45
15h
A campainha que encerrava o pregão da Bolsa de Valores tocou, mas o ruído foi abafado pelo fétido pandemônio dos corretores amontoados tentando desesperadamente completar sua transação final.
Para a Struan, o dia fora desastroso. Imensas quantidades de ações haviam sido empurradas no mercado para serem compradas vacilantemente, depois jogadas de volta de novo, enquanto os boatos se alimentavam de mais boatos, e mais ações eram oferecidas. A cotação caiu de 24, 70 para 17, 50 e ainda havia trezentas mil ações na coluna de venda. Todas as ações de bancos estavam em baixa, o mercado estava tonto. Todos esperavam que o Ho-Pak entrasse em colapso no dia seguinte... só o fato de Sir Luís Basílio ter suspendido as negociações com as ações de bancos ao meio-dia evitara que o banco soçobrasse, então,
— Puta que o pariu, que droga! — falou alguém. — Fodido pela porra da campainha.
— Olhe só para o tai-pan — exclamou outro. — Santo Deus, dá a impressão de que foi um dia como os outros, e não o dobre de finados da Casa Nobre!
— Ele tem peito, o nosso Ian, não há dúvida. Olhe como ainda sorri. Meu Deus, as ações dele baixam de 24, 70 para 17, 50 em um só dia, quando jamais estiveram abaixo de 25 desde que a empresa passou a ser de capital aberto, e é como se nada houvesse acontecido. Amanhã o Gornt vai obter o controle acionário!
— Concordo... ou o banco.
— O Vic? Não, já tem seus próprios problemas — disse outro, unindo-se ao grupo excitado e suarento.
— Pela madrugada! Acha mesmo que Gornt vai conseguir? Gornt, tai-pan da nova Casa Nobre?
— Nem posso imaginar! — gritou outro, acima da balbúrdia.
— É melhor ir se acostumando, meu velho. Mas, eu concordo, ninguém diria que o mundo do Ian está desmoronando sob seus pés...
— E já está tarde! — exclamou um outro.
— Ora, qual é? O tai-pan é um bom sujeito, o Gornt é um filho da mãe arrogante.
— Os dois são filhos da mãe! — disse um outro.
— Ah, não sei. Mas concordo que o Ian é um bocado frio, o Ian é tão frio quanto a caridade, e isso é ser frio à beça!
— Mas não tão frio quanto o pobre Willy, que está morto, ora essa!
— Willy, Willy quem? — perguntou alguém em meio às risadas. — Hem?
— Ora, Charlie, pela madrugada! É só uma brincadeira, uma rima! "À beça" com "ora essa". Que tal foi o seu dia?
— Faturei uma nota em comissões. — Eu também.
— Fantástico. Eu me desfiz de cem por cento de todas as minhas próprias ações. Agora não tenho nada aplicado, graças a Deus! Vai ser duro para alguns dos meus clientes, mas quem ganha fácil perde fácil, e eles podem agüentar o repuxo!
— Ainda estou com cinqüenta e oito mil ações da Struan, e não tenho compradores...
— Puta que o pariu!
— O que foi?
— O Ho-Pak chegou ao fim da linha! Fechou as portas.
— Como?
— Todas as porras das agências!
— Deus todo-poderoso! Tem certeza?
— Claro que tenho, e estão dizendo que o Vic também não vai abrir amanhã, que o governador vai declarar feriado bancário! Soube por fonte seguríssima, meu velho!
— Sagrado Coração de Jesus, o Vic vai fechar?
— Ah, Deus, estamos todos arruinados...
— Ouçam, acabei de falar com Johnjohn. A corrida chegou até eles, mas ele disse que ficarão bem... para não nos preocuparmos.
— Graças a Deus!
— Ele disse que houve um tumulto em Aberdeen há meia hora, quando a agência do Ho-Pak de lá fechou, mas Richard Kwang acaba de fazer uma declaração à imprensa. "Fechou temporariamente" todas as agências deles, exceto a matriz. Não há com que se preocupar, ele tem dinheiro de sobra e...
— Filho da mãe mentiroso!
— ... e qualquer um que tenha fundos no Ho-Pak pode ir até lá com a sua caderneta de depósito e receberá o seu dinheiro.
— E quanto às ações deles? Quando as liquidarem, quanto acha que vão valer? Dez centavos por dólar!
— Sabe Deus! Mas milhares vão perder as cuecas nesse colapso!
— Ei, tai-pan! Vai deixar suas ações irem lá para baixo, ou vai comprar?
— A Casa Nobre é tão forte quanto sempre foi, meu velho — disse Dunross, serenamente. — Meu conselho para vocês é que comprem!
— Quanto tempo pode esperar, tai-pan?
— Vamos superar este ligeiro problema, não se preocupe.
Dunross continuou a abrir caminho entre o povo, dirigindo-se para a saída, seguido por Linc Bartlett e Casey, bombardeado por perguntas. Ignorou a maioria com uma palavrinha amável, respondeu a algumas, e então viu-se frente a frente com Gornt, e os dois se enfrentaram em meio a um grande silêncio.
— Ah, Quillan, como se saiu hoje? — indagou, cortesmente.
— Muito bem, obrigado, Ian, muito bem. Meus sócios e eu estamos com três ou quatro milhões de vantagem.
— Tem sócios?
— Claro. Não se inicia um ataque à Struan de qualquer maneira... é claro que é preciso ter um apoio financeiro muito substancial. — Gornt sorriu. — Felizmente, a Struan é amplamente detestada por um bocado de gente boa, e isso há um século ou mais. Tenho prazer em lhe dizer que acabo de adquirir mais trezentas mil ações que vão estar à venda logo que a Bolsa abrir. Isso deve ser o bastante para fazer a sua casa desabar.
— Não somos um castelo de cartas. Somos a Casa Nobre.
— Até amanhã. É. Ou quem sabe até depois de amanhã, no máximo até segunda-feira. — Gornt olhou para Bartlett. — Nosso jantar de terça-feira ainda está de pé?
— Está. Dunross sorriu.
— Quillan, um homem pode se queimar, vendendo a descoberto num mercado tão volúvel. — Virou-se para Bartlett e Casey, e falou, de modo agradável: — Não concordam?
— Pode apostar que isso aqui não é como a nossa Bolsa em Nova York — replicou Bartlett, provocando uma risada geral. — O que está acontecendo aqui hoje mandaria toda a nossa economia para o diabo, hem, Casey?
— É — respondeu Casey, sem jeito, sentindo o olhar fixo de Gornt. — Alô — cumprimentou, olhando-o de relance.
— Sentimo-nos honrados por tê-los aqui — disse Gornt, com grande charme. — Posso cumprimentá-los pela sua coragem ontem à noite? Aos dois.
— Não fiz nada de especial — disse Bartlett.
— Nem eu — falou Casey, constrangida, tendo plena consciência de ser a única mulher na sala, e agora o centro de tantas atenções. — Se não tivesse sido pelo Linc e pelo Ian... pelo tai-pan, e você, e os outros, eu teria entrado em pânico.
— Ah, mas não entrou. Seu mergulho foi uma perfeição — disse Gornt, em meio a vivas.
Ela ficou calada, mas aquele pensamento a aqueceu, e não pela primeira vez. De alguma forma, sua vida estava diferente desde que tirara a roupa, sem pensar. Gavallan ligara para ela pela manhã, para saber como estava passando. Outros também. Na Bolsa, sentira a força dos olhares. Recebera muitos elogios. Muitos deles de estranhos. Sentia que Dunross, Gornt e Bartlett se lembravam, porque ela não os havia decepcionado. Ou a si mesma. "É", pensou, "você ganhou muito prestígio perante todos os homens. E fez crescer a inveja das mulheres. Curioso. "
— Está vendendo a descoberto, sr. Bartlett? — dizia Gornt.
— Não pessoalmente — disse Bartlett, com um sorrisinho. — Ainda não.
— Devia — disse Gornt, amavelmente. — Pode-se ganhar muito dinheiro num mercado em baixa, como estou certo de que sabe. Um bocado de dinheiro vai mudar de mãos com o controle da Struan. — Voltou a fitar Casey, excitado por sua coragem, seu corpo, e pela idéia de que iria passear com ela de barco no domingo. — E você, Ciranoush, está no mercado? — perguntou.
Casey ouviu o seu nome, e o modo como ele o pronunciou. Ficou excitada. "Cuidado", advertiu a si mesma. "Esse homem é perigoso. É. E o Dunross também, e o Linc também.
"Qual?
"Acho que quero os três", pensou, invadida por uma onda de calor. "
O dia fora excitante e formidável desde o primeiro momento, quando Dunross lhe telefonara, solícito. Depois, levantara-se, sem sentir nenhum mal-estar por causa do fogo ou dos vomitórios do dr. Tooley. Em seguida, passara toda a manhã trabalhando nos telefonemas, telegramas e telex para os Estados Unidos, alegremente, acertando problemas do imenso conglomerado da Par-Con, cimentando uma fusão que estava na agenda deles há meses, vendendo uma companhia com muito lucro, para adquirir uma outra que fortaleceria ainda mais a investida da Par-Con na Ásia... fosse lá quem fosse o parceiro deles. Depois, inesperadamente, fora convidada para almoçar com Linc... O querido, bonito, confiante e atraente Linc, pensou, lembrando-se do almoço deles no topo do Victoria and Albert, no imenso salão de refeições verde com vista para o porto, Linc tão atencioso, a ilha de Hong Kong e as estradas costeiras obscurecidas pela chuva torrencial. Meia toronja, uma pequena salada, Perrier, tudo perfeitamente servido, do jeito que ela queria. Depois, o café.
— Que tal irmos à Bolsa de Valores, Casey? Lá pelas duas e meia? — dissera ele. — O Ian nos convidou.
— Ainda tenho muita coisa a fazer, Linc, e...
— Mas aquele lugar é um barato, e as coisas que aqueles caras conseguem fazer são incríveis. Negociações escusas aqui são um meio de vida, e absolutamente legais. Deus, é fantástico, maravilhoso, um grande sistema! O que eles fazem aqui legalmente todos os dias daria uma pena de vinte anos nos Estados Unidos.
— O que não torna a coisa correta, Linc.
— Não, mas aqui é Hong Kong, suas regras os agradam. É o país deles, eles se sustentam, e o governo tira apenas quinze por cento em impostos. É o que eu lhe digo, Casey, se você quer dinheiro do "dane-se", é aqui que ele está.
— Tomara! Vá você, Linc, tenho um monte de coisas ainda por fazer!
— Podem esperar. Hoje pode ser o dia decisivo. Temos que estar lá para o golpe final.
— O Gornt vai ganhar?
— Claro, a não ser que Ian consiga um financiamento maciço. Ouvi dizer que o Victoria não vai apoiá-lo. E o Orlin não vai renovar o empréstimo, como previ!
— Foi o Gornt quem lhe contou?
— Pouco antes do almoço. Mas todo mundo sabe de tudo neste lugar. Nunca vi nada parecido.
— Então pode ser que o Ian saiba que você adiantou os dois milhões para o Gornt começar o ataque.
— Pode ser. Não importa, contanto que não saibam que a Par-Con está prestes a se tornar a nova Casa Nobre. Que tal soa "tai-pan Bartlett"?
Casey lembrou-se do sorriso repentino dele, e do calor que se transmitira a ela. Sentia-o de novo agora, ali, de pé na Bolsa de Valores, olhando para ele, montes de homens à volta dela, mas só três importantes: Quillan, Ian e Linc, os homens mais excitantes e cheios de vitalidade que conhecera em toda a vida. Sorriu para eles, igualmente, depois disse a Gornt:
— Não, não estou no mercado, não pessoalmente. Não gosto de jogar... o custo do meu dinheiro sai caro demais.
Alguém resmungou:
— Que coisa horrível de dizer!
Gornt não prestou atenção, e manteve os olhos fitos nela.
— Sensato, muito sensato. Claro, às vezes há uma coisa absolutamente certa, às vezes pode-se faturar alto, com um golpe mortal. — Olhou para Dunross, que ostentava seu sorriso curioso. — Em sentido figurado, é claro.
— É claro. Bem, Quillan, até amanhã.
— Ei, sr. Bartlett — chamou alguém —, já fechou negócio com a Struan, ou não?
— É — falou outro. — E o que o Incursor Bartlett pensa de uma incursão à moda de Hong Kong?
Novo silêncio. Bartlett deu de ombros.
— Uma incursão é uma incursão, seja onde for — disse, com cuidado —, e eu diria que esta está armada e iniciada. Mas a gente nunca sabe se ganhou até a contagem dos votos estar terminada. Concordo com o sr. Dunross. A gente pode se queimar. — Abriu novo sorriso, os olhos brejeiros. — Também concordo com o sr. Gornt. Às vezes também se pode faturar alto, com um golpe mortal. Em sentido figurado.
Nova explosão de risos. Dunross aproveitou-se dela para chegar à porta, Bartlett e Casey atrás dele. Junto ao seu Rolls com chofer, Dunross falou:
— Vamos, entrem... desculpem, tenho um compromisso, mas o carro os levará para casa.
— Não, tudo bem, tomaremos um táxi...
— Não, entrem. Nessa chuva, terão que esperar meia hora.
— Nas barcas estará ótimo, tai-pan — falou Casey. — Ele poderá nos deixar lá.
Entraram e o carro arrancou, o trânsito confuso.
— O que vai fazer quanto ao Gornt? — perguntou Bartlett.
Dunross riu, e Casey e Bartlett tentaram calcular a sinceridade da risada.
— Vou esperar — disse. — É um velho costume chinês: paciência. Tudo chega às mãos daquele que espera. Obrigado por ficar de boca fechada sobre o nosso acordo. Saiu-se muito bem.
— Vai anunciá-lo amanhã, depois que o mercado fechar, conforme o planejado? — quis saber Bartlett.
— Prefiro deixar minhas opções em aberto. Conheço o mercado, você não. Talvez amanhã. — Dunross olhou para os dois, fixamente. — Talvez não antes de terça-feira, quando já tivermos assinado o contrato. Imagino que o negócio ainda esteja de pé, não? Até terça à meia-noite?
— Claro — disse Casey.
— A hora da participação pode ficar ao meu encargo? Aviso-lhes antes, mas posso precisar escolher outra hora... para manobrar.
— Sem dúvida.
— Obrigado. Claro, se já tivermos entrado pelo cano, negócio cancelado. Compreendo perfeitamente.
— O Gornt pode obter o controle? — indagou Casey. Ambos notaram a alteração nos olhos do escocês. O sorriso ainda permanecia, mas apenas na superfície.
— Não, na verdade não. Mas é claro que com ações suficientes, poderá forçar sua presença imediatamente na diretoria, e indicar outros diretores. Uma vez na diretoria, ficará por dentro da maioria dos nossos segredos, perturbará e destruirá. — Dunross lançou um olhar para Casey. — O propósito dele é destruir.
— Por causa do passado?
— Parcialmente. — Dunross sorriu, mas dessa feita eles notaram um cansaço profundo no sorriso. — É um jogo muito alto, envolve prestígio, muito prestígio, e estamos em Hong Kong. Aqui, os fortes sobrevivem e os fracos perecem, mas nesse meio tempo o governo não rouba você, nem o protege. Se não quiser ser livre e não gostar das nossas regras, ou da ausência delas, não venha para cá. Você veio atrás de lucro, heya? — Observava Bartlett. — E terá lucro, de uma maneira ou de outra.
— É — concordou Bartlett, serenamente, e Casey se perguntou até que ponto Dunross saberia do trato feito com Gornt. A idéia a perturbou.
— Nosso motivo é lucro, sim — disse ela. — Mas não é destruir.
— Isso é sensato — falou Dunross. — É melhor criar do que destruir. Ah, a propósito, Jacques perguntou se os dois gostariam de jantar com ele, logo mais, lá pelas oito e meia. Eu não posso ir, tenho uma festa oficial com o governador, mas talvez possa encontrá-los para um drinque, depois.
— Obrigado, mas hoje não posso — disse Bartlett despreocupadamente, embora não estivesse nada despreocupado ao lembrar-se de Orlanda. — E você, Casey?
— Não, obrigada, tenho um monte de trabalho para fazer, tai-pan. Que tal deixarmos para um outro dia? — perguntou, feliz, achando que ele era sensato por ficar de boca fechada, e Linc Bartlett igualmente sensato por deixar a Struan um pouco de lado, por enquanto. "É", pensou com seus botões, "vai ser ótimo jantar com o Linc, só nós dois, como no almoço. Quem sabe até a gente possa ir ao cinema, depois. "
Dunross entrou no seu escritório.
— Oh... oh, alô, tai-pan — cumprimentou Claudia. — O sr. e a sra. Kirk estão na sala de espera do andar de baixo. O pedido de demissão de Bill Foster está na sua bandeja.
— Ótimo. Claudia, não quero deixar de ver o Linbar antes que ele viaje.
Ele a observou atentamente, e embora ela fosse extremamente hábil em disfarçar os sentimentos, ele podia sentir o seu medo. Sentia o medo no prédio todo. Todos fingiam o contrário, mas a confiança estava abalada.
"Sem confiança no general", escrevera Sun Tse, "nenhuma batalha pode ser ganha, não importa o grande número de tropas e armas. "
Inquieto, Dunross reviu seu plano e sua posição. Sabia que tinha poucos movimentos a realizar, que a única defesa verdadeira era o ataque, e que ele não podia atacar sem fundos maciços. Pela manhã, quando se encontrara com Lando Mata, obtivera apenas um relutante talvez.
— ... já lhe disse que tenho que consultar primeiro o Tung Pão-Duro. Deixei recado, mas ainda não consegui me comunicar com ele.
— Ele está em Macau?
— É, acho que está. Disse que ia chegar hoje, mas não sei por que balsa. Não sei mesmo, tai-pan. Se não estiver na última balsa para cá, eu próprio irei a Macau vê-lo... se ele estiver disponível. Ligarei para você hoje à noite, tão logo tenha falado com ele. A propósito, já reconsiderou nossas ofertas?
— Já. Não posso vender-lhes o controle acionário da Struan. E não posso deixar a Struan e ir administrar o jogo em Macau.
— Com o nosso dinheiro esmagará o Gornt, poderá...
— Não posso passar adiante o controle.
— Talvez pudéssemos combinar as duas ofertas. Nós o apoiaremos contra Gornt em troca do controle da Struan, e você dirigirá o nosso sindicato do jogo, secretamente, se quiser. É, podia ser em segredo...
Dunross mudou de posição na poltrona, certo de que Lando Mata e Pão-Duro estavam usando a armadilha em que estava preso para atender aos próprios interesses. "Como Bartlett e Casey", pensou, sem raiva. "Que mulher interessante! Linda, corajosa e leal... a Bartlett. Será que ela sabe que ele tomou café com Orlanda, hoje de manhã, e depois foi ao apartamento dela? Será que eles sabem que eu sei dos dois milhões da Suíça? Bartlett é esperto, muito esperto, e está fazendo todas as jogadas corretas, mas está desguarnecido no ataque, porque é previsível, e sua jugular é uma moça asiática. Talvez Orlanda, talvez não. Mas sem dúvida uma Pele Dourada cheia de juventude. Quillan foi muito vivo em colocá-la como isca na armadilha. É. Orlanda é uma isca perfeita", pensou, depois voltou a se concentrar em Lando Mata e seus milhões. "Para conseguir esses milhões, teria que quebrar o meu Juramento Sagrado, e isso não farei. "
— Quais os telefonemas que tenho, Claudia? — perguntou, uma súbita pontada gelada no estômago. Mata e Pão-Duro tinham sido o seu trunfo, o último que restava.
Ela hesitou, depois olhou para a lista.
— Hiro Toda ligou de Tóquio, ligação pessoal. Por favor, ligue para ele quando tiver um momento sobrando. E também Alastair Struan, de Edimburgo... David MacStruan, de Toronto... seu pai, de Ayr... o velho Sir Ross Struan, de Nice...
— O tio Trussler, de Londres — disse ele, interrompendo-a —, o tio Kelly, de Dublin... o primo Cooper, de Atlanta, o primo...
— De Nova York — completou Claudia.
— De Nova York. As más notícias voam — disse ele, calmamente.
— É. Depois, teve... — Seus olhos ficaram cheios de lágrimas. — O que vamos fazer?
— Tudo menos chorar — falou, sabendo que uma grande porção das economias dela estavam investidas em ações da Struan.
— Sim. Oh, sim. — Fungou e usou o lenço, triste por causa dele, mas grata aos deuses por ter tido a previdência de vender na alta e não comprar quando o chefe da Casa de Chen murmurara a todo o clã que comprasse maciçamente. — Ayeeyah, tai-pan, desculpe, por favor, desculpe... sim. Mas tudo vai muito mal, não é?
— Vai, mocinha — disse ele, imitando um sotaque escocês —, mas só quando a gente está "morrido". Não era assim que o velho tai-pan costumava dizer? — O velho tai-pan era
Sir Ross Struan, o pai de Alastair, o primeiro tai-pan de que se lembrava. — Continue com os telefonemas.
— O primo Kern, de Houston, e o primo Deeks, de Sydney. É o último da família.
— É a família toda.
Dunross soltou a respiração. O controle acionário da Casa Nobre estava com aquelas famílias. Cada uma tinha lotes de ações que havia herdado, embora pela lei da Casa só ele tivesse o poder de voto... enquanto fosse o tai-pan. Os bens da família Dunross, descendentes de Winifred, filha de Dirk Struan, constituíam dez por cento; dos Struans de Robb Struan, meio irmão de Dirk, cinco por cento; dos Trusslers e dos Kellys, descendentes de Culum e da filha mais moça da Bruxa Struan, cinco por cento cada; dos Coopers, Kerns e Derbrys, descendentes do comerciante americano Jeff Cooper, da Cooper-Tillman, o amigo de toda a vida de Dirk, que se casara com a filha mais velha da Bruxa Struan, cinco por cento cada; dos MacStruans, que se acreditava serem descendentes ilegítimos de Dirk, dois e meio por cento; e dos Chens, sete e meio por cento. O grosso das ações, cinqüenta por cento, propriedade pessoal e legado da Bruxa Struan, ficava num fideicomisso perpétuo, a ser votado pelo tai-pan "quem quer que ele seja, e o lucro obtido será dividido anualmente, cinqüenta por cento para o tai-pan, o resto proporcionalmente aos bens das famílias... mas somente se o tai-pan assim o decidir", escrevera ela, na sua letra ousada e firme. "Se ele resolver reter os lucros das minhas ações por qualquer motivo, poderá fazê-lo. Depois esse incremento irá para o fundo particular do tai-pan, para o uso que ele achar conveniente. Mas que todos os futuros tai-pans tomem tento: a Casa Nobre passará de Mão segura para Mão segura, e os clãs de Porto seguro para Porto seguro, como o tai-pan em pessoa decretou, perante Deus, acrescentarei a minha maldição à dele, sobre aquele ou aquela que nos falhar... "
Dunross sentiu um arrepio percorrê-lo ao se lembrar da primeira vez que lera o testamento dela... tão dominador quanto o legado de Dirk Struan. "Por que somos tão possuídos por esses dois?", perguntou-se novamente. "Por que não podemos livrar-nos do passado, por que temos que viver à disposição de fantasmas, e de fantasmas que nem são lá muito bons?
"Eu não vivo assim", disse para si mesmo, com firmeza, "estou apenas tentando me equiparar aos seus padrões. "
Voltou a olhar para Claudia, matronal, durona e muito segura de si, mas agora assustada, assustada pela primeira vez. Ele a conhecera a vida inteira, e ela servirá ao velho Sir Ross, depois ao seu pai, depois a Alastair, e agora a ele próprio com uma lealdade fanática, assim como Phillip Chen. "Ah, Phillip, pobre Phillip. "
— Phillip telefonou? — perguntou.
— Telefonou, tai-pan. E Dianne também. Ligou quatro vezes.
— Quem mais?
— Uma dúzia, ou mais. Os mais importantes são Johnjohn, do banco, general Jean, de Formosa, Gavallan père, de Paris, Wu Quatro Dedos, Pug...
— Quatro Dedos? — Dunross ficou esperançoso. — Quando ligou?
Ela consultou sua lista.
— Às duas e cinqüenta e seis.
"Será que o velho pirata mudou de idéia?", pensou Dunross, sua excitação aumentando.
No final da tarde anterior, ele fora a Aberdeen procurar Wu e pedir-lhe ajuda, mas, como no caso de Lando Mata, só conseguira vagas promessas.
— Escute, Velho Amigo — ele lhe dissera, em dialeto haklo, hesitante. — Nunca lhe pedi um favor antes.
— Uma longa linhagem de seus ancestrais tai-pans pediram muitos favores e obtiveram grandes lucros dos meus ancestrais — o velho respondera, os olhos astutos e irrequietos. — Favores? Fodam-se todos os cães, tai-pan, não tenho tanto dinheiro. Vinte milhões? Como é que um pobre pescador como eu ia ter tanta grana?
— Mais do que isso saiu do Ho-Pak ontem, Velho Amigo.
— Ayeeyah, fodam-se todos aqueles que murmuram informações erradas! Pode ser que eu tenha sacado o meu dinheiro em segurança, mas todo ele já se foi para pagar mercadorias, mercadorias que eu devia.
— Espero que não seja o Pó Branco — dissera Dunross, severamente. — O Pó Branco dá um azar terrível. Correm boatos de que você está interessado nele. Aconselho-o a desistir, como amigo. Meus ancestrais, o Velho Demônio de Olhos Verdes e a Bruxa Struan do Mau-Olhado e dos Dentes do Dragão, rogaram uma praga sobre aqueles que negociarem com o Pó Branco, não o ópio, mas todos os Pós Brancos e aqueles que negociarem com eles — falou, alterando a verdade, sabendo como o velho era supersticioso. — Aconselho-o a não lidar com o Pó que Mata. Sem dúvida, seu negócio de ouro é mais do que lucrativo.
— Não sei nada de Pó Branco algum. — O velho forçara um sorriso, mostrando as gengivas e alguns dentes tortos. — E não tenho medo de pragas, nem mesmo deles!
— Ótimo — disse Dunross, sabendo que era mentira. — Nesse meio tempo, ajude-me a obter crédito. Cinqüenta milhões durante três dias, é só do que preciso!
— Vou perguntar entre os meus amigos, tai-pan. Talvez possam ajudar, talvez possamos ajudar juntos. Mas não espere água de um poço vazio. A que juros?
— Juros altos, se for amanhã.
— Não é possível, tai-pan.
— Convença o Pão-Duro, você é associado e velho amigo dele.
— O Pão-Duro é a única merda de amigo que o Pão-Duro tem — dissera o velho, carrancudo, e nada do que Dunross dissesse conseguiu mudar sua atitude.
Dunross estendeu a mão para o telefone.
— Que outros telefonemas recebi, Claudia? — perguntou, enquanto discava.
— Johnjohn, do banco, Phillip e Dianne... ah, já lhe falei deles. O superintendente Crosse, todos os nossos grandes acionistas, todos os diretores administrativos de todas as subsidiárias, a maior parte do Turf Club... Travkin, seu treinador... uma lista sem fim.
— Um momentinho, Claudia. — Dunross disfarçou a ansiedade e falou ao aparelho, em haklo: — Aqui fala o tai-pan. O meu Velho Amigo está?
— Claro, claro, sr. Dunross — disse a voz americana, educadamente, em inglês. — Obrigado por responder ao telefonema. Ele já vem atender, senhor.
— Sr. Choy, sr. Paul Choy?
— Sim, senhor.
— Seu tio me falou a seu respeito. Bem-vindo a Hong Kong.
— Eu... aqui está ele, senhor.
— Obrigado.
Dunross concentrou-se. Estivera se perguntando por que Paul Choy estava agora com Quatro Dedos, e não ocupado em imiscuir-se nos negócios de Gornt, e por que Crosse telefonara, e por que Johnjohn...
— Tai-pan?
— Sim, Velho Amigo. Queria falar comigo?
— Sim. Podemos... nos encontrar hoje à noite? Dunross tinha vontade de berrar "Mudou de idéia?" Mas as boas maneiras o impediam, e os chineses não gostavam de telefones, preferindo sempre falar cara a cara.
— Claro. Por volta das oito badaladas, no turno do meio — falou, com naturalidade. Perto da meia-noite. — O mais aproximado possível — acrescentou, lembrando-se que devia encontrar-se com Brian Kwok às dez e quarenta e cinco.
— Ótimo. No meu molhe. Haverá uma sampana à espera. Dunross desligou o telefone, o coração disparado.
— Primeiro o Crosse, Claudia, depois mande entrar os Kirks. Depois, correremos a lista. Marque um telefonema coletivo com meu pai, Alastair e Sir Ross, para as cinco horas, o que dá nove para eles, e dez em Nice. Ligarei para David e os outros nos Estados Unidos logo mais à noite. Não há necessidade de acordá-los no meio da noite.
— Sim, tai-pan.
Claudia já estava discando. Crosse atendeu, ela passou o fone para Dunross e saiu, fechando a porta atrás de si.
— Sim, Roger?
— Quantas vezes já esteve na China?
A pergunta inesperada espantou Dunross, momentaneamente.
— Isso consta dos registros — falou. — É fácil você verificar.
— Sei, Ian, mas será que pode me responder agora? Por favor.
— Quatro vezes em Cantão, para a feira, todos os anos, nos últimos quatro anos. E uma vez em Pequim, com uma comissão comercial, no ano passado.
— Alguma vez saiu de Cantão... ou de Pequim?
— Por quê?
— Saiu?
Dunross hesitou. A Casa Nobre tinha muitas associações de longa data na China, muitos amigos antigos e de confiança. Alguns eram agora comunistas dedicados. Outros eram externamente comunistas, mas por dentro totalmente chineses, e portanto de visão ampla, reservados, cautelosos e apolíticos. Esses homens variavam de importância. Havia até um na junta governamental. E todos eles, sendo chineses, sabiam que a história se repetia, que as eras podiam mudar rapidamente, e que o imperador da manhã poderia tornar-se o cão escorraçado da tarde, que as dinastias se sucediam segundo os caprichos dos deuses, que o primeiro de cada dinastia inevitavelmente subia ao trono do Dragão com as mãos tintas de sangue, que sempre se devia estar de olho numa rota de fuga... e que certos bárbaros eram Velhos Amigos em quem se podia confiar.
Mas ele sabia que, acima de tudo, os chineses eram um povo prático. A China precisava de mercadorias e ajuda. Sem mercadorias e ajuda, ficava indefesa contra seu inimigo histórico, e único inimigo real, a Rússia.
Muitas vezes, por causa da confiança especial depositada na Casa Nobre, Dunross fora procurado oficial e não-oficialmente, mas sempre secretamente. Tinham muitos negócios particulares em vista, para todo tipo de maquinarias e mercadorias em falta, incluindo a esquadrilha de aviões a jato. Freqüentemente, tinha ido a lugares aonde outros não podiam ir. Uma vez tinha comparecido a uma reunião em Hangchow, a região mais linda da China, realizada para receber particularmente outros membros do Clube 49, que iam ser homenageados com um jantar, como convidados de honra da China. O Clube 49 era formado por empresas que tinham continuado a comerciar com a RPC após 1949, na maioria firmas britânicas. A Grã-Bretanha reconhecera o governo de Mao Tsé-tung como o governo da China, pouco depois que Chang Kai-chek abandonou o continente e fugiu para Formosa. Mesmo assim, as relações entre os dois governos sempre tinham sido tensas. Mas, por definição, as relações entre os Velhos Amigos não o eram, a não ser que um Velho Amigo traísse uma confiança, ou trapaceasse.
— Ah, fiz algumas viagens por fora — disse Dunross, despreocupadamente, sem querer mentir para o chefe do sei. — Nada de especial. Por quê?
— Poderia me dizer aonde foi, por favor?
— Sem dúvida, se você for mais específico, Roger — replicou, a voz endurecendo. — Somos comerciantes, e não políticos, e não espiões, e a Casa Nobre tem uma posição especial na Ásia. Há muitos anos estamos aqui, e é por causa dos comerciantes que a bandeira inglesa flutua... costumava flutuar sobre a metade do mundo. O que você quer saber exatamente, meu velho?
Fez-se uma longa pausa.
— Nada, nada de especial. Pois bem, Ian, vou esperar até termos o prazer de ler os documentos, depois serei mais específico. Obrigado, desculpe incomodá-lo. Até logo.
Dunross fitou o aparelho, preocupado. O que o Crosse queria saber?, perguntou-se. Muitas das transações que havia feito e que ainda faria certamente não se enquadrariam na política oficial do governo em Londres, e mais ainda em Washington. Sua atitude a curto e a longo prazo, em relação à China, era nitidamente oposta à deles. O que eles considerariam contrabando ele não considerava.
"Bem, enquanto eu for tai-pan", disse a si mesmo, com firmeza, "haja o que houver, fogo ou tufão, nossos elos com a
China continuarão sendo nossos elos com a China, e fim de papo. A maioria dos políticos em Londres e Washington não se dá conta de que os chineses são chineses em primeiro lugar e comunistas em segundo. E Hong Kong é vital para a paz na Ásia. "
— Sr. e sra. Jamie Kirk, senhor.
Jamie Kirk era um homenzinho pedante, de rosto rosado, mãos rosadas e um sotaque escocês agradável. A mulher dele era alta, grande e americana.
— Oh, quanto prazer em conhe... — começou Kirk.
— É, temos muito, sr. Dunross — interrompeu o vozeirão bem-humorado da mulher. — Diga logo o que tem para dizer, Jamie, benzinho, o sr. Dunross é um homem muito ocupado, e temos que ir fazer compras. Meu marido tem um embrulho para o senhor.
— É, da parte de Alan Medford G...
— Ele sabe que é da parte de Alan Medford Grant, benzinho — disse ela, satisfeita, tomando-lhe a palavra de novo. — Entregue-lhe o embrulho.
— Ah. Ah, sim, e também...
— Uma carta dele, também — disse ela. — O sr. Dunross é muito ocupado. Entregue logo tudo para ele, e vamos fazer compras.
— Ah, é, bem... — Kirk entregou o embrulho a Dunross. Media uns trinta e cinco por vinte e dois centímetros, e tinha uns dois centímetros e meio de espessura. Pardo, comum, e preso com muita fita adesiva. O envelope estava selado com lacre vermelho. Dunross reconheceu o lacre. — Alan disse para...
— Para entregar-lhe tudo pessoalmente, com lembranças dele — falou ela, com outra risada. Levantou-se. — Você é tão vagaroso, doçura! Bem, obrigada, sr. Dunross, vamos indo, benzi...
Interrompeu-se, espantada, quando Dunross ergueu uma mão imperiosa e falou com autoridade absoluta, embora cortês.
— Que tipo de compras quer fazer, sra. Kirk?
— Hem? Oh, algumas roupas... bem... quero mandar fazer algumas roupas, e o benzinho precisa de camisas, e...
Dunross ergueu a mão outra vez e apertou um botão. Claudia apareceu.
— Leve a sra. Kirk a Sandra Yi, imediatamente. Ela deverá levá-la imediatamente ao Lee Foo Tap, lá embaixo, e, por Deus, diga-lhe para fazer o melhor preço possível para ela, ou mandarei que o deportem! O sr. Kirk se encontrará lá com ela daqui a um momento!
Tomou a sra. Kirk pelo braço, e, antes que ela se desse conta, já estava fora da sala, toda satisfeita, Claudia solícita ao seu lado, ouvindo-a contar o que queria comprar.
Kirk soltou um suspiro que encheu o silêncio que se fez. Era um suspiro longo e sofrido.
— Ah, como gostaria de poder fazer isso! — disse sombriamente. Depois abriu um sorriso. — Och aye, tai-pan — falou, à moda escocesa —, o senhor é tudo o que Alan falou que era.
— É? Mas não fiz nada. Sua mulher queria fazer compras, não queria?
— É, mas... — Depois de uma pausa, Kirk acrescentou: — Alan falou que o senhor devia... bem... devia ler a carta enquanto eu estivesse aqui. Não... não contei isso a ela. Acha que devia?
— Não — disse Dunross, bondosamente. — Olhe, sr. Kirk, lamento ter que lhe dar más notícias, mas infelizmente Alan morreu num acidente de moto, na segunda passada.
Kirk ficou de queixo caído.
— O quê?
— Lamento lhe contar, mas achei melhor que soubesse. Kirk fitava as manchas deixadas pela chuva na vidraça, imerso em pensamentos.
— Que terrível! — disse, finalmente. — Malditas motos, são um perigo mortal. Ele foi atropelado?
— Não. Foi encontrado na estrada, caído ao lado da moto. Sinto muito.
— Terrível! Coitado do Alan. Ah, meu Deus! Fico contente que o senhor não tenha dito nada na frente da Frances, ela... gostava dele também. Eu... bem... eu... é melhor o senhor ler a carta, então... A Frances não era uma grande amiga, por isso não acho... coitado do Alan! — Baixou os olhos para as mãos. As unhas eram roídas e deformadas. — Coitado do Alan!
Para dar tempo a Kirk, Dunross abriu a carta, que dizia:
"Meu caro sr. Dunross: Por meio desta apresento-lhe um velho colega, Jamie Kirk, e sua mulher, Frances. Por favor, abra em particular o embrulho que ele está levando. Quero que lhe seja entregue em segurança, e Jamie concordou em dar uma paradinha em Hong Kong. Pode-se confiar nele o quanto se pode confiar em alguém, hoje em dia. E, por favor, não ligue para a Frances. Ela não é má. Na realidade, é boa para o meu velho amigo, está muito bem de vida, com o que herdou de maridos anteriores, o que dá ao Jamie a liberdade de que precisa para ficar sentado e pensar... um privilégio raríssimo, hoje em dia. A propósito, eles não trabalham no mesmo ramo que eu, embora saibam que sou um historiador amador com renda própria".
Dunross teria sorrido, se não fosse pelo fato de estar lendo a carta de um homem morto. A carta terminava assim:
"Jarnie é geólogo, geólogo marinho, um dos melhores do mundo. Pergunte-lhe sobre o seu trabalho nos últimos anos, de preferência se Frances não estiver presente... não que ela não esteja por dentro de tudo o que ele sabe, mas intromete-se um pouco. Ele tem algumas teorias interessantes que talvez possam beneficiar a Casa Nobre e seu planejamento para uma eventualidade. Afetuosas lembranças, Alan Medford Grant".
Dunross ergueu os olhos.
— Alan disse que vocês são antigos colegas...
— Ah, é. Fomos colegas de escola em Charterhouse. Depois, fui para Cambridge, ele, para Oxford. É. Mantivemos contato ao longo dos anos, ocasionalmente, é claro. É. Já o conhecia há muito tempo?
— Há uns três anos. Eu também gostava dele. Talvez não se sinta com vontade de falar agora.
— Oh, não, tudo bem. Eu... é um choque, é claro, mas... bem... a vida continua. O velho Alan... um tipo gozado, não é? Com todos os seus papéis, livros, cachimbos, cinzas e chinelos de feltro. — Kirk juntou os dedos em triângulo, tristemente. — Suponho que deva dizer que ele era um tipo gozado. Ainda não me parece direito falar nele no passado... mas suponho que devamos. É. Ele sempre usava chinelos de feltro. Acho que nunca estive nos seus aposentos sem que ele estivesse de chinelos de feltro.
— Está se referindo ao apartamento dele? Nunca estive lá. Sempre nos encontrávamos em Londres, no meu escritório, embora ele tivesse ido a Ayr, uma vez. — Dunross forçou a memória. — Não me lembro dele usando chinelos de feltro, ali.
— Ah, sim, ele me falou de Ayr, sr. Dunross. É, me falou. Foi... bem... um ponto alto na vida dele. O senhor... tem muita sorte de ter uma propriedade daquelas.
— O Castelo Avisyard não é meu, sr. Kirk, embora pertença à minha família há mais de cem anos. Dirk Struan comprou-o para a mulher e a família... uma mansão, digamos assim. — Como sempre, Dunross sentiu uma súbita emoção ao pensar em toda aquela beleza, colinas suaves, lagos, charnecas, florestas, clareiras, seis mil acres ou mais, bom lugar para se atirar, para se caçar, o melhor que a Escócia tinha a oferecer.
__ Faz parte da tradição que o tai-pan atual seja sempre o senhor de Avisyard... enquanto for o tai-pan. Mas, é claro, todas as famílias, em especial as crianças das várias famílias, o conhecem bem. Férias de verão... O Natal em Avisyard é uma tradição maravilhosa. Carneiros inteiros, flancos de boi, miúdos de carneiro no Ano-Novo, uísque e grandes lareiras acesas, as gaitas de fole tocando. É um belo lugar. E uma fazenda produtiva. Gado, leite, manteiga... sem falar na destilaria de Loch Vey! Gostaria de poder passar mais tempo lá... minha mulher foi para lá hoje, para preparar tudo para as férias de Natal. Conhece aquela região?
— Um pouquinho. Conheço mais a região montanhosa. Minha família é de Inverness.
— Ah, então precisa vir visitar-nos quando estivermos em Ayr, sr. Kirk. Alan disse em sua carta que o senhor é geólogo, um dos melhores do mundo.
— Ah, bondade dele. Bem... foi bondade dele. Minha... especialidade é a geologia marinha. É, especialmente...
Interrompeu-se, abruptamente. — O que foi?
— Oh, hã... nada, nada mesmo, mas acha que Frances está bem?
— Sem dúvida. Quer que eu conte a ela sobre Alan?
— Não. Não, eu mesmo conto, depois. Não... pensando melhor, acho que vou fingir que ele não morreu, sr. Dunross. Farei de conta que o senhor não me contou, assim não estragarei o passeio dela. É. É o melhor, não acha? — Kirk animou-se um pouco. — Assim, poderemos saber da má notícia quando voltarmos para casa.
— Como queira. O senhor dizia? Especialmente o quê?
— Ah, sim... petrologia, que, como sabe, é o estudo amplo das rochas, incluindo sua interpretação e descrição. Dentro da petrologia, meu campo se restringiu recentemente às rochas sedimentares. Eu... bem... nos últimos anos tenho trabalhado num projeto de pesquisas como consultor sobre as rochas sedimentares paleozóicas, as porosas. É. O estudo se concentrou na plataforma costeira oriental da Escócia. Alan achou que o senhor gostaria de saber algo a respeito.
— Claro. — Dunross controlou sua impaciência. Fitava o embrulho sobre a mesa. Queria abri-lo e ligar para Johnjohn, e havia mais uma dúzia de coisas prementes. Havia tanto a ser feito, e ele ainda não tinha entendido a ligação que Alan fizera entre a Casa Nobre e Kirk. — Parece muito interessante — falou. — Para que era o estudo?
— Hem? — Kirk o fitava, espantado. — Hidrocarbonetos. — Diante do olhar inexpressivo de Dunross, apressou-se a acrescentar: — Os hidrocarbonetos são encontrados apenas nas rochas porosas sedimentares da era paleozóica. Petróleo, sr. Dunross, petróleo bruto.
— Ah! Estavam procurando petróleo?
— Ah, não! Era um projeto de pesquisas para determinar a possibilidade da presença de hidrocarbonetos a pouca distância da costa. Da costa da Escócia. Agrada-me poder dizer que acho que os haverá em abundância. Não muito perto, mas no mar do Norte. — O rosto rosado do homenzinho tornou-se mais rosado ainda, e ele enxugou a testa. — É. É, acho que deve haver um bom número de campos por lá.
Dunross estava perplexo, ainda sem entender a ligação.
— Bem, conheço alguma coisa sobre a perfuração em alto mar, no Oriente Médio e no golfo do Texas. Mas lá no mar do Norte? Santo Deus, sr. Kirk, aquele mar é o pior do mundo, provavelmente o mais inconstante do mundo, quase sempre turbulento, com ondas gigantescas. Como seria possível perfurar ali? Como seria possível instalar os equipamentos com segurança, como seria possível levar o petróleo a granel para terra, mesmo que fosse encontrado? E se fosse levado para terra, meu Deus, o custo seria proibitivo.
— Ah, sem dúvida, sr. Dunross — concordou Kirk. — Tudo o que o senhor disse está certíssimo, mas não é minha tarefa preocupar-me com o lado comercial, e sim descobrir nossos hidrocarbonetos, supremamente valiosos. — Acrescentou orgulhosamente: — É a primeira vez que se levanta a hipótese de eles existirem ali. Claro que é apenas uma teoria, minha teoria. Nunca se sabe ao certo antes de se perfurar, mas parte de minha perícia reside nas interpretações sísmicas, ou seja, estudo das ondas resultantes de explosões induzidas, e o enfoque que dei às últimas descobertas foi um tanto heterodoxo...
Dunross escutava agora apenas com a superfície da mente, tentando ainda entender por que Alan teria considerado isso importante. Deixou Kirk continuar por algum tempo, depois trouxe-o educadamente ao presente.
— O senhor me convenceu, sr. Kirk. Dou-lhe os parabéns. Quanto tempo vai ficar em Hong Kong?
— Ah, só até segunda-feira. Depois... bem... vamos para a Nova Guiné.
Dunross concentrou-se, muito preocupado.
— Onde, na Nova Guiné?
— Um lugar chamado Sukanapura, na costa setentrional. Fica na parte que pertence à Indonésia. Fui... — Kirk sorriu. — Desculpe, claro que o senhor sabe que o presidente Sukarno assumiu o controle da Nova Guiné holandesa em maio.
— "Tomou-a" seria mais apropriado. Se não fosse pelas pressões americanas imprudentes, a Nova Guiné holandesa ainda seria holandesa, e em situação bem melhor, acho eu. Não creio que seja boa idéia o senhor e sua esposa viajarem para lá, por enquanto. É arriscado, a situação política é muito instável, e o presidente Sukarno é hostil. A insurreição em Sarawak é patrocinada e apoiada pela Indonésia... ele se opõe francamente ao Ocidente, a toda a Malásia, e coloca-se a favor dos seus marxistas. Além disso, Sukanapura é um porto quente, nojento, antipático, com muitas moléstias para coroar todos os outros problemas.
— Oh, não precisa se preocupar, tenho uma saúde de escocês, e fomos convidados pelo governo.
— O que eu queria enfatizar é que, atualmente, existe muito pouca influência governamental.
— Ah, mas lá existem algumas rochas sedimentares muito interessantes que querem que eu examine. Não precisa se preocupar, sr. Dunross. Somos geólogos, não políticos. Tudo está combinado... na verdade, esse é o objetivo de toda a nossa viagem... não há com que se preocupar. Bem, tenho que ir andando.
— Ah! Vou oferecer um coquetel no sábado, das sete e meia às nove da noite — falou. — Quem sabe o senhor e sua mulher não gostariam de comparecer? Então poderemos conversar um pouco mais sobre a Nova Guiné.
— Oh, oh, mas quanta gentileza! Eu... bem... iremos com prazer. Onde...
— Mandarei um carro ir buscá-los. Agora talvez queira ir se encontrar com a sra. Kirk. Não tocarei em Alan, se é o que deseja.
— Ah! Ah, sim. Pobre Alan! Por um momento, discutindo as rochas sedimentares, cheguei a me esquecer dele. É curioso, não é?, como a gente se esquece com facilidade.
Dunross despachou-o com outra assistente e fechou a porta. Cuidadosamente, rompeu as fitas adesivas que selavam o pacote de Alan. Lá dentro havia um envelope e outro pacote. O envelope estava endereçado a "Ian Dunross, particular e confidencial". Ao contrário da outra carta, que fora escrita à mão, esta fora batida à máquina:
"Caro sr. Dunross: Esta lhe chegará às mãos, às pressas, por intermédio do meu velho amigo Jamie. Recebi notícias muito inquietantes. Há um outro 'vazamento' de segurança muito sério no nosso sistema britânico ou americano, e está bem claro que nossos adversários estão aumentando seus ataques clandestinos. Um pouco dessa atividade pode extravasar em cima até de mim, até o senhor, daí minha ansiedade. Do senhor porque pode ser que a existência da nossa série de documentos altamente secretos tenha sido descoberta. Se alguma coisa fora do comum me acontecer, por favor ligue para 871-6565, em Genebra. Peça para falar com a sra. Riko Gresserhoff. Para ela, meu nome é Hans Gresserhoff. O nome verdadeiro dela é Riko Anjin. Fala alemão, japonês e inglês... e um pouco de francês... e se eu ainda tiver algum dinheiro a receber, por favor, entregue-o a ela. Existem alguns papéis que ela lhe dará, alguns para transmissão. Por favor, entregue-os pessoalmente, quando for conveniente. Como já disse, é raro encontrar alguém em quem confiar. Confio no senhor. É a única pessoa na terra que sabe da existência dela, e seu nome real. Lembre-se, é vital que nem esta carta nem meus documentos anteriores saiam de suas mãos para as de qualquer pessoa.
"Primeiro, quero explicar sobre o Kirk: acredito que, dentro de uns dez anos, as nações árabes deixarão de lado suas diferenças e usarão o poder real que têm, não contra Israel diretamente, mas contra o mundo ocidental... forçando-nos a uma posição intolerável: abandonamos Israel... ou morremos de fome? Eles usarão o seu petróleo como arma de guerra.
"Se conseguirem se unir, um punhado de xeques e reis feudais na Arábia Saudita, Irã, Estados do golfo Pérsico, Iraque e Líbia poderão, quando lhes der na telha, cortar os suprimentos ocidentais e japoneses da única matéria-prima que lhes é indispensável. Terão uma oportunidade ainda mais sofisticada: aumentar os preços a níveis sem precedentes, e manter nossas economias nas suas mãos. O petróleo é a arma definitiva para os árabes. Invencível, enquanto dependermos do seu petróleo. Daí meu interesse imediato na teoria de Kirk.
"Hoje em dia, trazer um barril de petróleo à superfície de um deserto árabe custa cerca de oito cents. Um barril a granel, trazido do mar do Norte para terra, na Escócia, custaria sete dólares. Se o petróleo árabe pulasse do seu preço atual de três dólares o barril no mercado mundial para nove... acho que entendeu imediatamente aonde quero chegar. Então, o mar do Norte passaria a ser imensamente viável, e um tesouro nacional britânico.
"Jamie disse que os campos ficam ao norte e a leste da Escócia. O porto de Aberdeen seria o lugar lógico para trazê-lo para terra. Um homem sensato começaria a se interessar por desembarcadouros, imóveis, campos de pouso, em Aberdeen. Não se preocupe com o mau tempo. Os helicópteros serão os elos de conexão com os poços de perfuração. Dispendiosos, sim, mas viáveis. Além do mais, se aceitar minha previsão de que os trabalhistas ganharão a eleição próxima por causa do escândalo Profumo... "
O caso ganhara todos os jornais. Seis meses antes, em março, o secretário de Estado da Guerra, John Profumo, negara formalmente ter tido um caso com uma call girl notória, Christine Keeler, uma das várias moças que subitamente ganharam destaque internacional, assim como o seu cáften, Stephen Ward, até então apenas um renomado osteopata da alta sociedade londrina. Tinham circulado rumores não-confirmados de que a garota também estava tendo um caso com um dos adidos soviéticos, um conhecido agente do KGB, comandante Ievguêni Ivánov, que tinha sido chamado de volta à Rússia no mês de dezembro anterior. Durante o escândalo que se seguira, Profumo pedira demissão, e Stephen Ward se suicidara.
"É curioso que o caso tenha sido revelado à imprensa na hora perfeita para os soviéticos. Ainda não tenho provas, mas na minha opinião não foi apenas uma coincidência. Lembre-se de que faz parte da doutrina soviética fragmentar os países — Coréias do Norte e do Sul, Alemanhas Oriental e Ocidental, e daí por diante —, e depois deixar seus doutrinados subalternos fazerem o serviço para eles. Assim, acho que os socialistas pró-soviéticos vão ajudar a fragmentar a Grã-Bretanha em Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Sul e do Norte (pense no Eire e na Irlanda do Norte, uma arena feita de encomenda para as diabruras soviéticas).
"Agora, quanto à minha sugestão para o Plano de Contingência Número Um da Casa Nobre: ser circunspecto em relação à Inglaterra e concentrar-se na Escócia como base. O petróleo do mar do Norte tornaria a Escócia abundantemente auto-suficiente. A população é pequena, valente e nacionalista. Como entidade, a Escócia seria viável, e defensável... com um abundante suprimento exportável de petróleo. Uma Escócia forte talvez pudesse equilibrar a balança e ajudar uma Inglaterra claudicante... o nosso pobre país, sr. Dunross. Temo imensamente pela Inglaterra.
"Talvez esta seja mais uma das minhas teorias exageradas. Mas reconsidere a Escócia, Aberdeen, à luz de um novo mar do Norte. "
— Ridículo! — explodiu Dunross, e parou de ler por um momento, o pensamento incendiado. Depois aconselhou a si próprio: "Não perca a cabeça! Às vezes o Alan é muito imaginativo, dado a exageros. É um imperialista de direita que enxerga quinze vermelhos debaixo de cada cama. Mas, o que diz poderia ser possível. Se for possível, tem que ser levado em consideração. Se houvesse uma escassez mundial de petróleo e nós estivéssemos preparados, poderíamos ganhar uma fortuna", pensou, sua agitação aumentando. "Seria fácil começar a investir em Aberdeen agora, fácil começar uma retirada calculada de Londres sem prejudicar coisa alguma... Edimburgo oferece todas as modernas facilidades bancárias, de comunicação, portos, campos de pouso, tudo de que precisaríamos para operar eficientemente. A Escócia para os escoceses, com petróleo abundante para exportar? Completamente viável, mas não separada, e sim dentro de uma Grã-Bretanha forte. Mas, se a cidade de Londres, o Parlamento e a Threadneedle Street ficassem entupidos de esquerdistas... "
Os pêlos de sua nuca arrepiaram-se à idéia de uma Grã-Bretanha enterrada sob uma mortalha de socialismo de esquerda. "E quanto a Robin Grey? Ou Julian Broadhurst?", perguntou-se, gelado. "Sem dúvida nacionalizariam tudo, agarrariam o petróleo do mar do Norte, se houvesse algum, e dariam cabo de Hong Kong... já disseram que o fariam. "
Com esforço, guardou essa idéia para mais tarde, virou a página e continuou a ler.
"A seguir, acho que identifiquei três dos agentes infiltrados da Sevrin. A informação saiu cara (posso precisar de mais dinheiro antes do Natal), e não estou certo da sua exatidão. (Estou tentando reconferi-la imediatamente, pois dou-me conta da importância que tem para o senhor. ) Acredita-se que os toupeiras sejam: Jason Plumm, de uma companhia chamada Propriedades Asiáticas; Lionel Tuke, da companhia telefônica; e Jacques de Ville, da Struan... "
— Impossível! — exclamou Dunross, em voz alta. — Alan ficou maluco! É tão impossível que seja Plumm quanto Jacques. Total e absolutamente impossível! De jeito algum poderiam...
Seu telefone particular começou a tocar. Automaticamente, ele atendeu.
— Pronto?
— Aqui é a telefonista internacional chamando o sr. Dunross.
— Quem quer falar com ele, por favor? — disse bruscamente.
— O sr. Dunross aceita um telefonema a cobrar de Sydney, Austrália, da parte de um sr. Duncan Dunross?
O coração do tai-pan falhou uma batida.
— Mas, claro! Alô, Duncan... Duncan?
— Papai?
— Alô, filho, você está bem?
— Oh, sim, estou ótimo! — ouviu o filho dizer, e sua ansiedade desapareceu. — Desculpe ligar no horário de trabalho, papai, mas meu vôo de segunda está com excesso de reservas e...
— Pombas, você tem reserva confirmada, rapaz. Vou ligar...
— Não, papai, obrigado, está tudo bem. Agora estou num vôo que sai mais cedo. Estou no vôo 6 da Singapore Airlines, que chega a Hong Kong ao meio-dia. Não precisa ir me receber, pego um táxi e...
— Espere o carro, Duncan. Lee Choy irá recebê-lo. Mas passe pelo escritório antes de ir para casa, ouviu?
— Tudo bem. Já confirmei meus bilhetes e tudo. Dunross notou o orgulho na voz do filho, e ficou satisfeito.
— Ótimo. Bom trabalho. A propósito, o primo Linbar vai chegar amanhã pelas Qantas, às vinte horas, de Sydney. Também vai ficar hospedado na casa. — A Struan tinha uma casa da companhia em Sydney desde 1900, e um escritório permanente ali desde a década de 1880. A Bruxa Struan fizera a sociedade com um plantador de trigo imensamente rico, chamado Bill Scragger, e a firma deles florescera até o craque da Bolsa em 1929. — Divertiu-se nas férias?
— Puxa, demais! Muito mesmo. Quero voltar no ano que vem. Conheci uma garota fantástica, papai.
— É? — comentou Dunross, e metade dele queria sorrir, a outra metade ainda estava aprisionada no pesadelo da possibilidade de que Jacques fosse um traidor. E se fosse traidor e membro da Sevrin, teria sido ele quem fornecera alguns dos segredos mais íntimos da firma a Linc Bartlett? Não, Jacques não podia ter feito isso. Não teria possibilidade de conhecer a situação bancária da empresa. Quem estaria a par dela? Quem...
— Papai?
— Sim, Duncan?
Percebeu a hesitação, depois o filho falou de uma vez só, tentando parecer viril.
— Tudo bem se um cara namora uma garota um pouco mais velha do que ele?
Dunross sorriu de leve, e começou a pensar que aquilo não tinha importância, pois o filho só tinha quinze anos. Mas depois lembrou-se de Jade Elegante, quando ele próprio tinha pouco menos de quinze anos, certamente mais homem do que Duncan. "Não necessariamente", pensou, com toda a honestidade. "Duncan é alto, e está crescendo, e é tão homem quanto eu era. E não a amei até a loucura naquele ano, e no ano seguinte, e não pensei que ia morrer no ano seguinte, quando ela sumiu?"
— Bem — disse, de igual para igual —, depende de quem seja a garota, de quantos anos o homem tenha, e de quantos anos a garota tenha.
— Ah! — Fez-se uma longa pausa. — Ela tem dezoito anos.
Dunross ficou imensamente aliviado. "Isso quer dizer que ela tem idade bastante para não brincar com fogo", pensou.
— Eu diria que é perfeito — disse, no mesmo tom de voz —, especialmente se o rapaz tem uns dezesseis anos, é alto, forte e conhece os fatos da vida.
— Ah! Ah, eu não... Oh! Não iria...
— Não estava sendo crítico, meu rapaz, apenas respondi à sua pergunta. Um homem tem que ser cuidadoso neste mundo, e deve escolher com muito cuidado as namoradas. Onde a conheceu?
— Na "estação". Chama-se Sheila.
Dunross conteve um sorriso. As garotas na Austrália eram chamadas de sheilas, assim como em outros lugares são chamadas de gatas.
— Que lindo nome! — falou. — Sheila do quê?
— Sheila Scragger. É sobrinha do velho sr. Tom, e está de visita, vinda da Inglaterra. Está estudando para ser enfermeira no Guy's Hospital. Foi muito legal comigo, e Paldoon também é muito legal. Nem sei como lhe agradecer por ter me dado umas férias tão legais.
Paldoon, o rancho dos Scraggers, ou "estação", como era chamado na Austrália, era a única propriedade que eles haviam conseguido salvar da derrocada. Paldoon ficava a oitocentos quilômetros a sudoeste de Sydney, perto do rio Murray, nas terras de arroz da Austrália, sessenta mil acres — trinta mil cabeças de ovelha, dois mil acres de trigo e mil cabeças de gado —, e o melhor lugar para um jovem passar as férias, trabalhando o dia todo, do alvorecer ao anoitecer, reunindo as ovelhas ou os bois a cavalo, galopando trinta quilômetros em qualquer direção dentro da mesma propriedade.
— Dê lembranças minhas ao Tom Scragger, e não deixe de mandar-lhe uma garrafa de uísque antes de partir.
— Ah, mandei-lhe uma caixa, está bem?
— Bem, meu rapaz — riu-se Dunross. — Uma garrafa teria sido o bastante, mas uma caixa é perfeito. Ligue para mim se houver alguma alteração no seu vôo. Fez muito bem em tomar todas as providências por sua conta, muito bem. Oh, a propósito, mamãe e Glenna foram para Londres hoje, junto com tia Kathy, portanto terá que voltar sozinho para a escola e...
— Oh, que barato, papai! — disse o filho, feliz. — Afinal de contas, sou um homem agora, e estou quase na universidade!
— É, é isso mesmo. — Uma ponta de tristeza doce tocou Dunross, sentado em sua cadeira, a carta de Alan na mão, praticamente esquecida. — Não está precisando de dinheiro?
— Não, quase não gastei nada na "estação", só uma cerveja ou duas. Papai, não fale da minha garota a mamãe.
— Está certo. Ou a Adryon — falou, e imediatamente sentiu um aperto no peito à lembrança de Martin Haply com Adryon, e de como os dois tinham saído de mãos dadas. — Você mesmo deve contar a Adryon.
— Oh, que legal! Tinha esquecido dela. Como vai ela?
— Em forma — disse Dunross, ordenando a si mesmo para ser sensato, e não se preocupar, e que era bastante normal que os moços e as moças fossem moços e moças. "É, mas, pombas, como é difícil quando a gente é o pai!" — Bem, Duncan, até segunda! Obrigado por ter ligado.
— De nada. Papai, foi Sheila que me trouxe de carro até Sydney. Ela... vai passar o fim de semana com uns amigos, e vai me levar ao aeroporto! Hoje à noite vamos ao cinema, ver Lawrence da Arábia. Você já viu?
— Já, está passando em Hong Kong. Você vai adorar.
— Que legal! Bem, até logo, papai... tenho que ir andando... amo você.
— Amo você — disse, mas a linha já estava muda. "Que sorte tenho com a minha família, minha mulher e meus filhos", pensou Dunross, acrescentando imediatamente: "Por favor, Deus, não deixe que nada lhes aconteça!"
Com esforço, voltou a olhar para a carta. "É impossível que Jason Plumm ou Jacques sejam espiões comunistas", disse para si mesmo. "Nada que jamais tenham dito ou feito sugere tal coisa. Lionel Tuke? Não, ele também não. É um sujeito feio e impopular, que não se mistura com os outros, mas faz parte do time de críquete, é membro do Turf Club, e está aqui desde a década de 30. Não chegou a ser confinado em Stanley, entre 1942 e 1945? Talvez ele... mas os outros dois? Impossível!
"Que pena que Alan esteja morto. Ligaria para ele imediatamente a respeito do Jacques e...
"Primeiro acabe a carta, depois considere suas partes", ordenou a si próprio. "Seja correto, eficiente. Santo Deus! Duncan e uma sheila de dezoito anos! Graças a Deus não foi a filha mais moça de Tom Scragger. Quantos anos tem Priscilla, agora? Catorze, bonitinha, corpo de moça bem mais velha. Parece que as meninas amadurecem cedo na Austrália. "
Soltou a respiração. "Será que devo fazer pelo Duncan o que Chen-chen fez por mim?"
A carta continuava:
"Como já disse, não estou completamente certo, mas minha fonte geralmente é impecável.
"Lamento dizer que a guerra de espionagem tornou-se mais quente desde que descobrimos e prendemos os espiões Blake, Vassal (que trabalhava com códigos no Almirantado), Philby, Burgess e Maclean, todos desertores. A propósito, todos têm sido vistos em Moscou. Pode contar com o aumento radical da espionagem na Ásia. (Conseguimos provas contra o primeiro-secretário Skripov, da embaixada soviética em Camberra, Austrália, e o expulsamos do país em fevereiro, o que rompeu o círculo de espionagem dele, que era, creio eu, ligado à sua Sevrin e também tinha envolvimentos em Bornéu e na Indonésia. )
"O mundo livre agora está abundantemente infiltrado. A MI-5 e MI-6 estão maculadas. Até mesmo a CIA. Enquanto fomos ingênuos e confiantes, nossos oponentes perceberam, desde cedo, que o equilíbrio futuro dependeria tanto do poder econômico quanto do poder militar, e assim se puseram em campo para adquirir (roubar) nossos segredos industriais.
"Curiosamente, os meios de comunicação do mundo livre omitem-se em ressaltar que todos os avanços soviéticos baseiam-se originariamente em uma das nossas invenções ou técnicas roubadas, que sem os nossos cereais eles morreriam de fome, e que sem a nossa imensa e sempre crescente assistência financeira e créditos para comprar nossos cereais e tecnologia eles não poderiam abastecer e reabastecer toda a sua infra-estrutura militar-industrial, que mantém o seu império e povo embevecidos.
"Recomendo que use seus contatos na China para cimentá-los ainda mais. Os soviéticos cada vez mais encaram a China como o seu inimigo número 1. O que é igualmente estranho.
Parecem não ter mais aquele medo paranóico dos Estados Unidos, que, sem dúvida, atualmente são a potência militar e econômica mais forte da terra. A China, que é econômica e militarmente fraca, exceto no número de soldados disponíveis, não representa uma ameaça militar real para eles. Mesmo assim, a China os deixa apavorados.
"Um dos motivos é a fronteira de oito mil quilômetros que partilham. Outro é o sentimento de culpa nacional pelas vastas áreas de território chinês histórico que a Rússia soviética engoliu ao longo dos séculos; outro é o fato de saberem que os chineses são um povo paciente, de excelente memória. Um dia os chineses retomarão suas terras. Sempre retomaram suas terras, quando era militarmente viável fazê-lo. Já ressaltei muitas vezes que a pedra angular da política soviética (imperialista) é isolar e fragmentar a China, para conservá-la fraca. O grande bicho-papão deles é uma aliança tríplice entre a China, o Japão e os Estados Unidos. A sua Casa Nobre deve trabalhar neste sentido. (Também no sentido da criação de um mercado comum entre os Estados Unidos, o México e o Canadá, totalmente essencial, na minha opinião, a um continente americano estável. ) Por onde mais, senão através de Hong Kong — e portanto das suas mãos —, irá toda a riqueza destinada à China?
"Por último, voltando à Sevrin: corri um grande risco e me aproximei do nosso melhor auxiliar, de valor inestimável, no âmago do ultra-secreto Departamento 5 do KGB. Hoje ele me respondeu que a identidade de Arthur, o líder da Sevrin, é Classificação Um, fora até mesmo do alcance dele. A única pista que ele pôde me dar foi que o homem é inglês, e que uma de suas iniciais é R. Não é lá grande coisa, infelizmente.
"Aguardo poder revê-lo. Lembre-se: meus papéis não devem jamais cair nas mãos de qualquer outra pessoa. Lembranças, A. M. Grant. "
Dunross guardou de memória o número do telefone de Genebra, anotou-o em código no seu caderno de endereços e acendeu um fósforo. Ficou vendo o papel da carta encrespar-se e começar a queimar.
"R. Robert, Ralph, Richard, Robin, Rod, Roy, Rex, Rupert, Red, Rodney, e sempre de volta a Roger. E Robert. Robert Armstrong ou Roger Crosse ou... ou quem?
"Santo Deus!", pensou Dunross, sentindo-se fraco.
— Genebra 871-6565, ligação direta — pediu, no seu aparelho particular. O cansaço o envolveu. Dormira mal na noite anterior, os sonhos arrastando-o de volta aos tempos da guerra, de volta à sua cabine em chamas, o cheiro de queimado nas narinas. Depois acordara, gelado, escutando o barulho da chuva. Logo se levantara, silenciosamente, deixando Penn ferrada no sono, a Casa Grande quieta, exceto pela velha Ah Tat, que, como sempre, fizera o seu chá. A seguir, fora para o hipódromo, e depois fora perseguido o dia todo, os inimigos fechando o cerco, e nada senão más notícias. "Coitado do John Chen", pensou, depois esforçou-se para afastar o cansaço. "Talvez possa tirar uma soneca entre as cinco e as seis. Vou precisar estar alerta, hoje à noite. "
A telefonista fez a ligação, e ele ouviu o telefone tocar.
— Ja? — disse a voz suave.
— Hier ist Herr Dunross in Hong Kong. Frau Gresserhoff, bit te — falou, em bom alemão.
— Oh! — Uma longa pausa. — Ich bin Frau Gresserhoff, Tai-pan?
— Ah so desu! Ohayo gozaimasu. Anata wa Anjin Riko-san? — perguntou, em excelente japonês. Bom dia. Seu nome é também Riko Anjin?
— Hai. Hai, dozo. Ah, nihongo wa jouzu desu. — É. Ah, o senhor fala japonês muito bem.
— Iye, sukoshi, gomen nasai, — Não, lamento, só um pouquinho.
Como parte do seu treinamento, passara dois anos no escritório de Tóquio.
— Ah, sinto muito — continuou, em japonês —, mas estou ligando a respeito do sr. Gresserhoff. Já soube?
— Já. — Dava para notar a tristeza dela. — Já. Soube na segunda-feira.
— Acabo de receber uma carta dele. Disse que a senhora tem... tem algumas coisas para mim — falou, cautelosamente.
— Sim, tai-pan, tenho.
— Seria possível a senhora trazê-las para mim aqui? Infelizmente não posso ir aí.
— Sim. Sim, claro — falou, hesitante, num japonês suave e agradável. — Quando quer que eu vá?
— O mais depressa possível. Se for ao nosso escritório na Avenue Bern, daqui a duas horas, digamos ao meio-dia, haverá passagens e dinheiro à sua espera. Acredito que haja uma conexão da Swissair partindo hoje à tarde... se fosse possível...
Nova hesitação. Ele esperou pacientemente. A carta de Alan se contorcia no cinzeiro, enquanto queimava.
— É — falou. — Seria possível.
— Tomarei todas as providências para a senhora. Quer que alguém a acompanhe?
— Não, não, obrigada. — Ela falava tão baixo que ele teve que tapar a orelha com a mão para escutar melhor. — Por favor, desculpe-me por dar-lhe tanto trabalho. Eu mesma tomo as providências.
— Não é trabalho algum — disse, satisfeito por estar falando num japonês fluente e coloquial. — Por favor, vá ao meu escritório ao meio-dia... A propósito, o tempo aqui está quente e úmido. Ah, sinto muito, desculpe perguntar, mas seu passaporte é suíço ou japonês, e com que nome vai viajar?
Uma pausa ainda mais longa.
— Bem... acho que devo... é suíço, e devo viajar com o nome de Riko Gresserhoff.
— Obrigado, sra. Gresserhoff. Aguardo a sua chegada. Kiyotsukette — terminou. Boa viagem.
Pensativo, colocou o fone no gancho. A carta de Alan terminou de queimar, num filete de fumaça. Cuidadosamente, esmigalhou as cinzas, transformando-as em pó.
"Bem, e quanto a Jacques?"