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7h15m

— Vai continuar a chover, Aleksei — disse Dunross, a pista já encharcada, o dia escuro e nublado.

— Concordo, tai-pan. Se chover amanhã também, mesmo que seja um pouco, a coisa vai ser feia no sábado.

— O que acha, Jacques?

— Concordo — disse De Ville. — Graças a Deus pela chuva. Mas, merde, seria uma pena se as corridas fossem canceladas.

Dunross concordou.

Estavam de pé na grama perto do círculo do vencedor no Hipódromo Happy Valley, os três vestindo capas de chuva e chapéu. O rosto de Dunross exibia um vergão feio, e equimoses, mas seus olhos estavam firmes e desanuviados. Postava-se com uma confiança serena, fitando o toldo de nuvens, a chuva ainda caindo, mas sem a mesma força da noite anterior. Outros treinadores, donos de cavalos e curiosos, espalhavam-se pelo paddock e pelas tribunas, igualmente pensativos. Alguns cavalos estavam sendo exercitados, entre eles Noble Star, Buccaneer Lass, montada por um cavalariço, e o Pilot Fish de Gornt. Todos os cavalos estavam sendo exercitados com muito cuidado, com a rédea bem curta: a pista e o caminho que levava à pista estavam muito escorregadios. Mas Pilot Fish estava saltitante, curtindo a chuva.

— O boletim meteorológico da manhã informou que o temporal vai ser imenso. — Os olhos pretos de Travkin, vermelhos de cansaço, observavam Dunross. — Se a chuva parar amanhã, a pista ainda vai estar mole no sábado.

— Isso vai ajudar ou atrapalhar as chances de Noble Star, Aleksei? — perguntou Jacques.

— Deus é quem sabe, Jacques. Ela nunca correu em pista molhada.

Travkin não conseguia concentrar-se. Na noite anterior o telefone tocara. De novo o estranho do KGB, que interrompera grosseiramente as suas perguntas quando ele quisera saber por que sumira tão repentinamente.

— Não é privilégio seu fazer perguntas, príncipe de Kurgan. Basta contar-me tudo o que sabe sobre Dunross. Agora. Tudo. Seus hábitos, boatos a seu respeito, tudo.

Travkin obedecera. Sabia que estava numa camisa de onze varas, sabia que o estranho devia ser do KGB e estaria gravando tudo o que ele dizia, para verificar a veracidade de suas palavras, a mais leve variação da verdade significando talvez um dobre de finados para a mulher, ou o filho, ou a mulher do filho, ou os filhos do filho... se é que realmente existiam.

E existiam?, perguntou-se agoniado, mais uma vez.

— O que há, Aleksei?

— Nada, tai-pan — respondeu Travkin, sentindo-se sujo. — Estava pensando no que o senhor passou, ontem à noite. — As notícias do incêndio em Aberdeen tinham inundado os meios de comunicação, especialmente o testemunho ocular impressionante de Vênus Poon, que fora o foco de todos os noticiários. — Terrível sobre os outros, não é?

— É. — Até aquele momento, o total de mortos conhecido era de quinze queimados e afogados, inclusive duas crianças. — Vai levar dias para se descobrir realmente quantos se perderam.

— Terrível! — manifestou-se Jacques. — Quando ouvi a notícia... se Susanne estivesse aqui, teríamos ficado presos no incêndio. Ela... como a vida é curiosa, às vezes!

— Maldito convite ao incêndio! Nunca me dei conta disso antes — falou Dunross. — Todos nós já comemos lá dúzias de vezes... vou falar ao governador logo mais sobre todos esses restaurantes flutuantes.

— Mas o senhor está bem, pessoalmente? — perguntou Travkin.

— Ah, estou, sem problemas. — Dunross sorriu sombriamente. — A não ser que todos peguemos crupe por termos nadado naquela cloaca.

Quando o Dragão Flutuante subitamente emborcara, Dunross, Gornt e Peter Marlowe estavam na água, bem embaixo do barco. O megafone da lancha da polícia berrara um aviso desesperado, e todos começaram a nadar alucinadamente. Dunross nadava muito bem, e ele e Gornt conseguiram se livrar, embora a água os sugasse para trás. Quando sua cabeça submergiu, ele viu o escaler quase cheio ser arrastado para o redemoinho, e emborcar, e percebeu que Marlowe estava em apuros. Deixou-se ir com a torrente que remoinhava quando o navio afundou de lado, e atirou-se sobre Marlowe. Os dedos dele pegaram a camisa do outro, e eles remoinharam juntos por um momento, arrastados alguns metros para o fundo, batendo contra o convés. O golpe quase o atordoou, mas não largou Marlowe, e quando o repuxo diminuiu, subiu à superfície. Marlowe agradeceu com voz ofegante e nadou em direção a Fleur, que se agarrava com outras pessoas ao escaler virado. À sua volta havia o caos, gente sufocando, afogando-se e sendo salva pelos marujos e por outros homens. Dunross viu Casey mergulhar no encalço de alguém. Gornt não estava à vista. Bartlett veio à tona com Christian Toxe e saiu à cata de um salva-vidas. Certificou-se de que Toxe estivesse firmemente agarrado à bóia antes de gritar para Dunross:

— Acho que Gornt foi tragado, e havia uma mulher... Depois, mergulhou de novo.

Dunross olhou ao seu redor. O Dragão Flutuante agora estava quase completamente deitado de lado. Sentiu uma ligeira explosão submarina, e a água ferveu à sua volta, por um momento. Casey subiu para tomar ar, encheu os pulmões e voltou para baixo d'água. Dunross também mergulhou. Era quase impossível enxergar, mas ele foi tateando ao longo do convés superior, que agora estava quase vertical, dentro d'água. Nadou ao redor do navio sinistrado, procurando. Permaneceu embaixo d'água o máximo que agüentou, depois subiu à tona com cuidado, pois havia muitos nadadores se debatendo por ali. Toxe estava vomitando água do mar, agarrado precariamente à bóia. Dunross nadou até junto dele e o arrastou na direção de um marinheiro, pois sabia que ele não sabia nadar.

— Agüente firme, Christian... tudo bem, agora. Toxe tentava desesperadamente falar, em meio às ânsias de vômito:

— Minha... minha mulher... ela está lá embaixo... lá embaixo... lá...

O marinheiro chegou junto deles.

— Já o peguei, senhor. Tudo bem?

— Sim... sim... ele disse que a mulher dele foi tragada.

— Meu Deus! Eu não vi ninguém... vou buscar ajuda!

O marujo se virou e berrou para a lancha da polícia, pedindo ajuda. Imediatamente vários marujos mergulharam e começaram a procurar. Dunross procurou Gornt, sem achá-lo. Casey veio à tona, ofegante, e agarrou-se ao escaler emborcado para recobrar o fôlego.

— Está bem?

— Sim... sim... graças a Deus você está bem... — falou ela, a voz ofegante, o peito arfante. — Há uma mulher Iá embaixo, acho que é chinesa, eu a vi sendo tragada.

— Viu Gornt?

— Não... Talvez esteja...

Ela indicou a lancha. Havia gente subindo pela escada do costado, mais gente encolhida no convés. Bartlett veio à tona por um instante, depois mergulhou de novo. Casey tomou ar novamente e deslizou para as profundezas. Dunross a seguiu, ligeiramente à sua direita.

Os três procuraram até que todos os demais estivessem a salvo na lancha ou nas sampanas. Não conseguiram encontrar a mulher.

Quando Dunross chegou a casa, Penelope estava profundamente adormecida. Acordou momentaneamente.

— Ian?

— É. Durma de novo, querida.

— Divertiu-se? — perguntou ela, sem estar realmente desperta.

— Sim, durma de novo.

Naquela manhã, uma hora antes, ele não a acordara quando saíra da Casa Grande.

— Ouviu dizer que Gornt se salvou, Aleksei? — perguntou.

— Ouvi, sim, tai-pan. Foi a vontade de Deus.

— O que quer dizer com isso?

— Quero dizer que, depois do que houve ontem na Bolsa, teria sido muito conveniente que não tivesse se salvado.

Dunross abriu um sorriso e esticou-se para aliviar uma dor na coluna.

— Ah, mas nesse caso eu teria ficado muito chateado, muito chateado mesmo, pois não teria o prazer de aniquilar a Rothwell-Gornt pessoalmente, não é?

— É espantoso que não tenha morrido mais gente — comentou De Ville após uma pausa.

Ficaram vendo Pilot Fish passar por eles num meio galope, parecendo ótimo. Os olhos de De Ville correram o hipódromo.

— É verdade que Bartlett salvou a mulher de Peter Marlowe? — quis saber Travkin.

— Saltou com ela. É. Tanto Linc quanto Casey fizeram um belo trabalho. Maravilhoso.

— Quer me dar licença, tai-pan? — Jacques de Ville fez um gesto de cabeça na direção das tribunas. — Lá está Jason Plumm. Devo jogar bridge com ele hoje à noite.

— Vejo você na hora das preces, Jacques. — Dunross sorriu para ele, e De Ville se afastou. Dunross soltou um suspiro, triste pelo amigo. — Vou para o escritório, Aleksei. Ligue para mim às seis.

— Tai-pan...

— Sim?

Travkin hesitou. Depois falou, simplesmente:

— Só queria que soubesse... que eu o admiro imensamente.

Dunross ficou intrigado com o gesto inesperado, e com a melancolia curiosa e sem disfarce que emanava do outro homem.

— Obrigado — disse, com carinho, e bateu no ombro do outro. Nunca anteriormente havia tocado nele como amigo. — Você também não é nada mau.

Travkin ficou olhando enquanto ele se afastava, sentindo uma dor no peito, lágrimas de vergonha misturando-se à chuva. Enxugou o rosto com as costas da mão, e voltou a observar Noble Star, tentando concentrar-se.

Na periferia da sua visão, viu alguém e se virou, espantado. O homem do KGB estava num canto das tribunas, e outro homem vinha reunir-se a ele. 0 homem era velho e curtido pelo tempo, e muito conhecido como apostador em Hong Kong. Travkin procurou lembrar-se do nome. Clinker. Era isso! Clinker!

Estupefato, fitou-os por um momento. Jason Plumm estava nas tribunas, logo atrás do homem do KGB, e ele viu Plumm levantar-se para retribuir o aceno de Jacques de Ville, depois descer os degraus para ir ao seu encontro. Nesse momento o homem do KGB olhou na sua direção, e ele se virou cautelosamente, tentando não ser muito brusco de novo. O homem levou o binóculo aos olhos, e Travkin não sabia se fora notado ou não. Ficou arrepiado ao imaginar aquele binóculo potente focalizado na sua pessoa. "Será que o homem conhece leitura labial?", pensou, aterrorizado. "Jesus, Maria e José, graças a Deus não contei a verdade ao tai-pan. "

Seu coração batia dolorosamente, e sentia-se nauseado. Um raio cortou o céu, no oriente. A chuva fazia poças no concreto e na parte inferior e descoberta das tribunas. Tentou acalmar-se e olhou ao seu redor, impotente, sem saber o que fazer, desejando muito saber quem era o homem do KGB. Distraidamente, notou que Pilot Fish estava terminando o seu treino em excelente forma. Atrás dele, Richard Kwang conversava animadamente com um grupo de outros chineses que ele não conhecia. Linbar Struan e Andrew Gavallan apoiavam-se nas grades com o americano Rosemont e outros do consulado, que conhecia de vista. Todos observavam os cavalos, indiferentes à chuva. Perto do vestiário, abrigado, Donald McBride conversava com outros administradores, Sir Shi-teh T'Chung, Pugmire e Roger Crosse entre eles. Viu McBride olhar para o lado de Dunross, acenar e pedir-lhe que se reunisse a eles. Brian Kwok esperava por Roger Crosse, um pouco afastado dos administradores. Travkin conhecia os dois, mas não sabia que pertenciam ao sei.

Involuntariamente, seus pés começaram a impulsioná-lo na direção deles. O gosto amargo de bile subiu-lhe à boca. Dominou o impulso de correr até eles e contar-lhes toda a verdade. Ao invés disso, falou para o seu principal ma-foo:

— Mande os nossos cavalos para casa. Todos eles. Certifique-se de que estejam secos antes de alimentá-los.

— Sim, senhor.

Desanimado, Travkin foi se arrastando para o vestiário. Pelo canto dos olhos, viu que o homem do KGB focalizava-o com o binóculo. A chuva escorreu pelo seu pescoço, misturando-se ao suor provocado pelo medo.

— Ah, Ian, estávamos pensando que, se chover amanhã, é melhor cancelarmos a corrida. Digamos amanhã às seis da tarde — disse McBride. — Concorda?

— Não, para falar a verdade, não concordo. Sugiro que tomemos a decisão final às dez horas de sábado.

— Não é um pouco tarde, meu chapa? — perguntou Pugmire.

— Não, se os administradores alertarem o pessoal do rádio e da TV. Vai aumentar a animação. Especialmente se vocês derem a notícia hoje.

— Boa idéia — disse Crosse.

— Então, está resolvido — disse Dunross. — Mais alguma coisa?

— Não acha... é por causa da pista — disse McBride. — Não queremos estragá-la.

— Concordo inteiramente, Donald. Tomaremos a decisão final no sábado às dez. Todos a favor? — Não houve votos contrários. — Ótimo! Nada mais? Lamento, mas tenho uma reunião daqui a meia hora.

— Ah, tai-pan, lamento muito o que houve ontem... foi terrível — disse Shi-teh, constrangido.

— É. Shitee, quando nos reunirmos com o governador no conselho ao meio-dia, devemos sugerir que implante regulamentos contra incêndio novos e muito severos em Aberdeen.

— De acordo — falou Crosse. — É um milagre que mais gente não tenha morrido.

— Está falando em fechar os restaurantes, meu chapa?

— Pugmire estava chocado. Sua companhia tinha participação em dois deles. — Isso prejudicaria demais o turismo. Não dá para se colocar mais saídas... Teria que se começar do zero! Dunross voltou a olhar para Shi-teh.

— Por que não sugere ao governador que ordene que todas as cozinhas sejam instaladas imediatamente em barcaças que possam ser atracadas ao lado do navio-mãe? Carros de bombeiro poderiam ficar por perto até que todas as alterações tenham sido feitas. O custo seria modesto, haveria facilidade de operação, e o risco de incêndio seria eliminado de uma vez por todas.

Eles o fitaram. Shi-teh abriu um amplo sorriso.

— Ian, você é um gênio!

— Não. Só lamento que não tenhamos pensado nisso antes. Nunca me ocorreu. Foi uma pena a morte do Zep... e da mulher do Christian, não é? Já acharam o corpo dela?

— Acho que não.

— Sabe lá Deus quantos outros se foram! Os deputados se salvaram, Pug?

— Sim, meu velho. Exceto Sir Charles Pennyworth. O pobre coitado esmagou a cabeça contra uma sampana, quando caiu.

Dunross ficou chocado.

— Simpatizei com ele! Mas que azar desgraçado!

— Dois outros deputados estiveram perto de mim, a certa altura. Aquele filho da mãe radical, como se chama? Grey? Ah, sim, Grey, é isso. E o outro, o maldito cretino socialista, Broadhurst. Achei que os dois até que se comportaram muito bem.

— Ouvi dizer que o seu Superfoods também escapou, Pug. O nosso "Chame-me Chuck" não foi o primeiro a chegar a terra?

Pugmire deu de ombros, sem jeito.

— Não sei dizer. — Depois, abriu um sorriso. — Eu... ouvi dizer que Casey e Bartlett fizeram um belo trabalho, não foi? Quem sabe não deviam receber uma medalha?

— Por que não o sugere? — falou Dunross, ansioso por partir. — Se houver mais alguma coisa...

Crosse falou:

— Ian, se eu fosse você, tomaria uma vacina. Deve haver micróbios naquela baía que ainda nem foram inventados.

Todos riram junto com ele.

— Para falar a verdade, fiz mais do que isso. Depois que saímos da água, agarrei Linc Bartlett e Casey, e nos mandamos para o dr. Tooley. — Dunross sorriu de leve. — Quando lhe contei que estivéramos nadando na baía de Aberdeen, ele quase teve um derrame. "Bebam isso", disse, e, como um bando de cretinos, nós bebemos; antes de nos darmos conta do que acontecia, estávamos vomitando até as tripas. Se eu tivesse alguma força sobrando, teria dado um soco nele, mas estávamos todos de quatro, procurando a privada, feito uns alucinados. Depois, Casey começou a rir, por entre as ânsias de vômito, e logo estávamos rolando de rir no chão! — Acrescentou, com tristeza fingida: — Depois, antes de nos darmos conta do que estava acontecendo, o velho doutor enfiou comprimidos aos montes pela nossa goela abaixo, até que Bartlett disse "Pela madrugada, doutor, agora só falta um supositório para completar o serviço!" Eles riram de novo.

— É verdade sobre Casey? Que se despiu e mergulhou como se fosse uma campeã olímpica? — perguntou Pugmire.

— Melhor ainda! E nuazinha em pêlo, meu velho — exagerou Dunross. — Como a Vênus de Milo! Provavelmente o melhor... de tudo... que já vi.

— É? — comentaram eles, de olhos saltados.

— É.

— Meu Deus, mas nadar na baía de Aberdeen! Naquele esgoto! — falou McBride, as sobrancelhas erguidas. — Se vocês sobreviverem vai ser um milagre!

— O dr. Tooley disse que o mínimo que teremos será gastroenterite, disenteria ou a peste. — Dunross revirou os olhos. — Bem, para morrer basta estar vivo. Alguma coisa mais?

— Tai-pan — disse Shi-teh. — Eu... espero que não se incomode, mas... bem... gostaria de dar início a um fundo beneficente para as famílias das vítimas.

— Boa idéia! O Turf Club também devia contribuir. Donald, quer procurar os outros administradores hoje, e obter a aprovação deles? Que tal cem mil?

— É um pouco generoso demais, não é? — comentou Pugmire.

Dunross empinou o queixo.

— Não. Vamos contribuir com cento e cinqüenta mil, então. A Casa Nobre contribuirá com a mesma quantia. — Pugmire ruborizou-se. Ninguém disse nada. — Reunião encerrada? Ótimo. Bom dia.

Dunross ergueu o chapéu polidamente, e afastou-se.

— Com licença um momento! — Crosse fez sinal a Brian Kwok para segui-lo. — Ian!

— Sim, Roger?

Quando Crosse chegou junto de Dunross, falou suave-

— Ian, está confirmada a chegada de Sinders no vôo da boac de manhã. Iremos do aeroporto direto para o banco, se for conveniente.

— O governador também estará presente?

— Pedirei a ele que vá. Devemos estar lá por volta das seis.

— Se o avião chegar no horário — disse Dunross, sorrindo.

— Já conseguiu a liberação formal do Eastern Cloud?

— Já, obrigado. Recebi a notícia por telex ontem, de Delhi. Mandei que ele voltasse para cá, imediatamente, e zarpou com a maré. Brian, lembra-se da aposta que você queria fazer... aquela sobre Casey? Sobre os peitos dela... cinqüenta dólares contra uma moeda de cobre que são os melhores em Hong Kong?

Brian Kwok enrubesceu, cônscio do olhar gélido de Crosse.

— Bem... lembro, sim, por quê?

— Não sei se são os melhores, mas como o julgamento de Paris, você teria um problema e tanto se... eles fossem realmente avaliados!

— Então é verdade que ela estava pelada?

— A própria Lady Godiva em ação de salvamento. — Dunross despediu-se com um gesto de cabeça amável e foi saindo, dizendo: — Até amanhã.

Os dois ficaram olhando enquanto ele se afastava. À saída, um agente do sei esperava para acompanhá-lo.

— Ele está tramando alguma coisa — disse Crosse.

— Concordo, senhor.

Crosse desviou os olhos de Dunross e olhou para Brian Kwok.

— Você costuma fazer apostas sobre as glândulas mamárias de uma senhora?

— Não, senhor. Sinto muito, senhor.

— Ótimo. Felizmente, as mulheres não são as únicas fontes de beleza, são?

— Não, senhor.

— Existem os cães de caça, os quadros, a música, até mesmo uma boa bolada, não é?

— É, sim, senhor.

— Espere aqui, por favor — falou Crosse, voltando para junto dos outros administradores.

Brian Kwok soltou um suspiro. Estava entediado e cansado. A equipe de homens-rãs havia se encontrado com ele em

Aberdeen, e embora ele houvesse sabido quase imediatamente que Dunross estava a salvo, e já tinha até ido para casa, tivera que passar metade da noite ajudando a organizar a busca dos corpos. Fora uma tarefa lúgubre. Então, quando estava prestes a ir para casa, Crosse ligara para ele, mandando que estivesse em Happy Valley ao alvorecer. Portanto, não havia por que ir dormir. Ao invés disso, fora ao Restaurante Para e ficara olhando com cara feia para os tríades e para Ko Um Pé Só.

Agora observava Dunross. "O que aquele sacana guarda no mais íntimo da sua mente?", perguntou-se, sentindo uma pontada de inveja. "O que eu não faria com o poder e o dinheiro dele!"

Viu Dunross mudar de direção, indo para a tribuna mais próxima. Depois notou Adryon sentada ao lado de Martin Haply, ambos fitando os cavalos, sem perceber a presença de Dunross. "Dew neh loh moh", pensou, surpreso. "Curioso, esses dois estarem juntos. Puxa, mas que beldade! Graças a Deus não sou o pai daquela garota. Ficaria doido."

Crosse e os outros também haviam notado Adryon e Martin Haply, com espanto.

— O que aquele filho da mãe está fazendo com a filha do tai-pan? — perguntou Pugmire, com azedume.

— Boa coisa não pode ser — disse alguém.

— Aquele desgraçado só cria problemas! — resmungou Pugmire, e os outros concordaram. — Não sei por que o Toxe não o despede!

— O cretino é socialista, esse é o motivo! Também devia ser dispensado.

— Ora, corta essa, Pug! Toxe é legal... assim como alguns socialistas — disse Shi-teh. — Mas ele devia despedir o Haply. Seria melhor para todos nós!

Todos eles haviam sido alvo dos ataques de Haply. Algumas semanas antes, ele escrevera uma série de artigos reveladores e mordazes sobre algumas das transações comerciais de Shi-teh dentro do seu imenso conglomerado de companhias, e insinuara que todo tipo de contribuições dúbias estavam sendo feitas para diversos VIPS no governo de Hong Kong, em troca de favores.

— Concordo — disse Pugmire, cheio de ódio por ele, também. Haply, com a sua precisão, relatara os detalhes particulares da próxima fusão de Pugmire com a Superfoods, e deixara bem evidente que Pugmire lucraria bem mais do que seus acionistas da General Stores, que mal haviam sido consultados quanto aos termos da fusão. — Filho da mãe safado! Gostaria de saber onde obtém suas informações.

— É curioso que Haply esteja com ela — disse Crosse,observando os lábios deles, esperando que falassem. — A única grande companhia que ainda não atacou é a Struan.

— Acha que agora é a vez da Struan, e que Haply está tentando extrair informações de Adryon? — perguntou um dos outros. — Mas seria fantástico!

Excitados, ficaram olhando enquanto Dunross entrava nas tribunas, ainda sem ter sido notado pelos dois jovens.

— Talvez o Ian vá surrá-lo como surrou aquele outro filho da mãe — comentou Pugmire, alegremente.

— Hem? — disse Shi-teh. — Quem? Que história é essa?

— Ora, pensei que você soubesse. Faz uns dois anos um jovem executivo do Vic recém-chegado da Inglaterra começou a perseguir Adryon. Ela tinha dezesseis, talvez dezessete anos... ele tinha vinte e dois. Era como uma casa, maior do que o Ian, e se chamava Byron. Pensava que era lorde Byron no ataque, e montou uma campanha. A pobre garota ficou fascinada. Ian advertiu-o uma última vez. O safado continuava a procurá-la. Então Ian convidou-o para ir ao seu ginásio em Shek-O, calçou luvas de boxe (sabia que o cretino se considerava um boxeador) e deu-lhe uma surra em regra. — Os outros acharam graça. — Até o final da semana o banco o dispensara.

— Você assistiu à luta? — perguntou Shi-teh.

— Claro que não. Estavam a sós, é claro, mas o infeliz ficou num estado lastimável. Não gostaria de me opor ao tai-pan... não quando está irritado.

Shi-teh voltou a olhar para Dunross.

— Quem sabe não fará o mesmo com aquele cretino? — falou, satisfeito.

Todos ficaram olhando, esperançosos. Crosse afastou-se com Brian Kwok, chegando mais para perto.

Dunross agora subia correndo os degraus das tribunas, com sua força serena, e parou ao lado deles.

— Alô, querida, acordou cedo — falou.

— Oh, alô, papai — disse Adryon, espantada. — Não o tinha vis... O que houve com o seu rosto?

— Bati na traseira de um ônibus. Bom dia, Haply.

— Bom dia, senhor.

Haply fez menção de se levantar, mas voltou a se sentar.

— Um ônibus? — falou ela, e então, subitamente: — Amassou o Jaguar? Foi multado? — perguntou, esperançosa, tendo sido já multada três vezes naquele ano.

— Não. Acordou cedo, não foi? — falou, sentando-se ao lado dela.

— Para falar a verdade, ainda nem dormi. Passamos a noite toda acordados.

— Ah, é? — Guardou as quarenta e oito perguntas imediatas que vieram à sua mente, e comentou: — Deve estar cansada.

— Não, para falar a verdade, não estou.

— Estão comemorando alguma coisa?

— Não, na verdade o problema é o pobre Martin.

Colocou a mão meigamente no ombro do rapaz. Com esforço, Dunross manteve o sorriso tão meigo quanto a mão dela. Depois, virou-se para o jovem canadense:

— O que está havendo?

Haply hesitou, depois contou-lhe o que acontecera no jornal, quando o editor telefonara e Christian Toxe mandara que ele suspendesse a sua série de artigos sobre os boatos.

— O filho da mãe nos vendeu. Permitiu que o editor nos censurasse. Sei que estou certo. Sei que estou certo.

— Como? — indagou Dunross, pensando "Mas que filho da mãe insensível você é!"

— Desculpe, não posso revelar minha fonte.

— Não pode mesmo, papai, estaria violando a liberdade de imprensa — disse Adryon, na defensiva.

Haply mantinha os punhos cerrados. Depois, distraidamente, pôs a mão no joelho de Adryon. Ela a cobriu com a sua própria mão.

— O Ho-Pak está sendo enfiado na terra por nada.

— Por quê?

— Não sei. Mas Gor... mas há tai-pans por trás do ataque, e isso não tem sentido.

— Gornt está por trás disso? — perguntou Dunross, franzindo o cenho ante a nova idéia.

— Eu não falei Gornt, senhor, não falei mesmo.

— Ele não falou, papai — disse Adryon. — O que Martin deve fazer? Deve se demitir ou engolir o orgulho e...

— Isso eu não posso fazer, Adryon — disse Martin Haply.

— Deixe meu pai falar, ele saberá o que você deve fazer. Dunross viu que ela voltava para ele seus lindos olhos, e sentiu uma emoção ante a sua confiança inocente que nunca sentira antes.

— Duas coisas: primeiro, volte para o jornal imediatamente. Christian vai precisar de toda a ajuda que puder obter, segundo, vo...

— Ajuda?

— Não soube o que houve com a mulher dele?

— O que foi?

— Não sabe que está morta?

Eles o fitaram, assustados. Rapidamente, contou-lhes sobre Aberdeen. Os dois ficaram chocados, e Haply gaguejou:

__ Meu Deus, nós... não ouvimos rádio, nem nada... estávamos apenas dançando e conversando... — Pôs-se de pé num salto, e começou a se retirar, depois voltou: — É... é melhor eu ir logo para lá. Meu Deus!

Adryon também se levantara.

— Deixo você lá.

— Haply — disse Dunross —, peça ao Christian para enfatizar em negrito que qualquer pessoa que submergiu ou nadou naquelas águas deve procurar com urgência o seu médico... é muito importante.

— Entendido!

— Papai, você foi consultar o dr. Too... — perguntou Adryon, ansiosa.

— Claro que sim — disse Dunross. — Estou limpo por dentro e por fora. Vão andando!

— Qual era a segunda coisa, tai-pan? — perguntou Haply.

— A segunda é que você deve se lembrar de que o dinheiro é do editor. O jornal é dele, e ele pode fazer o que bem entender. Mas os editores podem ser persuadidos. Eu me pergunto, por exemplo, quem entrou em contato com ele, ou com ela, e por que eles concordaram em ligar para o Christian... se você tem tanta certeza de que sua história é verdadeira.

Subitamente, Haply abriu um amplo sorriso.

— Vamos, meu bem — falou, e gritou os seus agradecimentos. Saíram correndo de mãos dadas.

Dunross ficou sentado nas tribunas, por um momento. Soltou um profundo suspiro, depois se levantou e foi embora.

Roger Crosse e Brian Kwok estavam ocultos junto ao vestiário dos jóqueis. Crosse fizera a leitura labial da conversa do tai-pan. Observou enquanto ele se afastava, seguido pelo guarda do sei.

— Não há motivo para perdermos mais tempo aqui, Brian. Vamos indo. — Dirigiu-se para a saída mais afastada. — Será que Robert achou alguma coisa em Sha Tin?

— Aqueles malditos Lobisomens vão ficar numa boa. Hong Kong inteira vai morrer de medo. Aposto que nós... — Brian Kwok se deteve, subitamente. — Senhor! Olhe! — Indicou com um gesto de cabeça as tribunas, tendo percebido Suslev e Clinker no meio dos grupos dispersos que olhavam os cavalos, protegidos da chuva. — Não imaginei que ele já estaria acordado!

Os olhos de Crosse se estreitaram.

— É curioso. — Hesitou, depois mudou de direção, observando atentamente os lábios deles. — Já que ele nos honrou com a sua presença, é melhor batermos um papinho. Ah... já nos viram. Clinker não gosta nem um pouquinho de nós.

Vagarosamente, caminhou para as arquibancadas, Kwok atrás.

O russo grandão armou um sorriso, pegou um frasco fino e tomou um gole. Ofereceu-o a Clinker.

— Não, obrigado, companheiro, só tomo cerveja. — Os olhos frios de Clinker estavam pousados nos policiais que se aproximavam. — O ambiente está meio esnobe, não está? — falou em voz alta.

— Bom dia, Clinker — disse Crosse, com igual frieza. Depois, sorriu para Suslev. — Bom dia, comandante. Diazinho horrível, não é?

— Estamos vivos, továrich. Como o dia pode ser horrível, hem? — Suslev estava cheio de bonomia exterior, continuando a representar o seu papel de boa-praça. — Vai haver corrida no sábado, superintendente?

— Provavelmente. A decisão final será tomada no sábado de manhã. Quanto tempo vai ficar atracado aqui?

— Não muito, superintendente. Os reparos do timão são feitos com certo vagar.

— Não com vagar demasiado, espero. Ficamos muito nervosos se os nossos convidados importantes ancorados não são atendidos com toda a presteza. — A voz de Crosse era viva. — Falarei com o mestre do porto.

— Obrigado, é... muita gentileza da sua parte. E foi gentileza do seu departamento... — Suslev hesitou, depois virou-se para Clinker. — Amigão, importa-se de nos deixar a sós um instante?

— Nem um pouco — falou Clinker. — Os meganhas me deixam nervoso. — Brian Kwok olhou para ele. Clinker devolveu-lhe o olhar, sem medo, — Estou no meu carro.

Afastou-se.

A voz de Suslev endureceu.

— Foi gentileza do seu departamento devolver o corpo do nosso pobre camarada Voranski. Já achou os assassinos?

— Infelizmente, não. Podiam ser mercenários... de qualquer ponto da bússola. Naturalmente, se ele não tivesse se esgueirado para terra misteriosamente, ainda seria um operador útil do... do departamento a que servia.

— Era apenas um marujo, e um bom homem. Pensei que Hong Kong fosse um lugar seguro.

__ Passou adiante as fotos dos assassinos e a informação sobre o telefonema deles para os seus superiores do KGB?

— Não sou do KGB, dane-se o KGB! É, a informação foi passada adiante... pelo meu superior — disse Suslev, irritado.

__ Sabe como é, superintendente. Mas, pelo amor de Deus,

Voranski era um bom homem, e seus assassinos precisam ser apanhados.

— Logo os encontraremos — disse Crosse, serenamente.

__ Sabia que Voranski era na realidade o major Iúri Bakian, do Primeiro Diretório, Departamento 6, KGB?

Viram o choque estampado no rosto de Suslev.

— Ele era... apenas um amigo, para mim, e vinha conosco de vez em quando.

— Quem organiza isso, comandante? — perguntou Crosse. Suslev olhou para Brian Kwok, que lhe devolveu o olhar com antipatia sem disfarces.

— Por que está com tanta raiva? O que lhe fiz?

— Por que o império russo é tão ganancioso, especialmente quando se trata do solo chinês?

— Política! — exclamou Suslev, com azedume, depois acrescentou para Crosse: — Não me meto em política.

— Vocês se metem o tempo todo, seus sacanas! Qual o seu posto no KGB?

— Não tenho nenhum.

— Um pouquinho de cooperação poderia ser de muita utilidade — disse Crosse. — Quem organiza as suas tripulações, comandante Suslev?

Suslev lançou-lhe um olhar. Depois, disse:

— Que tal uma palavrinha em particular?

— Pois não — falou Crosse. — Espere aqui, Brian. Suslev deu as costas a Brian Kwok e foi descendo a escada da saída que levava ao gramado. Crosse foi atrás dele.

— O que acha das chances de Noble Star? — perguntou Suslev, cordialmente.

— Boas. Mas ela nunca correu no molhado.

— Pilot Fish?

— Olhe para ele... veja por si mesmo. Adora o molhado. Será o favorito. Pretende estar aqui no sábado? Suslev apoiou-se na cerca. E sorriu.

— Por que não? Crosse riu baixinho.

— É mesmo, e por que não? — Tinha certeza de que agora estavam realmente a sós. — Você é um bom ator, Grigóri, muito bom.

— Você também, camarada.

— Está se arriscando pra burro, não está? — disse Crosse, os lábios mal se movendo enquanto falava.

— Estou, mas afinal a vida toda é um risco. O Centro ordenou que eu assumisse até que chegue o substituto do Voranski... há muitos contatos e decisões importantíssimos a serem realizados nesta viagem. Um deles, sem dúvida, a Sevrin. E, de qualquer modo, como sabe, é isso o que Arthur queria.

— Às vezes eu me pergunto se ele está sendo sensato.

— Está sendo sensato. — Suslev sorriu, e algumas pequenas rugas se formaram ao redor dos seus olhos. — Oh, sim. Muito sensato. Estou satisfeito em vê-lo. O Centro está muito satisfeito com o seu trabalho. Tenho muito o que lhe contar.

— Quem foi o sacana que "vazou" a Sevrin para A. M. Grant?

— Não sei. Algum desertor. Assim que o descobrirmos, será um homem morto.

— Alguém atraiçoou um grupo do meu pessoal para a RPC. O "vazamento" deve ter vindo do relatório de Alan. Você leu a minha cópia. Quem mais no seu navio leu? Alguém se infiltrou na sua operação aqui!

Suslev empalideceu.

— Vou ordenar uma imediata verificação de segurança. O traidor poderia ter vindo de Londres, ou de Washington.

— Duvido. Não haveria tempo. Acho que veio daqui. E ainda há o caso de Voranski. Há alguém infiltrado na operação de vocês.

— Se a RPC... é, a investigação será feita. Mas quem? Apostaria a minha vida que não há nenhum espião a bordo.

Crosse estava igualmente sombrio.

— Há sempre alguém que pode ser subornado.

— Tem um plano de fuga?

— Vários.

— Tenho ordens de ajudá-lo de todas as maneiras. Quer um beliche no Ivánov?

Crosse hesitou.

— Vou esperar até ler as pastas de A. M. Grant. Seria uma pena, depois de tanto tempo...

— Concordo.

— Para você, é fácil concordar. Se o prenderem, será deportado, e eles lhe pedirão, educadamente, para fazer o favor de não voltar. Eu? Não gostaria de ser apanhado com vida.

— Claro. — Suslev acendeu um cigarro. — Você não será apanhado, Roger. É esperto demais. Tem algo para mim?

— Olhe lá para baixo, junto da cerca. O homem alto.

Com naturalidade, Suslev levou o binóculo aos olhos. Demorou até focalizar o homem indicado, depois olhou para outro lado.

— Aquele é Stanley Rosemont, CIA. Sabe que estão seguindo você?

— Ah, sei. Posso despistá-los, se quiser.

— O homem ao seu lado é Ed Langan, do FBI. O sujeito de barba é Mishauer, do Serviço de Informações da Marinha americana.

— Mishauer? O nome me parece familiar. Tem o dossiê deles?

— Ainda não, mas há um homossexual no consulado que está tendo um caso com o filho de um dos nossos mais destacados advogados chineses. Quando você voltar, na próxima viagem, ele terá o maior prazer em atender ao seu menor desejo.

Suslev deu um sorriso sombrio.

— Ótimo. — Outra vez, com naturalidade, olhou para Rosemont e os outros, cimentando suas fisionomias na memória. — O que ele faz?

— É o subchefe da estação. Pertence à CIA há quinze anos, oss¹, e tudo o mais. Têm mais de doze negócios de fachada aqui, e casas seguras por toda parte. Mandei uma lista em micropontos para 32.

¹ Office of Strategic Services, Departamento de Serviços Estratégicos. (N. do E. )

— Ótimo. O Centro quer que se aumente a vigilância sobre todos os movimentos da CIA.

— Não há problema. Eles são descuidados, e estão se atolando cada vez mais.

— No Vietnam?

— Claro que no Vietnam. Suslev deu uma risadinha abafada.

— Aqueles pobres idiotas não sabem em que fria foram forçados a entrar. Ainda pensam que podem lutar na selva com táticas da Coréia ou da Segunda Guerra Mundial.

— Não são todos idiotas — disse Crosse. — Rosemont é bom, muito bom. A propósito, estão sabendo da base aérea de Iman.

Suslev praguejou baixinho e apoiou-se numa das mãos, mantendo-a com naturalidade junto da boca, para impedir a leitura labial.

— ... Iman e quase tudo sobre Petropavlovsk, a nova base de submarinos em Korsakov, em Sacalina... Suslev soltou outro palavrão.

— Como descobriram?

— Traidores — disse Crosse, com um débil sorriso.

— Por que você é agente duplo, Roger?

— Por que me faz essa pergunta sempre que nos encontramos?

Suslev soltou um suspiro. Recebera ordens específicas para não sondar Crosse e para ajudá-lo de todas as maneiras possíveis. E, embora fosse o controlador de todas as atividades de espionagem do KGB no Extremo Oriente, somente no ano anterior tinham-lhe permitido tomar conhecimento do segredo da identidade de Crosse. Nos arquivos do KGB, Crosse tinha a mais alta classificação secreta, ao nível de um Philby. Mas, nem mesmo Philby sabia que Crosse vinha trabalhando para o KGB durante os últimos sete anos.

— Pergunto porque sou curioso.

— Não recebeu ordens de não ser curioso, camarada?

— Nenhum de nós obedece às ordens o tempo todo, não é? — disse Suslev, rindo. — Lá no Centro gostaram tanto do seu último relatório, que me mandaram lhe dizer que no dia 15 do mês que vem será creditada na sua conta da Suíça uma bonificação extra de cinqüenta mil.

— Ótimo. Obrigado. Mas não é uma bonificação, é um pagamento pelos serviços prestados.

— O que o sei sabe sobre a delegação visitante do Parlamento?

Crosse contou-lhe o que já dissera ao governador.

— Por que quer saber?

— Verificação de rotina. Três deles são potencialmente muito influentes: Guthrie, Broadhurst e Grey. — Suslev ofereceu-lhe um cigarro. — Estamos manobrando Grey e Broadhurst para entrarem no nosso Conselho para a Paz Mundial. Seus sentimentos antichineses serão de grande ajuda para nós. Roger, quer pôr alguém na cola de Guthrie? Talvez ele tenha alguns maus hábitos. Se fosse pego com a boca na botija, quem sabe fotografado com uma garota de Wanchai, poderia ser útil mais tarde, não?

— Verei o que posso fazer — concordou Crosse.

— Pode encontrar a escória que assassinou o pobre Voranski?

— Talvez. — Crosse o observava. — Ele já devia estar marcado há algum tempo. E isso é de mau agouro para todos nós.

— Seria gente do Kuomintang? Ou bandidos de Mao?

— Não sei. — Crosse sorriu com sarcasmo. — A Rússia não é muito popular junto a chinês algum.

— É essa a política?

— Os líderes deles são traidores do comunismo. Devemos esmagá-los antes que fiquem fortes demais.

— Desde Genghis Khan. — Suslev riu. — Mas, agora... agora temos que ser pacientes. Você não precisa ser. — Indicou com um gesto do polegar a figura de Brian Kwok. — Por que não desacreditar aquele matieriebiets? Não gosto dele nem um pouquinho.

— O jovem Brian é muito bom. Preciso de gente boa. Informe ao Centro que Sinders, da MI-6, chega amanhã de Londres para receber os papéis de Alan Medford Grant. Tanto a MI-6 quanto a CIA suspeitam que Alan foi assassinado. Foi?

— Não sei. Devia ter sido, há anos. Como vai obter uma cópia?

— Não sei. Tenho quase certeza de que Sinders deixará que eu leia os documentos antes de voltar.

— E se não deixar? Crosse deu de ombros.

— Nós os leremos, de uma forma ou de outra.

— Dunross?

— Só em último caso. Ele é valioso demais onde está, e prefiro tê-lo sob meus olhos. E quanto ao Travkin?

— Sua informação não tem preço. Tudo foi confirmado. — Suslev contou-lhe o resumo do seu encontro com Travkin, acrescentando: — Agora, ele será nosso cão eternamente. Fará qualquer coisa que quisermos. Qualquer coisa. Acho que até mataria Dunross, se necessário.

— Ótimo. Quanto do que você lhe contou era verdade?

— Não muito — respondeu Suslev, sorrindo.

— A mulher dele está viva?

— Oh, sim, továrich, está viva.

— Mas não na sua própria dacha?

— Agora, está.

— E antes?

Suslev deu de ombros.

— Contei a ele o que me mandaram que contasse.

— O que sabe sobre o Irã? — perguntou Crosse, acendendo um cigarro.

Suslev olhou para ele vivamente, de novo.

— Um bocado. É um dos nossos oito grandes alvos restantes, e há uma grande operação funcionando lá, agora.

— A 92a Divisão de Pára-Quedistas dos Estados Unidos esta na fronteira soviético-iraniana neste exato momento! — O quê? — exclamou Suslev, boquiaberto. Crosse relatou tudo o que Rosemont lhe contara sobre a Dry Run. Quando se referiu às armas nucleares que as forças americanas possuíam, Suslev empalideceu visivelmente.

— Mãe de Deus! Qualquer dia esses americanos amaldiçoados vão cometer um erro, e então nós não conseguiremos nos safar! São idiotas de desenvolver tais armas.

— Vocês podem combatê-los?

— Claro que não, ainda não — disse Suslev, com irritação. — A essência da nossa estratégia é evitar um confronto direto até que os Estados Unidos estejam totalmente isolados e não haja dúvidas sobre a vitória final. Um confronto direto agora seria suicídio. Vou me comunicar com o Centro imediatamente.

— Enfatize que os americanos consideram a operação apenas experimental, um exercício. Mande o Centro evacuar as suas forças e acalmar a situação. Que eles o façam imediatamente, caso contrário haverá encrenca. Não ofereçam nenhuma provocação às forças americanas. Daqui a alguns dias os americanos irão embora. Não deixem "vazar" a invasão para os seus espiões internos em Washington. Deixe que a informação venha primeiro do seu pessoal na CIA.

— A 92a está mesmo lá? Parece impossível.

— É melhor que vocês aumentem o seu poderio de pára-quedistas, tornem seus exércitos mais móveis, com mais potência de fogo.

Suslev resmungou.

— As energias e recursos de trezentos milhões de russos estão canalizados para a solução desse problema, továrich. Se tivermos vinte anos... só mais vinte anos...

— E então?

— Na década de 80 dominaremos o mundo.

— Já estarei morto há muito tempo.

— Não você. Governará a província ou o país que desejar. A Inglaterra?

— Lamento, o clima lá é terrível. Exceto por um ou dois dias no ano, quando é o lugar mais belo do mundo.

— Ah, devia ver minha casa na Geórgia e as redondezas de Tiflis. — Os olhos de Suslev brilhavam. — É o Éden.

Crosse não deixava de olhar para todos os lados, enquanto conversavam. Sabia que não podiam ser ouvidos. Brian Kwok estava sentado na tribuna, esperando, quase dormindo. Rose-mont e os outros observavam-no disfarçadamente. Junto do círculo dos vencedores Jacques de Ville passeava naturalmente com Jason Plumm.

— Já falou com o Jason?

— Claro que sim, enquanto estávamos nas tribunas.

__ Ótimo. O que ele disse de De Ville?

__ Que também duvida de que Jacques seja escolhido tai-pan. Depois do encontro que tive com ele, ontem à noite, concordo, ele é obviamente fraco demais, ou amoleceu com o tempo. — E Suslev acrescentou: — Isso geralmente acontece com os agentes supersecretos que não têm nada pra fazer, só esperar. É o trabalho mais duro de todos.

— É.

__ Ele é um bom homem, mas temo que não leve a cabo a sua missão.

— O que planeja fazer com ele? — Ainda não decidi.

— Convertê-lo de espião interno em espião condenado?

— Apenas se você ou os outros da Sevrin forem ameaçados. — Para impressionar os possíveis observadores, Suslev levou o frasco aos lábios, e ofereceu-o a Crosse, que sacudiu a cabeça. Ambos sabiam que ele continha apenas água. Suslev baixou a voz. — Tenho uma idéia. Estamos aumentando nossas atividades no Canadá. É evidente que o Movimento Separatista Francês é uma tremenda oportunidade para nós. Se Quebec se desligasse do Canadá, isso abalaria o continente norte-americano inteiro, criando uma estrutura de poder inteiramente nova. Estava pensando que seria perfeito se De Ville assumisse a direção da Struan no Canadá. Que tal?

— Muito bom. Muito, muito bom — disse Crosse, sorrindo. — Também gosto de Jacques. Seria uma pena desperdiçá-lo. É, seria um golpe muito inteligente.

— É mais do que isso, Roger. Ele tem alguns amigos franco-canadenses muito importantes, dos seus dias de Paris do pós-guerra, todos abertamente separatistas, todos esquerdistas. Alguns estão se tornando uma força política nacional de destaque no Canadá.

— Ele revelaria sua posição falsa?

— Não. Jacques poderia dar impulso ao movimento separatista sem pôr sua posição e disfarce em risco. Como chefe de um ramo importante da Struan... e se um dos seus amigos especiais se tornasse ministro do Exterior, ou primeiro-ministro, hem?

— Isso é possível?

— É possível.

Crosse soltou um assobio.

Se o Canadá se bandeasse para longe dos Estados Unidos, seria o golpe dos golpes.

Depois de uma pausa, Crosse falou:

— Era uma vez um sábio chinês a quem um amigo pediu que abençoasse o seu filho recém-nascido. Sua bênção foi "Rezemos para que ele viva numa época interessante". Bem, Grigóri Petróvitch Suslev, cujo nome verdadeiro é Piotr Oleg Mzitrik, certamente vivemos numa época interessante. Não vivemos?

Suslev fitava-o, chocado.

— Quem lhe contou o meu nome?

— Seus superiores. — Crosse fitava-o, os olhos subitamente impiedosos. — Você me conhece, eu o conheço. É justo, não?

— Mas... claro. Eu... — A risada do homem era forçada. — Eu não uso esse nome há tanto tempo que... quase tinha me esquecido dele. — Voltou a fitar os olhos do outro, lutando para controlar-se. — O que há? Por que está tão nervoso, hem?

— Alan Medford Grant. Acho melhor encerrarmos esta reunião, por hoje. Nossa desculpa é que tentei suborná-lo, mas você se recusou. Vamos nos encontrar amanhã, às sete. — Sete era o número de código para o apartamento vizinho ao de Ginny Fu, em Mong Kok. — Tarde. Lá pelas onze horas.

— Dez é melhor.

Crosse indicou cautelosamente Rosemont e os outros. — Antes de você ir, preciso de alguma coisa para eles.

— Está certo. Amanhã ter...

— Tem que ser agora. — Crosse ficou duro. — Algo especial... se eu não conseguir ler a cópia de Sinders, terei que barganhar com eles.

— Você não divulgará a fonte para ninguém. Para ninguém.

— Está bem.

— Nunca?

— Nunca.

Suslev pensou por um momento, sopesando as possibilidades.

— Esta noite um dos nossos agentes receberá material ultra-secreto do porta-aviões. Que tal?

O rosto do inglês se iluminou.

— Perfeito! Foi por esse motivo que você veio?

— Um dos motivos.

— Quando e onde vai ser feita a entrega? Suslev lhe contou, depois acrescentou:

— Mas ainda vou querer cópias de tudo.

— Naturalmente. Ótimo, isso servirá muito bem. Rosemont ficará me devendo de verdade. Há quanto tempo seu auxiliar está infiltrado a bordo?

— Dois anos, pelo menos foi quando começou a trabalhar para nós.

— Ele lhe dá bom material?

— Qualquer coisa que se tire daquele prostituto é valiosa.

— Qual o preço dele?

— Para isso? Dois mil dólares. Ele não é caro, nenhum dos nossos auxiliares o é, exceto você.

Crosse deu um sorriso igualmente sem alegria.

— Ah, mas eu sou o melhor que vocês têm na Ásia, e provei minha qualidade cinqüenta vezes. Até agora tenho trabalhado praticamente por amor, meu velho.

— Seus custos, meu velho, são os maiores que temos! Compramos todo o plano de batalha da OTAN, códigos, tudo, anualmente por menos de oito mil dólares.

— Esses amadores safados estão arruinando o nosso negócio. É um negócio, não é?

— Não para nós.

— Não, uma ova! O pessoal do KGB é mais do que bem-recompensado. Dachas, casas em Tiflis, lojas especiais para fazer compras. Amantes. Mas, deixe que lhe diga: tirar dinheiro da sua companhia está ficando pior a cada ano que passa. Espero um grande aumento pela notícia da Dry Run e pelo caso Alan Medford Grant, quando estiver concluído.

— Fale diretamente com eles. Não tenho jurisdição sobre o dinheiro.

— Mentiroso! Suslev achou graça.

— É bom... e seguro... lidar com um profissional. Prosit!

Ergueu o frasco e esvaziou-o.

— Por favor, retire-se raivosamente. Sinto binóculos sobre nós! — disse Crosse abruptamente.

Prontamente, Suslev começou a xingá-lo em russo, em voz baixa, mas com veemência, depois sacudiu o punho cerrado no rosto do policial e se retirou.

Crosse ficou olhando para a figura que se afastava.

Na Sha Tin Road, Robert Armstrong estava olhando para o cadáver de John Chen, enquanto policiais de capa de chuva o enrolavam novamente no cobertor, depois o carregavam por entre a multidão embasbacada até a ambulância que esperava, peritos em impressões digitais e outros estavam por toda parte, procurando pistas. A chuva caía agora mais intensamente, e havia grande quantidade de lama em todo canto.

— Está tudo remexido, senhor — disse o sargento Lee, com azedume. — Há pegadas, mas podem ser de qualquer pessoa.

Armstrong concordou com um gesto de cabeça, e usou o lenço para secar o rosto. Havia muitos espectadores por trás das barreiras toscas erigidas ao redor da área. O tráfego que passava pela rua estreita estava vagaroso, quase congestionado, todo mundo buzinando, irritado.

— Que os homens continuem revistando numa área de cem metros. Mande alguém à aldeia mais próxima, alguém pode ter visto alguma coisa. — Deixou Lee e foi até o carro da polícia. Entrou, fechou a porta e apanhou o transmissor. — Aqui fala Armstrong. Ligue-me com o inspetor-chefe Donald Smyth em Aberdeen Leste, por favor.

Começou a esperar, sentindo-se péssimo.

O motorista era jovem, esperto e ainda estava seco.

— A chuva é uma maravilha, não é, senhor? Armstrong olhou para ele, com azedume. O jovem empalideceu.

— Fuma?

— Sim, senhor. — O rapaz pegou o seu maço e ofereceu-o. Armstrong ficou com o maço inteiro. — Por que não se reúne aos outros? Precisam de um rapaz esperto como você para ajudá-los. Ache algumas pistas, tá?

— Sim, senhor — respondeu o jovem, fugindo para dentro da chuva.

Cuidadosamente, Armstrong apanhou um cigarro. Contemplou-o. De cara fechada, devolveu-o ao maço, e enfiou-o num bolso lateral. Encolhendo-se no banco do carro, resmungou:

— Danem-se todos os cigarros, dane-se a chuva, dane-se aquele sabichão, e, mais do que tudo, danem-se os danados dos Lobisomens!

Dali a pouco o intercomunicador começou a funcionar.

— Fala o inspetor-chefe Donald Smyth.

— Bom dia! Estou aqui em Sha Tin — começou Armstrong, contando-lhe o que acontecera e como encontrara o corpo. — Estamos examinando toda a área, mas não creio que possamos encontrar alguma coisa nesta chuva. Quando os jornais souberem do cadáver e da mensagem, vão cair no nosso pêlo. Acho melhor prendermos a velha amah imediatamente. Ainda é a única pista que temos. Vocês ainda a mantêm sob vigilância?

— Ora, ainda!

— Ótimo. Espere por mim, depois atacaremos. Quero revistar a casa dela. Deixe uma equipe a postos.

— Quanto tempo você vai demorar?

__ Vou levar umas duas horas para chegar até aí. O tráfego está engarrafado daqui até as balsas.

— Aqui também. Por toda a área de Aberdeen. Mas não é só por causa da chuva, meu rapaz. Deve haver uns mil mórbidos espiando o desastre de ontem, e ainda temos as malditas turbas no Ho-Pak, no Victoria... para falar a verdade, em toda porra de banco da vizinhança, e já me contaram que deve haver umas quinhentas pessoas se reunindo diante do Vic, na zona central.

— Santo Deus! Todas as minhas economias de merda estão lá, porra!

— Não lhe falei ontem para retirar tudo, meu velho? — Armstrong ouviu a risada do Cobra. — E, a propósito, se tiver algum dinheiro sobrando, venda ações da Struan a descoberto... ouvi dizer que a Casa Nobre vai entrar em colapso.


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