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14h20m
Phillip Chen parou de manusear sua correspondência, o rosto subitamente sem cor. No envelope estava escrito: "Sr. Phillip Chen, pessoal".
— O que foi? — perguntou a mulher.
— É da parte deles. — Com mãos trêmulas, mostrou-lho. — Dos Lobisomens.
— Oh! — Estavam à mesa do almoço, posta descuidadamente num canto da sala de estar da casa que ficava bem na crista do Mirante de Struan. Nervosamente, ela pousou a xícara de café. — Abra-a, Phillip. Mas... mas é melhor usar o lenço, para... o caso de haver impressões digitais — acrescentou, inquieta.
— É, mas é claro, Dianne, que burrice a minha! — Phillip Chen parecia muito velho. Seu casaco estava nas costas da cadeira, e a camisa, úmida. Da janela aberta às suas costas vinha uma leve brisa, mas era quente e úmida, e uma névoa vespertina pairava sobre a ilha. Cuidadosamente, ele usou um cortador de papel de marfim e desdobrou o papel. — É, é dos... Lobisomens. É... sobre o resgate.
— Leia em voz alta.
— Está bem: "Para Phillip Chen, representante nativo da Casa Nobre, saudações. Venho lhe informar agora como deve ser pago o dinheiro do resgate. Quinhentos mil para você significa tanto quanto o grito de um porco no matadouro, mas para nós, pobres agricultores, seria uma herança para os nossos..."
— Mentirosos! — sibilou Dianne, o belo colar de ouro e jade brilhando à luz de um raio de sol discreto. — Como se os agricultores fossem capazes de seqüestrar John, e mutilá-lo daquele jeito. Tríades estrangeiros sujos, nojentos! Continue, Phillip.
— "... seria uma herança para nossos netos esfaimados.
Que você já tenha consultado a polícia, para nós é a mesma coisa que mijar no oceano. Mas agora não consultará. Não. Agora manterá segredo, ou a segurança de seu filho estará ameaçada. Ele não voltará, e tudo será culpa sua. Cuidado, temos olhos em toda parte. Se tentar nos trair, o pior acontecerá, e será tudo culpa sua. Hoje à noite, às seis horas, vou lhe telefonar. Não conte a ninguém, nem à sua mulher. Nesse mei..."
— Tríades sujos! Filhos da puta sujos, tentando criar problemas entre marido e mulher — disse Dianne, com raiva.
— "... nesse meio tempo prepare o dinheiro do resgate em notas usadas de cem dólares..." — Com irritação, Phillip Chen olhou para o relógio. — Não tenho muito tempo para chegar ao banco. Terei...
— Acabe a carta!
— Está certo, seja paciente, minha querida — falou, apaziguadoramente, o coração sobrecarregado falhando uma batida, ao reconhecer a irritação na voz dela. — Onde estava? Ah, sim... "dólares. Se obedecer fielmente às minhas instruções, poderá ter seu filho de volta ainda hoje..." Ah, Deus, espero que sim — falou, interrompendo-se momentaneamente, depois continuou: — "Não consulte a polícia ou tente nos preparar uma armadilha. Nossos olhos o estão vigiando agora mesmo. Assinado: Lobisomem". — Tirou os óculos. Os olhos estavam vermelhos e cansados. A testa estava molhada de suor. — "Vigiando-o, agora mesmo"? Será que um dos criados... ou o motorista está a serviço deles?
— Não, claro que não. Há anos que estão conosco.
Ele enxugou o suor, sentindo-se muito mal, querendo John de volta, querendo que estivesse a salvo, querendo estrangulá-lo.
— Isso não quer dizer nada. Acho... melhor chamar a polícia.
— Deixe para lá! Deixe para lá até sabermos o que você tem a fazer. Vá ao banco. Pegue apenas duzentos mil... deve conseguir que eles aceitem essa quantia. Se pegar mais, pode sentir-se tentado a entregar-lhes tudo, se esta noite... se eles realmente estão falando a sério.
— É... muito sensato. Se conseguirmos que aceitem isso... — Hesitou. — E quanto ao tai-pan? Acha que devo contar ao tai-pan, Dianne? Ele, ele poderia ajudar.
— Hum! — exclamou ela, desdenhosamente. — Que ajuda pode nos dar? Estamos lidando com tríades ossos-de-cachorro, não demônios estrangeiros ladrões. Se precisarmos de ajuda, teremos que contar com a nossa gente. — Os olhos dela fitaram-no intensamente. — E agora é melhor que me conte qual é o problema, realmente. Por que ficou tão zangado, anteontem à noite, e por que tem estado como um gato irritado com um espinho no rabo, desde então, sem cuidar dos negócios?
— Tenho cuidado dos negócios — disse, na defensiva.
— Quantas ações comprou? Hem? Ações da Struan? Tirou vantagem do que o tai-pan nos contou sobre a alta vindoura? Lembra-se do que o Velho Cego Tung predisse?
— Claro, claro que lembro — gaguejou. — Eu, eu dobrei secretamente os nossos valores, e dei ordens secretas a vários corretores para dobrarem mais metade.
A mente de ábaco de Dianne Chen iluminou-se ao pensar no vasto lucro, e em todo o lucro particular que ela ganharia com todas as ações que comprara em seu próprio nome, dando como garantia toda a sua carteira de ações. Mas manteve a fisionomia fria e a voz gelada.
— E quanto pagou?
— Em média 28,90.
— Hum! Segundo os jornais de hoje, a Casa Nobre abriu a 28,80 — falou com um fungado de reprovação, furiosa porque ele pagara cinco cents menos por ação do que ela. — Devia ter estado na Bolsa hoje de manhã, ao invés de ficar aqui em casa pelos cantos, passando o tempo dormindo.
— Não estava me sentindo muito bem, querida.
— Tudo está ligado a anteontem à noite. O que o fez ficar furioso daquela maneira? Heya?
— Não foi nada. — Levantou-se, na esperança de fugir.
— Nada...
— Sente-se! Nada para que você tenha gritado comigo, sua fiel mulher, na frente dos criados? Nada para que eu fosse mandada para dentro da minha sala de jantar, como uma prostituta comum? Heya? — A voz dela começou a aumentar de volume, e ela continuou, sabendo instintivamente que aquela era a hora certa, agora que estavam sozinhos na casa, sabendo que ele estava indefeso e que ela podia tirar vantagem disso.
— Acha que não é nada o fato de me tratar mal, a mim, que lhe dei os melhores anos da minha vida, trabalhando, mourejando e cuidando de você por vinte e três anos? Eu, Dianne Mai-wei T'Chung, em cujas veias corre o sangue dó grande Dirk Struan, que o conheceu virgem, com propriedade em Wanchai, North Point e até em Lan Tao, com títulos e ações e a melhor educação na Inglaterra? Eu, que nunca reclamo dos seus roncos, das suas prevaricações, ou do moleque que teve com aquela dançarina de cabaré que mandou estudar nos Estados Unidos!
— Hem?
— É, sei tudo sobre você e ela e todas as outras, e todas as outras coisas feias que você faz, e que nunca me amou, mas só queria os meus bens e um enfeite perfeito para a sua vida insípida...
Phillip Chen estava tentando fechar os ouvidos, mas não conseguia. Seu coração batia com força. Detestava brigas, e detestava a voz aguda dela, que conseguia o tom exato para fazê-lo rilhar os dentes, que fazia com que seu cérebro oscilasse e seus intestinos ficassem revoltos. Tentou interrompê-la, mas ela não deixou, atormentando-o, acusando-o de todo tipo de prevaricações, erros e assuntos particulares. Saber o quanto ela sabia o deixou chocado.
—... e quanto ao seu clube?
— Hem, que clube?
— O clube chinês particular para almoço de quarenta e três membros, chamado 74, num quarteirão perto da Pedder Street, com um cozinheiro gourmet de Xangai, recepcionistas adolescentes, dormitórios, saunas e dispositivos que os velhotes sujos precisam para levantar os seus Talos Murchos? Hem?
— Não é nada disso — gaguejou Phillip Chen, aterrorizado ao ver que ela sabia. — É um lug...
— Não minta para mim! Você pagou oitenta e sete mil bons dólares americanos de sinal, com Shitee TChung e aqueles seus dois amigos sebosos, e continua pagando quatro mil HK de mensalidade. A troco do quê? É melhor... Aonde pensa que vai?
Humildemente, ele se sentou de novo.
— Ia... estou com vontade de ir ao banheiro.
— Hum! Sempre que temos uma discussão, quer ir ao banheiro! O que você tem é vergonha do modo como me trata, e sentimento de culpa... — Então, vendo que ele estava prestes a estourar com ela, mudou de tática rapidamente, a voz meiga e baixa. — Pobre Phillip! Pobrezinho! Por que estava tão zangado? Quem o magoou?
Então ele lhe contou, e logo que começou a contar, sentiu-se melhor. Sua angústia, medo e fúria começaram a se dissolver. As mulheres eram espertas e astutas nessas coisas, disse com seus botões, confiante, continuando a narrativa. Contou-lhe como abrira a caixa de depósito bancário de John, falou-lhe das cartas para Linc Bartlett, da duplicata da chave do próprio cofre do quarto deles.
— Trouxe todas as cartas de volta — falou, quase à beira das lágrimas. — Estão lá em cima, pode lê-las você mesma. Meu próprio filho! Ele nos traiu!
— Meu Deus, Phillip — exclamou ela —, se o tai-pan descobrir que você e o Pai Chen-chen estavam guardando... se soubesse, nos arruinaria!
— É, eu sei! Foi por isso que fiquei tão nervoso! Pelas regras do legado de Dirk, ele tem o direito e os meios. Ficaríamos arruinados. Mas, mas não é só isso. John sabia onde ficava o nosso cofre secreto no jardim e...
— O quê?
— É, e o desenterrou. Contou a ela sobre a moeda.
— Ayeeyah! — Ela o fitou em choque absoluto, metade da sua mente cheia de terror, a outra de êxtase, pois agora, quer John voltasse, quer não, ele estava destruído. John jamais herdaria, agora! Seu Kevin era o Filho Número Um, agora, e futuro representante nativo da Casa Nobre! Então, seus temores abafaram o entusiasmo, e ela murmurou, aterrorizada: — Se ainda existir a Casa dos Chens.
— Como? O que foi que disse?
— Nada, deixe para lá. Espere um momento, Phillip, deixe-me pensar. Ah, o rapaz perverso! Como pôde John fazer isso com a gente, nós que o adoramos toda a sua vida! É... é melhor você ir ao banco. Saque trezentos mil para o caso de ter que barganhar mais um pouco. Precisamos trazer o John de volta, custe o que custar. Será que guardava a moeda com ele, ou estaria na outra caixa de depósito bancário?
— Estaria na caixa... ou escondida no seu apartamento no Sinclair Towers.
A fisionomia dela se fechou.
— Como podemos revistar aquele lugar com ela morando ali? Aquela mulher dele? Aquela vagabunda da Barbara! Se ela suspeitar que estamos atrás de alguma coisa... — Sua mente agarrou um fio solto. — Phillip, seja quem for que apresente a moeda, receberá o que quiser?
— É.
— Eeeee! Que poder!
— É.
Agora, sua mente funcionava com clareza.
— Phillip — disse, novamente controlada, todo o resto esquecido —, precisamos de toda a ajuda que conseguirmos obter. Telefone para o seu primo Quatro Dedos... — Ele olhou para ela, espantado, depois começou a sorrir. — Peça a ele para mandar alguns dos seus lutadores de rua seguirem você secretamente para protegê-lo quando for pagar o resgate, depois para seguirem o Lobisomem até o covil dele, e salvarem John, custe o que custar. Haja o que houver, não mencione a moeda... só que você quer ajuda para salvar o pobre John. Só isso. Temos que trazer o pobre John de volta, custe o que custar.
— É — replicou ele, muito mais feliz, agora. — Quatro Dedos é a escolha perfeita. Deve-nos um ou dois favores. Sei onde posso encontrá-lo, hoje à tarde.
— Ótimo. Pode ir indo para o banco, mas dê-me a chave do cofre. Vou cancelar a minha hora no cabeleireiro e ler os papéis de John, agora mesmo.
— Muito bem. — Levantou-se, imediatamente. — A chave está lá em cima — mentiu, e saiu às pressas, não querendo que ela fosse bisbilhotar o cofre.
Havia lá várias coisas que não queria que ela visse. "É melhor que eu as esconda noutro lugar, por via das dúvidas", pensou, inquieto. Sua euforia desapareceu, e a ansiedade sufocante retornou. "Oh, meu pobre filho", falou consigo mesmo, quase em lágrimas. "O que deu em você? Fui um bom pai para você, e será sempre meu herdeiro, e amei-o como amei sua mãe. Pobre Jennifer, pobrezinha, morrendo de parto do meu primeiro filho. Oh, todos os deuses: permitam que o meu pobre filho volte para mim em segurança, não importa o que tenha feito, deixem que nos livremos de toda esta loucura, e dotarei um templo novo para todos vocês, igualmente!"
O cofre ficava por trás da armação da cama de metal. Ele a afastou da parede, abriu o cofre e tirou de lá todos os papéis de John, depois as suas escrituras, cartas e notas promissórias particulares, que enfiou no bolso do casaco, e desceu de novo as escadas.
— Tome as cartas de John — falou. — Quis lhe poupar o trabalho de arrastar a cama.
Ela notou o volume no bolso do casaco dele, mas ficou calada.
— Estarei de volta às cinco e meia em ponto.
— Tudo bem. Guie com cuidado — falou, distraidamente, todo o seu ser concentrado num único problema... como obter a moeda para Kevin e para si mesma. Secretamente.
O telefone tocou. Phillip Chen parou à porta de entrada, enquanto ela atendia.
— Weyyyy? — Seus olhos ficaram vidrados. — Oh, alô, tai-pan, como está?
Phillip Chen empalideceu.
— Muito bem, obrigado — respondeu Dunross. — Phillip está?
— Está, sim, um minutinho. — Podia ouvir muitas vozes ao fundo, além da de Dunross, e pensou ter notado na voz dele uma urgência velada que aumentou o seu pavor. — Phillip, é para você — disse, tentando disfarçar o nervosismo. — O tai-pan!
Estendeu-lhe o fone, fazendo um sinal silencioso para que ele o mantivesse um pouco afastado do ouvido, para ela poder escutar também.
— Sim, tai-pan?
— Alô, Phillip. Quais são seus planos para hoje à tarde?
— Nada de especial. Estava saindo para ir ao banco, por quê?
— Antes de ir, passe pela Bolsa. O mercado enlouqueceu. A corrida ao Ho-Pak agora está espalhada por toda a colônia, e as ações estão balançando, embora Richard as esteja apoiando com tudo o que tem ao seu alcance. A qualquer momento, vão cair. A corrida está se espalhando para muitos outros bancos, ao que consta... o Ching Prosperity, até mesmo o Vic... — Phillip Chen e a mulher se entreolharam, perturbados. — Parece que o Vic está com problemas em Aberdeen e na central. Tudo baixou, todas as nossas blue chips: O Victoria and Albert, Investimentos Kowloon, Companhia de Força de Hong Kong, Rothwell-Gornt, Propriedades Asiáticas, Títulos Mobiliários Zong, Tecelagem Solomon, nós... todo mundo.
— Quantos pontos baixamos?
— Desde hoje de manhã? Três pontos.
Phillip Chen soltou uma exclamação abafada e quase deixou cair o aparelho.
— Como?
— É — disse Dunross, amavelmente. — Alguém começou uns boatos a nosso respeito. O mercado todo já está sabendo que estamos encrencados, que não podemos pagar a Toda na semana que vem... nem a prestação do Orlin. Acho que estão vendendo nossas ações a descoberto.