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13h45m

Um urro de emoção partiu de cinqüenta mil gargantas quando as sete montarias do primeiro páreo, com os jóqueis levantados, subiram a rampa que saía de sob as tribunas para trotarem garbosamente até o paddock, onde os treinadores e proprietários esperavam. Os proprietários e as mulheres usavam suas melhores roupas, muitas das mulheres excessivamente cheias de jóias e visons, entre elas Mai-ling Kwang e Dianne Chen, cônscias dos olhares invejosos da multidão que torcia o pescoço para ver os cavalos... e elas.

De cada lado do paddock de grama encharcada e do círculo do vencedor, a multidão espremida como sardinha em lata descia até as cercas muito brancas e a grama perfeitamente cuidada da pista circundante. O poste de chegada ficava em frente, e junto a ele, do outro lado da pista, o imenso totalizador que mostraria os nomes dos cavalos, dos jóqueis e as cotações das apostas, páreo por páreo. O totalizador era propriedade do Turf Club, e operado por ele. Aqui ou Iá fora não havia bookmakers legais, ou qualquer outro local de apostas legal. Aquela era a única forma legal de apostas na colônia.

O céu estava escuro e ameaçador. Um pouco antes tinha chuviscado, mas agora o ar estava limpo.

Por trás do paddock e do círculo do vencedor, nesse nível, ficavam os vestiários dos jóqueis e as salas dos funcionários... concessionários de alimentos e o primeiro grupo de guichês de apostas. Acima deles ficavam as tribunas, quatro fileiras em declive, cada piso em cantiléver, com o seu próprio grupo de guichês de apostas. A primeira fileira era para os sócios não-votantes, a seguinte para os votantes, e os dois pisos de cima reservados para as tribunas particulares e a sala de rádio. Cada uma dessas tribunas particulares tinha a sua própria cozinha. Cada um dos dez administradores eleitos anualmente possuía uma tribuna particular e, além delas, havia as permanentes: a de Sua Excelência, o governador, patrono do clube; a do comandante-em-chefe; uma para o Victoria e outra para o Blacs. E, finalmente, a da Struan. Esta ficava na melhor posição, bem em frente à linha de chegada.

— Por que motivo, tai-pan? — quis saber Casey.

— Porque Dirk Struan deu início ao Turf Club, estabeleceu as regras, trouxe um famoso perito em corridas, Sir Roger Blore, para ser o primeiro secretário do clube. Foi ele quem deu o dinheiro para o primeiro encontro, dinheiro para as tribunas, dinheiro para importar a primeira leva de cavalos da índia, e que ajudou a persuadir o primeiro plenipotenciário, Sir William Longstaff, a doar perpetuamente a terra ao Turf Club.

— Ora, vamos, tai-pan — disse jovialmente Donald McBride, o organizador do presente encontro —, conte isso direitinho, tá? Disse que o Dirk "ajudou a persuadir"? O Dirk simplesmente não "ordenou" que Longstaff o fizesse?

Dunross riu junto com os demais, ainda sentados à mesa que presidira, Casey, Hiro Toda e McBride, que viera somente fazer uma visitinha. No reservado havia um bar e três mesas redondas, cada uma delas acomodando confortavelmente doze pessoas.

— Prefiro a minha versão — disse. — De qualquer modo, Casey, conta a lenda que Dirk ganhou este lugar por aclamação popular quando as primeiras tribunas foram construídas.

— Isso também não é verdade, Casey — disse Willie Tusk, sentado à mesa ao lado. — O velho Tyler Brock não exigiu a posição como direito de Brock e Filhos? Não desafiou Dirk para disputarem a posição numa corrida, de homem para homem, no encontro seguinte?

— Não, isso não passa de história.

— Os dois apostaram alguma corrida, tai-pan? — indagou Casey.

— Iam fazê-lo, mas parece que o tufão veio cedo demais. De qualquer maneira, Culum recusou-se a sair daqui, e cá estamos. Enquanto o hipódromo existir, isto aqui é nosso.

— E merecidamente — disse McBride, com o seu sorriso feliz. — A Casa Nobre merece o melhor. Desde a eleição dos primeiros administradores, srta. Casey, o tai-pan da Struan sempre foi um deles. Sempre. Por aclamação popular. Bem, tenho que ir andando. — Lançou um olhar ao relógio, sorriu para Dunross. Com grande formalidade, perguntou: — Permissão para começar a primeira corrida, tai-pan?

— Permissão concedida — respondeu Dunross, com um amplo sorriso, e McBride se afastou apressadamente.

Casey fitou Dunross.

— Precisam pedir sua permissão para começar?

— É só um costume. — Dunross deu de ombros. — Imagino que seja uma boa idéia alguém dizer "Bem, vamos começar", não acha? Infelizmente, ao contrário de Sir Geoffrey, os governadores de Hong Kong no passado não ficaram famosos por sua pontualidade. Além disso, a tradição não é uma coisa ruim, absolutametne... dá-nos uma sensação de continuidade, de entrosamento... e proteção. — Terminou o seu café. — Se me dão licença um momento, tenho umas coisinhas a fazer.

— Divirta-se!

Ela o observou enquanto ele se afastava, gostando dele ainda mais do que na véspera. Nesse instante, Peter Marlowe entrou, e Dunross parou um momento.

— Oh, alô, Peter, prazer em vê-lo. Como vai a Fleur?

— Melhorando, obrigado, tai-pan.

— Vamos entrando! Sirva-se de uma bebida... volto já. Aposte no número 5, Excellent Day, no primeiro páreo! Até daqui a pouco.

— Obrigado, tai-pan.

Casey fez sinal para Peter Marlowe, mas ele não a viu. Seus olhos estavam fitos em Grey, que estava com Julian Broadhurst no balcão, arengando para alguns dos outros. Ela viu a fisionomia dele se fechar, e seu coração deu um salto, lembrando-se da hostilidade entre eles. Por isso, chamou-o:

— Peter! Oi, venha sentar-se aqui. Os olhos dele perderam o ar vidrado.

— Ah, alô! — disse.

— Venha sentar-se. Fleur vai ficar boa.

— Ela gostou muito de você ter ido visitá-la.

— Foi um prazer. As crianças estão bem?

— Estão. E você?

— Fantástica. Esta é a única maneira de assistir a uma corrida! — O almoço no reservado da Struan para os trinta e seis convidados fora um bufê fartíssimo de comidas quentes chinesas, ou, se eles preferissem, torta de carne e rins quente e legumes, com pratos de salmão defumado, canapés e frios, queijos e pastelarias de todo tipo, e, para coroar, uma escultura de suspiro do Edifício Struan... tudo preparado na cozinha deles. Champanha, os melhores vinhos tintos e brancos, licores. — Vou ter que fazer dieta durante cinqüenta anos.

— Não você. Como vão indo as coisas?

— Muito bem. Por quê? — perguntou, sentindo o olhar penetrante dele.

— Por nada.

Lançou novo olhar a Grey, depois voltou a atenção para os outros.

— Posso apresentar-lhe Peter Marlowe? Hiro Toda, das Indústrias de Navegação Toda, de Yokohama. Peter Marlowe é um romancista-roteirista de Hollywood. — Então, subitamente, o livro dele lhe veio à mente: Changi e três anos e meio como prisioneiro de guerra, e ela esperou pela explosão. Houve uma hesitação entre os dois homens. Toda cortesmente ofereceu o seu cartão comercial, que Peter Marlowe retribuiu com o seu, com igual cortesia. Hesitou um momento, depois estendeu a mão. — Como vai?

O japonês apertou-a.

— E uma honra, sr. Marlowe.

— É?

— Não é sempre que se conhece um autor famoso.

— Qual! Não sou, não.

— É muito modesto. Gostei muito do seu livro.

— O senhor o leu? — Peter Marlowe fitou-o. — Verdade? — Sentou-se e olhou para Toda, que era muito mais baixo do que ele, flexível e bem-feito de corpo, mais bonito e mais bem-vestido, de terno azul, uma máquina fotográfica pendurada na cadeira, os olhos ao mesmo nível, os dois homens da mesma idade. — Onde o achou?

— Em Tóquio. Temos muitas livrarias inglesas. Por favor, desculpe-me, li a brochura, não o livro encadernado. Não havia destes à venda. Seu romance foi muito esclarecedor.

— É?

Peter Marlowe pegou os seus cigarros e os ofereceu. Toda aceitou um.

Casey disse:

— O fumo não faz bem, vocês dois sabem disso! Ambos sorriram para ela.

— Na Quaresma a gente pára — disse Peter Marlowe.

— Claro.

Peter Marlowe voltou a olhar para Toda.

— Esteve no exército?

— Não, sr. Marlowe. Marinha. Destróieres. Estive na Batalha do Mar do Coral em 42, depois em Midway, subtenente, e mais tarde, em Guadalcanal. Fui a pique duas vezes, mas tive sorte. É, tive sorte, aparentemente mais do que o senhor.

— Estamos ambos vivos, ambos inteiros, mais ou menos.

— Mais ou menos, sr. Marlowe. Concordo. A guerra é um meio curioso de vida. — Toda tirava baforadas do cigarro. — Qualquer hora dessas, se lhe agradasse e não o magoasse, gostaria de conversar com o senhor sobre Changi, suas lições e as nossas guerras. Pode ser?

— Claro.

— Passarei alguns dias aqui — disse Toda. — Estou no Mandarim. Volto na semana que vem. Um almoço, ou jantar, quem sabe?

— Obrigado. Ligarei para o senhor. Se não desta vez, quem sabe da próxima. Algum dia estarei em Tóquio.

Após uma pausa, o japonês disse:

— Não precisamos discutir o seu Changi, se preferir. Gostaria de conhecê-lo melhor. A Inglaterra e o Japão têm muita coisa em comum. Bem, se me dá licença agora, vou fazer a minha aposta.

Fez uma reverência polida e se afastou. Casey sorvia o seu café.

— Foi muito difícil para você? Ser educado?

— Ah, não, Casey, de maneira alguma. Agora somos iguais, ele e eu, qualquer japonês. Os japoneses e os coreanos... o que eu odiava era os que tinham baionetas e balas, quando eu não tinha nem uma coisa nem outra. — Ela notou que ele enxugava o suor, o seu sorriso retorcido. — Mahlu, não estava preparado para encontrar um deles aqui.

— Mahlu? O que é isso, cantonense?

— Malaio. Significa "envergonhado".

Sorriu consigo mesmo. Era uma contração de "puki mahlu". "Mahlu", envergonhado, "puki", uma Ravina Dourada. Os malaios emprestam sentimentos a essa parte da mulher: fome, tristeza, bondade, voracidade, hesitação, vergonha, raiva... toda e qualquer coisa.

— Não precisa sentir vergonha, Peter — disse ela, sem entender. — Admira-me ver você falar com qualquer um deles, depois daquele horror do campo de prisioneiros. Ah, gostei mesmo do livro. Não é maravilhoso que ele também o tenha lido?

— É. Isso me abalou as estruturas.

— Posso lhe fazer uma pergunta?

— Qual?

— Você disse que Changi era a gênese. O que quis dizer com isso?

— Changi mudou todo mundo, mudou os valores permanentemente — disse ele, soltando um suspiro. — Por exemplo, deu-nos uma espécie de torpor frente à morte... nós a vimos demais, para que ela tenha para nós o mesmo significado que para o pessoal de fora, a gente normal. Somos uma geração de dinossauros, os poucos que sobrevivemos. Acredito que qualquer um que vá para a guerra, qualquer guerra, passe a enxergar a vida com olhos diferentes, se conseguir sair dela inteiro.

— O que você enxerga?

— Um monte de baboseiras que é idolatrado como a essência e o objetivo da existência. Tanta coisa na vida "normal, civilizada" é baboseira, que você nem pode imaginar! Para nós, os "ex-hóspedes" de Changi... nós temos sorte, estamos purificados, sabemos o que a vida realmente é. O que assusta você não me assusta, e você daria risada do que me assusta.

— Como, por exemplo? Abriu um sorriso.

— Chega de falar em mim e no meu carma. Tenho uma "barbada" para o... — Interrompeu-se, e ficou olhando fixamente para um ponto. — Meu Deus, quem é aquela?

— Riko Gresserhoff. Ela é japonesa — falou Casey, rindo.

— Qual deles é o sr. Gresserhoff?

— Ela é viúva.

— Aleluia!

Ficaram olhando enquanto ela se dirigia para o terraço.

— Não se atreva, Peter!

A voz dele ficou imponente:

— Sou um escritor! É apenas uma questão de pesquisa!

— Pois sim!

— Tem razão.

— Peter, dizem que todos os primeiros romances são autobiográficos. Quem era você, no livro?

— O herói, é claro.

— O Rei? O comerciante americano?

— Ah, não, ele não. E agora chega mesmo de falar no meu passado. Vamos falar de você. Tem certeza de que está bem?

Manteve os olhos fitos nos dela, como que forçando-a a contar a verdade.

— Como?

— Correu um boato de que você andou chorando ontem à noite.

— Bobagem.

— É mesmo?

Ela lhe devolveu o olhar, sabendo que ele enxergava o seu íntimo.

— Claro. Estou ótima. — Uma hesitação. — Qualquer hora dessas, qualquer hora dessas posso precisar de um favor.

— É? — Franziu o cenho. — Estou no reservado de McBride, dois depois deste, descendo o corredor. Tudo bem se você quiser ir me visitar. — Deu uma olhada para Riko. Seu prazer desapareceu. Agora ela estava conversando com Robin Grey e Julian Broadhurst, os deputados trabalhistas. — Acho que hoje não é o meu dia — resmungou. — Volto depois, tenho que ir fazer a aposta. Até logo, Casey.

— Qual a "barbada"?

— Número 7, Winner's Delight.

Winner's Delight, um azarão, ganhou do favorito, Excellent Day, por meio corpo. Satisfeitíssima consigo mesma, Casey entrou na fila diante do guichê pagador do vencedor, agarrando os bilhetes premiados, consciente dos olhares invejosos dos que caminhavam pelo corredor diante das tribunas particulares. Apostadores agoniados já estavam deixando o dinheiro nos outros guichês para o segundo páreo, que era a primeira parte da loteria dupla. Para ganhar uma loteria, tinham que prever o primeiro e o segundo lugares, em qualquer ordem. A dupla juntava o segundo páreo com o quinto, que era o grande páreo do dia. O prêmio da loteria dupla seria imenso, as probabilidades de se acertar quatro cavalos, muito poucas. A aposta mínima era de cinco HK. Não havia máxima.

— Por que motivo, Linc? — perguntara pouco antes da corrida, no balcão, virando a cabeça para espiar os cavalos na linha de largada, todos os yan de Hong Kong com seus binóculos em foco.

— Olhe só para o totalizador. — Os números eletrônicos piscavam e mudavam à medida que eram feitas as apostas nos diferentes cavalos, reduzindo as probabilidades, imobilizando-se pouco antes da largada. — Olhe só para o dinheiro investido nesse páreo, Casey! Mais de três milhões e meio de dólares de Hong Kong. É quase um dólar por cada homem, mulher e criança em Hong Kong, e é apenas o primeiro páreo. Esse deve ser o hipódromo mais rico do mundo. Essa turma é maluca por jogo!

Um urro imenso subiu da multidão quando foi aberto o portão de largada. Olhara para ele e sorrira.

— Tudo bem?

— Claro. E com você?

— Ah, tudo.

"É, tudo bem comigo", pensou de novo, esperando a sua vez de pegar o dinheiro. "Sou uma vencedora!" Riu alto.

— Oh, alô, Casey! Ah, também ganhou?

— Hem? Ah, alô, Quillan, ganhei, sim. — Saiu do seu lugar na fila para juntar-se a Gornt, os cutros todos estranhos para ela. — Só tinha apostado dez nela, mas ganhei.

— A quantia não importa; ganhar, sim — Gornt sorriu. — Gosto do seu chapéu.

— Obrigada.

"Curioso", pensou, "tanto o Quillan quanto o Ian o haviam elogiado imediatamente. Maldito Linc!"

— É muita sorte escolher o primeiro vencedor, na- primeira vez que se vai a um hipódromo.

— Ah, mas não escolhi. Foi o Peter que me deu a dica. Peter Marlowe.

— Ah, sei, Marlowe. — Viu os olhos dele se modificarem ligeiramente. — Ainda está de pé o nosso programa para amanhã?

— Ah, está, sim. Se o tempo permitir.

— Mesmo que esteja chovendo. Almoço, pelo menos.

— Ótimo. No embarcadouro, às dez em ponto. Qual é o seu reservado?

Ela notou uma mudança instantânea que ele tentou disfarçar.

— Não tenho. Não sou um dos administradores. Ainda. Sou um convidado praticamente permanente no reservado do Blacs, e de vez em quando peço emprestado o lugar inteiro para uma festa. Fica descendo o corredor. Quer dar uma passa-dinha Iá? O Blacs é um excelente banco, e...

— Ah, mas não é tão bom quanto o Vic — disse Johnjohn, Simpaticamente, ao passar por eles. — Não acredite numa palavra do que ele diz, Casey. Parabéns! Dá sorte ganhar o primeiro. Vejo vocês dois mais tarde.

Casey ficou olhando para ele, pensativa. Depois, falou:

— E quanto à corrida aos bancos, Quillan? Ninguém parece estar se importando... é como se não estivesse acontecendo, o mercado de valores não estivesse desabando, não houvesse um desastre iminente.

Gornt achou graça, consciente dos ouvidos atentos à conversa deles.

— Hoje é dia de corrida, uma raridade, e o amanhã cuidará de si mesmo. Joss! A Bolsa abre às dez horas de segunda-feira, e a semana que vem vai decidir um bocado de destinos. Nesse meio tempo, todo chinês que conseguiu sacar o seu dinheiro está aqui com ele, hoje. Casey, é a sua vez.

Ela pegou o seu dinheiro — 15 por 1. Cento e cinqüenta HK.

— Aleluia! — Gornt pegou um grande maço de notas vermelhas: quinze mil. — Ei, que fantástico!

— O pior páreo a que já assisti — falou uma voz americana azeda. — Pombas, fantástico foi não terem desclassificado o jóquei e anulado a vitória dele.

— Ora, alô, sr. Biltzmann, sr. Pugmire. -— Casey lembrava-se deles da noite do incêndio. — Desclassificar quem?

Biltzmann estava na fila do placê.

— Lá nos Estados Unidos haveria uma objeção do tamanho de um bonde. Entrando na reta depois da última curva, a gente podia ver o jóquei de Excellent Day usando o freio nela como um louco. Foi corrida arranjada... ele não estava tentando ganhar.

Os que estavam por dentro, pouquíssimos, sorriram consigo mesmos. Murmurara-se no vestiário dos jóqueis e na sala dos treinadores que Excellent Day não ia ganhar, mas que Winner's Delight ia.

— Ora, o que é isso, sr. Biltzmann! — disse Dunross. Sem ter sido notado, escutara o comentário quando ia passando, e se detivera. — Se o jóquei não estivesse se esforçando, ou se tivesse havido algum golpe sujo, os administradores teriam percebido imediatamente.

— Pode ser que sirva para amadores, Ian, e para este hipodromozinho, mas em qualquer hipódromo profissional na minha terra o jóquei de Excellent Day seria proibido de correr para o resto da vida. Não tirei o binóculo de cima dele.

Biltzmann pegou o dinheiro ganho no placê com cara feia e foi embora, rudemente.

Dunross perguntou, suavemente:

— Pug, viu o jóquei fazer qualquer coisa fora do normal? Eu não estava assistindo à corrida.

— Não, não vi.

— Alguém viu?

Os que estavam próximos sacudiram a cabeça.

— Para mim pareceu tudo bem — falou alguém. — Nada fora do comum.

— Nenhum dos administradores questionou coisa alguma. — Foi então que Dunross notou o grande maço de notas na mão de Gornt. Ergueu os olhos para ele. — Quillan?

— Não. Mas, com franqueza, acho os modos desse sujeito um espanto. Não creio que fosse uma aquisição adequada para o Turf Club. — Nesse instante, viu Robin Grey passar por eles para fazer uma aposta, e sorriu ante um súbito pensamento. — Dão-me licença, sim?

Fez um gesto cortês de cabeça e se afastou. Casey viu Dunross fitar o maço de notas que Gornt enfiava no bolso, e ficou intimamente horrorizada com a expressão momentânea no seu rosto.

— Será que o Biltzmann... será que tinha razão? — perguntou nervosamente.

— Naturalmente. — Dunross voltou toda a sua atenção para ela. — Corridas arranjadas acontecem em todo lugar. A questão não é essa. Não houve nenhuma objeção por parte dos administradores ou jóqueis ou treinadores. — Os olhos dele estavam cor de chumbo. A pequena veia na sua testa pulsava. — Não é bem isso o que está em jogo.

"Não", pensava. "É uma questão de boa educação. Mesmo assim, acalme-se. Precisa ficar muito tranqüilo, calmo e controlado este fim de semana."

O dia inteiro não tinha tido outra coisa senão problemas. O único momento bom fora Riko Anjin Gresserhoff. Mas depois, a última carta de Alan mais uma vez o enchera de desânimo. Ainda estava no seu bolso, e dizia-lhe que, se por acaso ainda não tivesse destruído as pastas originais, devia aquecer uma dúzia de páginas especificadas contidas nos relatórios, as informações secretas escritas com tinta invisível nessas páginas devendo ser entregues particularmente ao primeiro-ministro ou ao atual chefe da MI-6, Edward Sinders, pessoalmente... e uma cópia entregue a Riko Anjin, num envelope lacrado.

"Se eu fizer isso, terei que admitir que as pastas que lhe entreguei eram falsas", pensou, cansado de Alan, de espionagem e das suas instruções. "Que merda, Murtagh só chega mais tarde, Sir Geoffrey só pode ligar para Londres sobre Tiptop e Brian Kwok depois das dezesseis horas, e agora, puta merda, vem um filho da mãe grosseiro nos chamar de amadores... o que somos. Aposto cem contra um alfinete torto que Quillan sabia antes do páreo."

Como se tivesse tido um pensamento súbito, perguntou com naturalidade:

— Como escolheu o vencedor, Casey? Fechou os olhos e apontou?

— Foi o Peter que me deu a dica. Peter Marlowe. — O rosto dela se alterou. — Oh! Acha que ele sabia que foi arranjada?

— Se eu tivesse imaginado isso, por um momento, o páreo teria sido cancelado. Agora, não há nada que eu possa fazer. Biltzmann...

De repente, soltou uma exclamação abafada, quando a idéia lhe bateu, em toda a sua glória.

— O que foi?

Dunross pegou-lhe o braço e afastou-a para um canto.

— Está preparada para jogar, para obter o seu dinheiro do dane-se? — perguntou suavemente.

— Claro que sim, Ian, se for legal. Mas jogar o quê? — perguntou, sua cautela inata vindo à tona.

— Tudo o que tem no banco, sua casa em Laurel Canyon, suas ações na Par-Con contra de dois a quatro milhões, dentro de trinta dias. Que tal?

O coração dela batia fortemente, o entusiasmo evidente dele contagiando-a.

— Tá legal — falou, depois se arrependeu de ter falado, o estômago dando voltas. — Meu Deus!

— Ótimo. Fique aqui um momento. Vou procurar o Bartlett.

— Espere! Ele também faz parte disso? O que é, Ian? Ele abriu um amplo sorriso.

— Uma modesta oportunidade comercial. É, o Bartlett é essencial. Isso faz com que você mude de idéia?

— Não — falou, constrangida —, mas eu disse que queria conseguir... a minha grana fora da Par-Con.

— Não me esqueci. Espere aqui.

Dunross voltou depressa para a sua tribuna particular, achou Bartlett e levou-o consigo. Foi abrindo caminho pelo corredor movimentado até a cozinha da Struan, cumprimentando gente aqui e ali. A cozinha era pequena, movimentada e limpíssima. O pessoal que ali trabalhava não lhes prestou atenção. Uma porta dava para um minúsculo quarto particular, à prova de som. Quatro cadeiras, uma mesa e um telefone.

— Meu pai mandou construir isto aqui durante a sua gestão... muitos negócios são realizados durante as corridas. Sentem-se, por favor. Bem — olhou para Bartlett —, tenho uma proposta comercial para você e para Casey, como indivíduos, por fora do nosso negócio com a Par-Con, sem nada a ver com a transação da Par-Con. Está interessado?

— Claro. É alguma mamata de Hong Kong?

— Importa-se? — Dunross abriu um amplo sorriso. — É uma proposta comercial corretíssima de Hong Kong.

— Tudo bem, vamos a ela.

— Antes que eu a explique, temos as regras básicas: o jogo é meu, vocês são dois observadores, mas vão receber quarenta e nove por cento dos lucros, divididos igualmente entre os dois. Certo?

— Qual o plano de jogo completo, Ian? — perguntou Bartlett, cautelosamente.

— O seguinte: você deposita dois milhões de dólares americanos até segunda-feira às nove horas num banco suíço da minha escolha.

Os olhos de Bartlett se estreitaram.

— Contra o quê?

— Contra quarenta e nove por cento dos lucros.

— Que lucros?

— Você depositou dois milhões para o Gornt, sem documento, sem carimbo, sem nada, exceto o lucro em potencial.

— Há quanto tempo está sabendo disso? — perguntou Bartlett, com um amplo sorriso.

Dunross retribuiu o sorriso.

— Já lhe disse que não há segredos. Topa? Dunross viu Bartlett olhar para Casey, e prendeu a respiração.

— Casey, sabe do que se trata?

— Não, Linc. — Casey virou-se para Dunross. — Qual ê a mamata, Ian?

— Primeiro quero saber se vou ganhar os dois milhões adiantados, livres e limpos... se vocês toparem o negócio.

— Qual o lucro em potencial? — perguntou Casey.

— De quatro a doze milhões. Livres de impostos. Casey perdeu a cor.

— Livres de impostos?

— Livres de quaisquer impostos de Hong Kong, e podemos ajudá-los a driblar os impostos americanos, se quiserem.

— Qual... qual o período de pagamento? — perguntou Bartlett.

— Os lucros serão estabelecidos em trinta dias. O pagamento levará de cinco a seis meses.

— O total fica entre quatro e doze milhões, ou isso é só a nossa parte?

— A sua parte.

— Isso é um bocado de lucro para algo cem por cento legal.

Fez-se um grande silêncio. Dunross esperou que eles se manifestassem.

— Dois milhões em dinheiro vivo? — indagou Bartlett. — Nenhuma garantia, nada?

— Não. Mas, depois que eu tiver explicado tudo, podem pegar ou largar.

— O que o Gornt tem a ver com isso?

— Absolutamente nada. Esse empreendimento não tem nada a ver com o Gornt, a Rothwell-Gornt, a Par-Con, seu interesse neles ou em nós, ou na transação com a Par-Con. Isso é uma coisa completamente à parte. Aconteça o que acontecer, dou-lhe a minha palavra. E juro por Deus que jamais direi a ele que você entrou com os dois milhões, que vocês dois são meus sócios e vão pegar uma fatia do bolo... ou, a propósito, que estou sabendo que vocês três venderam as minhas ações a descoberto. — Sorriu. — Por falar nisso, foi uma idéia muito boa.

— O negócio vai ser fechado por causa dos meus dois milhões?

— Não. Facilitado. Como sabe, não tenho dois milhões de dólares americanos em espécie, caso contrário não os teria convidado.

— Por que nós, Ian? Poderia levantar dois milhões facilmente com algum dos seus amigos aqui, se o negócio é tão bom.

— É. Mas preferi dividir o doce com vocês. A propósito, ainda estão com a palavra empenhada até a meia-noite de terça-feira. — Dunross falou inexpressivamente. Depois, sua voz se alterou, e os outros sentiram-lhe a alegria. — Mas com esse... esse empreendimento comercial... posso enfatizar dramaticamente o quanto somos superiores à Rothwell-Gornt, e o quanto será mais excitante associar-se a nós do que a eles. Você é um jogador, eu também. Chamam-no de Incursor Bartlett, e eu sou o tai-pan da Casa Nobre. Você arriscou uns míseros dois milhões com o Gornt, sem garantias, por que não comigo?

Bartlett lançou um olhar para Casey. Ela não fez que sim nem que não, embora ele soubesse que estava interessada até a alma.

— Já que está estabelecendo as regras, Ian, responda-me: eu entro com os dois milhões. Por que devemos rachar igualmente, Casey e eu?

— Lembro-me do que disseram durante o jantar sobre o dinheiro do dane-se. Você tem o seu, ela, não. Esse poderia ser um meio de Casey obter o dela.

— Por que está tão preocupado com Casey? Está tentando dividir para governar?

— Se isso for possível, então vocês dois não têm uma sociedade e um relacionamento comercial muito especial. Ela é o seu braço direito, você me disse. Ela é evidentemente muito importante para você e para a Par-Con. Portanto, tem o direito de partilhar.

— O que ela vai arriscar?

— Entrará com a casa dela, as economias, as ações da Par-Con... é tudo o que possui... junto com você. Entregará tudo isso em troca da metade da porção. Certo?

— Certo — concordou Casey, atordoada. Bartlett olhou vivamente para Casey.

— Pensei que você tinha dito que não sabia nada a respeito disso.

Ela olhou para ele.

— Há uns dois minutos Ian me perguntou se eu arriscaria tudo o que possuo para conseguir o meu dinheiro do dane-se, muito dinheiro. — Engoliu em seco e acrescentou:

— Disse que sim, e já estou arrependida.

Bartlett pensou por um momento.

— Casey, seja franca: topa ou não?

— Topo.

— Tá legal. — A seguir, Bartlett abriu um amplo sorriso.

— Muito bem, tai-pan, agora me diga quem temos que matar.

Chu Nove Quilates, que às vezes carregava ouro para Victoria, e era pai de dois filhos e duas filhas — Lily Su, a amiguinha ocasional de Havergill, e Glicínia, a amante de John Chen, cujo destino fora ser pisoteada até a morte diante do Ho-Pak em Aberdeen —, esperava sua vez no guichê de apostas.

— Sim, velho? — falou o encarregado, com impaciência. Tirou do bolso um maço de notas. Era todo o dinheiro que possuía, e todo o que pudera arranjar emprestado, deixando apenas o suficiente para três cheiradas do Pó Branco, de que precisaria para enfrentar o seu turno de logo mais à noite.

— A loteria dupla, por todos os deuses! Números 8 e 5 no segundo páreo, 7 e 1 no quinto.

O encarregado contou metodicamente as notas amassadas. Setecentos e vinte e oito HK. Apertou os botões correspondentes a esses números e examinou o primeiro bilhete. Estava correto: 5 e 8... segundo páreo; 7 e 1... quinto páreo. Cuidadosamente, contou cento e quarenta e cinco bilhetes, cada um deles de cinco HK, a aposta mínima, e entregou-os a ele, com um troco de três HK.

— Ande logo, por todos os deuses — exclamou o seguinte da fila. — Está com os dedos no seu Buraco Negro?

— Tenha paciência! — resmungou o velho, sentindo-se tonto. — Isso é coisa séria!

Cuidadosamente, verificou os bilhetes. O primeiro, três escolhidos ao acaso e o último estavam corretos, e o número de bilhetes estava correto, portanto saiu da fila e foi abrindo caminho por entre o ajuntamento até chegar ao ar livre. Chegando Iá, sentiu-se um pouco melhor, ainda nauseado, mas melhor. Viera a pé do seu plantão noturno no novo edifício em construção Iá no alto da Kotewall Road, em Mid Leveis, para poupar o dinheiro da passagem.

Verificou de novo os seus bilhetes: 8 e 5 naquele páreo, e 7 e 1 no quinto, o grande páreo. "Ótimo", pensou, guardando-os cuidadosamente no bolso. "Fiz o melhor que pude. Agora, está nas mãos dos deuses."

O peito lhe doía muito. Por isso, abriu caminho à força por entre a multidão até chegar ao banheiro, onde acendeu um fósforo e inspirou a fumaça do Pó Branco borbulhante. Dali a algum tempo sentiu-se melhor e saiu de novo. O segundo páreo já tinha começado. Louco de ansiedade, foi empurrando os outros para chegar perto da cerca, sem ligar para os palavrões que o acompanhavam. Os cavalos dobravam a última curva, galopando na direção dele e entrando na reta final para a linha de chegada, passando agora por ele num borrão ruidoso, enquanto ele forçava os olhos remelosos para descobrir os seus números.

— Quem está na frente? — perguntou, com voz ofegante, mas ninguém lhe prestou atenção, todos gritavam o nome dos seus escolhidos, incitando-os à vitória, num rugido fervilhante e crescente que a tudo dominava, e que sumiu quando o vencedor cruzou a linha de chegada.

— Quem ganhou? — perguntou sofregamente Chu Nove Quilates, com a cabeça explodindo.

— E eu Iá sei! — falou alguém, com uma enxurrada de palavrões. — Não foi o meu. Que todos os deuses mijem para sempre naquele jóquei!

— Não consigo ler o painel. Quem venceu?

— O resultado só vai ser dado depois de as fotos serem reveladas, seu velho tonto. Não está vendo? Havia três cavalos juntos cruzando a linha de chegada. Fodam-se todos os páreos que terminam desse jeito! Temos que esperar.

— Mas os números... quais são os números?

— Números 5, 8 e 4, Lucky Court, o meu cavalo! Vamos, seu filho da mama esquerda de uma puta! Números 4 e 8 para a loteria, por todos os deuses!

Eles esperaram. E esperaram. O velho pensou que ia desmaiar. Então resolveu pensar em coisas melhores, como a sua conversa com o Chen da Casa Nobre, naquela manhã. Três vezes ele ligara, e todas as vezes um criado atendera e desligara. Foi somente quando falou em "Lobisomem" que o Chen da Casa Nobre em pessoa veio ao telefone.

— Por favor, desculpe-me por mencionar os terríveis matadores do seu filho — dissera. — Não fui eu, Honrado Senhor, oh, não! Sou apenas o pai da amante do seu falecido honorável filho, Glicínia Su, para quem escreveu do seu amor imorredouro na carta que saiu publicada nos jornais.

— Hem? Mentiroso! Tudo mentiras. Acha que sou algum idiota para ser extorquido por qualquer safado que ligue para mim? Quem é você?

— Meu nome é Hsi-men Su — dissera, mentindo com facilidade. — Há mais duas cartas, Honorável Chen. Pensei que talvez quisesse tê-las de volta, embora sejam tudo o que temos da minha pobre filha morta e do seu pobre filho morto, a quem considerei como meu próprio filho durante todos os meses que ele e...

— Mais mentiras! A meretriz impostora nunca recebeu cartas do meu filho! A nossa perigosa polícia mete os falsificadores na cadeia, sabia? Será que sou algum macaco camponês das Províncias Externas? Cuidado! Agora, imagino que vá apresentar um bebê, alegando que foi gerado pelo meu filho. Hem? Hem?

Chu Nove Quilates quase deixou cair o aparelho. Ele discutira e combinara esse exato plano com a mulher, os filhos e Lily. Fora fácil encontrar um parente que concordara em emprestar o bebê, por um certo preço.

— Como — gaguejou, chocado —, eu, um mentiroso? Eu, que de bom grado, por uma quantia modesta, entreguei a única filha virgem para ser a prostituta e o único amor do seu filho? — Usou com cuidado as palavras em inglês, tendo sido treinado durante horas pela filha Lily, para poder pronunciá-las direito. — Por todos os deuses, protegemos o seu grande nome sem cobrar nada! Quando fomos buscar o corpo da minha pobre filha, não contamos nada à polícia mortífera que deseja, oh ko, é, que deseja saber quem é o autor da carta para poder prender os Lobisomens! Que todos os deuses maldigam aqueles cruéis filhos da puta! Quatro jornais chineses já não ofereceram recompensas pelo nome do autor, heya? Não é justo que eu lhe ofereça as cartas antes de reclamar a recompensa dos jornais, heya?

Pacientemente, escutara a enxurrada de xingamentos que dera início às negociações. Diversas vezes os dois lados haviam fingido que iam desligar, mas nenhum deles interrompeu a barganha. Finalmente, ficou decidido que, se uma fotocópia de uma das outras cartas fosse enviada para o Chen da Casa Nobre como prova de que ela, e as outras, não eram falsificações, então "pode ser, Honorável Su, que as outras cartas — e esta — valham uma quantia muito modesta de Graxa Fragrante".

Chu Nove Quilates ria baixinho consigo mesmo. "Ah, sim", pensou, satisfeito, "o Chen da Casa Nobre vai pagar regiamente, especialmente quando ler as partes sobre si próprio. Ah, se elas fossem publicadas, certamente ele seria levado ao ridículo diante de toda a Hong Kong, e desmoralizado para sempre. Bem, quanto será que devo acei..."

Uma enorme zoeira repentina cercou-o e ele quase caiu. Seu coração começou a bater com força, a respiração tornou-se difícil. Agarrou-se à cerca e tentou enxergar o totalizador distante.

— Quem... quais são os números? — perguntou, guin-chando por sobre a barulheira e puxando a roupa dos vizinhos. — Os números, diga-me os números!

— O ganhador é o 8, Buccaneer, o capão da Casa Nobre. Ayeeyah, não está vendo o tai-pan levando-o agora para o círculo do vencedor? Buccaneer está pagando 7 por 1.

— O segundo? Quem foi o segundo cavalo?

— Número 5, Winsome Lady, 3 por 1 no placê... O que é, velho, está passando mal?

— Não... não... — retrucou Chu Nove Quilates, e foi se afastando debilmente, tateando. Finalmente, encontrou um pequeno trecho de concreto vazio, abriu o programa de corridas em cima do concreto molhado, e se sentou, a cabeça apoiada nos joelhos e braços, levado ao êxtase de ter ganho a primeira parte da loteria. "Oh, oh, oh! E agora, nada a fazer exceto esperar, e se o tempo da espera for longo demais, usarei mais um pouco do Pó Branco, e ainda me sobrará uma última porção para poder agüentar o trabalho de logo mais à noite. Agora, todos os deuses, concentrem-se! A primeira parte foi ganha pela minha própria argúcia. Por favor, concentrem-se no quinto! Números 7 e 1! Que todos os deuses se concentrem..."

Junto do círculo do vencedor, os administradores, proprietários e funcionários se aglomeravam. Dunross interceptara o seu cavalo e felicitava o jóquei. Buccaneer fizera uma bela corrida, e agora, enquanto conduzia o capão para o círculo do vencedor em meio à nova explosão de vivas e parabéns, ele manteve a sua exuberância deliberadamente franca. Queria deixar que o mundo visse o seu prazer e a sua confiança, consciente de que ter vencido aquela corrida era um imenso presságio, acima e além da vitória, em si. O presságio seria dobrado e triplicado se vencesse com Noble Star. Dois cavalos na loteria dupla sem dúvida dariam "um tranco" em Gornt e seus aliados. E se Murtagh obtivesse êxito ou se Tiptop mantivesse a promessa de trocar o dinheiro por Brian Kwok ou se Pão-Duro ou Lando ou Quatro Dedos...

— Ei, sr. Dunross, parabéns!

Dunross lançou um olhar à multidão junto à cerca.

— Oh, alô, sr. Choy — falou, reconhecendo o Sétimo Filho de Wu Quatro Dedos, para todos os efeitos seu sobrinho. Acercou-se dele e apertou-lhe a mão. — Apostou no vencedor?

— Claro, senhor, estou com a Casa Nobre em todas! Jogamos na loteria dupla, meu tio e eu. Acabamos de ganhar a primeira parte, 5 e 8, e apostamos no 7 e no 8 no quinto páreo. Ele apostou dez mil e eu o salário de uma semana!

— Então, vamos torcer para ganhar, sr. Choy.

— Estamos aí, tai-pan — disse o rapaz, naquela sua familiaridade americana.

Dunross sorriu e caminhou ao encontro de Travkin.

— Tem certeza de que Johnny Moore não pode montar Noble Star? Não quero Tom Wong.

— Já lhe disse, tai-pan, Johnny está pior do que um cossaco bêbado.

— Preciso da vitória. Noble Star tem que vencer. Travkin viu Dunross olhar para Buccaneer, com ar especulativo.

— Não, tai-pan, por favor, não monte Noble Star. A pista está ruim, muito ruim e perigosa, e vai ficar pior à medida que a grama for sendo danificada. Khristos! Imagino que isso só vai fazer com que o senhor fique com mais vontade de montá-la.

— Meu futuro pode depender desse páreo... e o prestígio da Casa Nobre.

— Eu sei. — Com raiva, o russo castigado pelo tempo bateu com o rebenque que carregava perpetuamente contra as velhas calças de montaria, lustrosas com o uso. — E sei que o senhor é melhor que todos os outros jóqueis, mas aquela grama é um perigo...

— Não confio em ninguém para isso, Aleksei. Não posso me dar ao luxo de nenhum erro. — Dunross baixou a voz. — O primeiro páreo foi arranjado?

Travkin devolveu-lhe o olhar, serenamente.

— Os cavalos não foram dopados, tai-pan. Não ao que eu saiba. O médico da polícia apavorou bastante os que poderiam sentir-se tentados.

— Ótimo. Mas foi arranjado?

— O páreo não era meu, tai-pan. Só me interessam os meus cavalos e os meus páreos. Nem assisti a ele.

— Muito conveniente, Aleksei. Parece que nenhum dos outros treinadores também viu.

— Escute, tai-pan. Tenho um jóquei para o senhor. Eu. Vou montar Noble Star.

Os olhos de Dunross se estreitaram. Lançou um olhar para o céu. Estava mais escuro do que antes. "Logo vai chover", pensou, "e há muito para ser feito antes da chuva. Eu ou Aleksei? As pernas de Aleksei são boas, suas mãos, as melhores, sua experiência, imensa. Mas ele pensa mais no cavalo do que na vitória."

— Vou pensar no assunto — disse. — Decidirei depois do quarto páreo.

— Eu vou ganhar — disse o homem mais velho, desesperado pela oportunidade de livrar-se do acordo que fizera com Suslev. — Gajiho nem que tenha que matar Noble Star.

— Não é preciso fazer isso, Aleksei. Gosto muito daquela égua.

— Tai-pan, escute, preciso de um favor seu. Estou com um problema. Posso vê-lo hoje à noite, ou domingo, domingo ou segunda à noite, digamos no Sinclair Towers?

— Por que Iá?

— Fizemos nosso acordo Iá, gostaria de conversar Iá. Mas, se não der, no dia seguinte.

— Vai nos deixar?

— Ah, não, não é preciso. Se tiver tempo. Por favor.

— Está certo, mas não pode ser hoje, nem domingo ou segunda. Vou para Taipé. Posso encontrá-lo na terça às dez da noite. Está bem?

— Ótimo, terça está ótimo. Obrigado.

— Volto para cá depois do próximo páreo.

Aleksei ficou olhando o tai-pan dirigir-se para os elevadores. Estava à beira das lágrimas, uma imensa afeição por Dunross a dominá-lo.

Seus olhos se voltaram para Suslev, que estava nas tribunas gerais, ali perto. Tentando aparentar naturalidade, levantou o número de dedos combinado: um para hoje à noite, dois para domingo, três para segunda, quatro para terça. Tinha uma visão muito boa, e viu que Suslev acusava o recebimento do sinal. "Matieriebiets", pensou. "Traidor da Mãe Rússia e de todos nós, russos, você e todos os seus irmãos do KGB! Maldigo-os em nome de Deus, por mim e por todos os russos, se a verdade for conhecida.

"Deixe pra Iá! Vou montar Noble Star", disse com seus botões, sombriamente, "de uma maneira ou de outra."

Dunross entrou no elevador em meio a mais cumprimentos e muita inveja. No andar mais alto, Gavallan e Jacques esperavam por ele.

— Tudo pronto? — perguntou.

— Sim — respondeu Gavallan. — Gornt está Iá, e os outros que você queria. Qual é o problema?

— Venha comigo que você vai ver. A propósito, Andrew, vou fazer uma troca entre Jacques e David MacStruan. Jacques assumirá o Canadá por um ano, David...

O rosto de Jacques se iluminou.

— Oh, obrigado, tai-pan. É, muito obrigado. Tornarei o Canadá muito lucrativo, prometo-lhe.

— E quanto à mudança em si? — perguntou Gavallan.

— Quer que o Jacques vá para Iá primeiro ou que o David venha para cá?

— Ele chega na segunda. Jacques, passe tudo para o David. Na semana que vem, vocês dois podem ir juntos para o Canadá, durante umas duas semanas. Vá via França, ouviu? Apanhe Susanne e Avril, a essa altura ela deverá estar bem. Não há nada urgente no Canadá, no momento... aqui é mais urgente.

— Oh, sim, ma foi! Sim, sim, obrigado, tai-pan.

— Será bom ver o velho David — disse Gavallan.

Gostava muito de David MacStruan, mas ainda se perguntava o porquê da troca, e se isso significava que Jacques estava fora do páreo para herdar o manto do tai-pan, e David no páreo, e sua própria posição modificada, modificando-se ou ameaçada... se é que ia haver alguma coisa para se herdar, depois da segunda-feira. E quanto a Kathy?

"Joss", disse consigo mesmo. "O que tiver que ser, será. Ah, que tudo vá à merda!"

— Vocês dois vão na frente — disse Dunross. — Vou buscar o Phillip.

Entrou no reservado dos Chens. Seguindo um antigo costume, o representante nativo da Casa Nobre era automaticamente um dos administradores. "Talvez pelo último ano", pensou Dunross, sombriamente. "Se Phillip não me aparecer com ajuda sob a forma de Wu Quatro Dedos, Lando Mata, Pão-Duro ou alguma coisa tangível até a meia-noite de segunda, está cortado."

— Alô, Phillip — disse, com voz amável, cumprimentando os outros convidados na tribuna lotada. — Está pronto?

— Ah, sim, estou, tai-pan. — Phillip Chen envelhecera.

— Parabéns pela vitória.

— É, tai-pan, um presságio maravilhoso... estamos todos torcendo pelo quinto! — exclamou Dianne Chen, esforçando-se igualmente por ocultar sua apreensão, Kevin ao seu lado, fazendo-lhe eco.

— Obrigado — retrucou Dunross, certo de que Phillip Chen lhe havia falado do seu encontro. Ela usava um chapéu com penas de ave-do-paraíso e jóias em excesso.

— Champanha, tai-pan?

— Não, obrigado, quem sabe mais tarde. Desculpe, Dianne, preciso pedir o Phillip emprestado por um ou dois momentos. Não vai demorar.

No corredor, deteve-se um instante.

— Alguma novidade, Phillip?

— Eu... falei com todos... todos eles. Vão se reunir amanhã de manhã.

— Onde? Em Macau?

— Não, aqui. — Phillip Chen baixou ainda mais a voz. — Lamento toda... toda a confusão que meu filho causou... é, lamento muito — disse, com sinceridade.

— Aceito suas desculpas. Se não tivesse sido pelo seu descuido e traição, jamais nos teríamos tornado tão vulneráveis. Santo Deus, se o Gornt puser as mãos nos nossos balanços gerais e estruturas da companhia, estamos num mato sem cachorro.

— Tive... tive uma idéia, tai-pan, de como salvar a nossa... de como salvar a Casa. Depois das corridas, será que pode me dar... um tempinho, por favor?

— Virá para o coquetel hoje à noite? Com Dianne?

— Sim, se... sim, por favor. Posso levar o Kevin? Dunross sorriu fugazmente consigo mesmo. O futuro herdeiro, oficialmente e tão depressa. Carma.

— Pode. Vamos indo.

— Do que se trata, tai-pan?

— Vai ver. Por favor, não diga nada, não faça nada, apenas aceite... com grande confiança... que faz parte do pacote, e quando eu partir siga-me, espalhe as boas-novas e a alegria. Se falharmos, a Casa de Chen falhará primeiro, haja o que houver!

Entrou na tribuna particular de McBride. Mais cumprimentos imediatos, e muitos dizendo que tinha sido uma grande sorte.

— Santo Deus, tai-pan — disse McBride —, se Noble Star vencer o quinto páreo, não será uma maravilha?!

— Pilot Fish vai derrotar Noble Star — falou Gornt, cheio de confiança. Estava no bar com Jason Plumm, tomando uma bebida. — Aposto dez mil como ele terminará a corrida na frente da sua égua.

— Fechado — disse Dunross imediatamente. Houve vivas e vaias dos trinta e tantos convidados, e mais uma vez Bartlett e Casey, que, por combinação prévia com Dunross, haviam entrado no reservado ostensivamente, há alguns minutos, para bater papo com Peter Marlowe, ficaram intimamente abalados com o ar festivo e a confiança exuberante de Dunross.

— Como vai passando, Dunstan? — perguntou Dunross. Não prestou atenção a Casey ou Bartlett, concentrando-se no grandalhão rosado, que estava mais rosado do que de costume, um conhaque duplo nas mãos.

— Muito bem, obrigado, Ian. Acertei o primeiro, e Buccaneer... ganhei uma nota com Buccaneer, mas minha maldita loteria já foi pro brejo. Lucky Court me deixou na mão.

O aposento era do mesmo tamanho que a tribuna particular da Struan, mas não tão bem decorado quanto aquela, embora igualmente cheio de grande parte da elite de Hong Kong, algumas das pessoas convidadas para Iá há um momento por Gavallan e McBride, ou por Dunross. Lando Mata, Holdbrook — o corretor da Struan na Bolsa —, Sir Luís Basílio — diretor da Bolsa de Valores —, Johnjohn, Havergill, Southerby — presidente da junta diretora do Blacs —, Richard Kwang, Pugmire, Biltzmann, Sir Dunstan Barre, o jovem Martin Haply, do China Guardian. E Gornt. Dunross olhou para ele.

— Também acertou o vencedor do último páreo?

— Não, não simpatizei com nenhum dos cavalos. Do que se trata, Ian? — perguntou Gornt, e a atenção de todos se concentrou. — Quer fazer algum comunicado?

— Quero, e como gesto de cortesia achei que você devia saber, juntamente com os outros vips. — Dunross virou-se para Pugmire. — Pug, a Casa Nobre está contestando formalmente a compra do controle acionário pela American Superfoods da sua Hong Kong General Stores.

Fez-se um vasto silêncio e todos o fitaram. Pugmire estava branco.

— Como?

— Estamos oferecendo cinco dólares a mais por ação do que a Superfoods, e ainda vamos superar a oferta deles oferecendo trinta por cento em dinheiro e setenta por cento em ações, tudo dentro de trinta dias!

— Ficou maluco? — explodiu Pug. "Não sondei todo mundo antes", teve vontade de gritar, "inclusive você? Todos vocês não aprovaram, ou pelo menos evitaram desaprovar? Não é assim que se faz por aqui, Deus do céu?... bate-papos particulares no Clube, aqui nas corridas, em jantares íntimos, ou seja Iá o que for?" — Não pode fazer isso — murmurou.

— Já fiz — disse Dunross.

— Tudo o que fez, Ian, foi fazer um comunicado — disse Gornt asperamente. — Como vai pagar? Em trinta ou trezentos dias?

Dunross simplesmente olhou para ele.

— Os lances são públicos. Completamos em trinta dias. Pug, receberá os documentos oficiais até as nove e meia de segunda-feira, com uma entrada em dinheiro para consolidar a proposta.

Momentaneamente, a voz dele foi abafada quando os outros começaram a falar, fazendo perguntas, todos imediatamente preocupados com a maneira pela qual aquele acontecimento espantoso os afetaria pessoalmente. Ninguém jamais contestara anteriormente uma compra de controle pré-combinada. Johnjohn e Havergill ficaram furiosos porque a coisa fora feita sem que fossem consultados, e o outro banqueiro, Southerby, do Blacs, que estava "bancando" a compra do controle pela Superfoods, ficou igualmente aborrecido por ter sido pego de surpresa. Mas todos os banqueiros, até mesmo Richard Kwang, estavam avaliando as possibilidades, pois se o mercado de valores estivesse normal, e as ações da Struan no seu nível normal, a proposta da Struan poderia ser muito boa para os dois lados. Todos sabiam que a gerência da Struan poderia revitalizar a rica mas estagnada hong, e a aquisição fortaleceria inco-mensuravelmente a Casa Nobre, elevaria seu lucro bruto do ano em pelo menos vinte por cento, e naturalmente aumentaria os seus dividendos. Para coroar tudo isso, a compra de controle manteria todos os lucros em Hong Kong, e faria com que não escoassem para as mãos de um estranho. Especialmente Biltzmann.

"Oh, meu Deus", pensava Barre, com grande admiração e não sem um pouco de inveja, "imagine o Ian fazer a oferta aqui, em público, num sábado, sem ter sequer havido um murmúrio de que estava meditando o inimaginável, sem nada que nos desse um vislumbre que nos permitisse comprar em baixa discretamente na semana passada, para ganhar uma fortuna com um único telefonema; que idéia brilhante! Claro que as ações da General Stores do Pug vão subir vertiginosamente logo na segunda de manhã. Mas, que diabos, como foi que o Ian e o Havergill esconderam isso? Pombas, eu podia ter ganho uma nota preta se tivesse sabido. Talvez ainda possa! Sem dúvida os boatos sobre o Victoria não estar apoiando a Struan não passam de papo furado..."

"Espere aí", estava pensando Sir Luís Basílio, "não compramos um bloco imenso de ações da General Stores na semana passada para um representante de um comprador? Santo Deus, será que o tai-pan nos passou a perna em todos? Mas, minha Nossa Senhora, espere aí, e quanto à corrida às ações dele, e quanto ao colapso do mercado, e quanto ao dinheiro que terá que apresentar para confirmar a oferta, e quanto a..."

Até mesmo Gornt conjecturava, cheio de ódio por não ter pensado naquilo primeiro. Sabia que a proposta era boa, perfeita, na verdade, e que não podia fazer uma melhor, não no momento. "Mas, afinal, o Ian não pode completar. Não há meio de..."

— Podemos publicar isso, tai-pan? — perguntou a voa incisiva e canadense de Martin Haply, em meio à agitação.

— Sem dúvida, sr. Haply.

— Posso fazer algumas perguntas?

— Depende de quais sejam — disse Dunross, serenamente. Olhando-o nos penetrantes olhos castanhos, sentiu-se sombriamente divertido. "Bem que podíamos usar um filho da mãe bastante safado na família... se pudéssemos confiar-lhe a Adryon." — O que está querendo saber?

— Esta é a primeira vez que se contesta uma compra de controle acionário. Posso perguntar-lhe por que o está fazendo justo agora?

— A Struan sempre foi inovadora. Quanto à hora escolhida, consideramo-la perfeita.

— Considera que este sábado... Biltzmann interrompeu asperamente.

— Fizemos um negócio. Foi fechado. — Virou-se bruscamente para Pugmire. — Não é, Dickie?

— Estava fechado, sr. Biltzmann — retrucou Dunross, vivamente. — Mas nós estamos contestando a sua oferta, como é feito nos Estados Unidos, segundo as regras americanas. Suponho que não se importe com isso. Claro que aqui somos amadores, mas gostamos de tentar aprender com os nossos pares. Até a assembléia dos acionistas, nada é definitivo. É a lei, não é?

— É, mas... mas estava fechado! — O homem alto e grisalho virou-se para Pugmire, mal conseguindo falar de tão zangado. — Você falou que estava tudo resolvido.

— Bem, os diretores tinham concordado -— falou Pugmire, sem jeito, consciente de que todos lhe prestavam atenção, especialmente Haply, metade dele radiante com a oferta muito melhor, a outra furiosa porque também ele não soubera de nada com antecedência, para poder ter comprado maciçamente. — Mas... bem... claro que o negócio tem que ser ratificado pelos acionistas na assembléia de sexta-feira. Não tínhamos idéia de que haveria... Bem, Ian, Chuck, não acham que aqui não é exatamente o lugar para se discutir...

— Concordo — disse o tai-pan. — Mas, no momento, não há muito o que discutir. A oferta foi feita. A propósito, Pug, seu acordo está de pé, exceto que será ampliado de cinco para sete anos, com um lugar na diretoria da Struan pelo mesmo período.

O queixo de Pugmire caiu.

— Isso faz parte da oferta?

— Naturalmente precisaríamos dos seus conhecimentos e perícia — disse Dunross, delicadamente, e todos souberam que Pug estava "no papo". — O resto do pacote está de pé, exatamente como foi negociado por você e pela Superfoods. Os papéis estarão na sua mesa até nove e meia. Talvez queira apresentar a nossa proposta aos seus acionistas, na sexta-feira.

— Dirigiu-se a Biltzmann e estendeu a mão. — Boa sorte. Imagino que fará prontamente uma contraproposta.

— Bem, eu... terei que consultar a matriz, sr.... tai-pan.

— Biltzmann estava afogueado e zangado. — Nós... fizemos a nossa melhor oferta e... sua oferta foi excelente. É. Mas com a corrida às suas ações, a corrida aos bancos, e o mercado em baixa, vai ser um negócio bem difícil de fechar, não é?

— Absolutamente, sr. Biltzmann — disse Dunross, arriscando tudo na certeza de que Bartlett não voltaria atrás na sua promessa do dinheiro, de que ele fecharia com a Par-Con, livrar-se-ia de Gornt e colocaria suas ações no seu lugar de direito até o fim da semana seguinte. — Podemos fechar sem nenhuma dificuldade.

A voz de Biltzmann tornou-se mais cortante.

— Dickie, acho melhor considerar cuidadosamente a nossa proposta. É válida até terça-feira — disse, confiando em que, na terça-feira, a Struan estaria aos pedaços. — Agora, vou fazer uma aposta no próximo páreo.

Saiu, em largas passadas. A tensão na tribuna subiu vários decibéis.

Todos começaram a falar, mas Haply ergueu a voz:

— Tai-pan, posso lhe fazer uma pergunta? Todas as atenções concentraram-se nele.

— Qual?

— Sei que é costume, nos casos de compra de controle, dar-se um sinal em dinheiro, como prova de boa fé. Posso perguntar-lhe qual a quantia que a Struan dará?

Todos esperaram, com a respiração presa, observando Dunross. Ele manteve a pausa, os olhos percorrendo os rostos, curtindo a emoção, sabendo que todos o queriam humilhado, quase todos, exceto... exceto quem? Casey, por exemplo, embora estivesse por dentro. Bartlett? Não sabia, não com certeza. Claudia? Ah, sim, Claudia fitava-o, o rosto sem cor. Donald McBride, Gavallan, até mesmo Jacques. Seus olhos se detiveram em Martin Haply.

— Talvez o sr. Pugmire prefira que esse detalhe lhe seja fornecido em particular — falou, dando-lhes corda. — Não é, Pug?

Gornt interrompeu Pugmire, e falou, desafiador:

— Ian, já que decidiu ser heterodoxo, por que não tornar tudo público? O sinal que se dá mede o valor da proposta. Não é?

— Não. Na verdade, não. — Dunross ouviu o vozerio distante e abafado que indicava a largada do terceiro páreo, e teve certeza, olhando os rostos, de que mais ninguém o ouvira, além dele. — Está bem, vá Iá — disse, despreocupadamente.

— Pug, que tal dois milhões de dólares americanos, junto com os papéis, às nove e meia de segunda-feira? Prova de boa fé.

Uma exclamação abafada percorreu o aposento. Havergill, Johnjohn, Southerby, Gornt, estavam todos estupefatos. Phillip Chen quase desmaiou. Involuntariamente, Havergill começou:

— Ian, não acha que nós, bem... Dunross virou-se bruscamente para ele.

— Por quê? Não acha o bastante, Paul?

— Oh, sim, claro, mais do que o bastante, mas, bem... Havergill foi parando de falar, sob o olhar de Dunross.

— Ah, por um momento... — Dunross se deteve, fingindo ter tido um súbito pensamento. — Ora, não precisa se preocupar, Paul, não o envolvi sem o seu consentimento, é claro. Tenho financiamento alternativo para essa transação, financiamento externo — continuou, com seu encanto suave.

— Como sabem, bancos japoneses e muitos outros estão ansiosos para se expandir na Ásia. Achei melhor, para manter tudo secreto e impedir os "vazamentos " habituais, obter o financiamento externamente até estar pronto para fazer o comunicado. Felizmente, a Casa Nobre tem amigos no mundo todo! Até logo mais, para todos!

Virou-se e saiu. Phillip Chen seguiu-o. Martin Haply dirigiu-se para o telefone, e então todos começaram a falar a um só tempo, dizendo "Não acredito, pombas, que o Ian tenha esse tipo de fundos externos..."

Em meio à confusão, Havergill perguntou a Johnjohn:

— Qual o banco japonês?

— Tomara eu soubesse. Se o Ian obteve o financiamento para essa... meu Deus, dois milhões de dólares americanos é o dobro do que precisaria oferecer.

Southerby, que esperava junto deles, enxugou a palma das mãos.

— Se o Ian fechar esse negócio, valerá dez milhões de dólares americanos no primeiro ano, no mínimo. — Deu um sorriso sardônico. — Bem, Paul, está parecendo que nós dois ficamos por fora dessa boca.

— É, é o que parece, mas não sei como o Ian pôde... e manter tudo tão secreto!

Southerby inclinou-se mais para junto dele.

— Nesse meio tempo — perguntou baixinho —, o mais importante: e quanto ao Tiptop?

— Nada, ainda nada. Não respondeu aos meus telefonemas, nem aos do Johnjohn. — Os olhos de Havergill pousaram em Gornt, que agora estava conversando em particular com Plumm. — E Quillan, o que fará agora?

— Terá que comprar logo cedo na segunda. Tem que fazê-lo. Agora tem, é perigoso demais deixar como está — disse Southerby.

— Concordo — falou Sir Luís Basílio, reunindo-se a eles. — Se o Ian pode dispor de tanto dinheiro, quem andou vendendo as ações dele a descoberto que se cuide. Por falar nisso, andamos comprando ações da General Stores para representantes, nesta última semana. Provavelmente o Ian, não? Ele tem que ter tomado uma posição, o sortudo!

— É — resmundou Johnjohn. — O que não consigo é descobrir... Santo Deus, e se agora ele vencer com Noble Star? Com uma sorte dessas, podia virar toda essa situação a seu favor! Sabe como são os chineses.

— É — falou Gornt, intrometendo-se, e espantando-os.

— Mas graças a Deus não somos todos chineses. Ainda temos que ver a cor do dinheiro.

— Ele tem que tê-lo... precisa tê-lo — falou Johnjohn.

— É uma questão de prestígio.

— Ah, prestígio. — Gornt tornou-se sarcástico. — Às nove e meia, não? Se ele fosse realmente esperto, teria dito meio-dia, ou três horas, assim teríamos passado o dia todo sem saber, e ele poderia ter-nos manipulado o dia todo. Mas, agora... — Gornt deu de ombros. — De qualquer modo eu ganho milhões, se não o controle.

Lançou um olhar para o outro lado da tribuna barulhenta, fez um sinal de cabeça para Bartlett e Casey, depois afastou-se.

Bartlett tomou Casey pelo braço, e conduziu-a até o balcão.

— O que achou? — perguntou ele, baixinho.

— Do Gornt?

— Do Dunross.

— Fantástico! Ele é fantástico. "Banco japonês"... uma pista falsa espetacular — disse ela, entusiasmada. — Pôs o grupo todo louco, dava para se ver, e se pôs esse grupo, porá Hong Kong inteira. Ouviu o que disse Southerby?

— Claro. Parece que vamos todos ficar numa boa... se ele conseguir escapar da armadilha de Gornt.

— Tomara que sim. — Foi então que ela notou o sorriso dele. — O que foi?

— Sabe o que acabamos de fazer, Casey? Acabamos de comprar a Casa Nobre com a promessa de dois milhões de dólares.

— Como?

— O Ian está fazendo o jogo confiando nos meus dois milhões.

— Não é um jogo, Linc. Foi um trato.

— Claro. Mas, digamos que eu não entre com a grana. Todo o seu castelo de cartas desaba. Se não conseguir aqueles dois milhões, está acabado. Ontem, disse ao Gornt que eu podia puxar o tapete na segunda de manhã. Digamos que eu retire os dois milhões do Ian antes de o mercado abrir. O Ian entra pelo cano.

Ela o fitou, abismada.

— Você não faria isso!

— Viemos para cá para fazer uma incursão e nos tornarmos a Casa Nobre. Olhe o que o Ian fez com o Biltzmann, o que todos eles fizeram com ele. O pobre coitado nem soube direito o que o atingiu. Pugmire fez um acordo, mas voltou atrás para aceitar a proposta melhor do Ian. Certo?

— Isso é diferente. — Olhou fundo nos olhos dele. — Vai voltar atrás, depois de ter feito um acordo?

Bartlett deu um sorriso estranho, olhou Iá para baixo, para a multidão espremida, e para o totalizador.

— Pode ser. Pode ser que isso dependa de quem faça o quê para quem durante o fim de semana. Gornt ou Dunross, pra mim dá no mesmo.

— Não concordo.

— Claro, Casey, eu sei — disse ele, calmamente. — Mas são os meus dois milhões e o meu jogo.

— É, e a sua palavra e o seu prestígio! Você selou o acordo com um aperto de mãos.

— Casey, essa turma aqui comeria a gente no café da manhã, se tivesse uma chance. Acha que Dunross não nos passaria a perna, se tivesse que escolher entre ele e nós? Depois de uma pausa, ela falou:

— Está querendo dizer que um acordo nunca é um acordo, não importa o quê?

— Quer quatro milhões livres de impostos?

— Já sabe a resposta.

— Digamos que você vá receber quarenta e nove por cento da nova companhia Par-Con-Gornt, limpinhos. Deve valer isso.

— Mais — retrucou, temendo o rumo que a conversa tomava, e pela primeira vez na vida repentinamente insegura quanto a Bartlett.

— Quer esses quarenta e nove por cento?

— Em troca do quê, Linc?

— Em troca do apoio integral, cem por cento, à Gornt-Par-Con.

Sentiu uma fraqueza no estômago e olhou para ele, insistentemente, tentando ler seus pensamentos. Normalmente podia fazê-lo, mas não mais, desde Orlanda.

— É o que você está me oferecendo?

Ele sacudiu a cabeça, com o mesmo sorriso, a mesma voz.

— Não. Ainda não.

Ela estremeceu, temendo aceitar o negócio, se a oferta fosse pra valer.

— Que bom, Incursor. É, que bom, acho.

— A questão é direta e simples, Casey: Dunross e Gornt jogam para vencer, mas com objetivos diferentes. Ora, esta tribuna particular significaria mais para eles dois do que dois ou quatro milhões. Nós viemos para cá, eu e você, para obter lucro e vencer.

Os dois olharam para o céu, ao sentirem algumas gotas de chuva. Mas elas caíam do toldo, não voltara a chover. Ela começou a dizer qualquer coisa, depois parou.

— O que é, Casey?

— Nada.

— Vou circular por aí, ver qual é a reação. Encontro-a no nosso reservado.

— E quanto ao quinto? — perguntou ela.

— Espere pelas probabilidades. Volto antes da largada.

— Divirta-se!

Acompanhou-o com os olhos enquanto ele se retirava. Depois virou-se e debruçou-se no balcão para se esconder dele e de todos. Quase fizera a pergunta: "Vai puxar o tapete e voltar atrás?"

"Meu Deus, antes de Orlanda... antes de Hong Kong... eu jamais precisaria fazer a pergunta. Linc jamais voltaria atrás num acordo, antes. Mas agora, agora não tenho certeza."

Estremeceu de novo. "E quanto às minhas lágrimas? Nunca agi assim antes, e quanto ao Murtagh? Será que devo contar ao Linc sobre o Murtagh, agora... ou depois... porque sem dúvida ele terá que saber, antes das nove e meia de segunda-feira. Ah, Deus, quem dera nunca tivéssemos vindo para cá!"

A chuva ligeira salpicou o hipódromo, e alguém murmurou :

— Pombas, espero que não piore!

A pista já estava danificada, lamacenta e muito deslizante. Do lado de fora da entrada principal, a rua estava cheia de poças e escorregadia. O tráfego era denso, e muitas pessoas atrasadas ainda passavam pelas borboletas.

Roger Crosse, Sinders e Robert Armstrong saltaram do carro de polícia e cruzaram as barreiras e postos de controle até o elevador dos sócios, os distintivos de lapela azuis tremulando. Havia cinco anos Crosse era sócio votante, Armstrong havia um. Naquele ano Crosse também era um dos administradores. Todos os anos o comissário da polícia sugeria aos administradores que a polícia deveria ter sua própria tribuna, e todos os anos os administradores concordavam entusiasticamente, e nada acontecia.

Na tribuna dos sócios, Armstrong acendeu um cigarro. Seu rosto estava vincado, os olhos, cansados. O salão imenso e lotado ocupava metade do comprimento das tribunas. Foram até o bar e pediram bebidas, cumprimentando os outros sócios.

— Quem é aquela? — quis saber Sinders. Armstrong acompanhou-lhe o olhar.

— Aquela é um pouco da nossa cor local, sr. Sinders. — A voz dele era sardônica. — O nome dela é Vênus Poon, e é a nossa estrelinha máxima da tv.

Vênus Poon usava um casaco de vison comprido e estava cercada por um grupo de admiradores chineses.

— O sujeito à esquerda dela é Charles Wang; é um produtor de filmes multimilionário, proprietário de cinemas, cabarés, clubes noturnos, bares, garotas e um par de bancos na Tailândia. O velho miúdo que se parece com um bambu, e é tão resistente quanto um deles, é o Wu Quatro Dedos, um dos nossos piratas locais... o contrabando é o seu meio de vida, e é muito bom.

— É — concordou Crosse. — Quase o pegamos, há uns dois dias. Achamos que anda envolvido com heroína... e ouro, é claro.

— Quem é o nervosinho de terno cinza? O sujeito do lado de fora?

— Aquele é Richard Kwang, do desastre do Ho-Pak — falou Armstrong. — Ele é o atual, ou era o atual, digamos, coronel dela.

— Interessante. — Sinders concentrou-se em Vênus Poon. O vestido dela era decotado e provocante. — É, muito. E quem é aquela outra? Ali, junto com o europeu.

— Onde? Ah, aquela é Orlanda Ramos, portuguesa, o que aqui geralmente quer dizer eurasiana. Já foi amante de Quillan Gornt. Agora, não sei. O homem é Linc Bartlett, o "contrabandista de armas".

— Ah! Ela não é comprometida?

— Talvez.

— Parece dispendiosa. — Sinders sorveu a sua bebida e soltou um suspiro. — Deliciosa, mas cara.

— Eu diria que muito — disse Crosse, com ar de desagrado. Orlanda Ramos estava com várias mulheres de meia-idade, todas vestindo roupas assinadas, cercando Bartlett. — Um pouco exagerada para o meu gosto.

Sinders olhou para ele, surpreso.

— Há anos que não vejo tantas beldades... ou tantas jóias. Já houve algum assalto aqui?

Crosse arregalou os olhos.

— No Turf Club? Santo Deus, ninguém teria coragem! Armstrong abriu o seu sorriso amargo.

— Cada policial que presta serviço aqui, do mais alto ao mais baixo, passa a maior parte do tempo tentando bolar o assalto perfeito. A coleta final do dia deve ser de uns quinze milhões, no mínimo. Ainda não conseguimos. A segurança é boa demais, bem bolada demais... obra do sr. Crosse.

— Ah! Crosse sorriu.

— Quer comer alguma coisa, Edward? Que tal um sanduíche?

— Boa idéia. Obrigado.

— Robert?

— Não, senhor, obrigado. Se não se importa, vou estudar o programa da corrida, e depois os verei.

Armstrong estava dolorosamente cônscio de que, após o sétimo páreo, deviam voltar ao QG, onde Brian Kwok deveria ser submetido a outra sessão.

— Robert é um apostador dos brabos, Edward. Robert, faça-me um favor, acompanhe o sr. Sinders, mostre-lhe onde apostar, e peça um sanduíche para ele. É melhor eu ir ver se o governador está livre um momentinho... volto logo.

— Com prazer — disse Armstrong, detestando a idéia, o envelope com os quarenta mil dólares de h'eung yau que tirara da mesa, impulsivamente, queimando como fogo no bolso. "Porra! Sim ou não?", perguntava-se sem parar, tentando sombriamente decidir, e o tempo todo tentando afastar da mente o horror do seu amigo Brian e da próxima sessão... não, não mais o seu amigo, mas um agente inimigo altamente treinado e dedicado, um "peixe" enormemente valioso que haviam descoberto por milagre.

— Robert — disse Crosse, mantendo a voz deliberadamente bondosa —, você fez um bom trabalho, hoje. Muito bom.

— É — concordou Sinders. — Providenciarei para que o ministro saiba da sua ajuda, e, naturalmente, o comando.

Crosse dirigiu-se para o elevador. Aonde quer que fosse, era seguido por olhares chineses nervosos. No último andar, ignorou o reservado do governador e entrou no de Plumm.

— Alô, Roger! — cumprimentou-o Plumm, amavelmente. — Quer uma bebida?

— Um café seria ótimo. Como vão indo as coisas?

— Perdi a camisa, por enquanto, embora muitos de nós tenhamos acertado a primeira parte da loteria. E você?

— Acabei de chegar.

— Ah, então perdeu o teatro! — Plumm contou a Crosse sobre a proposta de compra de controle de Dunross. — Ian frustrou o plano de Pug.

— Ou fez-lhe uma excelente oferta — manifestou-se alguém.

— Verdade, verdade.

O reservado de Plumm estava lotado, como todas as demais tribunas particulares. Muito bate-papo e risos, bebidas e boa comida.

— O chá vai chegar daqui a meia hora. Vou dar uma passadinha na sala do comitê dos administradores, Roger. Quer ir comigo?

A sala do comitê ficava no fim do corredor, do outro lado de portas giratórias vigiadas. Era pequena, com uma mesa de doze cadeiras, um telefone, boas janelas dando para a pista e um balcãozinho. E estava vazia. Imediatamente, a fachada simpática de Plumm se desfez.

— Falei com Suslev.

— Foi?

— Está furioso com a batida de ontem no Ivánov.

— Posso imaginar. Foram ordens de Londres. Eu só soube hoje de manhã. Maldito Sinders!

Plumm fechou ainda mais a cara.

— Será que estão desconfiando de você?

— Ah, não. É só rotina. É só a Divisão Especial, a MI-6 e Sinders distendendo as asas. São uma turma muito reservada, e com razão. Não têm nada a ver com o sei. Continue.

— Ele me pediu que, se você viesse, lhe dissesse que estaria junto a uma cabine telefônica. — Plumm passou-lhe um pedaço de papel. — Eis o número. Estará aí exatamente na largada dos três próximos páreos. Por favor, ligue para ele... falou que era urgente. Que diabo, qual o motivo da batida?

— Foi só para assustar todo o pessoal do KGB a bordo, assustá-los o bastante para desentocar a Sevrin. Pressão. Assim como a ordem para o Suslev e o novo comissário apareceram no QG no domingo. Só para dar um susto.

— Pode apostar que o Suslev está assustado. — Um sorriso sardônico perpassou pelo belo rosto de Plumm. — O esfíncter dele vai ficar fora de forma pelo menos uns dez anos. Todos eles terão que dar um bocado de explicações. Quando o Armstrong invadiu "por acaso" a sala de rádio, o Vermelho Um foi acionado, e eles obediente e desnecessariamente destruíram todo o seu equipamento de interferência e de deci-fração, juntamente com os exploradores de radar sigilosos.

Crosse deu de ombros.

— O Ivánov está indo embora, e tem bastante equipamento para substituir os que foram danificados. Não foi culpa do Suslev, ou nossa. Podemos enviar um relatório contando ao Centro o que houve. Se quisermos.

— Se? — indagou Plumm, estreitando os olhos.

— Rosemont e seus capangas da CIA pegaram um copo na batida que deram no Sinclair Towers. As impressões digitais de Suslev estão espalhadas nele.

Plumm empalideceu.

— Porra! Agora ele está fichado?

— Tem que estar. Está nos nossos arquivos, como sabe, não como membro do KGB, e acho que tenho as únicas cópias existentes das suas digitais. Retirei-as do dossiê dele, há anos. Eu diria que é apenas uma questão de tempo. A CIA logo saberá quem ele é. Portanto, quanto mais cedo ele sair de Hong Kong, melhor.

— Acha que devemos contar ao Centro? — perguntou Plumm, inquieto. — Vão estourar com ele por ter sido tão descuidado.

— Podemos decidir no fim de semana. Conhecíamos Voranski há anos, sabíamos que era de confiança. Mas, e esse homem? — Crosse deixou a palavra no ar, continuando a fingir que seu contato com Suslev era recente, como o de Plumm. — Afinal de contas, não é ele apenas um oficial inferior do KGB, um mensageiro metido a besta? Não é nem mesmo o substituto oficial do Voranski, e temos que pensar em nós.

— É verdade! — Plumm ficou mais duro. — Vai ver que é mesmo um bestalhão. Eu sei que não fui seguido até o Sinclair Towers. E quanto ao cabograma decifrado... puta que o pariu!

— O quê?

— O cabograma decifrado... aquele que ele deixou cair e o Armstrong pegou no convés do Ivánov. Temos que decidir quanto a isso.

Crosse virou-se para ocultar o seu choque e lutou para controlar-se, abismado de que nem Armstrong nem Sinders houvessem mencionado qualquer cabograma. Fingiu abafar um bocejo, para disfarçar.

— Desculpe, passei a maior parte da noite acordado — falou, fazendo um esforço enorme para manter o tom de voz normal. — Ele lhe contou o que havia nele?

— Claro. Eu insisti.

Crosse viu que Plumm o observava.

— Ele disse o que exatamente havia nele?

— Como? Quer dizer que podia estar mentindo? — Plumm deixou transparecer a sua ansiedade. — Era qualquer coisa como: "Informe Arthur que, atendendo ao seu pedido para uma Prioridade Um para o traidor Metkin, ordenou-se uma intercepção imediata para Bombaim. Segundo, a reunião com o americano foi antecipada para o domingo. Terceiro e final: as pastas de Alan continuam sendo Prioridade Um. O máximo esforço deve ser feito pela Sevrin para obter sucesso. Centro". — Plumm molhou os lábios. — Está correto?

— Está — disse Crosse, arriscando, quase molhado de alívio. Começou a pesar as probabilidades quanto a Arsmtrong e Sinders. "Por que, deliberadamente, por que não me contaram nada?"

— Terrível, não é? — comentou Plumm.

— É, mas não é sério.

— Não concordo — disse Plumm com irritação. — Isso liga definitivamente o KGB à Sevrin, confirma definitivamente a existência de Arthur e da Sevrin.

— É, mas as pastas de Alan já haviam feito isso. Acalme-se, Jason, estamos seguríssimos.

— Estamos? Tem havido "vazamentos" demais para o meu gosto. Demais. Talvez devamos parar as atividades por algum tempo.

— Estamos parados. São apenas aquelas malditas pastas do Alan que estão nos causando problemas.

— É. Pelo menos o sacana do Grant não foi completamente exato.

— Está se referindo ao Banastasio?

— É. Ainda pergunto onde diabos ele se encaixa.

— É.

Na pasta de Alan que fora interceptada, Banastasio era mencionado erroneamente como a ligação americana da Sevrin. Fora apenas depois da pasta que Crosse soubera por Rosemont quem Banastasio realmente era.

— O sujeito que foi recebê-lo foi Vee Cee Ng — disse Crosse.

— Ng Fotógrafo? — perguntou Plumm, alçando as sobrancelhas. — Qual a ligação dele?

— Não sei. Navegação, navios, contrabando... está metido em todo tipo de negócios escusos — disse Crosse, dando de ombros.

— Será que a teoria daquele tal escritor tem fundamento? Como é o nome dele? Marlowe. Será que o KGB está operando no nosso território sem nos contar?

— É possível. Ou poderia ser um departamento completamente diferente, quem sabe o gru, instigado nos Estados Unidos pelo KGB ou pelo GRU locais. Ou apenas uma coincidência. — Crosse agora estava de novo controlado, o susto do cabograma se dissipando. Pensava agora com muito mais clareza. — O que Suslev quer de tão urgente?

— Nossa cooperação. Koronski chega no avião da tarde.

— Centro? — perguntou Crosse, soltando um assobio.

— É. Houve um recado hoje de manhã. Agora que o equipamento do Ivánov está destruído, passei a ser o mensageiro.

— Ótimo. Qual é o nome falso dele?

— Hans Meikker, Alemanha Ocidental. Vai ficar no Sete Dragões. — A ansiedade de Plumm aumentou. — Escute, Suslev falou que o Centro ordenou que nos preparássemos para seqüestrar o Ian e...

— Ficaram malucos! — explodiu Crosse.

— Concordo, mas o Suslev disse que é a única maneira de descobrirmos rapidamente se as pastas são falsas ou não e, se são, onde estão as verdadeiras. Ele alega que Koronski pode fazê-lo. Num interrogatório com substâncias químicas... bem... a memória do Ian pode ser... esvaziada.

— Que loucura! — disse Crosse. — Nem temos certeza de que as pastas são falsificadas. É apenas uma suposição, pelo amor de Deus!

— Suslev disse que o Centro falou que podemos pôr a culpa nos Lobisomens. Os sacanas seqüestraram John Chen. Por que não tentariam botar a mão no dinheiro grosso do tai-pan?

— Não. É perigoso demais. Plumm enxugou as mãos.

— Seqüestrar o Ian agora deixaria os tai-pans e Hong Kong alucinados. Poderia ser a hora perfeita, Roger.

— Por quê?

— A Casa Nobre ficaria totalmente desnorteada, e com toda essa corrida aos bancos e o desastre da Bolsa, Hong Kong entraria pelo cano, e isso deixaria a China em estado de choque. Faríamos a causa dar um salto de dez anos, e ajudaríamos incomensuravelmente o comunismo internacional e os trabalhadores do mundo. Porra, Roger, já não está cheio de ficar sentado e bancar o menino de recados? Agora podemos realizar o propósito da Sevrin quase sem risco algum. Depois disso, "fecharemos para balanço" por algum tempo.

Crosse acendeu um cigarro. Notara a tensão na voz de Plumm.

— Vou pensar no assunto — falou, finalmente. — Deixemos como está, no momento. Ligo para você hoje à noite. Suslev disse quem era o americano mencionado no cabograma?

— Não. Só disse que não tinha nada a ver conosco. A voz de Crosse endureceu.

— Aqui, tudo tem a ver conosco.

— Concordo. —- Plumm observava-o. — Também podia ser uma palavra em código, um codinome para alguém.

— É possível.

— Tenho um palpite. Banastasio.

— Por que ele? — perguntou Crosse, tendo chegado à mesma conclusão.

— Não sei, mas aposto que todo o golpe, se é que é um golpe, tem que ter inspiração, ou assistência, do KGB. É um clássico Sun Tse: usar a força do inimigo contra ele mesmo... os dois inimigos, os Estados Unidos e a China. Um Vietnam forte e unido é garantido militarmente contra a China. Certo?

— É possível. E, tudo se encaixa — concordou Crosse. "Exceto uma coisa", pensou. "Vee Cee Ng." Até que Brian Kwok tivesse cuspido "Vee Cee é um de nós", ele não tivera a mínima suspeita de que o sujeito fosse outra coisa que não um fotógrafo "avançado" e um comerciante capitalista. — Se o Banastasio é o americano, logo saberemos. — Acabou de fumar o seu cigarro. — Mais alguma coisa?

— Não. Roger, pense no Dunross. Por favor. Os Lobisomens tornam a coisa possível.

— Estou pensando.

— Este fim de semana seria perfeito, Roger.

— Eu sei.

Orlanda observava os cavalos pelo binóculo de longo alcance, quando eles deram a largada para o quarto páreo. Estava num dos cantos do balcão dos sócios, com Bartlett todo feliz ao seu lado, todo mundo olhando para os cavalos, menos ele. Observava-a, a curva dos seios sob a seda, o ângulo das maçãs do rosto, a intensidade do seu entusiasmo.

— Vamos, Crossfire — murmurava —, vamos! Está em quinto, Linc, vamos, beleza, vamos...

Deu uma risadinha abafada, que Orlanda nem notou. Haviam combinado encontrar-se ali entre o terceiro e o quarto páreo.

— Você é sócia votante? — perguntara-lhe na véspera.

— Ah, não, meu querido. Vou apenas com amigos, velhos amigos da minha família. Quer mais uma bebida?

— Não, não, obrigado... é melhor eu ir andando.

Haviam-se beijado, e ele sentira novamente que ela correspondera integralmente. Aquilo o perturbara, deixara-o nervoso durante toda a travessia da baía, e durante a maior parte da noite. Por mais que tentasse, não estava fácil conter seu desejo por ela, e mantê-lo em perspectiva.

"Você está perdido, meu velho", falou com seus botões, observando-a tocar os lábios com a ponta da língua, os olhos concentrados, esquecida de tudo, exceto dos seus cinqüenta dólares no grande cavalo pardo, o favorito.

— Vamos... vamos... ah, ele está avançando, Linc... ah, está em segundo...

Bartlett olhou para os cavalos, que agora galopavam na reta final: Crossfire, o grande pardo, bem colocado atrás de Western Scot, um capão castanho que corria ligeiramente na liderança, a pista muito difícil... um cavalo caíra no terceiro páreo. Agora, um dos concorrentes deu uma arrancada, um capão, Winwell Stag, pertencente a Havergill, que Peter Marlowe indicara como vencedor, e vinha firme por fora, com Crossfire e Western Scot corpo a corpo bem à frente, todos os chicotes agora funcionando em meio ao vozerio crescente.

— Ande, vamos, vamos, vamos, Crossfire... ah, ele ganhou, ganhou!

Bartlett riu em meio ao pandemônio quando a alegria de Orlanda explodiu e ela o abraçou.

— Oh, Linc, que maravilha!

Dali a um momento, outra explosão de vozes quando os números vencedores apareceram no painel do totalizador, confirmando a sua ordem. Agora, todos esperavam pelo resultado final das apostas. Novos vivas ruidosos. Crossfire pagou 5 por 2.

— Não é muito — comentou.

— É sim, é sim, é sim! — Orlanda nunca lhe parecera tão linda, o chapéu dela uma graça, muito mais bonito do que o de Casey... ele o notara de pronto, e o elogiara. Ela se debruçou para a frente, apoiou-se na grade e olhou para o círculo do vencedor. — Lá está o proprietário, Vee Cee Ng, é um dos nossos xangaienses milionários, comerciante. Meu pai o conhecia bem.

Passou o binóculo para ele. Bartlett focalizou-o. O homem que trazia o cavalo com a guirlanda para o círculo do vencedor vestia roupas caras, era um chinês sorridente e encorpado, na casa dos cinqüenta anos. Depois Bartlett reconheceu Havergill, conduzindo o seu Winwell Stag, segundo colocado, derrotado por um focinho. No paddock viu Gornt, Plumm, Pugmire, e muitos dos administradores. Dunross estava perto da cerca, falando com um homem menor. O governador ia de grupo em grupo, com a mulher e o ajudante-de-ordens. Bartlett observava-os com uma pontinha de inveja, os proprietários, ali de pé, com bonés, guarda-chuvas e cadeirinhas portáteis, mulheres, e namoradas dispendiosas, cumprimentando-se entre si, todos sócios do clube exclusivo, a casa de força de Hong Kong, ali e nos reservados acima. "Tudo muito britânico", pensou, "tudo muito afável. Será que me encaixarei melhor do que o Biltzmann? Claro. A não ser que desejem que eu pule fora tanto quanto desejavam que ele pulasse. Serei um sócio votante facilmente. Foi o que Ian disse. Orlanda se encaixaria aqui? Claro. Como mulher ou namorada, dá no mesmo."

— Quem é aquele? — perguntou. — O homem que está falando com o tai-pan?

— Ah, é Aleksei Travkin, o treinador do tai-pan... Parou de falar quando Robert Armstrong aproximou-se deles.

— Boa tarde, sr. Bartlett — disse ele, polidamente. — Também apostou no vencedor?

— Não, não, esse eu perdi. Deixe-me apresentar-lhe a srta. Ramos; Orlanda Ramos, superintendente Robert Armstrong, do DIC.

— Alô — cumprimentou ela, sorrindo para Armstrong, e ele notou a sua cautela imediata. "Por que todos eles têm medo de nós, tanto os inocentes quanto os culpados?", perguntou a si mesmo, "quando tudo o que pretendemos é fazer com que as leis deles sejam cumpridas, tentar protegê-los dos bandidos e dos ímpios? Ê porque todo mundo infringe alguma lei, mesmo uma pequenina, cada dia, a maioria dos dias, porque muitas das leis são cretinas... como as nossas leis de apostas. Portanto, todos são culpados, até mesmo você, mocinha bonita, com o andar, oh, tão sensual, e o sorriso, oh, tão convidativo! Para o Bartlett. Qual o crime que cometeu hoje, para apanhar no laço esse pobre inocente?" Sorriu sardonicamente consigo mesmo. "Não tão inocente na maioria das coisas. Mas, contra alguém treinado por Quillan Gornt? Uma eurasiana linda e faminta, cujo único caminho é o da descida? Ayeeyah! Mas, ah, como gostaria de trocar de lugar! É, você com suas armas, dinheiro, gatas como Casey e essa aí, e encontros com a escória do mundo, como Banastasio, ah, sim... daria dez anos da minha vida, mais, porque hoje juro por Deus que abomino o que tenho que fazer, o que apenas eu posso fazer pela velha e querida Inglaterra."

— Apostou no favorito, também? — perguntava ela.

— Não, infelizmente não.

— Este é o segundo vencedor dela — disse Bartlett, cheio de orgulho.

— Ah, se está numa maré de sorte, quem é o seu candidato para o quinto?

— Venho tentando decidir, superintendente. Não tenho palpite... pode ser qualquer um. Qual o seu palpite?

— Falaram-me em Winning Billy. Mas também não consigo me decidir. Bem, boa sorte.

Armstrong retirou-se, dirigindo-se para o guichê de apostas. Apostara quinhentos no terceiro colocado, cobrindo as outras apostas. Sempre escolhia uma aposta principal e depois jogava com outras, na esperança de levar vantagem. Era o que acontecia, na maioria das vezes. Naquela tarde estava um pouco em desvantagem, mas não havia ainda tocado nos quarenta mil.

No corredor, hesitou. O Cobra, o inspetor-chefe Donald C. C. Smyth, afastava-se de um dos movimentados guichês dos vencedores, um maço de notas nas mãos.

— Alô, Robert. Como vai indo?

— Mais ou menos. Está numa boa de novo?

— Eu tento. — O Cobra achegou-se mais. — Como vai indo tudo?

— Andando.

Novamente Armstrong sentiu-se nauseado ao pensar em mais uma sessão do Quarto Vermelho, depois em ficar ali sentado, deixando a mente de Brian Kwok pôr para fora seus segredos mais escondidos, lutando contra o relógio que funcionava ininterruptamente... todos conscientes de que o governador estava pedindo permissão a Londres para fazer a troca.

— Você não está com boa cara, Robert.

— Não me sinto bem. Quem vai ganhar o quinto?

— Dei uma espremida no seu amigo Pé Torto, do Para. Falam em Pilot Fish. Ele deu a dica do Buccaneer no primeiro, embora, com essa pista, tudo possa acontecer.

— É. Alguma novidade sobre os Lobisomens?

— Nada. É um beco sem saída. Toda a área está sendo revistada, mas, com essa chuvarada, praticamente não há esperanças. Entrevistei Dianne Chen hoje de manhã... e a mulher de John Chen, Barbara. Só papo furado. Apostaria cinco dólares contra um alfinete torto de chapéu que elas sabem mais do que estão contando. Tive uma conversa ligeira com Phillip Chen, mas ele também não cooperou. O pobre infeliz está abaladíssimo. — O Cobra ergueu os olhos para ele. — Por acaso Mary tinha alguma pista sobre o John?

Armstrong devolveu-lhe o olhar.

— Ainda não tive oportunidade de perguntar a ela. Hoje à noite... se me derem algum sossego.

— Não darão. — O rosto de Smyth se enrugou com um sorriso retorcido. — Aposte os seus quarenta em Pilot Fish.

— Que quarenta?

— Um passarinho me contou que um certo ninho de ovos de ouro fugiu de seu galinheiro... se me desculpa a metáfora. — O homem mais baixo deu de ombros. — Não se preocupe, Robert, divirta-se. Acabando esse, há muito mais. Boa sorte.

Afastou-se. Armstrong acompanhou-o com os olhos, odiando-o.

"O sacana tem razão", pensou. "Sempre haverá mais. E se você aceitou o primeiro, por que não o segundo? E embora você não dê nada, não admita nada, não garanta nada, chegará um dia... tão certo como Deus criou os peixinhos do mar, sempre haverá uma retribuição.

"Mary. Ela precisa de umas férias, precisa muito, e há a conta do corretor a pagar, e todas as outras contas, e oh, Deus, com esse mercado que endoidou estou quase a zero. Maldito seja o dinheiro... ou a falta dele.

"Os quarenta numa loteria vencedora resolveriam tudo. Ou jogo tudo em Pilot Fish? Tudo, a metade ou nada. Se for tudo, há tempo de sobra para fazer apostas nos outros guichês."

Seus pés o conduziram para uma das filas de apostas. Muitos o reconheceram, e aqueles que o fizeram, sentindo seu instantâneo medo interno, desejaram que a polícia tivesse a sua própria tribuna e seus próprios guichês, e não se misturasse aos cidadãos honestos. Wu Quatro Dedos era uma dessas pessoas. Apressadamente, apostou cinqüenta mil nos números de Pilot Fish e Butterscotch Lass, e voltou rapidinho para a sala dos sócios, para bebericar o seu conhaque com soda, agradecido. "Polícia carne de cachorro nojenta, assustando cidadãos honestos", pensou, esperando pela volta de Vênus Poon. "Eeeee", casquinou ele, "a Ravina Dourada dela vale cada quilate do diamante que lhe prometi ontem à noite. Duas Nuvens e Chuva antes do alvorecer e uma promessa de novo encontro no domingo, quando o yang recobrar o seu..."

Um urro súbito da multidão Iá fora desviou seu pensamento. Prontamente, foi abrindo caminho aos empurrões pelo povo que lotava o balcão. Os nomes dos cavalos e jóqueis do quinto páreo apareciam no painel, um por um. Pilot Fish, número 1, recebeu vivas entusiásticos; depois Street Vendor, um azarão, 2; Golden Lady, 3, e uma onda de emoção varreu os seus muitos torcedores. Quando Noble Star, 7, apareceu no painel, ouviu-se uma enorme zoeira, e quando apareceu o último nome, número 8, a favorita Butterscotch Lass, a zoeira ainda foi maior.

Junto à cerca, Dunross e Travkin inspecionavam sombriamente a grama. Estava danificada e escorregadia. Quanto mais perto da cerca, pior. Acima, o céu ficava mais escuro e pesado. Começou a chuviscar, e um gemido nervoso escapou de cinqüenta mil gargantas.

— Está uma droga, tai-pan — disse Travkin —, a pista está uma droga.

— Está igual para todos.

Dunross reavaliou as probabilidades pela última vez. "Se eu montar e ganhar, o bom augúrio será imenso. Se eu montar e perder, será um péssimo augúrio. Ser derrotado por Pilot

Fish será ainda pior. Eu poderia me ferir facilmente. Não posso me permitir... a Casa Nobre não se pode permitir ficar acéfala hoje, amanhã ou segunda-feira. Se Travkin montar e perder, ou acabar a corrida depois de Pilot Fish, será ruim, mas não tão ruim. Será joss.

"Mas não vou me ferir. Vou ganhar. Quero vencer esse páreo mais do que qualquer coisa no mundo. Não vou falhar. Não tenho certeza quanto ao Aleksei. Posso ganhar... se os deuses estiverem comigo. É, mas o quanto você está preparado para arriscar nos deuses?"

— Eeee, jovem Ian — dissera-lhe o velho Chen-chen muitas vezes —, não se fie muito na ajuda dos deuses, não importa o quanto você lhes ofereça em ouro e promessas. Os deuses são os deuses, e os deuses vão almoçar ou dormir, ficam chateados e desviam os olhos. Os deuses são iguais às pessoas: bons e maus, preguiçosos e fortes, doces e amargos, burros e sábios! Por que outro motivo são deuses, heya?

Dunross podia sentir seu coração batendo forte, e sentir o cheiro quente, acre, doce e azedo do suor dos cavalos, a movimentação que cegava a mente e agitava o espírito, as mãos agarrando o chicote, encolhido no canto, agora na reta anterior, agora a curva final, o terror fantástico, doído, doce da velocidade, usando o chicote, enfiando os calcanhares, todo estirado agora, cuidadosamente encostando Pilot Fish na cerca, desequilibrando-o, e agora na reta final, à toda na final, Pilot Fish vindo atrás, a linha de chegada adiante... chegando... chegando... vencendo...

— Temos que decidir, tai-pan. É a hora.

Dunross voltou devagar ao presente, um gosto amargo na boca.

— É. Você monta — falou, colocando a Casa Nobre antes dele mesmo.

E agora que tinha falado, pôs o resto de lado e bateu calorosamente nos ombros de Travkin.

— Vença, Aleksei. Vença, por Deus.

O homem mais velho, curtido e castigado pelo tempo, ergueu os olhos para ele. Fez um sinal de cabeça, depois foi se trocar. Enquanto se afastava, notou Suslev na tribuna, es-piando-o pelo binóculo. Um tremor o percorreu. Suslev prometera que, no Natal, Nestorova viria para Hong Kong, permitiriam que ela se unisse a ele em Hong Kong... e ficasse em Hong Kong... no Natal. Se ele cooperasse. Se cooperasse e fizesse o que lhe pedissem.

"Você acredita nisso? Não, não, de jeito nenhum, aqueles matieriebiets são mentirosos e traidores. Mas quem sabe desta vez... Santo Deus, por que mandaram que fosse me encontrar com Dunross no Sinclair Towers à noite, tarde da noite? Por quê? Santo Deus, que devo fazer? Não pense, velho. Você está velho e logo vai morrer, mas seu primeiro dever é vencer. Se vencer, o tai-pan fará o que você pedir. Se perder? Se vencer ou perder, como poderá viver com a vergonha de ter traído o homem que foi seu amigo e confiou em você?"

Entrou na sala dos jóqueis.

Atrás dele, Dunross olhou para o totalizador. As probabilidades já tinham diminuído. A quantia total apostada já chegava aos dois milhões e meio. Butterscotch Lass pagava 3 por 1, Noble Star, 7 por 1, ainda sem jóquei anunciado. Pilot Fish, 5 por 1, Golden Lady, 7 por 1. "Ainda é cedo", pensou, "há muito tempo para se apostar." Travkin diminuíra a proporção entre as apostas. Sentiu uma pontada gelada a percorrê-lo. "Será que existe algum acordo em andamento neste momento, um acordo entre treinadores e jóqueis? Pombas, é melhor vigiarmos esse páreo com muito, muito cuidado."

— Ah, Ian!

— Oh, alô, senhor. — Dunross sorriu para Sir Geoffrey, que se aproximou dele, depois olhou para Havergill, que estava com o governador. — Uma pena a derrota de Winwell Stag, Paul. Fez uma bela corrida.

— Joss — disse Havergill, polidamente. — Quem vai montar Noble Star?

— Travkin.

O rosto do governador se iluminou.

— Ah, excelente escolha. É, fará uma bela corrida. Por um momento, Ian, pensei que você fosse ficar tentado.

— Fiquei, senhor. Ainda estou. — Dunross deu um leve sorriso. — Se o Aleksei for atropelado por um ônibus até Iá, sou eu que vou montar.

— Bem, pelo bem de todos nós e da Casa Nobre, vamos torcer para que isso não ocorra. Não podemos nos dar ao luxo de tê-lo ferido. A pista está com uma cara horrível. — Outra rajada de chuva veio e passou. — Até agora temos tido muita sorte. Nenhum acidente sério. Se a chuva começar pra valer, talvez se deva considerar uma suspensão.

— Já discutimos isso, senhor. Estamos um pouco atrasados. O páreo será adiado por dez minutos. Contanto que o tempo permita este páreo, a maioria do povo ficará satisfeita.

Sir Geoffrey observava o.

— A propósito, Ian, tentei falar com o ministro há alguns minutos, mas infelizmente já estava em reunião. Deixei recado, e ele ligará para mim logo que puder. Parece que as ramificações desse maldito escândalo Profumo estão novamente afetando as raízes do governo conservador. A imprensa está gritando, e com razão, com receio de ter havido quebra de segurança. Até que o resultado da comissão de inquérito saia, no mês que vem, acertando definitivamente os aspectos da segurança e os boatos de que outros no governo estão implicados, não haverá paz.

— É — concordou Havergill. — Mas, sem dúvida, o pior já passou, senhor. Quanto ao relatório, certamente não será desfavorável.

— Desfavorável ou não, esse escândalo vai arruinar os conservadores — disse Dunross, gravemente, lembrando-se da previsão do Alan no seu último relatório.

— Santo Deus, espero que não. — Havergill estava horrorizado. — Aqueles dois críticos, Grey e Broadhurst, no poder, entre todo o resto da cambada socialista? Se a entrevista coletiva deles significou alguma coisa, é melhor irmos para casa.

— Estamos em casa, e tudo vem afetar a casa, no fim das contas — disse Sir Geoffrey, com tristeza. — De qualquer forma, Ian tomou a decisão correta de não montar. — Lançou um olhar para Havergill, mais cortante. — Como disse, Paul, é importante tomar a decisão correta. Seria de muito mau gosto se os depositantes do Ho-Pak fossem aniquilados, talvez somente por causa de um erro de julgamento por parte de Richard Kwang, e a falta de uma decisão benevolente por parte daqueles que podiam evitar um tal desastre, se o quisessem... talvez com grande lucro. Não?

— Sim, senhor.

Sir Geoffrey fez um gesto de cabeça e se retirou.

— A troco de quê esse comentário? — indagou Dunross.

— O governador acha que devemos salvar o Ho-Pak — falou Havergill, informalmente.

— E por que não o fazem?

— Vamos falar da compra do controle da General Stores.

— Primeiro, vamos terminar o assunto Ho-Pak. O governador tem razão, isso nos beneficiaria a todos, Hong Kong... e o banco.

— Você seria a favor?

— Sim, claro.

— Vocês aprovarão, você e seu bloco aprovarão a compra de controle?

— Não tenho um bloco, mas sem dúvida apoiarei uma compra de controle razoável.

Paul Havergill deu um débil sorriso.

— Eu estava pensando em vinte cents por dólar dos bens do Richard.

— Isso não é muito — falou Dunross, soltando um assobio.

— Até segunda à noite ele não terá absolutamente nada. Provavelmente aceitará a proposta... seus bens darão o controle ao banco. Poderíamos facilmente afiançar cem por cento dos seus depositantes.

— Ele possui tal quantidade de garantias?

— Não, mas com a normalização do mercado e a nossa administração criteriosa, daqui a um ou dois anos a aquisição do Ho-Pak poderia realmente nos beneficiar. Ah, sim. E há uma necessidade desesperada de restaurar a confiança. Uma compra de controle dessas ajudaria incrivelmente.

— Esta tarde seria a hora perfeita para um comunicado.

— Concordo. Alguma novidade sobre o Tiptop? Dunross olhou-o fixamente.

— Por que a súbita mudança, Paul? E por que discuti-la comigo?

— Não houve mudança. Considerei o Ho-Pak com muito cuidado. A aquisição seria boa política bancária. — Havergill observava-o. — Nós o prestigiaremos e lhe daremos um lugar na nossa junta diretora.

— Com que então os boatos sobre o Grande Banco são verdadeiros?

— Não ao que eu saiba — disse o banqueiro, friamente. — E quanto ao fato de discuti-la com você: é um dos diretores do banco, atualmente o mais importante, com influência substancial na junta diretora. É uma coisa sensata a fazer, não é?

— É, mas...

Os olhos de Havergill ficaram mais frios.

— Os interesses do banco não têm nada a ver com a minha antipatia por você, ou por seus métodos. Mas você estava certo quanto à Superfoods. Fez uma boa oferta numa hora perfeita, e fez uma onda de confiança se alastrar sobre todo o pessoal daqui. Ela deve se espalhar por toda a Hong Kong. Foi uma jogada brilhante, e se agora nós lhe dermos seguimento anunciando que assumimos todas as responsabilidades do Ho-Pak para com seus clientes, será outro imenso voto de confiança. Só o que estamos precisando é de recuperar a confiança. Se o Tiptop vier em nosso auxílio com o seu dinheiro, segunda-feira será um dia de alto astral para Hong Kong. Portanto, Ian, logo de manhãzinha, na segunda, compraremos ações da Struan maciçamente. Até segunda à noite teremos assumido o controle. Contudo, vou lhe propor um acordo imediatamente: nós lhe daremos os dois milhões da General Stores em troca de metade das suas ações do banco.

— Não, obrigado.

— Nós o teremos todo até o fim da semana que vem. Garantiremos esses dois milhões, de qualquer forma, para cobrir a compra de controle e garantir a oferta global que fez ao Pug... se você não conseguir evitar a sua própria compra de controle.

— Isso não acontecerá.

— Claro. Mas não se importa que eu fale nisso com ele e com aquele cretinozinho abelhudo do Haply?

— Você é um filho da mãe, não?

Os lábios finos de Havergill retorceram-se num sorriso.

— Negócios... quero o seu bloco de ações do banco. Seus antepassados compraram-nas por uma ninharia, praticamente roubaram-nas dos Brocks, depois de destruí-los. Quero fazer o mesmo. E quero o controle da Casa Nobre. Naturalmente. Como diversos outros. Provavelmente até o seu amigo americano Bartlett, se a verdade fosse revelada. De onde estão saindo os dois milhões?

— Estão caindo do céu.

— Descobriremos, mais cedo ou mais tarde. Somos os seus banqueiros, e vocês nos devem um bocado de dinheiro! Será que Tiptop vai salvar a nossa pele?

— Não tenho certeza, mas falei com ele ontem à noite. Foi encorajador. Concordou em vir até aqui depois do almoço, mas ainda não chegou. E isso é um mau presságio.

— É. — Havergill enxugou um pouco do chuvisco que lhe molhava o nariz. — Obtivemos uma resposta positiva do Banco Mercantil de Moscou.

— Até mesmo você não pode ser tão idiota!

— Em último caso, Ian. Apenas em último caso.

— Vai convocar uma reunião de diretoria imediata para discutir a compra de controle do Ho-Pak?

— Santo Deus, não. — Havergill tornou-se sarcástico. — Acha que sou assim tão idiota? Se eu o fizesse, você poderia influenciar os outros diretores para obter uma extensão do seu empréstimo. Não, Ian, resolvi consultá-los individualmente, como você. Com a sua concordância, já tenho maioria, e os outros naturalmente aceitarão. Tenho a sua concordância?

— A vinte cents por dólar, e pagamento integral dos investidores, tem.

— Posso precisar de uma margem de ação para ir até trinta cents. Concorda?

— Sim.

— A sua palavra?

— Ah, sim, tem a minha palavra.

— Obrigado.

— Mas convocará uma reunião de diretoria antes da abertura de segunda-feira?

— Concordei em pensar no assunto. Apenas. Já pensei, e a resposta agora é não. Hong Kong é uma sociedade pirata, onde os fracos fracassam e os fortes conservam os frutos do seu trabalho. — Havergill sorriu e lançou um olhar para o painel. A proporção entre as apostas diminuíra. Butterscotch Lass, famosa por gostar do molhado, estava pagando 2 por 1. Pilot Fish, agora 3 por 1. Enquanto olhavam, o nome de Travkin apareceu ao lado de Noble Star, e um enorme alarido acompanhou-o. — Acho que o governador estava errado, Ian. Você devia ter montado. Teria feito a minha modesta aposta em você. É. Você teria sido coroado de glória. É, teria vencido. Não tenho certeza quando ao Travkin. Boa tarde. — Levantou o chapéu e se dirigiu para Richard Kwang, que estava com a mulher e o treinador, um pouco afastado. — Ah, Richard! Posso lhe dar uma palavri...

O resto do que disse foi abafado pelo urro imenso da multidão quando o primeiro dos oito concorrentes do quinto páreo começou a surgir de sob as tribunas. Pilot Fish vinha na frente, a garoa fazendo brilhar o seu pêlo negro.

— Sim, Paul? — perguntou Richard Kwang, acompa-nhando-o até um espaço vazio. — Queria falar com você, mas não quis interrompê-lo com o governador e o tai-pan. Bem — falou com jovialidade forçada —, tenho um plano. Vamos reunir todos os títulos do Ho-Pak, e você me empresta cinqüenta milhões...

— Não, obrigado, Richard — falou Havergill, vivamente. — Mas temos uma proposta, válida até as cinco horas de hoje. Socorremos o Ho-Pak e garantimos todos os seus clientes. Em troca, compramos os seus bens pessoais ao valor nominal e...

— Valor nominal? Isso é um qüinquagésimo do valor deles! — guinchou Richard Kwang. — É um qüinquagésimo do quanto valem...

— Na verdade, cinco cents por dólar, que é só o que valem. Negócio fechado?

— Não, claro que não. Dew neh loh moh, por acaso sou algum maluco carne de cachorro? — exclamou Richard Kwang, o coração quase estourando. Um momento antes ele acreditara no impossível: que Havergill lhe concederia uma suspensão temporária do desastre, que, a essa altura, considerava absoluto, embora fingisse o contrário, embora não fosse culpa sua, e sim dos boateiros, fofoqueiros e idiotas maliciosos que o haviam levado a realizar negócios bancários errados. Mas, agora, estava na prensa. Oh ko! Agora ia ser espremido, e fizesse o que fizesse, não conseguiria escapar dos tai-pans. "Ai, ai, ai! Desastre sobre desastre, e agora aquela meretriz ingrata, Vênus Poon, me desprestigiando diante do Tio Quatro Dedos, do Charlie Wang e até do Ng Fotógrafo, e isso depois de eu ter-lhe dado o casaco de vison novo que ela deixa arrastar na lama tão descuidadamente."

— Novo? — explodira ela, pela manhã. — Alega que este casaco infeliz de segunda mão é novo?

— Claro! — berrara ele. — Acha que sou algum macaco? Claro que é novo. Custou-me cinqüenta mil em dinheiro vivo, oh ko!

Os cinqüenta mil eram um exagero, mas o dinheiro vivo, não, e ambos se davam conta de que seria incivilizado não exagerar. O casaco lhe custara catorze mil, através de um intermediário, depois de muito pechinchar, comprado de um quai loh que estava em dificuldades, e mais dois mil, para o peleiro que o encurtara e alterara da noite para o dia, de maneira a que servisse nela e não fosse reconhecido, com uma garantia de que o peleiro juraria por todos os deuses que o vendera por quarenta e dois mil, embora na verdade valesse sessenta e três mil e quinhentos.

— Paul — disse Richard Kwang com ar importante —, o Ho-Pak está em melhor forma do que...

— Queira fazer o favor de ficar quieto e escutar — interrompeu Havergill. — Chegou a hora de tomar uma decisão séria... para você, não para nós. Você pode afundar completamente na segunda-feira, sem nada... ao que me consta o pregão vai começar com as suas ações.

— Mas Sir Luís me assegurou que...

— Ao que me consta o pregão começa com elas. Assim, na segunda à noite você não terá um banco, nem ações, nem cavalos, nem dinheiro supérfluo para gastar em casacos de vison com Vênus Poon...

— Hem? — Richard Kwang perdeu a cor, ciente de que a mulher estava a uma distância de vinte passos, observan-do-os lugubremente. — Que casaco de vison?

— Está certo, se não está interessado... — disse Havergill, soltando um suspiro. Ia se afastando, mas o banqueiro agarrou-o pelo braço.

— Cinco cents é ridículo. Oitenta se aproxima mais do que posso conseguir no open...

— Talvez eu possa subir para sete.

— Sete? — O banqueiro começou a praguejar, mais para se dar tempo de pensar do que outra coisa qualquer. — Concordo com uma fusão. Um lugar na junta diretora do banco, durante dez anos, com um salário de...

— Durante cinco anos, desde que você me entregue o seu pedido de demissão autenticado, sem data, antecipadamente, desde que vote sempre exatamente como eu quiser, e com um salário igual ao dos demais diretores.

— Nada de pedido de demissão antecipa...

— Lamento, então nada feito.

— Concordo com essa cláusula — disse Richard Kwang, com imponência. — Bem, e quanto ao dinheiro, acho...

— Não. Quanto ao dinheiro, Richard, lamento, mas não quero me meter em negociações prolongadas. O governador, o tai-pan e eu concordamos que devemos salvar o Ho-Pak. Já está decidido. Cuidarei para que você não saia desprestigiado. Garantimos manter em segredo o preço da compra de controle, e estamos preparados para chamá-la de fusão... ah, a propósito, quero fazer o comunicado às dezessete horas, pouco depois do sétimo páreo. Ou não o farei mais.

A fisionomia de Havergill estava sombria, mas por dentro exultava. Se não tivesse sido pelo comunicado de Dunross, e a maneira como fora recebido, jamais teria pensado em fazer o mesmo. "O sacana tem toda a razão! Está na hora de inovar, e quem melhor do que nós? Isso vai deixar o Southerby eston-teado, e finalmente nos igualará ao Blacs. Com a Struan no nosso bolso na semana que vem, no próximo ano..."

— Cinqüenta e sete, e é uma pechincha — disse Kwang.

— Chegarei aos dez cents.

Richard Kwang mexeu-se e virou-se e quase chorou, mas intimamente estava radiante com a chance de salvamento. "Dew neh loh moh", tinha vontade de gritar, "alguns minutos atrás não tinha como pagar a ração de Butterscotch Lass da semana que vem, que dirá o anel de diamante, e agora estou valendo pelo menos três milhões e meio de dólares americanos, e muito mais, com uma manipulação criteriosa." — Trinta, por todos os deuses!

— Onze.

— Terei que cometer suicídio — choramingou. — Minha mulher cometerá suicídio, meus filhos...

— Com licença, senhor — disse o seu treinador chinês em cantonense, acercando-se dele. — O páreo foi atrasado em dez minutos. Há alguma instrução que queira...

— Não está vendo que estou ocupado, barriga de sapo?

Suma daqui! — sibilou Richard Kwang em cantonense, com mais obscenidades. Depois disse para Havergill, numa súplica final e abjeta: — Trinta, sr. Havergill, e terá salvo um pobre homem e sua família...

— Dezoito, e é definitivo.

— Vinte e cinco, e é negócio fechado.

— Meu caro, lamento tanto, mas tenho que ir fazer uma aposta. Dezoito. Sim ou não?

Richard Kwang continuou a tagarelar pateticamente, mas estava avaliando as suas chances. Notara o lampejo de irritação no rosto do seu oponente. "Monte sujo de carne de cachorro! Será agora a hora de fechar? Até as cinco horas este bosta de leproso poderá mudar de idéia. Se o tai-pan conseguiu todo esse novo financiamento, quem sabe eu poderia... Não, não há chance. Dezoito eqüivalem a três vezes o lance inicial! É evidente que você é um sujeito esperto e um bom negociador", riu consigo mesmo. "Chegou mesmo a hora de fechar?"

Pensou em Vênus Poon, em como fizera pouco de seu presente dispendioso e deliberadamente roçara os delicados seios no braço de Quatro Dedos, e lágrimas de raiva subiram-lhe aos olhos.

— Ai, ai, ai — murmurou abjetamente, radiante porque seu estratagema para produzir lágrimas de verdade funcionara bem. — Vinte, por todos os deuses, e serei seu escravo para sempre.

— Ótimo — disse Havergill, muito satisfeito. — Venha ao meu reservado a um quarto para as cinco. Terei um contrato provisório pronto para a sua assinatura... e seu pedido de demissão sem data. Às cinco anunciaremos a fusão, e, Richard, até então, nem um murmúrio! Se a notícia transpirar, o negócio está cancelado.

— Naturalmente.

Havergill fez um gesto de cabeça e se retirou, e Richard Kwang voltou para junto da mulher.

— O que está se passando?

— Quieta! — sibilou ele. — Concordei em fazer uma fusão com o Victoria.

— Qual o preço pelos nossos bens?

— A vinte cents por dólar do... valor contábil oficial — disse ele, baixando ainda mais o tom de voz.

Os olhos dela se iluminaram de alegria.

— Ayeeyah! — exclamou, baixando rapidamente os olhos, por medida de segurança. — Saiu-se muito bem.

— E claro. E uma diretoria durante cinco anos e...

— Eeee, nosso prestígio vai ser imenso!

— É. Agora, ouça. Temos até as cinco horas para fazer alguns negócios particulares com as ações do Ho-Pak. Temos que comprar hoje, a preço de salvados de incêndio, antes que qualquer jogador carne de cachorro nos roube os lucros a que temos direito. Não podemos comprar pessoalmente, senão levantaremos suspeitas imediatas. Quem poderemos usar?

Ela pensou por um momento. Novamente seus olhos brilharam.

— Choy Lucrativo. Ofereça-lhe sete por cento de qualquer coisa que ganhe para nós.

— Vou oferecer cinco, pra começo de conversa. Talvez ele aceite seis e meio por cento! Excelente! E também vou usar o Ching Sorridente, que agora é um pobretão. Perdeu tudo... Juntando os dois... volto a encontrá-la na tribuna. — Com ar importante, afastou-se e foi até junto do seu treinador, e acertou-lhe um pontapé na canela. — Ah, desculpe — falou, para os ouvidos de quem estivesse por perto e tivesse visto o seu gesto, depois sibilou: — Não me interrompa quando eu estiver ocupado, seu monte de bosta de cachorro trapaceiro! E se me trapacear como trapaceou o Tok Barrigudo, eu...

— Mas já lhe contei isso, senhor — disse o homem, com azedume. — Ele também sabia da coisa. Então não foi idéia dele? Vocês dois não ganharam uma fortuna?

— Oh ko, se meu cavalo não vencer esta corrida, vou pedir ao meu Tio Quatro Dedos para mandar os combatentes de rua dele esmagarem seus Globos Celestiais!

Uma chuvinha fina varreu o paddock, e todos olharam ansiosos para o céu. Nas tribunas, e nos balcões acima delas, todos estavam igualmente ansiosos. A chuva virou garoa, e no balcão dos sócios Orlanda estremeceu, tensa de emoção.

— Ah, Linc, agora vou apostar.

— Tem certeza? — perguntou com uma risada, pois a tarde toda ela se roera de indecisão, primeiro Pilot Fish, depois Noble Star, depois uma "barbada", o azarão Winning Billy, depois novamente Butterscotch Lass. As proporções entre as apostas eram iguais para Butterscotch Lass, Pilot Fish e Noble Star: 3 por 1 (no momento em que o nome de Travkin foi anunciado, o dinheiro começou a entrar firme), e 6 por 1 para Golden Lady. Os demais tinham recebido poucas apostas. A quantia total apostada, até o momento, era impressionante: quatro milhões e setecentos mil HK. — Quanto vai apostar?

Ela fechou os olhos e disse atropeladamente:

— Tudo o que já ganhei, e mais... mais cem! Não demoro, Linc.

— Boa sorte. Vejo-a depois da corrida.

— Ah, sim, desculpe, esqueci-me, com toda a confusão. Divirta-se!

Lançou-lhe um sorriso glorioso e saiu às pressas, antes que ele pudesse perguntar em qual ia apostar. Ele já apostara. Aquele páreo era uma loteria, além de ser a segunda parte da loteria dupla: dez mil HK em qualquer combinação de Pilot Fish e Butterscotch Lass. "Não pode dar outra", pensou ele, seu próprio entusiasmo aumentando.

Saiu do balcão e foi "costurando" por entre as mesas na direção dos elevadores que o levariam até Iá em cima. Muitas pessoas o observaram, algumas o cumprimentaram, a maioria com inveja dos pequenos distintivos que tremulavam na sua lapela.

— Oi, Linc!

— Oh, alô — falou para Biltzmann, que o havia interceptado. — Como vão indo as coisas?

— Ouviu falar do golpe sujo? Mas claro, você estava Iá! — falou Biltzmann. — Escute, Linc, posso lhe falar um momentinho?

— Claro — disse Bartlett, acompanhando-o corredor abaixo, consciente dos olhares curiosos dos que cruzavam com eles.

— Olhe — disse Biltzmann, quando haviam chegado a um canto discreto —, é melhor se cuidar com esses filhos da mãe ingleses. Nós tínhamos um negócio fechado com a General Stores.

— Vai fazer uma nova proposta? — perguntou Bartlett.

— Isso quem decide é a matriz, mas quanto a mim, porra, eu deixaria esta maldita ilha se afogar.

Bartlett não lhe deu resposta, consciente dos olhares dirigidos a eles.

— Diga-me uma coisa, Linc! — Biltzmann baixou a voz e se acercou mais, com um sorriso retorcido. — Está tendo alguma coisa especial com aquela garota?

— Do que está falando?

— Daquela boa. Da eurasiana. Orlanda, aquela com que você estava falando.

Bartlett sentiu o sangue subir-lhe ao rosto, mas Biltzmann continuou:

— Incomoda-se se eu meter a minha colher enferrujada? — Piscou o olho. —- Se marcar um encontro com ela?

— Bem... aja como quiser — disse Bartlett, sentindo por ele um ódio repentino.

— Obrigado. Ela tem uma bunda e tanto. — Biltzmann abriu um amplo sorriso e aproximou-se ainda mais. — Quanto ela cobra?

Bartlett soltou uma exclamação abafada, totalmente despreparado para aquilo.

— Porra, mas ela não é uma prostituta!

— Não sabia? Ei, a cidade toda sabe. Mas o Dickie falou que ela é uma merda na cama. É verdade? — Biltzmann entendeu mal a expressão no rosto de Bartlett. — Ah, ainda não chegou Iá? Pombas, Linc, só o que tem que fazer é mostrar umas notinhas...

— Escute, seu filho da puta — sibilou Bartlett, quase cego de ódio —, ela não é nenhuma prostituta, e se você falar com ela, ou chegar perto dela, enfio um murro pela sua garganta abaixo. Sacou?

— Puxa, calma — ofegou o outro homem. — Eu não...

— Sacou o que eu quis dizer?

— Claro, claro, não é preciso... — Biltzmann recuou. — Vá com calma. Eu perguntei, não foi? O Dickie... — Interrompeu-se, assustado, quando Bartlett se aproximou. — Pela madrugada, não foi minha culpa... calma, tá?

— Cale a boca! — Baltlett conteve com esforço o seu ódio, sabendo que não era a hora ou local para meter a mão em Biltzmann. Lançou um olhar ao seu redor, mas Orlanda já havia sumido. — Suma daqui, seu filho da puta — falou com voz áspera —, e não se aproxime dela, senão...

— Claro, claro, vá com calma, tá legal? — disse Biltzmann, recuando mais um passo, depois virando-se e dando no pé, aliviado. Bartlett hesitou, depois foi até o banheiro e molhou o rosto, para se acalmar. A água da bica, especialmente ligada para a corrida, não parecia limpa. Dali a um momento foi para o elevador e dirigiu-se para o reservado de Dunross. Era a hora do chá. Canapés, bolos, queijo e grandes bules de chá indiano com leite e açúcar estavam sendo servidos aos convidados, mas ele não notou nada daquilo, entorpecido.

Donald McBride, que ia passando apressado, deu uma paradinha antes de voltar para o seu próprio reservado.

— Ah, Bartlett, quero lhe dizer o quanto estamos felizes com seus futuros negócios aqui. Foi uma pena o que aconteceu com o sr. Biltzmann, mas tudo é justo no mundo dos negócios. A sua Casey é uma pessoa encantadora. Desculpe, tenho que voar.

Afastou-se, apressadamente. Bartlett hesitou à entrada do aposento.

— Ei, Linc — chamou Casey alegremente, do balcão. —

Quer tomar chá? — Quando se encontraram, vindo um na direção do outro, o sorriso dela sumiu. — O que foi?

— Nada, nada, Casey. — Bartlett forçou um sorriso. — Já estão na linha de largada?

— Ainda não, mas estarão a qualquer momento. Tem certeza de que está bem?

— Claro. Em qual apostou?

— Noble Star, é claro. Peter deu o palpite do azarão do dr. Tooley, Winning Billy, para o placê, então apostei cinqüenta nele. Não está com boa cara, Linc. Não é o seu estômago, é?

Sacudiu a cabeça, emocionado pelo carinho dela.

— Não, estou bem. E você?

— Claro. Estou me divertindo à beça. Peter está em grande forma, e o velho Tooley é uma bola. — Casey hesitou. — Ainda bem que não é o seu estômago. O dr. Tooley falou que devemos estar a salvo dos malditos germes de Aberdeen, já que ainda não ficamos desarranjados. Claro que só saberemos com certeza daqui a vinte dias.

— Puxa — murmurou Bartlett, tentando afastar o pensamento do que Biltzmann dissera. — Quase tinha me esquecido de Aberdeen, do incêndio e de toda aquela confusão. O incêndio parece que aconteceu há um milhão de anos.

— Para mim, também. O que houve com o tempo? Gavallan estava próximo.

— É Hong Kong — falou, distraidamente.

— Como assim?

— É uma característica de Hong Kong. Quando se vive aqui, nunca há tempo que chegue, seja Iá qual for o seu ramo de trabalho. Há sempre muito o que fazer. Há sempre gente chegando, partindo, amigos, relações comerciais. Há sempre uma crise: inundação, incêndio, deslizamento de lama, altas, escândalos, oportunidades comerciais, enterros, banquetes ou coquetéis para deputados visitantes... ou algum desastre. — Gavallan tentou esquecer suas ansiedades. — Este é um lugar pequeno, e logo ficamos conhecendo a maioria das pessoas do nosso círculo. Além disso, somos a encruzilhada da Ásia, e mesmo que você não seja da Struan, está sempre em movimento, planejando, ganhando dinheiro, arriscando dinheiro para ganhar mais, ou está de partida para Formosa, Bangkok, Cingapura, Sydney, Tóquio, Londres, ou seja Iá onde for. É a magia da Ásia. Olhe o que aconteceu a vocês dois desde que aqui chegaram: o pobre John Chen foi seqüestrado e morto, foram en contradas armas no seu avião, depois houve o incêndio, a confusão na Bolsa, a corrida às nossas ações, Gornt atrás de nós, e nós atrás dele. E agora os bancos podem fechar na segunda, ou, se o Ian estiver certo, a segunda será o dia da alta. E estamos fazendo negócios juntos... — Deu um sorriso cansado. — O que achou da nossa proposta?

Casey engoliu o comentário imediato que ia fazer, e observou Bartlett.

— Ótima — disse Bartlett, pensando em Orlanda. — Acha que o Ian vai conseguir virar as coisas?

— Se há alguém capaz disso, é ele. — Gavallan soltou um grande suspiro. — Bem, vamos torcer, é só o que podemos fazer. Já apostou no ganhador?

Bartlett sorriu, e Casey sentiu-se mais tranqüila.

— Qual o seu favorito, Andrew?

— Noble Star e Winning Billy para a loteria. Até logo — falou, indo embora.

— É curioso o que ele dizia sobre Hong Kong. Ele tem razão. Faz os Estados Unidos parecerem estar a um milhão de quilômetros de distância.

— É, mas não estão, não de verdade.

— Quer ficar aqui, Casey?

Ela olhou para ele, imaginando o que a pergunta ocultaria, o que ele realmente lhe estava perguntando.

— Você é quem sabe, Linc.

— Acho que vou pegar um pouco de chá — disse ele, balançando a cabeça devagar.

— Ora, pode deixar que eu pego — falou. Depois viu Murtagh de pé, nervosamente, junto da porta, e seu coração falhou uma batida. — Ainda não conhece o nosso banqueiro, Linc. Deixe-me trazê-lo até aqui.

Ela cruzou a multidão.

— Oi, Dave.

— Oi, Casey, viu o tai-pan?

— Está ocupado até o fim do páreo. É sim ou não? — murmurou com urgência, dando as costas a Bartlett.

— Talvez. — Nervosamente, Murtagh enxugou a testa e tirou a capa de chuva molhada, os olhos vermelhos. — Levei uma hora para pegar um danado dum táxi. Puxa vida!

— Talvez o quê?

— Talvez, ora essa. Expus o plano a eles, e disseram que eu me mandasse de volta para casa, porque estava claro que eu tinha ficado maluco. Então, depois que se acalmaram, disseram que voltariam a entrar em contato comigo. Os imbecis me chamaram às quatro da madrugada, mandaram que eu repetisse todo o plano, depois o S. J. em pessoa veio ao aparelho. — Revirou os olhos. — S. J. falou que eu tinha merda... que eu estava louco, e desligou na minha cara.

— Mas você falou "talvez". O que aconteceu a seguir?

— Liguei para eles de novo e passei cinco horas, das últimas dez, ao telefone, tentando explicar-lhes o meu brilhantismo, desde que o seu plano maluco fundiu a minha cuca. — Murtagh abriu um sorriso, de repente. — Ei, uma coisa eu lhe digo, Casey. Pode apostar que o S. J. sabe quem é Dave Murtagh III!

— Escute, não toque no assunto com ninguém aqui — falou ela, rindo. — Com ninguém. Exceto o tai-pan, certo?

Olhou para ela, com cara magoada.

— Acha que vou contar a todo mundo quanto esporro levei?

Ouviu-se uma explosão de vivas, e alguém falou, do balcão:

— Estão se aproximando do portão!

— Rápido — falou Casey —, vá apostar a sua grana na loteria. Números 1 e 7. Rápido, enquanto tem tempo.

— Quais são eles?

— Não interessa. Você não tem tempo.

Deu-lhe um empurrãozinho, e Iá se foi ele. Ela se controlou, pegou uma xícara de chá e se reuniu a Bartlett e aos outros que lotavam o balcão.

— Tome o seu chá, Linc.

— Obrigado. Em quem mandou ele apostar?

— Números 1 e 7.

— Eu apostei no 1 e no 8.

Outro alarido imenso chamou a atenção deles. Os cavalos passavam a meio galope por eles, e começavam a se amontoar perto do portão. Viram Pilot Fish saracoteando, com o jóquei bem levantado, os joelhos apertados, segurando firme, condu-zindo-o para a sua posição de largada. Mas o garanhão ainda não estava pronto, sacudia a cabeça e relinchava. Imediatamente a égua e as duas potrancas, Golden Lady e Noble Star, estremeceram, as narinas arfando, e relincharam também. Pilot Fish zurrou estridentemente, empinou e escarvou o ar, e todos soltaram exclamações abafadas. O jóquei dele, Bluey White, praguejou baixinho, enfiou as mãos fortes como aço na crina dele, agüentando-se firme.

— Vamos Iá, boneco — falou, com um palavrão, acal-mando-o. — Deixe as garotas darem uma olhada no seu pi-rulito!

Travkin estava perto, montado em Noble Star. A potranca sentira o cheiro do garanhão, e aquilo a perturbara. Antes que Travkin pudesse impedir, ela se torcera, recuara e encostara a anca descuidadamente em Pilot Fish, que guinou, espantado, e bateu no azarão Winning Billy, um baio capão, que se dirigia para o seu lugar na linha de largada. O capão irritou-se, sacudiu a cabeça com raiva e afastou-se alguns passos, rodopiando, quase pisoteando Lochinvar, outro capão castanho.

— Faça essa sacana se controlar, Aleksei, pela madrugada!

— Fique fora do meu caminho, ubliudok — murmurou Travkin, os joelhos sentindo os tremores incomuns que percorriam Noble Star. Sentava-se muito ereto, parte da montaria, estribos curtos, e perguntou-se, praguejando, se o treinador de Pilot Fish havia espalhado um pouco do almíscar do garanhão no seu peito e flancos, para agitar a égua e as potrancas. "É um velho truque", pensou, "muito velho."

— Vamos! — gritou o homem que dava a partida, a voz estentórea. — Cavalheiros, ponham as montarias nas suas baias!

Várias delas já estavam Iá, Butterscotch Lass, a égua castanha, ainda a favorita, escarvando o chão, as narinas fremen-tes, a emoção da corrida vindoura e a proximidade do garanhão fazendo com que um arrepio atrás do outro a percorressem. Estava na baia 8, a contar da cerca. Pilot Fish agora entrava na baia 1. Winning Billy estava na baia 3, entre Street Vendor e Golden Lady, e o cheiro delas e o desafio impudente do garanhão deixou doido o capão. Antes que o portão se fechasse às suas costas, recuou, e, uma vez livre, lutou contra o freio e as rédeas, sacudindo a cabeça violentamente de um lado para o outro, rodopiando como um bailarino na grama escorregadia, quase colidindo com Noble Star, que se desviou habilmente do caminho.

— Venha, Aleksei — chamou o homem que dava a partida. — Ande depressa!

— Sim, claro — respondeu Travkin, mas não estava com pressa. Conhecia Noble Star, e foi levando a potranca grande e castanha, toda trêmula, para bem longe do garanhão, deixando que saltitasse à vontade. — Devagarinho, minha querida — sussurrou carinhosamente, em russo, querendo protelar, querendo deixar os outros nervosos, agora o único que não estava no portão. Um raio iluminou o céu, a leste, mas ele não prestou atenção, nem à trovoada agourenta. O chuvisco começou a apertar.

Todo o seu ser estava concentrado. Pouco depois da pesa-gem, um dos outros jóqueis aproximara-se sorrateiramente dele.

— Sr. Travkin — dissera baixinho —, não é para o senhor ganhar.

— É? Quem falou? — O jóquei deu de ombros. — Quem vai ganhar? — O jóquei deu de ombros de novo. — Se os jóqueis e os treinadores já estão com a corrida arranjada, diga para eles que não entro nessa. Nunca entrei, não em Hong Kong.

— O senhor e o tai-pan ganharam com Buccaneer, deviam estar satisfeitos.

— Estou satisfeito, mas neste páreo vou me esforçar.

— É justo, meu chapa. Vou dizer a eles.

— Eles quem?

O jóquei se afastara, atravessando o vestiário lotado ruidoso e suarento. Travkin sabia bem qual era o grupo que arranjava as corridas de vez em quando, mas nunca fora um participante. Sabia que não era por ser mais honesto do que os outros. Ou menos desonesto. Era só que suas necessidades eram poucas, uma coisa certa não o entusiasmava, e o toque do dinheiro não lhe dava prazer.

O iniciador do páreo já estava ficando impaciente.

— Ande logo com isso, Aleksei! Rápido!

Obedientemente, enfiou as esporas em Noble Star e conduziu-a para a sua baia. O portão fechou-se atrás dela. Um momento de silêncio. Agora, os corredores estavam sob as ordens do homem que dava a partida.


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