29

13h38m

Robert Armstrong e um sargento da polícia fardado saltaram do carro-patrulha e atravessaram a multidão, dirigindo-se para o vasto interior da Arcada Princes, com suas lojas de jóias e curiosidades, de aparelhos fotográficos e rádios abarrotadas dos últimos milagres eletrônicos, que ficava no andar térreo do prédio de escritórios antigo e alto na zona central. Foram abrindo caminho até os elevadores, juntando-se ao monte de gente que esperava. Depois, ele e o sargento conseguiram espremer-se para dentro de um elevador. O ar estava pesado, fétido e nervoso. Os passageiros chineses olhavam-nos de esguelha, contrafeitos.

No sétimo andar, Armstrong e o sargento saltaram. O corredor era estreito e sujo, com portas de escritórios indefiníveis de cada lado. Armstrong parou por um momento, olhando para o quadro de indicações. Ao lado do número 720 lia-se "Empreendimentos Ping-sing Wah", ao lado do 721, "Companhia de Navegação Ásia e China". Começou a percorrer pesadamente o corredor, com o sargento Yat ao seu lado.

Ao dobrarem o corredor, viram um chinês de meia-idade, usando camisa branca e calças escuras, saindo da sala 720. Ele os viu, empalideceu e voltou depressa para dentro. Quando Armstrong chegou à porta, esperava encontrá-la trancada, mas não estava, e ele a abriu bruscamente, a tempo de ver o homem de camisa branca desaparecer pela porta dos fundos, um outro homem quase a atropelá-lo, na ânsia de fugir também. A porta dos fundos bateu, fechando-se.

Armstrong soltou um suspiro. Havia duas secretárias amarrotadas no grupo de três salas apertadas, pobres e desarrumadas, e ambas o fitaram espantadas, uma delas segurando no ar os pauzinhos, acima de uma tigela com galinha e talha-rim. O talharim escorregou dos pauzinhos e caiu dentro da sopa.

— Boa tarde — cumprimentou Armstrong.

As duas mulheres olharam boquiabertas dele para o sargento, e de novo para ele.

— Onde estão o Sr. Lim, o Sr. Tak e o Sr. Lo, por favor?

Uma das moças deu de ombros, e a outra, sem se importar, recomeçou a comer. Ruidosamente. O grupo de salas era sujo e desmazelado. Havia dois telefones, papéis jogados por toda parte, xícaras de plástico, pratos e tigelas sujos e pauzinhos de comer usados. Um bule de chá e xícaras. Latas de lixo cheias.

Armstrong pegou o mandado de busca e mostrou-o às moças.

Elas ficaram olhando para ele. Irritado, Armstrong falou com aspereza:

— Falam inglês?

As duas deram um salto.

— Sim, senhor — disseram em coro.

— Ótimo. Dêem seus nomes ao sargento e respondam às perguntas dele. O... — Nesse momento, a porta dos fundos se abriu de novo, e os dois homens entraram na sala, escoltados por dois policiais fardados de fisionomia dura que tinham estado à espera, de tocaia. — Ah, ótimo. Muito bem. Obrigado, cabo. E então, aonde iam vocês dois?

Imediatamente os dois homens começaram a protestar inocência num cantonense gárrulo.

— Calem-se! — rosnou Armstrong. Eles pararam. — Dêem-me os seus nomes! — Eles ficaram olhando para ele. Em cantonense, falou: — Digam como se chamam, e é melhor que não mintam, senão vou ficar muito puto da vida.

— Ele é Tak Chou-lan — falou o que tinha os dentes muito saltados, apontando para o outro.

— E o seu nome, qual é?

— É... Lo Tup-sop, senhor. Mas não fiz na...

— Lo Tup-sop? Não Lo Tup-lin?

— Ah, não, senhor superintendente, esse é meu irmão.

— Onde está ele?

O dentuço deu de ombros.

— Não sei. Por favor, o que está...

— Aonde ia com tanta pressa, Lo Dentuço?

— Tinha me esquecido de um compromisso, senhor. De grande importância! É urgente, e perderei uma fortuna, senhor, se não for imediatamente. Por favor, posso ir agora, Honrado Sen...

— Não! Eis aqui o mandado de busca. Vamos revistar e levar embora quaisquer papéis que...

Imediatamente, os dois homens começaram a protestar energicamente. Novamente, Armstrong os interrompeu.

— Querem ser levados para a fronteira, neste minuto? — Os dois homens empalideceram e sacudiram a cabeça. — Ótimo. Agora, onde está Thomas K. K. Lim? — Nenhum dos dois respondeu, então Armstrong cutucou com o dedo o mais jovem deles. — Você, Sr. Lo Dentuço! Onde está Thomas K. K. Lim?

— Na América do Sul, senhor — disse Lo, nervosamente.

— Onde?

— Não sei, senhor, apenas dividimos o escritório. Aquela é a droga da mesa dele. — Lo Dentuço fez um gesto nervoso com a mão para o canto da sala, onde havia uma mesa em desordem, um arquivo e um telefone. — Não fiz nada errado, senhor. Lim Estrangeiro é um estranho da Montanha Dourada. O Primo em Quarto Grau Tak aluga-lhe o espaço, senhor. Lim Estrangeiro entra e sai quando lhe dá na telha, e não tenho nada a ver com isso. Ele é um criminoso terrível? Se há alguma coisa errada, não estou sabendo de nada!

— Então, o que sabe do roubo dos fundos do programa da CARE?

— O quê? — exclamaram os dois, fitando-o, boquiabertos.

— Informantes deram-nos provas de que todos vocês estão roubando dinheiro de caridade, que pertence a mulheres e crianças famintas!

Prontamente, ambos começaram a protestar inocência.

— Chega! O juiz decidirá! Vocês irão ao quartel-general, prestar depoimento. — Voltou a falar em inglês: — Sargento, leve-os para o quartel-general. Cabo, vamos come...

— Honrado Senhor — Lo Dentuço começou a falar num inglês hesitante e nervoso —, posso conversar, no escritório, faz favor?

Indicou a sala interna, igualmente desarrumada e atulhada.

— Está bem.

Armstrong acompanhou Lo, sobrepujando-o muito em altura. O homem fechou a porta nervosamente e começou a falar em cantonense, rapidamente e em voz baixa.

— Não sei nada sobre nada criminoso, senhor. Se tem alguma coisa errada, é com aqueles dois sacanas. Sou apenas um comerciante honesto que quer ganhar dinheiro e mandar os filhos para a universidade na América e...

— Sim, naturalmente. O que queria me dizer em particular antes de ir para o quartel-general da polícia?

O homem sorriu nervosamente. Foi até a mesa e começou a destrancar uma gaveta.

— Se há um culpado, não sou eu, senhor. Não sei nada sobre coisa alguma. — Abriu a gaveta. Estava cheia de notas usadas, vermelhas, de cem dólares, presas em grupos de mil. — Se me deixar ir, senhor...

Sorriu para ele, mexendo nas notas.

O pé de Armstrong se esticou com força e a gaveta se fechou, prendendo as pontas dos dedos de Lo, e fazendo-o soltar um uivo de dor. Abriu às pressas a gaveta com a mão sã.

— Oh, oh, oh, a porra da...

Armstrong encostou a cara junto da do chinês apavorado.

— Escute aqui, seu bosta de cachorro, é contra a lei tentar subornar um policial, e se você disser que seus dedos foram feridos pela brutalidade da polícia, eu, pessoalmente, farei picadinho do seu Saco Secreto!

Apoiou-se contra a mesa, o coração disparado, um gosto de fel na garganta, furioso com a tentação e a visão de todo aquele dinheiro. Como seria fácil pegá-lo, pagar suas dívidas e ainda ter dinheiro de sobra para jogar na Bolsa e nas corridas, e depois sair de Hong Kong, antes que fosse tarde demais.

Tão fácil! Muito mais fácil pegar do que resistir... dessa vez, ou de todas as outras mil vezes. Devia haver trinta ou quarenta mil apenas naquela gaveta. "E se há uma gaveta cheia, deve haver outras, e se eu der um aperto nesse filho da mãe, ele vai cuspir dez vezes essa quantia."

Brutalmente, estendeu o braço e agarrou a mão do homem, que gritou de novo. A ponta de um dedo estava esmagada. Armstrong imaginou que Lo iria perder duas unhas, e sentir um bocado de dor, porém nada além disso. Ficou com raiva de si mesmo por ter perdido a paciência, mas estava cansado, e sabia que não era apenas o cansaço.

— O que sabe sobre Tsu-yan?

— Quem? Eu? Nada. Tsu-yan de quê? Armstrong agarrou-o e sacudiu-o.

— Tsu-yan! O contrabandista de armas Tsu-yan!

— Nada, senhor!

— Mentiroso! O Tsu-yan que visita o Sr. Ng, seu vizinho de porta!

— Tsu-yan? Ah, ele? Contrabandista de armas? Não sabia disso! Sempre pensei que fosse um comerciante. É um outro nortista, como o Ng Fotógrafo...

— Quem?

— Ng Fotógrafo, senhor. Vee Cee Ng, nosso vizinho de porta. Ele e esse Tsu-yan nunca entram aqui ou falam com a gente... Ai, preciso de um médico... ai, minha mão...

— Onde está Tsu-yan, agora?

— Não sei, senhor... ai, a porra da minha mão, oh, oh, oh... juro por todos os deuses que não o conheço... oh, oh, oh...

Com irritação, Armstrong jogou-o numa cadeira e abriu bruscamente a porta. Os três policiais e as duas secretárias fitaram-no em silêncio.

— Sargento, leve este sacana para o QG, sob a acusação de tentar subornar um policial. Olhe para isso...

Fez sinal para que entrasse, e mostrou-lhe a gaveta. Os olhos do sargento Yat se arregalaram.

— Dew neh loh moh!

— Conte-o e faça com que os dois homens assinem o recibo pela quantia exata, e leve-o para o QG com eles, e entregue ali o dinheiro.

— Sim, senhor.

— Cabo, comece a revistar os arquivos. Vou à sala ao lado. Volto já.

— Sim, senhor.

Armstrong se retirou. Sabia que o dinheiro seria contado rapidamente, assim como o restante do dinheiro que havia nas salas (se aquela gaveta estava cheia, outras também estariam), depois o dinheiro a ser entregue seria negociado rapidamente entre as partes, o sargento Yat, Lo e Tak, e o restante dividido entre eles. Lo e Tak acreditariam que ele receberia uma fatia grande, e seus próprios homens o considerariam louco por não recebê-la. Não fazia mal. Não se importava. O dinheiro era roubado, o sargento Yat e seus homens eram bons policiais, e seu salário totalmente inadequado para as suas responsabilidades. Um pouco de h'eung yau não lhes faria mal, seria um presente dos céus.

Não seria?

Na China era preciso ser pragmático, disse consigo mesmo, sombriamente, enquanto batia na porta do 721 e entrava. Uma secretária atraente ergueu os olhos do seu almoço — uma tigela de arroz branco, fatias de carne de porco assada e brócolos verdes fumegando agradavelmente.

— Boa tarde. — Armstrong mostrou rapidamente o seu cartão de identificação. — Gostaria de ver o Sr. Vee Cee Ng, por favor.

— Lamento, senhor — disse a moça, o inglês bom, e os olhos inexpressivos. — Ele saiu, foi almoçar.

— Onde?

— No clube dele, acho. Hoje não volta antes das cinco.

— Que clube?

Ela lhe disse. Jamais ouvira falar nele, o que não queria dizer nada, já que havia centenas de clubes chineses particulares para almoço, jantar ou mah-jong.

— Como se chama?

— Virgínia Tong, senhor — acrescentou, pensando melhor.

— Importa-se se eu der uma olhada por aí? — Viu os olhos dela brilharem nervosamente. — Eis aqui o meu mandado de busca.

Ela o pegou e leu, e ele pensou: "Nota 10, mocinha".

— Não pode esperar até as cinco? — indagou.

— Vou dar só uma espiadinha, agora.

Ela deu de ombros, levantou-se, e abriu a porta da sala interna. Era pequena e vazia, excetuando duas mesas desarrumadas, telefones, arquivos, cartazes de navegação e itinerários dos navios. A sala tinha duas portas internas e mais uma porta dos fundos. Abriu uma delas, no lado da 720, mas era um banheiro úmido e fétido, com uma pia suja. A porta dos fundos estava trancada com ferrolhos. Ele correu os ferrolhos e saiu para o escuro patamar das escadas de serviço, que serviam como saída de incêndio improvisada e meio alternativo de saída. Voltou a trancar a porta, observado o tempo todo por Virgínia Tong. A última porta, do outro lado, estava trancada.

— Quer abri-la, por favor?

— O Sr. Vee Cee tem a única chave, senhor. Armstrong soltou um suspiro.

— Eu tenho um mandado de busca, srta. Tong, e o direito de arrombar a porta, se necessário.

Ela apenas o fitou. Então ele deu de ombros, afastou-se da porta e preparou-se para arrombá-la com um chute. De verdade.

— Só... só um momento, senhor — gaguejou ela. — Vou... vou ver se... se ele deixou a chave antes de sair.

— Ótimo. Obrigado.

Armstrong olhou enquanto ela abria uma gaveta da mesa, e fingia procurar, depois outra gaveta, e mais outra, e então, pressentindo a impaciência dele, encontrou a chave debaixo de uma caixinha de dinheiro.

— Ah, aqui está! — exclamou, como se um milagre tivesse acontecido. Ele notou que ela estava suando. Ótimo, pensou. Ela destrancou a porta e recuou. A porta dava diretamente para uma outra. Armstrong abriu-a, e soltou um assobio involuntário. A sala que ficava do outro lado era grande, luxuosa, com carpete espesso, sofás elegantes de couro acamurçado, mobília de pau-rosa e belos quadros. Foi entrando. Virgínia Tong ficou olhando, parada à porta. A bela mesa antiga de pau-rosa, tampo de couro, estava nua, limpa e lustrada. Sobre ela apenas um vaso de flores, e algumas fotos emolduradas, todas de um chinês sorridente segurando um cavalo de corrida com uma guirlanda ao pescoço, e uma do mesmo chinês em traje a rigor, apertando a mão do governador, Dunross nas proximidades.

— Este é o Sr. Ng?

— Sim, senhor.

De um lado da sala, um toca-discos de alta qualidade e um armário alto, tipo bar. A sala tinha outra porta, que estava parcialmente aberta. Ele a empurrou, deparando com um dormitório elegante e muito feminino, com uma cama imensa e desfeita, teto de espelhos, e um banheiro adjacente todo decorado, com perfumes, loções após barba, ferragens modernas e brilhantes e muitos baldes de água.

— Interessante — comentou, e olhou para ela. Ela ficou calada, esperando.

Armstrong viu que usava meias de náilon e era muito jeitosa, com cabelos e unhas bem-tratados. Aposto que é um dragão, e dispendiosa. Deu-lhe as costas e olhou ao seu redor, pensativo. Estava claro que aquele apartamento independente ocupava a suíte adjacente. "Bem", disse para si mesmo, com um toque de inveja, "se você é rico e quer um apartamento particular e secreto para uma tarde de prazer por trás do seu escritório, não há lei que o proíba. Nenhuma. E nenhuma lei que proíba ter uma secretária atraente. Filho da mãe sortudo. Eu mesmo não acharia ruim ter um lugar desses."

Distraidamente, abriu uma gaveta da mesa. Estava vazia. Todas as gavetas estavam vazias. A seguir, vasculhou as gavetas do dormitório, mas não encontrou nada de interessante. Um dos armários continha uma boa máquina fotográfica, algum equipamento de iluminação portátil e alguns materiais de limpeza, mas nada de suspeito.

Voltou à sala principal, satisfeito por não ter deixado passar nada. Ela ainda o fitava, e embora tentasse disfarçar, ele podia sentir o seu nervosismo.

"É compreensível", falou consigo mesmo. "Se eu fosse ela, meu patrão tivesse saído e um quai loh nojento viesse bisbilhotar, também ficaria nervosa. Não há mal em ter um lugar particular como esse. Muita gente rica tem, em Hong Kong." Teve a atenção despertada pelo armário de pau-rosa, tipo bar. A chave na fechadura o atraía. Abriu a porta. Nada fora do comum. E então, seus olhos vivos e bem-treinados notaram a largura incomum das portas. Uma inspeção de momento, e abriu as portas falsas. Caiu-lhe o queixo.

As paredes laterais do armário estavam cobertas com dúzias de fotos de Portões de Jade em toda a sua glória. Cada foto estava emoldurada com capricho, e etiquetada com um nome e uma data datilografados. Involuntariamente, deixou escapar uma risada de embaraço, depois olhou ao seu redor. Virgínia Tong havia sumido. Rapidamente, correu os olhos pelos nomes. O dela era o antepenúltimo.

Outro paroxismo de riso foi contido a custo. O policial sacudiu a cabeça, desanimado. "O que certos sacanas fazem para se divertir... e certas moças por dinheiro! Pensei que já tinha visto de tudo, mas isto... Ng Fotógrafo, hem? Então, é daí que vem o apelido dele."

Tendo superado o choque inicial, examinou as fotos. Cada uma fora tirada com a mesma lente, da mesma distância.

"Santo Deus", pensou depois de um minuto, estupefato, "tem mesmo um bocado de diferença entre... Quero dizer, se a gente puder esquecer o que está vendo, e apenas olhar, bem, tem uma diferença fantástica no formato e tamanho do todo, na posição e protuberância da Pérola no Degrau, na qualidade e quantidade de pêlos púbicos... ayeeyah, tem uma aqui pat jam gai." Olhou para o nome: "Mona Leung... ora, onde ouvi esse nome antes? É curioso... geralmente os chineses consideram a falta de pêlos uma coisa azarada. Ora, por que... ah, meu Deus!" Espiou bem para a próxima etiqueta, para certificar-se. Não havia erro algum. Vênus Poon. "Ayeeyah", pensou, encantado, "então esta é a dela, é assim que ela é realmente, a queridinha da TV que diariamente projeta tão bem uma inocência assaz doce e virginal!"

Concentrou-se nela, os sentidos bestifiçados. "Suponho que, se compararmos a dela com, digamos, digamos, a de Virginia Tong, bem, ela não deixa de ter uma certa delicadeza. É, mas se quiserem a minha opinião abalizada, eu preferiria ter conservado o mistério e não ter visto nada disso. Nenhuma delas."

Indolentemente, seus olhos iam de nome em nome.

— Puta que o pariu! — exclamou, reconhecendo um deles: Elizabeth Mithy. Fora secretária da Struan, uma dos bandos de garotas das cidades pequenas da Austrália e Nova Zelândia, moças que apareciam em Hong Kong, sem destino certo, para passar algumas semanas, e ficavam durante meses, talvez anos, em empregos sem importância, até que se casavam, ou sumiam para sempre. "Ora, vejam só! Liz Mithy!"

Armstrong estava tentando ser desapaixonado, mas não pôde deixar de comparar as caucasianas com as chinesas, e não achou diferença alguma. "Graças a Deus por isso", disse com seus botões, e deu uma risadinha abafada. Mesmo assim, ficou contente pelas fotos serem em preto e branco, e não em cores.

— Bem — falou em voz alta, ainda muito encabulado —, não há lei contra tirar fotografias, ao que eu saiba, e pregá-las no próprio armário. As mocinhas devem ter cooperado... — Soltou um resmungo, divertido e enojado a um só tempo. — Macacos me mordam se vou chegar a entender os chineses! Liz Mithy, hem? — murmurou. Conhecera-a ligeiramente quando estivera na colônia, sabia que era bem "avançada". "Mas o que deu nela para posar para Ng? Se o pai dela soubesse, teria um derrame. Graças a Deus que não temos filhos, Mary e eu.

"Seja honesto, você morre de vontade de ter filhos e filhas, mas não pode tê-los, pelo menos Mary não pode, ao que dizem os médicos... portanto você não pode."

Com um esforço, Armstrong abafou de novo a eterna imprecação, trancou outra vez o armário e saiu, fechando as portas atrás de si.

Na ante-sala, Virgínia Tong passava esmalte nas unhas, evidentemente furiosa.

— Pode ligar para o Sr. Ng, por favor?

— Não, antes das quatro não — falou, de cara fechada, sem olhar para ele.

— Então, por favor, ligue para o Sr. Tsu-yan — pediu Armstrong, dando um tiro no escuro.

Sem procurar o número, ela discou, esperou impaciente, tagarelou guturalmente por um momento em cantonense, depois bateu o telefone.

— Não está. Saiu da cidade, e ninguém no seu escritório sabe onde se encontra.

— Quando o viu pela última vez?

— Há uns três ou quatro dias. — Com irritação, abriu a agenda e verificou. — Foi na sexta-feira.

— Posso dar uma olhada, por favor?

Ela hesitou, deu de ombros e passou-a para ele. Depois voltou a passar esmalte nas unhas.

Rapidamente, ele correu os olhos pelas semanas e meses. Muitos nomes conhecidos: Richard Kwang, Jason Plumm, Dunross — Dunross várias vezes —, Thomas K. K. Lim (o misterioso americano-chinês da sala vizinha), Johnjohn do Victoria Bank, Donald McBride, Mata diversas vezes. "Ora, quem é esse Mata?", perguntou-se, pois nunca ouvira o nome antes. Já ia entregar a agenda à moça, quando resolveu folhear as páginas vindouras. "Sábado, dez da manha — V. Banastasio." Seu coração se apertou. O sábado seguinte.

Não disse nada, recolocou a agenda sobre a mesa e encostou-se num dos arquivos, imerso em pensamentos. Ela não prestava atenção nele. A porta se abriu.

— Com licença, telefone para o senhor! — disse o sargento Yat. Estava com uma cara muito mais feliz, e Armstrong imaginou que as negociações deviam ter sido rendosas. Gostaria de poder saber quanto, exatamente, mas isso envolveria o seu prestígio, e ele teria que tomar uma atitude, fosse qual fosse.

— Está bem, sargento, fique aqui até que eu volte — disse, querendo certificar-se de que não seria dado nenhum telefonema secreto. Virgínia Tong não ergueu os olhos enquanto ele se retirava.

No outro escritório, Lo Dentuço ainda gemia, segurando a mão machucada, e o outro sujeito, Tak Mãos Grandes, fingia estar despreocupado, examinando alguns papéis, recriminando em altas vozes a secretária pela sua ineficiência. Quando ele entrou, os dois homens começaram a protestar em altos brados a sua inocência, e Lo gemeu com mais vigor.

— Quieto! Quem mandou prender os dedos na gaveta?

— Armstrong perguntou, e acrescentou, sem esperar resposta:

— Gente que tenta subornar policiais honestos merece ser deportada imediatamente. — No silêncio estarrecido, atendeu ao telefone. — Armstrong.

— Alô, Robert, aqui fala Don, Don Smyth de Aberdeen Leste...

— Oh, alô! — Armstrong ficou surpreso, pois não esperava ouvir o Cobra, mas manteve a voz educada, embora o detestasse, assim como ao que se suspeitava que ele fizesse na sua jurisdição. Uma coisa era os guardas e os escalões inferiores da polícia chinesa suplementarem seus ganhos com a jogatina ilícita. Outra era. um oficial de polícia britânico fazer tráfico de influência, e extorquir como um mandarim do tempo antigo. Mas embora quase todos achassem que Smyth recebia grana por fora, não havia provas, ele nunca fora apanhado, ou sequer investigado. Dizia-se que era protegido por certos vips que estavam envolvidíssimos com ele, assim como com a sua própria corrupção. — O que há? — indagou.

— Tive um pouquinho de sorte. Acho. Está encarregado do seqüestro de John Chen, não é?

— Estou. — O interesse de Armstrong aumentou vertiginosamente. A corrupção de Smyth não tinha nada a ver com a qualidade do seu trabalho policial; Aberdeen Leste tinha o índice de crimes mais baixo da colônia. — O que descobriu?

Smyth contou-lhe sobre a velha amah e o que acontecera com o sargento Mok e Wu Óculos, depois acrescentou:

— Ele é um rapaz muito vivo, Robert. Eu o recomendaria para o sei, se você quiser endossar a recomendação. Wu seguiu a velhota até o seu covil imundo, depois ligou para nós. Ele obedece ordens, também, o que é coisa rara, atualmente. Tive um palpite e mandei que esperasse e, caso ela saísse, fosse atrás dela. O que acha?

— Uma pista de vinte e quatro quilates!

— O que você prefere? Esperamos, ou vamos prendê-la para interrogatório?

— Esperamos. Aposto que o tal Lobisomem nunca vai voltar, mas vale a pena esperar até amanhã. Mantenha o local sob vigilância, e avise-me de qualquer coisa.

— Está bem, ótimo!

Armstrong ouviu Smyth casquinar no telefone, e não pôde imaginar por que estaria tão feliz. Então, lembrou-se da imensa recompensa que os Grandes Dragões haviam oferecido.

— Como está o seu braço?

— É o meu ombro. O danado está deslocado, e perdi a porra do meu chapéu predileto. Tirando isso, tudo bem. O sargento Mok está examinando todos os retratos do fichário de criminosos, e um dos meus rapazes está fazendo um retrato falado dele... acho que eu mesmo vi o sacana. O rosto dele é todo marcado de varíola. Se for fichado, botaremos as mãos nele até o anoitecer.

— Excelente. Como vão as coisas por aí?

— Tudo sob controle, mas está ruim. O Ho-Pak ainda está pagando, mas devagar demais... todo mundo sabe que estão ganhando tempo. Ouvi dizer que é a mesma coisa por toda a colônia. Estão acabados, Robert. A fila vai continuar até que todo centavo tenha sido sacado. Há outra corrida aqui no Vic, e as multidões não diminuem...

Armstrong soltou uma exclamação abafada:

— No Vic?

— É, estão entregando dinheiro aos montes, e não está entrando nada. Os tríades estão enxameando... os lucros devem estar sendo imensos. Prendemos oito batedores de carteira e acabamos com vinte e tantas brigas. Diria que a coisa está preta.

— Mas sem dúvida o Vic está bem, não?

— Não em Aberdeen, meu rapaz. Quanto a mim, tudo bem. Fechei todas as minhas contas. Saquei cada tostão. Estou numa boa. Se fosse você, faria o mesmo.

Armstrong sentiu-se nauseado. Todas as suas economias estavam no Victoria.

— O Vic tem que estar bem. Todos os fundos do governo estão depositados lá.

— É isso aí. Mas nada nos estatutos deles diz que seu dinheiro também está protegido. Bem, tenho que voltar ao trabalho.

— É. Obrigado pela informação. Lamento quanto ao seu ombro.

— Pensei que iam esmagar a minha maldita cabeça. Os sacanas começaram com a velha história: "matem os quai loh". Pensei que tinha chegado a minha hora.

Armstrong não conseguiu conter um arrepio. Desde os levantes de 56, ele tinha freqüentes pesadelos de que estava de novo no meio daquela turba enlouquecida e ululante. Fora em Kowloon. A turba tinha acabado de virar o carro em que estavam o cônsul da Suíça e a mulher e ateara fogo nele. Ele e outros policiais haviam aberto caminho à força entre a turba para salvá-los. Quando chegaram ao carro, o homem já estava morto, e a jovem mulher, em chamas. Quando conseguiram arrastá-la para fora, o fogo devorara cada peça de roupa dela, e a sua pele soltara-se inteiramente do corpo. E ao redor deles, homens, mulheres e jovens esbravejavam "Matem os quai loh..."

Ele estremeceu de novo, as narinas ainda sentindo o cheiro da carne queimada.

— Deus, que filhos da mãe!

— É, mas tudo faz parte de um dia de trabalho. Se aquele maldito Lobisomem voltar a Aberdeen, estará numa rede mais apertada do que o eu de um borrachudo.


Загрузка...