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23h05m
Dunross, seguido por Brian Kwok, dirigia-se para Roger Crosse, chefe do Serviço Especial de Informações, que estava no terraço, batendo papo amavelmente com Armstrong e os três americanos, Ed Langan, comandante John Mishauer, o oficial de marinha fardado, e Stanley Rosemont, um homem alto, na casa dos cinqüenta. Dunross não sabia que Langan era do FBI, nem que Mishauer pertencia ao Serviço de Informações da Marinha americana, apenas que serviam no consulado. Mas sabia que Rosemont era da CIA, embora desconhecesse o seu posto. As senhoras ainda estavam voltando devagar para as suas mesas, ou tagarelando nos terraços e no jardim. Os homens saboreavam seus drinques, e a festa seguia gostosa e suave como a noite. Alguns casais dançavam no salão, ao som de música lenta e doce. Adryon estava entre essas pessoas, e ele viu Penelope aturando estoicamente Havergill. Notou Casey e Bartlett conversando animadamente com Peter e Fleur Marlowe, e teria adorado poder escutar o que diziam. Aquele tal de Marlowe podia facilmente tornar-se uma pedrinha no sapato, pensou, de passagem. "Já está sabendo segredos demais, e se lesse o nosso livro... De maneira alguma!", pensou. "Absolutamente. Esse é um livro que jamais lerá. Como Alastair pôde ser tão estúpido?"
Alguns anos atrás, Alastair Struan contratara um famoso escritor para escrever a história da Struan, para comemorar os seus cento e vinte e cinco anos de comércio, e entregara a ele velhos livros razão e malas cheias de velhos documentos, sem tê-los lido ou selecionado. Dentro de um ano, o escritor produzira um trabalho inflamado que documentava muitos acontecimentos e transações que se pensava enterrados para sempre. Em choque, agradeceram ao escritor, pagaram o seu serviço, acrescentando uma gratificação generosa, e o livro (dois únicos exemplares) fora colocado no cofre do tai-pan.
Dunross chegara a pensar em destruir os exemplares. Mas depois pensou: "A vida é a vida, a sorte é a sorte, e desde que apenas nós leiamos o livro, não há perigo".
— Alô, Roger — disse, sombriamente divertido. — Podemos lhes fazer companhia?
— Claro, tai-pan. — Crosse cumprimentou-o calorosamente, e os outros também. — Está em casa!
Os americanos sorriram educadamente da piada. Bateram papo por um momento sobre coisas inconseqüentes e as corridas de sábado, depois Langan, Rosemont e o comandante Mishauer, pressentindo que os outros queriam conversar em particular, pediram licença e saíram. Quando estavam sozinhos, Brian Kwok resumiu exatamente o que Dunross lhe dissera.
— Nós certamente apreciaremos a sua ajuda, Ian — disse Crosse, os olhos claros e penetrantes. — Brian tem razão sobre os prováveis riscos envolvidos... se, é claro, existirem outros relatórios de Alan Medford Grant. Mesmo que não existam, alguns homens maus podem querer investigar.
— Exatamente como e quando arranjou uma cópia do meu último relatório?
— Por quê?
— Vocês mesmos a conseguiram... ou foi por intermédio de uma terceira pessoa?
— Por quê?
A voz de Dunross endureceu.
— Porque é importante.
— Por quê?
O tai-pan o fitou, e os três homens sentiram a força da sua personalidade. Mas Crosse era igualmente voluntarioso.
— Posso responder parcialmente à sua pergunta, Ian — disse, serenamente. — Se o fizer, responderá à minha?
— Responderei.
— Conseguimos uma cópia do seu relatório hoje de manhã. Um agente de informações (imagino que na Inglaterra) deu a dica a um amigo aqui de Hong Kong que um mensageiro estava lhe trazendo algo que nos interessaria. Esse contato de Hong Kong nos perguntou se estaríamos interessados em dar uma espiada na coisa... por um preço, é claro.
— Crosse era tão convincente que os dois outros policiais que conheciam a história real ficaram duplamente impressionados.
— Hoje de manhã, a fotocópia foi entregue na minha casa por um chinês que eu nunca tinha visto antes. Ele foi pago... naturalmente, você há de compreender que nessas coisas não se perguntam nomes. Agora, por quê?
— A que horas, hoje de manhã?
— Às seis horas e quatro minutos, se quer a hora exata. Mas por que isso é tão importante para você?
— Porque Alan Medford Grant...
— Ah, papai, desculpe interrompê-lo — falou Adryon, aparecendo sem fôlego, trazendo consigo um rapaz alto e bonitão, o dinner jacket largo e amassado, a gravata torta e os sapatos gastos e mal engraxados destoando de toda aquela elegância. — Desculpe interromper, mas posso mexer na música?
Dunross fitava o rapaz. Conhecia Martin Haply e a sua reputação. O jornalista canadense treinado na Inglaterra tinha vinte e cinco anos, e estava há dois na colônia, e agora era o flagelo da comunidade empresarial. Seu sarcasmo cortante e devassas penetrantes na vida de personalidades e em práticas comerciais que eram legais em Hong Kong, mas em nenhuma outra parte do mundo ocidental, eram uma irritação constante.
— A música, papai — repetiu Adryon, continuando —, é pavorosa. Mamãe disse que tinha que pedir licença a você. Posso pedir-lhe que toquem algo diferente, por favor?
— Tudo bem, mas não vá transformar minha festa num happening.
Ela riu, e ele voltou sua atenção para Martin Haply.
— Boa noite.
— Boa noite, tai-pan — disse o rapaz com um sorriso confiante e desafiador. — Adryon me convidou. Espero não incomodar por ter vindo depois do jantar.
— Claro que não. Divirta-se — disse Dunross, depois acrescentou, secamente: — Há muitos amigos seus, aqui.
Haply riu.
— Perdi o jantar porque estava seguindo a pista de uma fofoca e tanto.
— É?
— É. Parece que certos interesses, em conjunção com um certo grande banco, têm espalhado boatos maldosos sobre a solvência de um certo banco chinês.
— Está se referindo ao Ho-Pak?
— Mas é tudo besteira. Os boatos. Só mais tapeações hong-konguianas.
— É? — O dia todo Dunross ouvira boatos sobre a situação periclítante do Ho-Pak Bank de Richard Kwang. — Tem certeza?
— Vou escrever um artigo a respeito no Guardian de amanhã. Mas, por falar no Ho-Pak... — Martin Haply acrescentou, despreocupadamente: — souberam que mais de cem pessoas tiraram todo o seu dinheiro da agência de Aberdeen, hoje à tarde? Pode ser o começo de uma corrida e...
— Desculpe, papai... vamos indo. Martin, não está vendo que papai está ocupado?
Ela se esticou e deu um leve beijo em Dunross, e a mão dele automaticamente enlaçou-a e apertou-a.
— Divirta-se, querida.
Ele ficou olhando enquanto ela se afastava rapidamente, com Haply logo atrás. "Filho da puta atrevido", pensou Dunross distraidamente, ansioso agora pelo artigo do dia seguinte, sabendo que Haply era meticuloso, insubornável, e muito bom na sua profissão. Será que Richard tinha mesmo ultrapassado os seus limites?
— O que dizia, Ian? Sobre Alan Medford Grant? — falou uma voz, interrompendo-lhe os pensamentos.
— Ah, sim, desculpe. — Dunross voltou a sentar-se à mesa, pondo em compartimentos mentais os outros problemas. — Alan está morto — falou, suavemente.
Os três policiais fitaram-no, boquiabertos.
— O quê?
— Recebi um telegrama a um minuto para as oito desta noite, e falei com o assistente dele em Londres às nove horas e onze minutos. — Dunross observava-os. — Queria saber o seu "quando", porque é óbvio que daria tempo de sobra para o seu espião do KGB (se existir) ligar para Londres e mandar assassinar o pobre Alan. Não daria?
— Daria. — A fisionomia de Crosse estava séria. — A que horas ele morreu?
Dunross contou-lhe toda a conversa que tivera com Kiernan, exceto o detalhe do telefonema para a Suíça. Uma intuição advertiu-o para ficar calado.
— Agora, a pergunta é: foi acidente, coincidência ou assassinato?
— Não sei — disse Crosse. — Mas não creio em coincidências.
— Nem eu.
— Santo Deus — falou Armstrong, entre dentes —, se Alan não tinha autorização... só Deus sabe o que há naqueles relatórios, Deus e você, Ian. Se você possui as únicas cópias existentes, isso as torna potencialmente mais explosivas do que nunca.
— Se é que existem — disse Dunross.
— E existem?
— Eu lhes direi amanhã. Às dez horas. — Dunross se levantou. — Querem me dar licença, por favor — disse cortesmente, com o seu charme tranqüilo. — Preciso ir atender agora aos meus outros convidados. Ah, só mais uma coisa. E quanto ao Eastern Cloud? Roger Crosse respondeu:
— Será liberado amanhã.
— Haja o que houver? Crosse pareceu ficar chocado.
— Santo Deus, tai-pan, não estávamos negociando! Brian, você não disse que estávamos apenas tentando ajudar?
— Disse, sim, senhor.
— Os amigos devem sempre se ajudar entre si, não é, tai-pan?
— É. Sem dúvida. Obrigado.
Ficaram vendo-o afastar-se até sumir de vista.
— Sim ou não? — murmurou Brian Kwok.
— Se existem? Eu diria que sim — falou Armstrong.
— Claro que existem — disse Crosse, cheio de irritação. — Mas onde? — Pensou por um momento, depois acrescentou, com mais irritação ainda, e o coração dos dois homens bateu fora do compasso: — Brian, enquanto você estava com o Ian, Feng Garçom de Vinhos me contou que nenhuma das suas chaves serviu.
— Puxa, que pena, senhor — disse Brian Kwok, cautelosamente.
— É. O cofre aqui não vai ser moleza. Armstrong se manifestou:
— Quem sabe devíamos procurar em Shek-O, senhor, por via das dúvidas.
— Você guardaria ali tais documentos... se existissem?
— Não sei, senhor. Dunross é imprevisível. Eu diria que estão na sua cobertura na Struan, seria o local mais seguro.
— Já esteve lá?
— Não, senhor.
— Brian?
— Não, senhor.
— Nem eu. — Crosse sacudiu a cabeça. — Mas que merda.
Brian Kwok disse, pensativo:
— Poderíamos somente mandar uma equipe à noite, senhor. Existe um elevador particular que leva àquele andar, mas é preciso uma chave especial. Parece que há também um outro elevador direto que sai da garagem subterrânea.
— Deram uma mancada dos diabos em Londres — falou Crosse. — Não entendo por que aqueles cretinos não estavam por dentro. Nem por que Alan não pediu permissão.
— Quem sabe não queria que o pessoal interno soubesse que estava transando com um cara de fora.
— Se havia um cara de fora, podia haver outros. Crosse soltou um suspiro e, imerso em seus pensamentos, acendeu um cigarro. Armstrong sentiu as pontadas de fome de tabaco. Tomou um gole de conhaque, mas isso não aliviou a dor.
— Langan passou a sua cópia adiante, senhor?
— Sim, para Rosemont, aqui, e, pela mala diplomática, para o seu QG do FBI em Washington.
— Pombas — lamentou-se Brian Kwok —, então Hong Kong inteira vai ficar sabendo, pela manhã.
— Rosemont me assegurou que não. — Crosse deu um sorriso sem humor. — Contudo, é melhor estarmos preparados.
— Quem sabe o Ian cooperaria mais prontamente, se soubesse, senhor.
— Não, melhor deixarmos isso entre nós. Mas ele está aprontando alguma coisa.
Armstrong falou:
— Quem sabe se o superintendente Foxwell falasse com ele, senhor, são velhos amigos.
— Se Brian não conseguiu persuadi-lo, ninguém mais conseguirá.
— O governador, senhor? Crosse sacudiu a cabeça.
— Não há por que envolvê-lo. Brian, cuide de Shek-O.
— Encontro e abro o cofre dele, senhor?
— Não. Basta levar uma equipe para lá e cuidar para que ninguém mais entre. Robert, vá para o QG e ligue para Londres. Chame Pensely na MI-5 e Sinders na MI-6. Descubra a hora exata do ocorrido com Alan. Tudo o que puder. Verifique a história do tai-pan. Verifique tudo... pode ser que haja outras cópias. A seguir, mande uma equipe de três agentes para cá, para vigiar o local hoje à noite, especialmente para vigiar Dunross, sem que ele saiba, é claro. Vou me encontrar com o chefe deles na junção da Peak Road com a Culum's Way dentro de uma hora, e isso lhe dará tempo o bastante. Mande outra equipe vigiar o prédio da Struan. Ponha um homem na garagem... por via das dúvidas. Deixe o seu carro comigo, Robert. Encontro vocês no meu gabinete dentro de uma hora e meia. Tratem de ir andando.
Os dois homens foram se despedir do anfitrião, e agradecer-lhe; depois foram para o carro de Brian Kwok. Enquanto desciam a Peak Road no velho Porsche, Armstrong disse o que ambos vinham pensando desde que Dunross lhes contara.
— Se Crosse é o espião, teria tempo de sobra para ligar para Londres, ou avisar a Sevrin, o KGB, ou quem diabo seja.
— Saímos do gabinete dele às seis e dez, onze horas de Londres, portanto não podíamos ter sido nós, não haveria tempo. — Armstrong mudou de posição para aliviar a dor nas costas. — Porra, mas que vontade de fumar um cigarrinho.
— Há um maço no porta-luvas, amigão.
— Amanhã... vou fumar amanhã. Igualzinho aos AA, a um maldito viciado! — Armstrong riu, mas não havia humor na sua risada. Lançou um olhar para o amigo. — Descubra discretamente quem mais leu a pasta de Alan hoje... além de Crosse... o mais rápido que puder.
— Foi o que também pensei.
— Se ele tiver sido o único a lê-la... bem, é mais uma evidência. Não chega a ser uma prova, mas estaremos chegando lá. — Abafou um bocejo nervoso, sentindo-se muito cansado. — Se for mesmo ele, estamos atolados na merda.
Brian dirigia muito depressa e muito bem.
— Ele disse quando deu a cópia para Langan?
— Disse. Ao meio-dia. Almoçaram juntos.
— Bem, então o vazamento de informações poderia ser deles, do pessoal do consulado... aquele lugar está cheio de boquirrotos.
— É possível, mas meu faro diz que não. Rosemont é legal, Brian... e o Langan. São profissionais.
— Não confio neles.
— Você não confia em ninguém. Ambos pediram aos seus QGs para verificarem as viagens de Bartlett e Casey a Moscou.
— Ótimo. Acho que vou mandar um telex para um amigo em Ottawa. Lá também pode haver alguma ficha deles. Aquela Casey é mesmo uma uva, não é? Será que estava usando alguma coisa sob a roupa?
— Aposto dez dólares contra um pêni como você nunca vai descobrir.
— Fechado.
Ao dobrarem uma esquina, Armstrong olhou para a cidade lá embaixo, para o porto, o cruzador americano todo iluminado ancorado no cais, do lado de Hong Kong.
— Nos bons tempos teríamos ali meia dúzia dos nossos vasos de guerra — comentou, tristemente. — A boa Marinha Real!
Ele servira em torpedeiros durante a guerra, tenente da Marinha Real. Fora a pique duas vezes, uma em Dunquerque, a segunda vez três dias após o Dia D, perto de Cherburgo.
— É. Uma pena, quanto à marinha, mas, bem, o tempo vai passando.
— Mas não melhora nada, Brian. Uma pena que o raio do Império tenha ido para o brejo! As coisas eram melhores antes. Melhores para toda esta droga de mundo! Maldita guerra! Malditos alemães, malditos japoneses...
— É. Falando na marinha, que tal o Mishauer?
— O sujeito do Serviço de Informações da Marinha americana? Foi legal — disse Armstrong, cansadamente. — Falou muito sobre assuntos navais. Murmurou para o Velho que os Estados Unidos vão dobrar a sua Sétima Frota. É tão super-secreto que nem quis confiar no telefone. Vai haver uma grande expansão por terra no Vietnam.
— Um bando de idiotas... vão ser triturados, como os franceses. Será que não lêem os jornais, para não falar nos relatórios dos serviços de informações?
— Mishauer murmurou também que o porta-aviões nuclear deles vai chegar depois de amanhã para uma visita de oito dias de descanso e recreação. Outro assunto ultra-secreto. Pediu-nos que dobrássemos a segurança... e bancássemos a ama-seca para os ianques em terra.
— Mais chateação.
— É. — E Armstrong acrescentou, secamente: — Especialmente porque o Velho mencionou que um cargueiro soviético danificado chegara à noite, para sofrer reparos.
— Puta que o pariu! — exclamou Brian, corrigindo um golpe de direção involuntário.
— Foi o que eu pensei. Mishauer quase teve um enfarte, e Rosemont soltou palavrões por dois minutos inteiros. O Velho lhes assegurou que, naturalmente, nenhum marujo russo poderá baixar a terra sem permissão especial, como sempre, e que nós os seguiremos, como sempre, mas um ou dois darão um jeito de precisar de um médico, ou coisa parecida, de repente, e talvez escapem da rede.
— É. — Depois de uma pausa, Brian Kwok disse: — Espero que possamos pôr as mãos naquelas pastas de Alan, Robert. A Sevrin é uma faca nas entranhas da China.
— É.
Guiaram em silêncio durante algum tempo.
— Estamos perdendo a nossa guerra, não estamos? — comentou Armstrong.
— Estamos.