depressa.

— Filhos da mãe! Alguém deve tê-los avisado de que deviam capturá-lo antes que o tomasse. Terrível. São todos uns animais.

— O... o Dmítri disse mais alguma coisa? Antes de partir?

— Não, só que esperava que tivéssemos todos umas semanas de licença... queria visitar a família na sua amada Criméia.

Satisfeito por não ter sido descoberto, Suslev deu de ombros.

— Uma grande pena. Eu gostava muito dele.

— É. É mesmo uma pena, quando se sabia que estava prestes a se reformar. Era um bom homem, embora tenha cometido um erro desses. O que farão com ele?

Suslev pensou se devia mostrar a Boradinov um dos cabo-gramas decifrado na sua mesa, que dizia:

"... Avise ao Arthur que, atendendo ao seu pedido de uma Prioridade Um para o traidor Metkin, ordenou-se uma intercepção imediata em Bombaim".

"Não há necessidade de dar essa informação de graça", pensou. "Quanto menos Boradinov souber, melhor. "

— Ele simplesmente desaparecerá... até pegarmos um peixe grande do inimigo para trocar por ele. O KGB cuida do seu pessoal — acrescentou, piedosamente, sem acreditar, sabendo que o homem mais moço também não acreditava, mas era obrigatório e fazia parte da política oficial dizê-lo.

"Eles teriam que me trocar", pensou, muito satisfeito. "É, e bem depressa. Conheço segredos demais. São a minha única proteção. Se não fosse pelo que sei, ordenariam uma Prioridade Um para mim com a mesma rapidez que ordenaram para o Metkin. Eu teria feito a mesma coisa, se fosse eles. Será que eu teria mordido a lapela, como aquele cretino devia ter feito?"

Um arrepio o percorreu, "Não sei. "

Sorveu sua vodca. Sabia-lhe muito bem. "Não quero morrer. Essa vida é muito boa.”

— Vai voltar para terra de novo, camarada comandante?

— Vou. — Suslev concentrou-se. Entregou ao homem mais moço um bilhete que datilografara e assinara. — Você agora está no comando. Eis aqui sua autorização... coloque-a na ponte.

— Obrigado. Amanhã... — Boradinov interrompeu-se quando o intercomunicador do navio foi ligado e uma voz urgente disse rapidamente:

— Aqui fala a ponte! Há dois carros de polícia convergindo para a escada do costado principal. Estão cheios de policiais... — tanto Suslev quanto Boradinov perderam a cor — cerca de uma dúzia. O que devemos fazer? Detê-los, repeli-los, o quê?

Suslev apertou o botão do transmissor.

— Não façam nada! — Hesitou, depois ligou o botão que transmitia para todo o navio. — Atenção, todos os tripulantes: Emergência Vermelho Um... — A ordem significava: "Visitantes hostis subindo a bordo. Salas de rádio e radar: armem os destruidores em todos os equipamentos secretos". Desligou o transmissor e sibilou para Boradinov: — Vá para o convés, desça as escadas, cumprimente-os, encha lingüiça por uns cinco minutos, depois convide os líderes para subirem, somente eles, se puder. Vá!

— Mas sem dúvida não ousarão vir a bordo para revistar...

— Intercepte-os... agora!

Boradinov saiu às pressas. Quando ficou sozinho, Suslev armou o destruidor secreto no seu cofre. Se qualquer pessoa, que não ele, tentasse abri-lo, o napalm incendiário destruiria tudo.

Tentou tranqüilizar a cabeça em pânico. "Pense! Está tudo coberto contra uma revista repentina? Sim. Sim, fizemos o ensaio de Vermelho Um uma dúzia de vezes. Mas Deus maldiga Roger Crosse e Arthur! Que diabo, por que não recebi um aviso? Será que Arthur foi apanhado? Ou o Roger? Khristos, que não tenha sido o Roger! E quanto... "

Seus olhos pousaram na pilha de cabogramas em código e já decifrados. Desesperadamente, jogou-os num cinzeiro, xingando-se por não tê-lo feito antes, sem saber se agora haveria tempo suficiente. Achou o isqueiro. Seus dedos tremiam. O isqueiro acendeu, e o intercomunicador entrou em funcionamento:

— Dois homens estão vindo para bordo com Boradinov, dois homens, o resto ficou Iá embaixo.

— Está certo, mas tentem retardá-los. Estou indo para o convés. — Suslev apagou a chama, com um palavrão, e enfiou os cabogramas no bolso. Agarrou uma garrafa meio vazia de vodca, inspirou fundo, abriu um amplo sorriso e foi para o convés. — Ah, bem-vindos a bordo! Qual é o problema? — disse, com a voz ligeiramente pastosa, mantendo a sua cobertura já conhecida. — Um dos nossos marujos se meteu em encrencas, superintendente Armstrong?

— Este é o sr. Sun. Podemos dar-lhe uma palavrinha? — falou Armstrong.

— Claro, claro! — disse Suslev, com uma jovialidade forçada que estava longe de sentir. Nunca tinha visto o chinês antes. Examinou o rosto amarelo, de olhos frios, cheio de ódio.

— Sigam-me, por favor. — Depois acrescentou em russo para Boradinov, que falava um inglês perfeito: — Você, também.

— Depois, novamente para Armstrong ainda, com bom humor forçado: — Quem vai ganhar o quinto páreo, superintendente?

— Quem me dera saber, senhor!

Suslev foi em frente, conduzindo-os até o pequeno salão de oficiais que ficava ao lado do seu camarote.

— Sentem-se, sentem-se! Posso oferecer-lhes chá ou vod-ca? Ordenança, chá e vodca!

As bebidas logo chegaram. Expansivamente, Suslev serviu a vodca, embora os dois policiais a tivessem recusado polidamente.

— Prosit — disse, e riu jovialmente. — Bem, qual é o problema?

— Parece que um membro da sua tripulação está envolvido em espionagem contra o governo de Sua Majestade — disse Armstrong cortesmente.

— Impossível, továrich! Por que está brincando comigo, hem?

— Prendemos um. O governo de Sua Majestade está realmente muito aborrecido.

— Este é um pacífico navio mercante. Vocês nos conhecem há anos. Há anos que o seu superintendente Crosse nos observa. Não temos nada a ver com espionagem.

— Quantos membros da sua tripulação estão em terra, senhor?

— Seis. Agora, ouça, não quero nenhum problema. Já tive problemas de sobra nessa viagem com um dos meus tripulantes inocentes assassinados por desconhe...

— Ah, sei, o falecido major Iúri Bakian, do KGB. Lamentável.

Suslev fingiu uma raiva mal-humorada.

— O nome dele era Voranski. Nada sei desse major de que está falando. Não sei nada, nada.

— Naturalmente. Bem, senhor, quando é que os seus marujos voltam da licença em terra?

— Amanhã, ao anoitecer.

— Onde estão eles? Suslev riu.

— Estão em terra, de licença. Onde mais estariam, se não com uma garota, ou num bar? Tomara que com uma garota, hem?

— Nem todos estão — disse Armstrong, friamente. — Pelo menos um deles está muito infeliz, no momento.

Suslev observava-o, contente por saber que Metkin estava desaparecido para sempre, e que não podiam usá-lo para blefar.

— Ora, vamos, superintendente, não sei de coisa alguma sobre espionagem.

Armstrong deitou as fotos de 20 X 25 na mesa. Mostravam Metkin entrando no restaurante, depois vigiado, depois sendo jogado no camburão, depois uma foto de identificação criminal, com terror no rosto.

— Khristos! — exclamou Suslev, com voz abafada, um ator e tanto. — Dmítri? Impossível! É outra prisão falsa! Meu governo...

— Londres já informou seu governo. O major Nikolai Leonov admitiu a espionagem.

Agora, o choque de Suslev era real. Não esperava que Metkin cedesse com tanta rapidez.

— Quem? Que foi que disse? Armstrong soltou um suspiro.

— O major Nikolai Leonov, do seu KGB. É o nome real dele, e o seu posto. Era também o comissário político deste navio.

— É... isso é verdade, mas o nome... dele é Metkin, Dmítri Metkin.

— É? Não faz objeção a que revistemos este navio? — disse Armstrong, começando a levantar-se. Suslev ficou estupefato, e Boradinov também.

— Ah, mas faço, sim — gaguejou Suslev. — Lamento, superintendente, mas faço objeção, formalmente, e devo...

— Se o seu navio não está envolvido em espionagem e é um cargueiro pacífico, por que faria objeção?

— Temos proteção internacional. A não ser que tenha um mandado de busca formal...

Armstrong meteu a mão no bolso, e o estômago de Suslev deu voltas. Teria que obedecer ao mandado de busca formal, e aí estaria arruinado, porque achariam mais provas do que jamais poderiam esperar. "Aquele maldito filho da puta do Metkin deve ter-lhes contado algo vital. " Tinha vontade de gritar de raiva, as mensagens cifradas e decifradas no seu bolso subitamente letais. Seu rosto perdera a cor. Boradinov estava paralisado. Armstrong tirou a mão do bolso, trazendo apenas um maço de cigarros. O coração de Suslev recomeçou a bater, embora sua náusea ainda fosse fortíssima. Resmungou:

— Matieriebiets!

— Sim? — perguntou Armstrong, inocentemente. — Algum problema, senhor?

— Não, não, nada.

— Aceita um cigarro inglês?

Suslev lutou para controlar-se, com vontade de meter a mão na cara do outro, por tê-lo tapeado. O suor porejava-lhe as costas e o rosto. Pegou o cigarro com mãos trêmulas.

— Essas coisas são terríveis, não? Espionagem e revistas, e ameaças de revistas.

— É. Talvez o senhor pudesse fazer o favor de ir embora amanhã, e não na terça-feira.

— Impossível! Estamos sendo caçados como ratos? — falou Suslev, sem saber até onde ousaria ir. — Terei que informar meu governo e...

— Por favor, faça isso. Por favor, diga-lhes que interceptamos o major Leonov do KGB, que o pegamos em pleno ato de espionagem, e que ele foi acusado de conformidade com a Lei dos Segredos Oficiais.

Suslev enxugou o suor do rosto, tentando ficar calmo. Somente o fato de saber que Metkin provavelmente já estava morto fazia com que não desabasse. "Porém, o que mais ele lhes contou?", ecoava o grito na sua cabeça. "O que mais?" Olhou para Boradinov, de pé ao lado dele, o rosto muito pálido.

— Quem é o senhor? — perguntou Armstrong vivamente, acompanhando-lhe o olhar.

— Imediato Boradinov — respondeu o homem mais jovem, com voz estrangulada.

— Quem é o novo comissário, comandante Suslev? Quem assumiu o posto do sr. Leonov? Quem é o membro do partido mais graduado a bordo?

Boradinov ficou cinzento, e Suslev, aliviado, porque a pressão sobre ele próprio fora um pouco relaxada.

— E então?

— É ele. O imediato Boradinov — disse Suslev. Imediatamente Armstrong fixou os olhos gélidos no homem mais jovem.

— Seu nome completo, por favor?

— Vassíli Boradinov, imediato — gaguejou o homem.

— Pois bem, sr. Boradinov, é responsável pela partida deste navio no máximo até a meia-noite de domingo. Está sendo formalmente avisado de que temos motivos para acreditar que poderão ser atacados pelos tríades, bandidos chineses. Corre o boato de que o ataque está planejado para as primeiras horas de segunda-feira... pouco depois da meia-noite de domingo. É um boato muito forte. Muito. Há muitos bandidos chineses em Hong Kong, e os russos roubaram um bocado de terras chinesas. Estamos preocupados com sua segurança e saúde. Acho que é de boa política... entendeu? Boradinov estava cinzento.

— Sim, sim, entendi.

— Mas, os meus... meus reparos — comentou Suslev —, se os meus repa...

— Por favor, providencie para que sejam completados, comandante. Se precisar de ajuda extra, ou de um reboque fora das águas de Hong Kong, basta pedir. Ah, sim, e se quiser ter a bondade de aparecer no quartel-general da polícia às dez horas de domingo... desculpe estragar o seu fim de semana.

— Como? — exclamou Suslev, empalidecendo.

— Eis aqui o seu convite formal. — Armstrong entregou-lhe uma carta oficial. Suslev aceitou-a. Já começava a lê-la quando Armstrong pegou uma segunda cópia e preencheu o nome de Boradinov. — Eis aqui o seu, comissário Boradinov. — Enfiou o papel na mão dele. — Sugiro que confinem o resto dos seus tripulantes a bordo, com exceção de vocês mesmos, é claro, e que mandem voltar prontamente para o navio os marinheiros que estão em terra. Estou certo de que terão muito o que fazer. Boa noite! — acrescentou, de modo surpreendentemente inesperado. Levantou-se e saiu do salão, fechando a porta atrás de si.

Fez-se um silêncio estupefato. Suslev viu Malcolm Sun se levantar e se dirigir vagarosamente para a porta. Levantou-se para segui-lo, mas se deteve quando o chinês voltou bruscamente para eles.

— Vamos pegá-los, todos vocês! — disse Sun, com ar malévolo.

— Por quê? Não fizemos nada — falou Boradinov, ofegante. — Não fizemos na...

— Espionagem. Espiões! Vocês do KGB acham que são muito espertos, matieriebiets!

— Dê o fora do meu navio! — rosnou Suslev.

— Vamos pegá-los todos... e não estou me referindo a nós, policiais... — Abruptamente, Malcolm Sun passou a falar num russo fluente. — Saiam das nossas terras, hegemonistas! A China está avançando! Podemos perder cinqüenta milhões de soldados, cem milhões, e ainda ter o dobro sobrando. Saiam enquanto ainda têm tempo!

— Vamos explodir vocês da face da terra! — berrou Suslev. — Vamos atomizar toda a China. Vamos...

Interrompeu-se. Malcolm Sun ria dele.

— Os peitos da sua mãe estão nas suas armas atômicas!

Nós agora temos as nossas! Vocês começam, nós acabamos. Armas atômicas, punhos, relhas de arado! — Malcolm Sun baixou a voz. — Saiam da China enquanto ainda têm chance. Viemos do Oriente como Gêngis Khan, todos nós, Mao Tsé-tung, Chang Kai-chek, eu, meus netos, os netos deles, estamos vindo e vamos dizimar vocês da face da terra, e retomar as nossas terras, todas elas!

— Dê o fora do meu navio! — Suslev sentia o peito doer. Quase cego de raiva, preparou-se para saltar sobre o seu ator-mentador, assim como Boradinov.

Sem medo, Malcolm Sun adiantou-se um passo.

— Yeb tvoyu mat, cabeça de bosta! — A seguir, em inglês: — Batam em mim, e os prenderei por agressão e manterei seu navio sob custódia!

Com grande esforço, os dois homens se detiveram. Sufocado de ódio, Suslev enfiou as mãos nos bolsos.

— Por favor, retire-se. Por favor.

— Dew neh loh moh para você, sua mãe, seu pai, e o resto de vocês, soviéticos hegemonistas comedores de bosta!

— Retire-se... agora.

Igualmente furioso, Sun xingou-os em russo, e berrou:

— Viemos do Oriente como gafanhotos...

Então, ouviu-se uma súbita altercação ruidosa do lado de fora, no convés, e um estouro abafado. Imediatamente, Sun virou-se e dirigiu-se para a porta, os outros dois atrás.

Horrorizado, Suslev agora via que Armstrong estava parado junto à porta da sala de rádio, que ficava ao lado do seu camarote. A porta estava escancarada, os dois operadores assustados fitando o inglês, marinheiros do convés estupefatos e paralisados nas proximidades. Um início de fumaça já subia das entranhas do equipamento de rádio. O Vermelho Um ordenara ao operador de rádio mais antigo que acionasse o mecanismo destruidor do dispositivo de interferência secreto no instante em que um inimigo abrisse a porta ou tentasse forçar a fechadura.

Armstrong virou-se e olhou para Suslev.

— Ah, comandante, desculpe, tropecei. Mil desculpas — disse, com ar inocente —, pensei que aqui era a "casinha".

— Como?

— O banheiro. Tropecei e a porta se escancarou. Desculpe. — O policial lançou um olhar para a sala de rádio. — Santo Deus! Parece que há um incêndio. Vou chamar os bombeiros imediatamente. Malcolm, chame...

— Não... não! — disse Suslev, depois rosnou em russo para Boradinov e o pessoal de convés: — Apaguem o fogo!

Arrancou o punho cerrado do bolso e empurrou Boradinov, para que se mexesse. Sem que tivesse notado, o punho de sua camisa ficou preso num dos cabogramas decifrados, que caiu ao chão. A fumaça jorrava de trás de um dos complexos painéis de rádio. Um dos marinheiros de convés já tinha nas mãos um extintor de incêndio.

— Ora, ora! Mas, o que podia ter acontecido! Tem certeza de que não quer ajuda? — perguntou Armstrong.

— Não, não, obrigado — disse Suslev, o rosto vermelho, de tanta raiva. — Obrigado, superintendente. Até... domingo.

— Boa noite, senhor. Vamos indo, Malcolm.

Na confusão crescente, Armstrong dirigiu-se para a escada de saída, mas se abaixou e, antes que Suslev se desse conta do que estava acontecendo, apanhou o pedaço de papel e já ia na metade da escada, Malcolm Sun atrás.

Horrorizado, Suslev levou a mão ao bolso. Esquecendo o fogo, correu para o seu camarote para verificar qual o cabogra-ma que estava faltando,

Lá embaixo, no cais, policiais de uniforme já se haviam disposto em leque havia muito tempo, cobrindo as duas escadas. Armstrong estava entrando na parte de trás do carro, ao lado de Sinders. Os olhos do chefe da MI-6 estavam rodeados por círculos escuros, seu terno estava meio amassado, mas ele se mantinha gelidamente alerta.

— Bom trabalho, vocês dois! É, imagino que isso interromperá as comunicações deles por um ou dois dias.

— Sim, senhor.

Armstrong começou a remexer nos bolsos à procura do isqueiro, o coração disparado. Sinders observou Malcolm Sun sentar-se no lugar do motorista.

— O que foi? — perguntou, pensativo, vendo a cara do outro.

— Nada, nada mesmo, senhor. — Malcolm Sun virou a cabeça para trás, o suor ainda nas costas, a cabeça doendo, e o gosto adocicado e enjoativo de excitação, raiva e medo ainda na boca. — Quando... quando estava pondo em prática as táticas de retardamento para o superintendente, eu... bem, aqueles dois filhos da mãe me tiraram do sério.

— É? Como?

— Só que... eles começaram a me xingar, e eu também os xinguei. — Sun virou-se para a frente, ajeitou-se, não querendo os olhos penetrantes de Sinders fitos nos seus. — Só xingamentos — acrescentou, tentando parecer despreocupado.

— Pena que um deles não tenha batido em você.

— É, é, eu esperava por isso.

Sinders lançou um breve olhar para Armstrong, enquanto o grandalhão acionava o isqueiro, acendia um cigarro e, à luz da chama, tentava ler o papel. Sinders olhou para o navio Iá em cima. Mais uma vez Suslev estava parado no começo da escada, olhando fixo para eles.

— Ele parece estar realmente com muita raiva. Bom. — Deu uma sombra de sorriso. — Muito bom.

Com a aprovação de Sir Geoffrey, ordenara a súbita ida e a tentativa de interromper as comunicações do Ivánov — e a sua complacência —, visando a pressionar Arthur e os toupeiras da Sevrin, na esperança de tirá-los da toca.

— E o nosso toupeira da polícia? — acrescentou Sir Geoffrey, sombriamente. — É impossível que Brian Kwok seja o espião mencionado nos documentos de Alan, não é?

— Concordo — dissera.

Armstrong apagou o isqueiro. Na penumbra do carro, hesitou.

— É melhor ir organizar o destacamento, Malcolm. Não há necessidade de perdermos mais tempo aqui. Certo, sr. Sinders?

— Sim, podemos ir agora.

Obedientemente, Malcolm Sun se retirou. Armstrong observava Suslev no convés.

— O senhor... sabe ler russo, não é?

— Sei, sim. Por quê?

Cuidadosamente, Armstrong passou-lhe o papel, seguran-do-o pelas pontas.

— Isso aqui caiu do bolso de Suslev.

Com igual cuidado, Sinders apanhou o papel, sem tirar os olhos dos de Armstrong.

— Não confia no agente Sun? — indagou, suavemente.

— Ah, confio, sim. Mas os chineses são chineses, e está em russo. Não sei ler russo.

Sinders franziu o cenho. Depois de um momento, balançou a cabeça. Armstrong acendeu a chama para ele. O homem mais velho correu os olhos pelo papel duas vezes e soltou um suspiro.

— É um boletim meteorológico, Robert. Lamento. A não ser que esteja em código, não passa de um boletim meteorológico. — Dobrou cuidadosamente o papel, mantendo os vincos originais. — As impressões digitais podem ser valiosas. Talvez esteja em código. Por medida de segurança, vou passar para os nossos decifradores.

Sinders acomodou-se mais confortavelmente no carro. O papel dizia:

"Avise a Arthur que, atendendo ao seu pedido para uma Prioridade Um para o traidor Metkin, ordenou-se uma inter-ceptação imediata em Bombaim. Segundo, o encontro com o americano foi antecipado para o domingo. Terceiro e último, as pastas de Alan M. Grant continuam a ser Prioridade Um. O máximo esforço deve ser feito pela Sevrin para obter êxito. Centro".

"Que americano é esse? O encontro será com Arthur ou com quem? O comandante Suslev? Será tão inocente quanto parece? Que americano? Bartlett, Tcholok, Banastasio, ou quem? Peter Marlowe... escritor-sabe-tudo-anglo-americano, com suas teorias curiosas?" Sinders se fazia todas essas perguntas, pacientemente.

"Será que Bartlett ou Tcholok fizeram contato com o Centro em junho, em Moscou, quando estiveram Iá, com ou sem Peter Marlowe, que por acaso também estava Iá quando da realização de uma reunião de agentes estrangeiros altamente secreta?

"Ou será que o americano não é nenhum visitante, mas alguém que mora aqui em Hong Kong?

"Será Rosemont? Ou Langan? Ambos seriam perfeitos.

"Tantas perguntas!

"Por exemplo: quem é o quarto homem? Quem é o 'Super-vip', acima de Philby? Aonde levarão todas essas pistas? Ao Burke's Peerage? Ou a um castelo, ou quem sabe a um palácio?

"Quem é essa misteriosa sra. Gresserhoff que atendeu ao segundo telefonema de Kiernan, e depois sumiu como um anel de fumaça?

"E quanto às malditas pastas? E quanto ao maldito Alan M. Grant e o maldito Dunross, tentando ser danado de esperto? ..."

Era quase meia-noite. Dunross e Casey estavam sentados lado a lado, felizes, na parte da frente envidraçada de uma das barcas da Balsa Dourada que se dirigia Confiantemente para o seu ancoradouro no lado de Kowloon. Era uma bela noite, embora as nuvens ainda estivessem baixas, amontoadas. Lonas protetoras contra tempestades ainda fechavam a parte aberta dos tombadilhos, mas, ali onde estavam, a vista era boa, e uma brisa gostosa e salgada entrava por uma das janelas abertas.

— Vai chover de novo? — perguntou ela, rompendo o silêncio confortável.

— Vai, sim. Mas estou torcendo para que a chuva forte não caia antes do fim da tarde de amanhã.

— Você e suas corridas! São assim tão importantes?

— Ah, sim, para todos os yan de Hong Kong. Para mim, sim e não.

— Vou apostar toda a minha fortuna na sua Noble Star.

— Eu não faria isso — disse ele. — Sempre se deve limitar uma aposta.

Casey lançou-lhe um olhar.

— Algumas apostas a gente não limita.

— Algumas apostas a gente não pode limitar — disse ele, corrigindo-a com um sorriso. Com naturalidade, deu-lhe o braço, e voltou a pousar a mão no colo. O contato agradou aos dois. Era a primeira vez que realmente se tocavam. Durante todo o passeio que tinham dado do Hotel Mandarim às barcas, Casey tivera vontade de tomar-lhe o braço. Mas lutara contra o impulso, e agora fingia não notar que estavam de braços dados, embora, instintivamente, se houvesse aproximado dele mais uma fraçãozinha.

— Casey, você nunca acabou de contar a história de George Toffer... despediu-o?

— Não, não o despedi, pelo menos não do jeito que imaginava. Quando obtivemos o controle acionário, fui até a sua sala. Claro que ele estava louco da vida, mas, àquela altura, eu já tinha descoberto que ele não era o herói que alegava ser, e mais outras coisinhas. Ele apenas agitou uma das minhas cartas sobre o dinheiro que me devia na minha cara, e berrou que eu jamais o teria de volta, jamais. — Ela deu de ombros. — É verdade, mas fiquei com a companhia dele.

— O que aconteceu com ele?

— Ainda está por aí, passando a perna em alguém. Escute, vamos parar de falar nele. Causa-me indigestão.

— Deus a livre! — riu-se ele. — Que noite fantástica, não é?

— É. — Haviam jantado impecavelmente no Dragon Room, no alto do hotel. Chateaubriand, batata palha, salada e creme brülée. O vinho era château-lafite. — Comemoração? — perguntara ela.

— Só um obrigado pelo First Central de Nova York.

— Ah, Ian! Concordaram?

— Murtagh concordou em tentar.

Levaram apenas alguns segundos para acertar os termos baseados na concordância do banco com o financiamento que

Casey estabelecera como possível: cento e vinte por cento do custo dos dois navios, um fundo de crédito de cinqüenta milhões.

— Tudo isso coberto pela sua garantia pessoal? — perguntara Murtagh.

— Sim — respondera, comprometendo o seu futuro e o de sua família.

— Nós... eu acredito que com a bela administração da Struan o senhor obterá lucro, portanto o nosso dinheiro está seguro e... mas, sr. Dunross, temos que manter isso secreto como o diabo. Nesse meio tempo, vou dar a minha cantada — dissera Murtagh, tentando disfarçar o nervosismo.

— Por favor, sr. Murtagh, a melhor cantada que puder. Que tal fazer-me companhia nas corridas amanhã? Lamento não poder convidá-lo para almoçar, pois minha tribuna já está abarrotada, mas eis aqui um passe, se estiver livre das duas e meia em diante.

— Puxa, tai-pan, está falando sério?

Dunross sorriu consigo mesmo. Em Hong Kong, ser convidado para a tribuna de um organizador ou administrador eqüivalia a ser apresentado à corte, e era igualmente útil.

— Por que está sorrindo, tai-pan? — perguntou Casey, mudando ligeiramente de posição, sentindo o calor dele.

— Porque, no momento, tudo vai bem no mundo. Pelo menos, todos os diversos problemas estão nos seus comparti-mentos.

Enquanto desembarcavam e saíam do terminal das barcas, explicou sua teoria. A única maneira de lidar com os problemas era a asiática: colocá-los em compartimentos individuais e ir pegando-os somente quando se estivesse pronto para eles.

— É uma boa, se for possível — disse ela, andando junto dele, mas agora sem tocá-lo.

— Se não for, a gente estoura... úlceras, ataques cardíacos, velhice antes do tempo, saúde estragada.

— A mulher chora, é sua válvula de escape. Chora, e depois se sente melhor.

Casey tinha chorado antes de sair do Vic para ir encontrá-lo. Por causa de Linc Bartlett. Parte raiva, parte frustração, parte desejo, parte necessidade... necessidade física. Fazia seis meses que tivera seu último caso, como sempre raro, casual e muito breve. Quando a necessidade ficava muito forte, ela ia viajar por alguns dias, para esquiar ou tomar sol, e escolhia aquele a quem permitia que entrasse na sua cama. Então, com a mesma rapidez, esquecia-se dele.

— Ah, mas não é muito ruim, Ciran-Chek — dissera-lhe a mãe certa vez —, ser assim tão insensível?

— Ah, não, mamãe querida — retrucara. — É uma troca justa. Gosto de sexo... quero dizer, gosto quando estou com disposição, embora tente ficar com disposição o menos freqüentemente possível. Amo o Linc, e só ele. Mas acho...

— Como pode amá-lo e ir para a cama com outra pessoa?

— Não, não é fácil, na verdade é horrível. Mas, mamãe, dou um duro danado trabalhando para o Linc, sem fins de semana ou domingos. Dou duro trabalhando para todos nós, para você, tio Tashjian, Marian e os meninos. Sou eu quem ganha o pão, agora que Marian ficou só, e adoro isso, gosto de verdade, você sabe que sim. Mas, às vezes, a barra fica pesada demais, portanto eu me afasto de tudo. E é então que escolho um parceiro. Sinceramente, mamãe, é só uma coisa biológica, não há diferença nesse setor entre nós e os homens. E agora que temos a bendita pílula, nós podemos escolher. Não é como no seu tempo, graças a Deus, minha querida...

Casey se afastou para evitar uma falange de pedestres que vinha na sua direção e deu um ligeiro encontrão em Dunross. Automaticamente, ela tomou-lhe o braço. Ele não o retirou.

Desde que tinha pedido igualdade, à tarde, e fora recusada... "Não, isso não é justo, Casey", disse com seus botões, "Ian não me recusou, apenas me disse a verdade, do seu ponto de vista. Do meu? Não sei. Não tenho certeza. Mas uma coisa que não sou é idiota. Esta noite me vesti com apuro, de modo um pouco diferente, pus perfume e realcei a maquilagem; e esta noite mordi a língua de três a trinta vezes e me contive, sem dar troco, agindo mais convencionalmente, dizendo meigamente: 'Que interessante!'

"E, de um modo geral, foi mesmo. Ele foi atencioso, divertido, receptivo, e eu me senti ótima. Ian é sem dúvida um homem e tanto! Perigoso e tão tentador!"

A larga escadaria de mármore que levava ao Vic estava bem à frente. Discretamente, ela soltou o braço dele, e sentiu-se mais ligada a ele pela sua própria compreensão.

— Ian, você é um homem sensato. Acha justo fazer amor com alguém... que a gente não ama?

— Como? — Levou um susto, que quebrou a sensação agradável que sentia. A seguir, falou, de brincadeira: — "Amor" é uma palavra ocidental, moça. Eu, eu sou chinês!

— Estou falando sério. Ele riu.

— Não acho que seja a hora de ser sério.

— Mas você tem uma opinião?

— Sempre.

Subiram as escadas e entraram no saguão, que estava lotado mesmo àquela hora tardia. Imediatamente, ele sentiu muitos olhares, e reconhecimento. Fora exatamente por isso que não a deixara nas escadas. "Cada bocadinho ajuda", pensou. "Devo aparentar calma e confiança. A Casa Nobre é inviolável! Não posso me permitir o luxo do medo normal... ele extravasaria e destruiria outras pessoas, e os danos seriam incalculáveis."

— Quer tomar alguma coisa? — perguntou. — Não estou com sono. Quem sabe Linc virá nos fazer companhia, se estiver no hotel.

— Boa idéia. Um chá com limão seria ótimo.

O maitre sorridente apareceu milagrosamente. Com uma mesa vazia.

— Boa noite, tai-pan.

— Boa noite, Gup Noturno.

— Chá com limão também está ótimo para mim — disse ela. Um garçom se afastou apressadamente. — Vou dar uma olhada nos meus recados.

— Pois não.

Dunross observou-a enquanto ela se afastava. Naquele dia, desde o primeiro momento no saguão do Mandarim, ele notara que ela estava muito mais feminina. Nada muito ostensivo, apenas uma mudança sutil. "Mulher interessante. Uma sexualidade esperando para explodir. Que diabo, como vou ajudá-la a obter rapidamente o seu dinheiro do dane-se?"

Gup Noturno mexia-se daqui para ali, e falou baixo, em cantonense:

— Tai-pan, estamos torcendo para que o senhor se saia bem com a Bolsa de Valores e a Segunda Grande Casa.

— Obrigado.

Dunross bateu papo por algum tempo, transpirando confiança, depois voltou o olhar para Casey, no balcão de recepção. Os velhos olhos argutos de Gup Noturno brilharam.

— O contrabandista de armas não está no hotel, tai-pan.

— Não?

— Não. Saiu cedo com uma jovem. Por volta das dezenove. Eu acabava de entrar de serviço — disse o velho, despreocupadamente. — O contrabandista de armas estava vestido muito informalmente. Para um passeio de barco, suponho. A moça ia com ele.

Dunross agora estava concentrado.

— Há muitas moças em Hong Kong, Gup Noturno.

— Não como essa, tai-pan. — O velho deu uma risadinha controlada. — No passado foi amante do Barba Negra.

— Eeee, Velho, você tem olhos vivos, e uma boa memória. Tem certeza?

— Ah, toda a certeza! — Gup Noturno ficou encantado com a maneira pela qual a sua novidade foi recebida. — É — acrescentou, altaneiro —, já que ouvimos dizer que os americanos podem se unir à Casa Nobre se o senhor conseguir se livrar de todos esses outros fornicadores, talvez seja bom para o senhor saber disso. Também que a Pêlos Púbicos Dourados trocou de quar...

— Quem?

Gup Noturno explicou o motivo do apelido.

— Imagine só, hem, tai-pan?

Dunross soltou um suspiro, como sempre atônito com a rapidez com que uma fofoca voava.

— Ela trocou de quarto?

— Trocou. Está no fim do corredor, no 276, no mesmo andar. Eeee, tai-pan, soube que ela chorou à noite, faz duas noites, e de novo hoje à noite, antes de sair. É. A Terceira Arrumadeira Fung viu-a chorando hoje.

— Tiveram uma briga? Ela e o contrabandista de armas?

— Não, briga não, nada de gritos. Mas, oh ko, se a Pêlos Púbicos Dourados está sabendo da flor Orlanda, é motivo suficiente para os dragões arrotarem. — Gup Noturno deu um sorriso cheio de dentes para Casey quando ela voltou, a mão cheia de telegramas e recados. Dunross notou que agora havia uma sombra no seu olhar. Nenhum recado de Linc, concluiu, pondo-se de pé. Gup Noturno solicitamente afastou a cadeira para ela, serviu o chá, continuando no seu cantonense de sarjeta: — Não ligue, tai-pan, Pêlos Púbicos Dourados ou não, no escuro é tudo a mesma coisa, heya?

O velho soltou uma risadinha abafada e se retirou.

— Problemas? — perguntou Dunross, olhando para os papéis.

— Ah, não, apenas os mesmos. — Olhou-o direto nos olhos. — Já os separei por assunto para amanhã. A noite hoje é minha. Linc ainda não voltou. — Sorveu o seu chá, saboreando-o. — Assim, posso monopolizar você.

— Pensei que eu é que a estava monopolizando. Não é... Interrompeu-se ao ver que Robert Armstrong e Sinders entravam pelas portas giratórias. Os dois homens ficaram parados na entrada, procurando uma mesa.

— A sua polícia faz serão — comentou Casey, e fez um aceno meio a contragosto quando o olhar dos homens pousou neles. Os dois homens hesitaram, depois dirigiram-se para uma mesa vazia, na outra extremidade da sala. — Gosto de Armstrong — disse. — O outro também é da polícia?

— Suponho que sim. Onde foi que conheceu Robert? Ela lhe contou.

— Ainda nada sobre as armas contrabandeadas. De onde vieram, ou Iá o que seja.

— Que coisa desagradável!

— Quer tomar um conhaque?

— Por que não? A saideira, depois tenho que ir embora. Garçom! — Pediu as bebidas. — O carro estará aqui amanhã às doze em ponto, para apanhá-los.

— Obrigada. Ian, o convite diz: "Senhoras, chapéus e luvas". É pra valer?

— Claro que sim. — Franziu a testa. — As senhoras sempre usaram chapéus e luvas nas corridas. Por quê?

— Vou ter que comprar um chapéu. Há anos que não uso chapéu.

— Para falar a verdade, gosto das senhoras de chapéu. Dunross lançou um olhar pela sala. Armstrong e Sinders observavam-nos disfarçadamente. "Será uma coincidência estarem aqui?", perguntou-se.

— Também está sentindo os olhares, tai-pan? Todo mundo aqui parece conhecê-lo.

— Não sou eu, é apenas a Casa Nobre, e o que eu represento.

Chegou o conhaque.

— Saúde! — exclamaram, tocando os copos.

— Quer responder à minha pergunta agora?

— A resposta é sim.

Girou o conhaque no copo e aspirou o buquê.

— Sim, o quê? Abruptamente, ele abriu um sorriso.

— Sim, nada; sim, não é justo; mas, sim, acontece o tempo todo, e não vou me meter numa daquelas belezas de auto-analise tipo "Parou de bater na sua mulher recentemente?", embora pareça que a maioria das senhoras goste de apanhar ocasionalmente, mas com muito cuidado, com ou sem chapéu!

Ela riu, e a maioria das sombras desapareceu.

— Depende, não é?

— Depende!

Ele a observava, o sorriso calmo e sereno no rosto, pensando. E ela estava pensando: "Depende de quem, quando, onde e da oportunidade, circunstância e necessidade, e agora seria fantástico".

Estendeu o copo e tocou no dela.

— Saúde — disse. — E à terça-feira.

Ela retribuiu o sorriso e ergueu o copo, o coração batendo mais depressa.

— É.

— Tudo pode esperar até Iá. Não pode?

— É, espero que sim, Ian.

— Bem, já vou indo.

— Diverti-me muito.

— Eu também.

— Obrigada pelo convite. Amanhã... Interrompeu-se quando Gup Noturno aproximou-se rapidamente.

— Com licença, tai-pan, telefone.

— Ah, obrigado. Já estou indo. — Dunross soltou um suspiro. — Não há descanso para os maus! Vamos, Casey?

— Claro, claro, tai-pan. — Levantou-se, o coração batendo forte, sentindo uma dor triste e doce possuí-la. — Pode deixar que eu pago a conta!

— Obrigado, mas isso já está resolvido. Eles a mandarão para o escritório. — Dunross deixou uma gorjeta e acompanhou-a até os elevadores, ambos cônscios dos olhares que os seguiam. Por um segundo ele se sentiu tentado a subir com ela, só para aumentar as fofocas. "Mas isso seria realmente tentar o demônio, e já tenho demônios de sobra me tentando", pensou. — Boa noite, Casey, até amanhã, e não se esqueça do coquetel das sete e meia às nove da noite. Lembranças ao Linc!

Acenou alegremente e se dirigiu ao balcão de recepção.

Ela o viu afastar-se, alto, imaculado e confiante. As portas do elevador se fecharam. "Se não estivéssemos em Hong Kong, você não me escaparia. Não esta noite, Ian Dunross. Ah, não, esta noite faríamos amor. Ora se faríamos!"

Dunross parou na recepção e atendeu ao telefone.

— Pronto, aqui é Dunross.

— Tai-pan?

— Oh, alô, Lim — disse, reconhecendo a voz do mordomo. — O que foi?

— O sr. Tip Tok-toh acaba de telefonar, senhor. — O coração de Dunross começou a bater mais depressa. — Pediu-me que tentasse encontrá-lo e que o senhor ligasse para ele, por favor. Disse que podia ligar até as duas horas, ou então depois das sete da manhã.

— Obrigado. Mais alguma coisa?

— A srta. Claudia ligou às oito e disse que instalou sua convidada... — Um barulhinho de papel —... sra. Gresserhoff, no hotel, e que o seu compromisso das onze no seu escritório está confirmado.

— Ótimo. Que mais?

— A senhora ligou de Londres... por Iá tudo bem... e um dr. Samson, de Londres.

— Ah! — O especialista de Kathy. — Deixou o número do telefone? — Lim disse o número, e ele o anotou. — Mais alguma coisa?

— Não, tai-pan.

— A Filha Número Um já voltou?

— Não, tai-pan. A Filha Número Um chegou por volta das dezenove horas por alguns minutos, acompanhada de um rapaz, depois saíram.

— Era o Martin Haply?

— Sim, era, sim.

— Obrigado, Lim. Vou ligar para Tiptop, depois vou de barca para casa.

Desligou. Desejando um maior isolamento, foi até a cabine telefônica que ficava perto da papelaria. Discou.

— Weyyyy? Reconheceu a voz de Tiptop.

— Boa noite, aqui fala Ian Dunross.

— Ah, tai-pan! Um minutinho. — Ele ouviu o som de uma mão tapando o bocal e vozes abafadas. Esperou. — Ah, lamento tê-lo feito esperar. Recebi uma notícia muito perturbadora.

— Foi?

— Foi. Parece que sua polícia novamente está sendo como pulmões de cachorro e coração de lobo. Ela prendeu arbitrariamente um grande amigo seu, o superintendente Brian Kwok. Ele...

— Brian Kwok? — exclamou Dunross. — Mas por quê?

— Parece que foi falsamente acusado de ser espião da RPC e...

— Impossível!

— Concordo. Ridículo! O presidente Mao não tem necessidade de espiões capitalistas. Ele deve ser solto imediatamente, imediatamente... e se quiser sair de Hong Kong, devem permitir que saia e vá para onde desejar... imediatamente!

Dunross tentou pôr a cabeça para funcionar. Se Tiptop dizia que o homem chamado Brian Kwok devia ser solto imediatamente, para sair de Hong Kong se assim o desejasse, então Brian era espião da RPC, um dos seus espiões, e isso era impossível, impossível, impossível.

— Eu... nem sei o que dizer — falou, dando a Tiptop a abertura de que precisava.

— Devo ressaltar que é impossível aos Velhos Amigos sequer pensarem em ajudar os Velhos Amigos, quando a polícia deles está tão errada. Heya?

— Concordo — ouviu-se dizer, com a dose certa de preocupação, gritando intimamente: "Deus todo-poderoso, estão querendo trocar o Brian pelo dinheiro!" — Eu... vou falar com as autoridades logo de manhã cedo...

— Talvez pudesse fazer alguma coisa ainda hoje.

— É muito tarde para ligar para o governador, mas... — Então, Dunross lembrou-se de Armstrong e Sinders, e seu coração deu um salto. — Vou tentar. Imediatamente. Estou certo de que houve algum engano, sr. Tip. É. Deve ser um erro. De qualquer maneira, tenho certeza de que o governador estará pronto a ajudar. E a polícia. Com certeza... um engano desses poderá ser corrigido satisfatoriamente... como o pedido do Victoria para o uso temporário do dinheiro vivo do ilustre banco?

Fez-se um longo silêncio.

— É possível que isso possa ser feito. É possível. Os Velhos Amigos devem ajudar os Velhos Amigos, e ajudar a corrigir enganos. É, pode ser possível.

Dunross ouviu o "quando" não dito que ficou pendente, e automaticamente continuou a negociação, a maior parte da sua mente ainda atordoada com o que Tiptop lhe contara.

— O senhor recebeu o meu bilhete, sr. Tip? Já cuidei de todo o resto. A propósito, o Victoria terá prazer em ajudar no financiamento do tório. — Acrescentou, delicadamente: — Assim como na maioria dos futuros pedidos... em termos vantajosos.

— Ah, sim, obrigado. Sim, recebi o seu bilhete e seu convite muito gentil. Lamento que eu não estivesse me sentindo bem. Obrigado, tai-pan. Por quanto tempo o seu governo vai querer o empréstimo do dinheiro vivo, caso ele seja possível?

— Suponho que trinta dias seriam mais do que suficientes, talvez até mesmo duas semanas. Mas é o Victoria, o Blacs e os outros bancos, e não o governo de Hong Kong. Posso dar-lhe a resposta amanhã. Teremos o privilégio de recebê-lo para o almoço, amanhã nas corridas?

— Lamento não poder almoçar, mas quem sabe depois do almoço, se for possível.

Dunross deu um sorriso amargo. A conciliação perfeita.

— Naturalmente.

— Obrigado por telefonar. A propósito, o sr. Yu ficou muito impressionado com o senhor, tai-pan.

— Por favor, dê-lhe lembranças minhas. Espero vê-lo em breve. Em Cantão.

— Fiquei atônito ao ler os comentários do seu cunhado sobre o Reino Médio.

— É. Eu também. Minha mulher e o irmão não se dão há anos. Os pontos de vista dele são estranhos, inimigos, e totalmente errôneos. — Dunross hesitou. — Espero neutralizá-lo.

— É. Concordo. Obrigado. Boa noite. O aparelho ficou mudo.

Dunross desligou. "Santo Deus! Brian Kwok! E eu quase dei a ele os papéis do Alan. Santo Deus!"

Pondo as idéias em ordem com grande esforço, voltou para o saguão. Armstrong e Sinders ainda estavam Iá.

— Boa noite, posso sentar-me com vocês um minuto?

— Claro, sr. Dunross. Que surpresa agradável. Posso oferecer-lhe uma bebida?

— Chá, chá chinês, obrigado.

A mesa deles ficava afastada das outras e, quando achou seguro, Dunross inclinou-se para a frente.

— Robert, ouvi dizer que vocês prenderam o Brian Kwok — falou, ainda na esperança de que não fosse verdade. Os dois homens o fitaram.

— Quem lhe contou? — perguntou Armstrong. Dunross repetiu a conversa. Os dois homens ouviram sem fazer comentários, embora, de vez em quando, se entreolhassem.

— Obviamente, é uma troca — disse. — Ele pelo dinheiro.

Sinders sorveu o seu chocolate quente.

— Qual a importância do dinheiro?

— Total. E urgente. — Dunross enxugou a testa. — Esse dinheiro acabará totalmente com as corridas aos bancos, sr. Sinders. Temos que...

Interrompeu-se, horrorizado.

— O que foi? — indagou Sinders.

— Lembrei-me subitamente do que Alan escreveu no relatório interceptado. Que "...o agente infiltrado na polícia pode ser ou não parte da Sevrin". Ele é?

— Quem?

— Puta que o pariu, não brinque comigo! — disse Dunross, irritado. — Isso é sério. Acham que sou algum idiota? Há um agente da Sevrin na Struan. Se o Brian faz parte da Sevrin, tenho o direito de saber.

— Concordo plenamente — disse Sinders, sereno, embora seus olhos estivessem duros como pedra. — No momento em que o traidor for descoberto, pode ficar descansado que será avisado. Tem alguma idéia de quem possa ser?

Dunross sacudiu a cabeça, controlando a raiva. Sinders observou-o.

— O senhor dizia "temos que..." Temos que fazer o quê, sr. Dunross?

— Temos que pôr as mãos naquele dinheiro imediatamente. O que foi que o Brian fez?

Depois de um momento, Sinders disse:

— Os bancos só abrem na segunda-feira. Quer dizer que segunda é o Dia D?

— Suponho que os bancos precisem do dinheiro antes disso, para abrir e ter o dinheiro nos guichês. Que diabo o Brian fez?

Sinders acendeu um cigarro para si e outro para Armstrong.

— Se esse tal de Brian foi mesmo preso, não creio que seja uma pergunta muito discreta, sr. Dunross.

— Eu teria apostado qualquer coisa — disse o tai-pan, desconsolado —, qualquer coisa, mas o Tiptop jamais sugeriria uma troca se não fosse verdade. Jamais. O Brian deve ser superimportante. Porra, o que falta mais acontecer neste mundo? Vocês cuidarão da troca, ou o sr. Crosse cuidará... imagino que a aprovação do governador será necessária.

Pensativamente, o chefe da MI-6 soprou a ponta do seu cigarro.

— Duvido que haja uma troca, sr. Dunross.

— E por que não? O dinheiro é mais impor...

— É uma questão de opinião, sr. Dunross, se esse Brian Kwok está realmente preso. De qualquer maneira, o governo de Sua Majestade não se submeteria à chantagem. De muito mau gosto.

— Concordo. Mas Sir Geoffrey vai concordar prontamente.

— Duvido. Ele me deu a impressão de ser esperto demais para isso. Por falar em troca, sr. Dunross, pensei que o senhor ia nos dar as pastas de Alan M. Grant.

Dunross sentiu uma pontada fria na boca do estômago.

— E dei, hoje à noite.

— Puta que o pariu, não brinque comigo, isso é sério! Acha que sou algum idiota? — disse Sinders no tom exato que Dunross usara. Abruptamente, deu uma risada seca e continuou na mesma calma gélida: — O senhor sem dúvida nos deu uma versão delas, mas infelizmente não se comparam em qualidade à que foi interceptada. — Os olhos do homem desmazelado ficaram ainda mais duros e curiosamente ameaçadores, embora sua fisionomia não se tivesse alterado. — Sr. Dunross, o seu subterfúgio foi habilidoso, elogiavel, mas desnecessário. Nós realmente queremos aquelas pastas, as originais.

— Se essas não o satisfazem, por que não dá uma busca nos papéis de Alan?

— Já dei. — Sinders sorriu sem humor. — Bem, é como aquele velho ditado do ladrão: "A bolsa ou a vida". A posse dessas pastas pode ser letal para o senhor. Concorda, Robert?

— Sim, senhor.

Sinders tirava baforadas do seu cigarro.

— Com que então, sr. Dunross, o seu sr. Tiptop quer fazer uma troca, hem? Todo mundo em Hong Kong parece gostar de trocas, de comércio. Está no ar, não é? Mas para isso é preciso dar um valor por outro igual. Imagino que se quer concessões para obter concessões do inimigo... bem, no amor e na guerra vale tudo, ao que dizem. Não é?

Dunross manteve a fisionomia impassível.

— É o que dizem. Amanhã cedinho vou falar com o governador. Vamos manter isso estritamente confidencial até que eu tenha conversado com ele. Boa noite.

Ficaram olhando enquanto ele cruzava as portas giratórias e desaparecia.

— O que você acha, Robert? Dunross trocou mesmo as pastas?

Armstrong soltou um suspiro.

— Não sei. O rosto dele nada revelou. Eu o observei atentamente. Nada. Mas ele é vivíssimo.

— É. — Sinders ficou pensando um momento. — Quer dizer que o inimigo quer fazer uma troca, hem? Eu diria que teremos nas mãos o referido cliente por vinte e quatro horas, no máximo. Quando vai fazer o próximo interrogatório?

— Às seis e meia.

— Ah! Bem, se você vai começar tão cedo, é melhor irmos andando. — Sinders pediu a conta. — Vou consultar o sr. Crosse, mas já sei o que ele vai dizer... na realidade o que Londres ordenou.

— O quê, senhor?

— Eles estão preocupadíssimos porque o cliente teve conhecimento de segredos em demasia, no curso feito no estado-maior, na Real Polícia Montada Canadense. — Sinders hesitou de novo. — Pensando melhor, Robert, independentemente do que o sr. Dunross faça, nossa única solução é apreciar o processo interrogatório. É. Vamos cancelar a sessão das seis e meia, continuar com a programação de hora em hora, desde que ele esteja medicamente apto, e jogá-lo no Quarto Vermelho. Armstrong empalideceu.

— Mas senhor...

— Lamento — disse Sinders, a voz gentil —, sei que ele é seu amigo, era amigo, mas agora o sr. Tiptop e o sr. Dunross roubaram o nosso tempo.


Sábado

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