6

11h15m

Fez-se um silêncio estupefato na sala da diretoria.

— Qual o problema? — perguntou Casey. — Os números falam por si.

Os quatro homens à volta da mesa de reunião olharam para ela. Andrew Gavallan, Linbar Struan, Jacques de Ville e Phillip Chen, todos membros da assembléia interna.

Andrew Gavallan tinha quarenta e sete anos, era alto e magro. Deu uma olhada no maço de papéis à sua frente. "Dew neh loh moh para todas as mulheres metidas em negócios", pensou, irritado.

— Talvez devêssemos consultar o Sr. Bartlett — falou, constrangido, ainda muito perturbado por ter que lidar com uma mulher.

— Já lhe disse que tenho autoridade nessa área — retrucou ela, tentando ser paciente. — Sou tesoureira e vice-presidente executiva das Indústrias Par-Con, e tenho poderes para negociar com vocês. Confirmamos isso por escrito, no mês passado.

Casey controlou a raiva. A reunião fora pesadíssima. Desde a reação inicial de choque deles pelo fato de ela ser mulher, até o constrangimento inevitável, o excesso de cortesia, esperando que ela se sentasse, esperando que falasse, depois não se sentando até que ela mandasse, conversando fiado, não querendo tratar de negócios, não querendo negociar com ela como pessoa, como empresária, de modo algum, todos dizendo, ao invés disso, que as mulheres teriam grande prazer em levá-la às compras, depois ficando de boca aberta porque ela conhecia todos os detalhes particulares da transação em projeto. Tudo fazia parte de um esquema com o qual, normalmente, estava habituada a lidar com facilidade. Mas não naquele dia. "Deus", pensou, "tenho que me sair bem. Tenho que sacudi-los."

— É, realmente, muito fácil — dissera inicialmente, tentando dissipar o constrangimento deles, usando sua abertura padrão. — Esqueçam que sou mulher... julguem-me pela minha capacidade. Bem, temos três tópicos na nossa agenda: as fábricas de poliuretano, a representação do arrendamento de computadores, e, finalmente, a representação geral dos nossos produtos derivados do petróleo, fertilizantes, produtos farmacêuticos e esportivos por toda a Ásia. Primeiro, vamos debater as fábricas de poliuretano, os suprimentos da mistura da substância química e um projeto do prazo para o financiamento.

Logo a seguir, ela lhes apresentou os gráficos e a documentação preparada, fez uma sinopse verbal de todos os fatos, números e porcentagens, taxas dos bancos, juros, tudo de maneira muito simples e rápida, de modo que até uma pessoa de inteligência curta poderia entender o projeto. E agora, todos a fitavam.

Andrew Gavallan rompeu o silêncio.

— Muito impressionante, minha cara.

— Na verdade, não sou "sua cara" — disse ela, com uma risada. — Sou muito cabeça-dura na defesa da minha companhia.

— Mas mademoiselle — disse Jacques de Ville, com suave charme francês —, sua cabeça é perfeita, e não é nada dura.

— Merci, monsieur — replicou ela imediatamente, e acrescentou despreocupadamente, num francês passável: — Mas, por favor, deixemos de lado a forma da minha cabeça, e discutamos a forma da transação em pauta. É melhor não misturarmos as coisas, não acha?

Novo silêncio.

— Quer um pouco de café? — perguntou Linbar Struan.

— Não, obrigada, Sr. Struan — falou Casey, tratando de se adaptar aos costumes deles, e não chamá-los muito cedo pelos nomes de batismo. — Vamos discutir esta proposta? É a que lhe enviamos no mês passado... tentei dar atenção aos seus problemas, assim como aos nossos.

Fez-se novo silêncio. Linbar Struan, trinta e quatro anos, bonitão, com cabelos avermelhados e olhos azuis com um brilho atrevido, insistiu:

— Tem certeza de que não quer um pouco de café? Quem sabe um chá?

— Não, obrigada. Então, aceitam a nossa proposta como está?

Phillip Chen tossiu e disse:

— Em princípio, concordamos em negociar com a Par-Con em diversas áreas. Os tópicos do contrato indicam isso. Quanto às fábricas de poliuretano...

Casey escutou as generalizações dele, depois tentou mais uma vez descer às especificações... que eram o motivo daquela reunião. Mas a parada era dura, e podia senti-los refugando. Nunca tinha sido tão difícil. "Talvez seja porque são ingleses, e eu ainda não tinha lidado com os ingleses."

— Há alguma coisa específica que necessite ser esclarecida? — perguntou. — Se existe algo que não compreendem...

— Compreendemos muito bem — disse Gavallan. — A senhorita nos apresenta números tendenciosos. Estamos financiando a construção das fábricas. Vocês nos fornecem as máquinas, mas o custo delas é amortizado ao longo de três anos, o que anulará qualquer fluxo de caixa, e significará lucro nenhum durante pelo menos cinco anos.

— Disseram-me que é costume aqui em Hong Kong amortizar o custo total de uma construção num período de três anos — replicou ela, igualmente brusca, contente por ter sido desafiada. — Estamos nos propondo a seguir os seus costumes. Se quiserem cinco... ou dez anos... tê-los-ão, desde que o mesmo se aplique à construção.

— Vocês não estão pagando pelas máquinas... são arrendadas, e o custo mensal para a joint venture¹ é alto.

— Qual a prime rate² do seu banco hoje, Sr. Gavallan? Consultaram o banco, depois deram-lhe a resposta. Ela usou sua régua de cálculo de bolso durante alguns segundos. — À taxa de hoje, poupariam dezessete mil HK por semana por máquina, se aceitassem a nossa proposta, que, no período que estamos discutindo... — mais um cálculo rápido — aumentaria sua parte dos lucros em trinta e dois por cento acima do máximo que conseguiriam... e olhe que estamos falando em milhões de dólares.

¹ "Sociedade em conta de participação." (N. da T.)

² "Taxa de juro preferencial." (N. da T.)

Eles a fitaram em silêncio.

Andrew Gavallan fez-lhe novas perguntas sobre os números em questão, mas ela não vacilou nem uma vez. A antipatia que sentiam por ela aumentou.

Silêncio.

Estava certa de que eles estavam confusos com os números que apresentara. "O que mais posso fazer para convencê-los?", pensou, ficando cada vez mais ansiosa. "A Struan vai ganhar uma bolada se eles se mexerem, nós faremos uma fortuna, e eu finalmente vou ganhar o meu dinheiro do não enche. Basta a parte da espuma para enriquecer a Struan, e a Par-Con vai ganhar quase oitenta mil dólares líquidos por mês durante os próximos dez anos, e Linc falou que eu podia ficar com uma parte."

— Quanto você quer? — ele lhe perguntara, pouco antes de terem saído dos Estados Unidos.

— Cinqüenta e um por cento — respondera, dando uma risada —, já que você está perguntando.

— Três por cento.

— Qual é, Linc, preciso do meu dinheiro do não enche.

— Feche o negócio todo e terá uma opção de compra de cem mil ações da Par-Con a quatro dólares abaixo do preço de mercado.

— Pode contar comigo. Mas quero a companhia de espuma também — dissera, prendendo a respiração. — Fui eu que a comecei, e eu a quero: cinqüenta e um por cento. Para mim.

— Em troca do quê?

— Da Struan.

— Fechado.

Casey esperou, aparentemente calma. Quando julgou que era o momento correto, perguntou, inocentemente:

— Estamos de acordo, então, em que a proposta é aceita como está? Estamos meio a meio com vocês. O que poderia ser melhor do que isso?

— Ainda afirmo que vocês não estão entrando com cinqüenta por cento do financiamento da joint venture — retrucou Andrew Gavallan, bruscamente. — Estão fornecendo máquinas e materiais em sistema de arrendamento, com prejuízos passíveis de compensação com lucros de exercícios passados, portanto seu risco não eqüivale ao nosso.

— Mas isso é apenas por causa do nosso fisco, e para diminuir a quantia desembolsada, cavalheiros. Estamos fazendo o nosso financiamento do fluxo de caixa. O total das cifras é o mesmo. O fato de que temos um subsídio para a desvalorização e diversos abatimentos não tem nada a ver. — Ainda mais inocentemente, pondo isca na armadilha, acrescentou: — Nós financiamos nos Estados Unidos, onde temos traquejo. Vocês financiam em Hong Kong, onde são os peritos.

Quillan Gornt afastou-se da janela do seu escritório.

— Repito, podemos superar qualquer acordo que façam com a Struan, Sr. Bartlett. Qualquer um.

— Dólar por dólar?

— Dólar por dólar. — O inglês voltou a sentar-se atrás de sua mesa vazia de papéis, e encarou Bartlett novamente. Estavam no último andar do Edifício Rothwell-Gornt, que também dava para a Connaught Road e a orla marítima. Gornt era um homem corpulento, barbudo, de fisionomia dura, com pouco menos de um metro e oitenta de altura, cabelos negros e sobrancelhas espessas um pouco grisalhos, e olhos castanhos. — Não é nenhum segredo que nossas companhias são rivais seriíssimas, mas asseguro-lhe que podemos cobrir e superar qualquer oferta deles, e providenciaria o nosso lado do financiamento até o fim da semana. Poderíamos ter uma sociedade lucrativa, o senhor e eu. Sugiro que formemos uma companhia conjunta, segundo as leis de Hong Kong... os impostos aqui são bem razoáveis... quinze por cento de tudo o que é ganho em Hong Kong, com o resto do mundo livre de qualquer imposto. — Gornt sorriu. — Melhor do que nos Estados Unidos.

— Muito melhor — disse Bartlett. Estava sentado numa cadeira de couro de espaldar alto. — Muitíssimo melhor.

— É por isso que está interessado em Hong Kong?

— Esse é um dos motivos.

— Quais são os outros?

— Aqui não há nenhuma companhia americana do tamanho da minha com força total, e devia haver. Essa é a era do Pacífico. Mas vocês poderiam beneficiar-se da nossa vinda. Temos muito do traquejo que vocês não têm e uma grande influência em áreas do mercado americano. Por outro lado, a Rothwell-Gornt e a Struan têm o traquejo que nos falta e uma grande influência nos mercados asiáticos.

— Como podemos cimentar um relacionamento?

— Primeiro, tenho que descobrir o que a Struan está pretendendo. Comecei a negociar com eles, e não gosto de trocar de avião no meio do oceano.

— Posso lhe dizer de pronto o que estão pretendendo: lucro para eles, e o resto que vá para o diabo.

O sorriso de Gornt era duro.

— A transação que discutimos me pareceu muito justa.

— Eles são mestres em parecer muito justos, entrar com a metade da participação, depois vender ao seu bel-prazer para raspar o lucro e ainda conservar o controle.

— Isso não seria possível conosco.

— Há quase um século e meio que vêm agindo assim. A esta altura já aprenderam alguns macetes.

— Vocês também.

— Claro. Mas a Struan é muito diferente de nós. Somos donos de coisas e companhias... eles possuem porcentagens. Têm pouco mais de cinco por cento da maioria de suas subsidiárias e, no entanto, exercem o controle absoluto por meio de ações com poder de voto especial, ou tornando obrigatório, nos artigos de associação, que o tai-pan deles também seja o tai-pan da subsidiária, com poder de decisão final.

— Isso me parece inteligente.

— E é. E eles são. Mas nós somos melhores e mais corretos... e nossos contatos e influência na China e por toda a costa do Pacífico, com exceção dos Estados Unidos e do Canadá, são mais fortes do que os deles, e ficam mais fortes a cada dia que passa.

— Por quê?

— Porque as operações da nossa companhia tiveram origem em Xangai, a maior cidade da Ásia, onde dominávamos. A Struan sempre se concentrou em Hong Kong, que, até bem pouco tempo, mal passava de uma cidadezinha provinciana.

— Mas Xangai são águas passadas, desde que os comunistas isolaram o continente, em 1949. Não há nenhum comércio externo passando hoje em dia através de Xangai; é tudo através de Cantão.

— É. Mas foram os xangaienses que saíram da China e vieram para o sul com dinheiro, cérebro e garra, que fizeram de Hong Kong o que é hoje e o que será amanhã: a metrópole de hoje e do futuro de todo o Pacífico.

— Melhor do que Cingapura?

— Sem dúvida.

— Manila?

— Sem dúvida.

— Tóquio?

— Esta será sempre só para os japoneses. — Os olhos de Gornt brilharam, as rugas de seu rosto tornaram-se mais nítidas. — Hong Kong é a maior cidade da Ásia, Sr. Bartlett. Quem a dominar, acabará por dominar a Ásia... naturalmente, estou me referindo ao comércio, finanças, transportes, grandes negócios.

— E quanto à China Vermelha?

— Achamos que Hong Kong é vantajosa para a RPC, como chamamos a República Popular da China. Somos a "porta aberta" controlada para eles. Hong Kong e a Rothwell-Gornt representam o futuro.

— Por quê?

— Porque, quando Xangai era o centro empresarial e industrial da China, quem regulava o passo do país eram os xangaienses. Eles são os "furões" da China, sempre foram e sempre serão. E agora, os melhores deles estão aqui conosco. Logo verá a diferença entre os cantonenses e os xangaienses. Estes são os empresários, os industriais, os promotores, os inter-nacionalistas. Não há um só grande magnata têxtil, armador ou industrial que não seja oriundo de Xangai. Os cantonenses dirigem as empresas da família, Sr. Bartlett, são individualistas, mas os xangaienses entendem de sociedades nos seus diversos aspectos e, acima de tudo, entendem de operações bancárias e financiamentos. — Gornt acendeu outro cigarro. — É aí que reside a nossa força, é por isso que somos melhores do que a Struan... e por que acabaremos sendo os maiores.

Linc Bartlett examinou o homem à sua frente. Pelo dossiê que Casey preparara, sabia que Gornt nascera em Xangai, de pais britânicos, tinha quarenta e oito anos, era viúvo com dois filhos crescidos, e que servira como capitão na infantaria australiana de 42 a 45, no Pacífico. Sabia também que governava a Rothwell-Gornt com muito êxito como um feudo particular, isso há oito anos, desde que assumira o lugar do pai.

Bartlett acomodou-se melhor na poltrona funda.

— Se existe esta rivalidade com a Struan, e tem tanta certeza de que acabará sendo a número 1, por que esperar? Por que não lhes tomar o lugar agora?

Gornt o fitava, fisionomia dura.

— Não há nada no mundo que mais me agradasse fazer. Mas não posso, ainda não. Quase consegui, faz três anos... eles haviam passado dos limites, o joss do tai-pan anterior se esgotara.

— Joss?

— É uma palavra chinesa que quer dizer "sorte", "destino", mas um pouquinho mais. — Gornt observava-o, pensativo. — Somos muito supersticiosos, por essas bandas. Joss é muito importante, como a escolha do momento preciso. Bem, a sorte de Alastair Struan se esgotara, ou virará azar. Tivera um ano anterior desastroso, e então, num gesto de desespero, passou o cargo para Ian Dunross. Quase afundaram, daquela vez. As ações deles começaram a cair. Parti para cima deles, mas Dunross conseguiu superar a crise e estabilizar o mercado.

— Como?

— Digamos que exerceu uma quantidade indevida de influência em certos círculos bancários.

Gornt recordou com fúria gelada que Havergill, do banco, de repente, em desacordo com todas as suas combinações particulares e secretas, não se opusera ao pedido da Struan de uma linha de crédito enorme e temporária que dera a Dunross tempo para se recuperar.

Gornt recordou sua ira cega quando ligara para Havergill.

— Diabos, mas por que fez isso? — perguntara-lhe. — Cem milhões com crédito extraordinário? Salvou o pescoço deles, pela madrugada! Nós estávamos com eles nas mãos. Por quê?

Havergill lhe contara que Dunross conseguira reunir votos suficientes na junta diretora, e impusera extrema pressão pessoal a ele, Havergill.

— Nada havia que eu pudesse fazer...

"É", pensou Gornt, olhando para o americano. "Perdi, daquela vez, mas acho que você é a chave explosiva de vinte e quatro quilates que irá acionar a bomba que fará a Struan ir pelos ares, deixando a Ásia para sempre."

— Dunross foi a extremos, daquela vez, Sr. Bartlett. Conseguiu alguns inimigos implacáveis. Mas agora somos igualmente fortes. É o que o senhor chamaria de um impasse. Eles não podem nos pegar, e nós não podemos pegá-los.

— A não ser que cometessem um erro.

— Ou nós cometêssemos um erro. — O homem mais velho soprou um anel de fumaça e ficou olhando para ele. Finalmente, voltou a olhar para Bartlett. — Acabaremos por vencer. O tempo na Ásia é um pouco diferente do tempo nos Estados Unidos.

— É o que me dizem.

— Não acredita?

— Sei que as mesmas regras de sobrevivência se aplicam aqui, ali, ou seja onde for. Apenas o grau varia.

Gornt ficou vendo a fumaça do cigarro enroscar-se até o teto. Sua sala era grande, com poltronas de couro bem usadas, excelentes quadros a óleo nas paredes, e recendia a couro lustrado e bons charutos. A cadeira de espaldar alto de Gornt, de carvalho antigo e entalhado, com estofamento vermelho, parecia dura, funcional e sólida, pensou Bartlett, igual ao homem.

— Podemos superar a oferta da Struan, e o tempo está do nosso lado, aqui, ali, ou seja lá onde for — disse Gornt.

Bartlett achou graça.

Gornt também sorriu, mas Bartlett notou que seus olhos não sorriam.

— Circule por Hong Kong, Sr. Bartlett. Faça perguntas sobre nós, e sobre eles. Depois, decida-se.

— É o que farei.

— Ouvi dizer que seu avião está retido aqui.

— Está, sim. A polícia do aeroporto encontrou armas a bordo.

— É, eu soube. Curioso. Bem, se precisar de ajuda para liberá-lo, talvez eu lhe possa ser útil.

— Podia ajudar agora mesmo, contando-me por que e por quem.

— Não tenho idéia... mas aposto que alguém da Struan tem.

— Por quê?

— Sabiam dos seus movimentos exatos.

— Vocês também.

— É. Mas não tinha nada a ver conosco.

— Quem sabia que íamos ter este encontro, Sr. Gornt?

— O senhor e eu. Conforme combináramos. Não houve vazamento por aqui, Sr. Bartlett. Depois do nosso encontro particular em Nova York, no ano passado, tudo foi feito por telefone... nem mesmo um telex de confirmação. Apoio a sua política sábia de cautela, sigilo, e contatos pessoais. Em particular. Mas, do seu lado, quem sabe do nosso... nosso interesse continuado?

— Ninguém, exceto eu.

— Nem mesmo sua tesoureira vice-presidente-executiva? — perguntou Gornt, sem disfarçar a surpresa.

— Não, senhor. Quando soube que Casey era "ela"?

— Em Nova York. Ora, vamos, Sr. Bartlett, não é provável que estivéssemos contemplando uma associação sem averiguarmos suas credenciais e as dos seus principais executivos.

— Ótimo. Isso poupará tempo.

— É curioso ter uma mulher numa posição-chave dessas.

— Ela é meu braço direito e esquerdo, e o melhor executivo que tenho.

— Então, por que não lhe contou do nosso encontro hoje?

— Uma das primeiras regras da sobrevivência é manter suas opções em aberto.

— Ou seja?

— Ou seja, não dirijo meus negócios em comitê. Além disso, gosto de agir de improviso, manter certas operações em segredo. — Bartlett pensou um momento, depois acrescentou:

— Não é falta de confiança. Na verdade, estou tornando as coisas mais fáceis para ela. Se alguém na Struan descobrir, e perguntar-lhe por que estou tendo um encontro agora com o senhor, a surpresa dela será genuína.

Depois de uma pausa, Gornt falou:

— É raro encontrar alguém realmente digno de confiança. Muito raro.

— Por que alguém iria querer M14 e granadas em Hong Kong, e por que usariam o meu avião?

— Não sei, mas me proponho a descobrir. — Gornt apagou o cigarro. O cinzeiro era de porcelana... dinastia Sung.

— Conhece Tsu-yan?

— Encontrei-o umas duas vezes. Por quê?

— É um excelente sujeito, embora seja diretor da Struan.

— É xangaiense?

— É. Um dos melhores. — Gornt ergueu os olhos, com expressão muito dura. — É possível que haja vantagem periférica em negociar conosco, Sr. Bartlett. Ouvi dizer que a Struan está se expandindo muito, no momento. Dunross está apostando alto na sua frota, especialmente nos dois imensos cargueiros que encomendou no Japão. O primeiro deles está com um pagamento substancial a vencer, dentro de uma semana, mais ou menos. Além disso, correm boatos de que ele vai fazer uma oferta pelas Propriedades Asiáticas. Já ouviu falar delas?

— Um grande empreendimento imobiliário, por toda a Hong Kong.

— É. São os maiores... maiores até que a ik da Struan.

— A Investimentos Kowloon faz parte da Struan? Pensei que fosse uma companhia independente.

— E é, na aparência. Mas Dunross é tai-pan da ik... eles sempre têm o mesmo tai-pan.

— Sempre?

— Sempre. Faz parte das cláusulas de contrato deles. Mas Ian está exagerando. A Casa Nobre pode logo se tornar ignóbil. Ele está com muito pouco dinheiro vivo no momento.

Bartlett pensou um momento, depois perguntou:

— Por que não se junta a outra companhia, talvez as Propriedades Asiáticas, e assumem juntos o controle da Struan? Isso é o que eu faria, nos Estados Unidos, se quisesse uma companhia que não pudesse tomar sozinho.

— É isso o que está querendo fazer aqui, Sr. Bartlett? — perguntou Gornt de pronto, fingindo estar chocado. — "Tomar" a Struan?

— É possível?

Gornt fitou o teto cuidadosamente, antes de responder.

— É... mas precisaria de um sócio. Talvez conseguisse obtê-lo com as Propriedades Asiáticas, mas duvido. Jason Plumm, o tai-pan, não tem peito para isso. Precisaria de nós. Só nós temos a perspicácia, a garra, o conhecimento e o desejo. Contudo, teria que arriscar uma imensa quantia. Em dinheiro vivo.

— Quanto?

Gornt riu com gosto.

— Vou pensar nisso. Primeiro, teria que me dizer se está mesmo levando a idéia a sério.

— Se estiver, quer entrar na jogada? Gornt devolveu-lhe o olhar, igualmente firme.

— Primeiramente teria que estar certo, certíssimo, de que está falando sério. Não é segredo que detesto a Struan de modo geral, e Ian Dunross pessoalmente, e que gostaria de vê-los aniquilados. Portanto, já conhece a minha posição a longo prazo. Não sei a sua. Ainda.

— Se pudéssemos assumir o controle da Struan... valeria a pena?

— Ah, sim, Sr. Bartlett. Ah, sim... valeria a pena — disse Gornt jovialmente, depois sua voz voltou a ficar gelada. — Mas ainda preciso saber quão seriamente encara isso.

— Dir-lhe-ei depois de me encontrar com Dunross.

— Vai sugerir-lhe a mesma coisa... que juntos poderão engolir a Rothwell-Gornt?

— Meu propósito ao vir aqui é tornar a Par-Con internacional, Sr. Gornt. Quem sabe um investimento de até trinta milhões, cobrindo toda uma variedade de mercadorias, fábricas e depósitos. Até bem pouco tempo, nunca ouvira falar na Struan... ou na Rothwell-Gornt. Ou na rivalidade entre as duas.

— Muito bem, Sr. Bartlett, deixemos as coisas como estão. Faça o senhor o que fizer, será interessante. É. Será interessante ver se sabe segurar uma faca.

Bartlett fitou-o, sem compreender.

— É um velho termo chinês de culinária, Sr. Bartlett. O senhor cozinha?

— Não.

— A culinária é um dos meus passatempos. Os chineses dizem que é importante saber como segurar a faca, que não se pode usar uma faca até que se saiba segurá-la corretamente. Caso contrário, a pessoa pode se cortar, e a coisa já começa mal. Não é mesmo?

Bartlett abriu um sorriso.

— Segurar a faca, não é isso? Não vou me esquecer. Não, não sei cozinhar. Nunca cheguei a aprender. Casey também não entende nada de cozinha.

— Os chineses dizem que há três artes em que as outras civilizações não se podem comparar à deles: literatura, pintura a pincel e culinária. Sinto-me inclinado a concordar. Gosta de boa comida?

— A melhor refeição que já comi foi num restaurante nos arredores de Roma, na Via Flaminia, o Casale.

— Então, temos ao menos isso em comum, Sr. Bartlett. O Casale também é um dos meus favoritos.

— Casey me levou para comer lá certa vez: spaghetti alla matriciana al dente e buscetti com uma cerveja estupidamente gelada, seguidos de picatta e mais cerveja. Nunca esquecerei.

Gornt sorriu.

— Quem sabe gostaria de jantar comigo, enquanto estiver aqui? Posso oferecer-lhe também o alla matriciana; terá o mesmo sabor, a receita é a mesma.

— Gostaria muito.

— E uma garrafa de Valpolicella, ou de um grande vinho toscano.

— Pessoalmente, gosto de cerveja com massa. Cerveja americana bem gelada, direto da lata.

Depois de uma pausa, Gornt perguntou:

— Quanto tempo vai se demorar em Hong Kong?

— O tempo que for preciso — respondeu Bartlett, sem hesitar.

— Ótimo. Então podemos marcar o jantar para a semana que vem? Terça ou quarta?

— Terça está ótimo, obrigado. Posso levar Casey?

— Claro. — Gornt acrescentou, em tom mais seco: — A essa altura, talvez o senhor já tenha mais certeza do que quer fazer.

Bartlett achou graça.

— E a essa altura, já saberá se sei segurar a faca.

— Talvez. Mas quero que se lembre de uma coisa, Sr. Bartlett: se unirmos nossas forças contra a Struan, uma vez iniciada a batalha, não haverá como bater em retirada sem danos muito sérios. Seriíssimos, mesmo. Eu precisaria ter muita certeza. Afinal, o senhor sempre poderá se retirar ferido para os Estados Unidos, para voltar à luta outro dia. Nós ficamos aqui... portanto os riscos são desiguais.

— Mas o espólio também é desigual. Vocês ganhariam uma coisa sem preço, que para mim não vale dez centavos. Seriam a Casa Nobre.

— É — falou Gornt, cerrando as pálpebras. Inclinou-se para a frente para escolher outro cigarro, e o pé esquerdo moveu-se sob a mesa para apertar um interruptor oculto. — Vamos deixar tudo em suspenso até ter...

A voz da secretária de Gornt fez-se ouvir pelo intercomunicador.

— Com licença, Sr. Gornt, quer que adie a reunião da diretoria?

— Não — respondeu Gornt. — Eles que esperem.

— Sim, senhor. A srta. Ramos está aqui. Pode conceder-lhe alguns minutos?

Gornt fingiu-se surpreso.

— Um momento. — Olhou para Bartlett. — Terminamos?

— Sim. — Bartlett levantou-se imediatamente. — A terça-feira está de pé. Até lá, deixamos tudo em suspenso. — Virou-se para sair, mas Gornt o deteve.

— Só um momento, Sr. Bartlett — disse, depois falou no intercomunicador: — Diga a ela que entre. — Desligou o interruptor e se levantou. — Fiquei muito feliz com o nosso encontro.

A porta se abriu e uma moça entrou. Tinha vinte e cinco anos, era impressionante, cabelos pretos curtos, olhos negros, nitidamente eurasiana, vestida informalmente, com jeans americanos desbotados e justos e camisa.

— Alô, Quillan — falou, com um sorriso que aqueceu o ambiente, seu inglês com leve sotaque americano. — Desculpe interromper, mas acabei de chegar de Bangkok e quis vir cumprimentá-lo.

— Que bom que veio, Orlanda. — Gornt sorriu para Bartlett, que não tirava os olhos da moça. — Este é Linc Bartlett, dos Estados Unidos. Orlanda Ramos.

— Alô — cumprimentou Bartlett.

— Oi... ah, Linc Bartlett? O contrabandista de armas americano? — disse, rindo.

— Como?

— Não fique tão chocado, Sr. Bartlett. Todo mundo em Hong Kong já sabe... Hong Kong não passa de uma aldeia.

— Falando sério... como soube?

— Li no jornal da manhã.

— Impossível. Aconteceu às cinco e meia da manhã.

— Foi no Fai Pao, o Expresso, na coluna de última hora, às nove horas. É um jornal chinês, e os chineses sabem de tudo o que se passa aqui. Não se preocupe, os jornais ingleses não saberão da novidade até as edições vespertinas, mas pode esperar a imprensa na sua porta por volta da hora dos coquetéis.

— Obrigado.

"A última coisa que estou querendo é a maldita imprensa atrás de mim", pensou Bartlett com azedume.

— Não se preocupe, Sr. Bartlett, não vou pedir entrevista, embora seja uma repórter free lance da imprensa chinesa. Sou mesmo muito discreta — falou. — Não sou, Quillan?

— Sem dúvida. Tem a minha garantia... Orlanda é totalmente digna de confiança — falou Gornt.

— Claro, se quiser me oferecer uma entrevista... aceitarei. Amanhã.

— Vou pensar no seu caso.

— Prometo que o farei parecer maravilhoso!

— Os chineses sabem mesmo de tudo por aqui?

— Claro — disse ela, prontamente. — Mas os quai loh, os estrangeiros, não lêem os jornais chineses, exceto uma meia dúzia de gente que está "por dentro"... como Quillan.

— E todo o pessoal do Serviço Especial de Informações, da Seção Especial e a polícia em geral — disse Gornt.

— E Ian Dunross — acrescentou ela, com a ponta da língua tocando os dentes.

— Ah, ele é vivo assim? — perguntou Bartlett.

— Ah, é. Tem o sangue do Demônio Struan nas veias.

— Não entendi.

— Vai entender, se ficar por aqui algum tempo. Bartlett pensou na frase, depois franziu o cenho.

— Também sabia das armas, Sr. Gornt?

— Apenas que a polícia havia interceptado armas contrabandeadas a bordo do "jato particular do americano milionário que chegou ontem à noite". Também estava no meu jornal chinês matinal. O Sing Pao. — O sorriso de Gornt era sardônico. — É The Times em cantonense. Também estava na sua coluna de última hora. Mas, ao contrário de Orlanda, estou surpreso pelo fato de o senhor ainda não ter sido interceptado por membros da nossa imprensa inglesa. São muito diligentes, aqui em Hong Kong. Mais diligentes do que Orlanda diz que são.

Bartlett sentiu o perfume dela, mas continuou.

— Estou surpreso de que não tenha mencionado o fato, Sr. Gornt.

— E por que mencionaria? O que é que as armas têm a ver com a nossa possível futura associação? — Gornt deu uma risadinha abafada. — Se o pior acontecer, iremos visitá-lo na cadeia, Orlanda e eu.

Ela riu.

— Sem dúvida.

— Muitíssimo obrigado! — O perfume dela, de novo. Bartlett esqueceu as armas e concentrou-se nela. — Ramos... é espanhol?

— Português. De Macau. Meu pai trabalhava para a Rothwell-Gornt em Xangai... minha mãe nasceu lá. Fui criada em Xangai até 49, depois fui para os Estados Unidos durante alguns anos, para a escola secundária em San Francisco.

— É mesmo? Los Angeles é minha cidade natal... fiz a escola secundária no vale.

— Adoro a Califórnia — disse ela. — Que tal está achando Hong Kong?

— Acabo de chegar. — Bartlett abriu um sorriso. — Parece que tive uma entrada explosiva.

Ela riu. Lindos dentes brancos.

— Hong Kong não é má... desde que a gente possa sair daqui, mais ou menos de mês em mês. Devia passar um fim de semana em Macau... é antiquada, muito bonita, fica a apenas sessenta quilômetros de distância, com bom serviço de barcas. É muito diferente de Hong Kong. — Voltou-se para Gornt. — Mais uma vez, desculpe ter interrompido. Quillan, só quis dar um alô...

Começou a se retirar.

— Não, já acabamos... eu já ia embora — disse Bartlett, interrompendo-a. — Obrigado, mais uma vez, Gornt. Até terça, se não antes... Espero vê-la de novo, srta. Ramos.

— Seria um prazer. Eis meu cartão... se me der a entrevista, garanto que ela lhe será simpática.

Ela estendeu a mão, ele a tocou e sentiu seu calor.

Gornt acompanhou-o até a porta, depois fechou-a, voltou à sua mesa e pegou um cigarro. A moça acendeu o fósforo para ele, depois soprou a chama, e foi sentar-se na cadeira que Bartlett ocupara.

— Um cara bonitão — comentou.

— É. Mas é americano, ingênuo, e um filho da mãe arrogante que talvez precise baixar um pouco a crista.

— É o que quer que eu faça?

— Pode ser. Leu o dossiê dele?

— Li. Muito interessante. Orlanda sorriu.

— Não deve pedir-lhe dinheiro — disse Gornt, bruscamente.

— Ayeeyah, Quillan, será que sou tão burra? — perguntou ela, igualmente ríspida, olhos faiscando.

— Ótimo.

— Por que ele contrabandearia armas para Hong Kong? — É mesmo de se perguntar por quê, minha cara. Talvez alguém o esteja usando.

— Deve ser essa a resposta. Se tivesse todo o dinheiro que ele tem, jamais faria uma burrice dessas.

— Não — falou Gornt.

— Como é, gostou da história de eu ser uma repórter free lance? Achei que me saí muito bem.

— É, mas não o subestime. Não é nenhum tolo. É vivo. Vivíssimo. — Contou-lhe sobre o Casale. — É coincidência demais. Ele também deve ter um dossiê sobre a minha pessoa, e bem detalhado. Não há muita gente que saiba que gosto daquele restaurante.

— Quem sabe também estou no dossiê.

— Talvez. Não deixe que a pegue, na tal história de ser repórter free lance.

— Ora, qual é, Quillan? Quem, entre os tai-pans, exceto você e Dunross, lê os jornais chineses? e mesmo assim não podem ler todos. Já escrevi uma ou duas colunas... como "correspondente especial". Se ele me conceder a entrevista, posso escrevê-la. Não se preocupe. — Levou o cinzeiro para mais perto dele. — Saiu tudo bem, não foi? Com Bartlett?

— Perfeitamente. Está sendo desperdiçada. Devia estar trabalhando no cinema.

— Então fale com seu amigo a meu respeito, por favor, por favor, Quillan querido. Charlie Wang é o maior produtor de Hong Kong, e lhe deve tantos favores! Charlie Wang tem tantos filmes em andamento, que... só preciso de uma chance... podia me tornar uma estrela! Por favor!

— Por que não? — comentou ele, secamente. — Mas não creio que você seja o tipo dele.

— Posso me adaptar. Não agi exatamente como você queria, com Bartlett? Não estou vestida perfeitamente, à moda americana?

— É, está sim. — Gornt olhou para ela, depois falou, delicadamente: — Podia ser perfeita, para ele. Estava pensando que vocês dois podiam, quem sabe, ter algo mais permanente do que um simples caso...

Ela ficou completamente atenta.

— O quê?

— Você e ele podiam se ajustar como um perfeito quebra-cabeças chinês. Você é bem-humorada, da idade certa, linda, esperta, educada, maravilhosa na cama, muito inteligente, com verniz americano suficiente para deixá-lo à vontade. — Gornt exalou a fumaça e acrescentou: — E de todas as damas que conheço, você seria a que mais gastaria o dinheiro dele. É, vocês dois se encaixariam perfeitamente... ele seria ótimo para você, que iluminaria a vida dele consideravelmente. Não é?

— Ah, sim — retrucou ela, prontamente. — Ah, sim, iluminaria. — Sorriu, depois franziu o cenho. — Mas, e quanto à mulher que o acompanha? Estão juntos numa suíte do Vic. Ouvi falar que é maravilhosa. E quanto a ela, Quillan? Gornt deu um débil sorriso.

— Meus espiões dizem que eles não dormem juntos, embora sejam mais que amigos.

O rosto dela expressou desalento.

— Ele não é bicha, é?

Gornt soltou uma risada gostosa.

— Não faria isso com você, Orlanda! Não, estou certo que não. É só um acordo estranho que ele tem com Casey.

— Qual é?

Gornt deu de ombros. Após um momento, ela falou:

— O que faço com ela?

— Se Casey Tcholok está no seu caminho, afaste-a. Você tem garras.

— Você é... Às vezes não gosto de você nem um pouquinho.

— Somos ambos realistas, você e eu. Não somos?

A voz dele era inexpressiva, mas ela percebeu a violência latente. Prontamente, pôs-se de pé, debruçou-se sobre a mesa e deu-lhe um beijinho.

— Você é um demônio — falou, apaziguando-o. — Isto é pelos velhos tempos.

A mão dele buscou o seio dela, e ele suspirou, recordando, saboreando o calor que vinha através do tecido fino.

— Ayeeyah, Orlanda. Bons tempos aqueles, não?

Ela fora sua amante aos dezessete anos. Ele foi o seu primeiro homem e a manteve durante quase cinco anos; teria continuado a mantê-la, mas ela foi para Macau com um rapaz, quando ele estava fora, e aquilo chegara aos seus ouvidos. E então ele parará. Imediatamente. Embora tivessem uma filha, àquela altura, com um ano de idade.

— Orlanda — dissera-lhe, enquanto ela suplicava o seu perdão —, não há o que perdoar. Já lhe disse uma dúzia de vezes que a juventude precisa da juventude, e que chegaria o dia... Seque as lágrimas, case com o rapaz... dar-lhe-ei um dote, e a minha bênção. — E em meio a toda a choradeira dela, mantivera-se firme. — Continuaremos amigos — assegurara-lhe —, e cuidarei de você, quando precisar...

No dia seguinte, voltara todo o calor da sua fúria secreta contra o rapaz, um inglês, um executivo de menos importância das Propriedades Asiáticas, e no fim do mês já tinha acabado com ele.

— É uma questão de dignidade — disse a ela, calmamente.

— Ah, eu sei, compreendo, mas... o que faço agora? — choramingara ela. — Ele vai embora para a Inglaterra amanhã, quer que eu vá junto e case com ele, mas não posso casar agora, ele não tem dinheiro, nem futuro, nem emprego, nem dinheiro...

— Enxugue as lágrimas, depois vá fazer compras.

— Como?

— É, tome um presente. — Ele lhe dera um bilhete de ida e volta de primeira classe, para Londres, no mesmo avião em que o rapaz viajaria na classe turista. E mil libras em notas novinhas de dez libras. — Compre um monte de roupas bonitas, e vá ao teatro. Tem reserva no Connaught para onze dias... basta assinar a conta... e sua passagem de volta está confirmada, portanto, divirta-se e volte nova em folha, sem problemas!

— Ah, obrigada, Quillan querido, obrigada... sinto tanto. Você me perdoa?

— Não há o que perdoar. Mas se você voltar a falar com ele, ou a vê-lo em particular... jamais voltaria a ser amigo seu, ou da sua família.

Ela lhe agradecera profusamente, em meio às lágrimas, xingando-se pela sua estupidez, suplicando que a ira dos céus descesse sobre aquele que a atraiçoara. No dia seguinte, o rapaz tentara falar com ela no aeroporto, e no avião, e em Londres, mas ela o afastara, praguejando. Agora conhecia bem o seu lugar. No dia em que ela deixou Londres, ele cometeu suicídio.

Quando Gornt ouviu a novidade, acendeu um belo charuto e levou-a para jantar no topo do Victoria and Albert, com castiçais, toalha de mesa e talheres finos, e, depois que ele tomara o seu conhaque Napoléon e ela o seu creme de menthe, mandara-a para casa, sozinha, para o apartamento cujo aluguel ainda pagava. Pedira mais um conhaque e ficara ali, olhando para as luzes do porto e para o Pico, sentindo a glória da vingança, a majestade da vida, a sua dignidade recobrada.

— Ayeeyah, tivemos bons momentos — dizia Gornt agora, ainda desejando-a, embora não tivesse se deitado com ela desde que soubera de Macau.

— Quillan... — começou ela, sentindo-se também excitada com o toque dele.

— Não.

Os olhos dela voltaram-se para a porta interna.

— Por favor. Faz três anos, nunca houve ninguém...

— Obrigado, mas não. — Afastou-a dele, as mãos firmes nos seus braços, embora gentis. — Já tivemos o melhor — disse, como se fosse um connaisseur. — Não gosto de menos que o melhor.

Ela se sentou na beirada da mesa, olhando para ele, emburrada.

— Você sempre ganha, não é?

— No dia em que se tornar amante de Bartlett, eu lhe dou um presente — falou, calmamente. — Se ele a levar para Macau, e ficar com você abertamente por três dias, dou-lhe um Jaguar novo. Se a pedir em casamento, você ganha o apartamento com tudo o que tem dentro, e mais uma casa na Califórnia como presente de casamento.

Ela soltou uma exclamação abafada, depois sorriu, gloriosamente.

— Um XK-E preto, Quillan, seria perfeito! — E então, sua felicidade se evaporou. — O que há de tão importante nele? Por que é tão importante para você?

Ele simplesmente a fitou.

— Desculpe — disse ela —, desculpe, não devia ter perguntado.

Pensativa, pegou um cigarro, acendeu-o, inclinou-se para a frente e passou-o para ele.

— Obrigado — falou Gornt, vendo a curva do seio dela, curtindo-a, embora um pouco entristecido por tanta beleza ser tão transitória. — A propósito, não gostaria que Bartlett soubesse do nosso acordo.

— Nem eu. — Deu um suspiro e forçou um sorriso. Depois levantou-se e deu de ombros. — Ayeeyah, nunca teria durado mesmo entre nós, com ou sem Macau. Você teria mudado... teria se entediado, os homens sempre se entediam.

Ajeitou a maquilagem e a camisa, jogou-lhe um beijo e saiu. Ele fitou a porta fechada, depois sorriu e apagou o cigarro que ela lhe dera, sem tê-lo posto na boca, não querendo a mácula dos lábios dela. Acendeu um novo cigarro e cantarolou baixinho.

"Excelente", pensou, satisfeito. "Agora veremos, Sr. Maldito Arrogante Confiante Ianque Bartlett, agora veremos como segura a faca. Macarrão com cerveja, imagine!"

E então Gornt sentiu um cheirinho do perfume dela que permanecera no ar, e isso lhe trouxe momentaneamente lembranças de quando se deitavam juntos. Quando ela era mais jovem, forçou-se a se lembrar. Graças a Deus não há falta de juventude ou beleza por aqui, e uma substituta se arranja com um telefonema ou uma nota de cem dólares.

Pegou o telefone e discou um número particular especial, satisfeito porque Orlanda era mais chinesa do que européia. Os chineses são um povo tão prático!

O telefone parou de tocar e ele ouviu a voz resoluta de Paul Havergill.

— Pronto!

— Paul, Quillan. Como vão indo as coisas?

— Alô, Quillan... naturalmente já sabe que Johnjohn vai assumir a direção do banco em novembro.

— Já. Lamento muito.

— Que droga. Eu esperava ser confirmado, mas a junta diretora resolveu escolher Johnjohn. Ontem à noite a resolução tornou-se oficial. É Dunross de novo, a panelinha dele, a as malditas ações que possuem. E como foi o seu encontro?

— O nosso americano está meio indócil na pista, bem como eu previa. — Gornt deu uma boa tragada no cigarro e tentou manter a voz controlada. — O que acha de uma agitaçãozinha especial antes de se aposentar?

— O que está pretendendo?

— Vai sair no fim de novembro?

— Vou. Depois de vinte e três anos. De certa forma, não vou achar ruim.

"Nem eu", pensou Gornt, satisfeito. "Você está fora de moda, é conservador demais. A única coisa a seu favor é que odeia Dunross."

— É daqui a quase quatro meses. Isso nos daria tempo de sobra. A você, a mim e ao nosso americano.

— O que está pretendendo?

— Lembra-se de um dos meus planos de jogo hipotéticos, aquele a que dei o nome de "Competição"?

Havergill pensou por um momento.

— Sobre como assumir o controle de um banco rival ou eliminá-lo, não era? Por quê?

— Digamos que alguém tenha tirado o pó do plano, feito algumas modificações e apertado o botão de funcionamento... há dois dias. Digamos que alguém sabia que Dunross e os outros votariam pela sua eliminação e queria vingança. O Competição funcionaria perfeitamente.

— Não vejo por quê. Qual a vantagem de se atacar o Blacs? — O Banco de Londres, Cantão e Xangai era o maior rival do Victoria. — Não tem sentido.

— Ah, mas digamos que alguém tenha mudado o alvo, Paul.

— Para quem?

— Passo por aí às três horas, para explicar.

— Para quem?

— Richard.

Richard Kwang controlava o Ho-Pak Bank, um dos maiores dos muitos bancos chineses de Hong Kong.

— Santo Deus! Mas isso é... — Houve uma longa pausa. — Quillan, você começou mesmo o Competição... botou-o em ação?

— Foi, e ninguém sabe disso, exceto você e eu.

— Mas, como isso vai funcionar contra Dunross?

— Explico mais tarde. Ian pode cumprir seus compromissos com os navios?

Houve uma pausa, que Gornt percebeu.

— Sim — ouviu Havergill dizer.

— Sim, mas o quê?

— Mas estou certo de que dará um jeito.

— Que outros problemas Dunross tem?

— Desculpe, mas seria falta de ética.

— Claro. — Gornt acrescentou, suavemente: — Vou dizer a coisa de outro modo: digamos que o barco deles esteja balançando um pouco. Hem?

Uma pausa mais longa.

— No momento apropriado, uma onda pequenina poderia botá-los a pique, ou qualquer outra companhia. Até mesmo você.

— Mas não o Victoria Bank.

— Ah, não.

— Ótimo. Até logo mais, às três. — Gornt desligou e enxugou a testa de novo, excitadíssimo. Apagou o cigarro, fez um cálculo rápido, acendeu outro cigarro, depois discou. — Charles, Quillan. Está ocupado?

— Não. O que posso fazer por você?

— Quero um balanço geral.

Um balanço geral era um sinal particular para o advogado telefonar para oito representantes que comprariam ou venderiam no mercado de ações em lugar de Gornt, mas secretamente, para evitar que as negociações fossem descobertas como partindo dele. Todas as ações e o dinheiro passariam exclusivamente pelas mãos do advogado, para que nem os representantes nem os corretores soubessem para quem a transação estava sendo feita.

— Um balanço geral, Quillan, pois não. De que tipo?

— Quero vender a descoberto.

Vender a descoberto significava que venderia ações que não possuía, imaginando que o valor delas baixaria. Assim, antes que tivesse que recomprá-las — tinha para isso uma margem máxima de duas semanas, em Hong Kong —, se as ações realmente tivessem baixado, ele embolsaria a diferença. Claro, se arriscasse e perdesse, isto é, se as ações subissem de preço, teria que pagar a diferença.

— Que ações, e quantas?

— Cem mil ações do Ho-Pak...

— Meu Deus...

—...a mesma coisa, tão logo o mercado abra amanhã, e mais duzentas durante o dia. Depois lhe darei novas instruções.

Fez-se um silêncio atônito.

— Disse mesmo Ho-Pak?

— Disse.

— Vai levar tempo para arranjar todas essas ações. Santo Deus, Quillan, quatrocentas mil?

— Melhor arranjar mais cem mil. Meio milhão, certinho.

— Mas... mas a Ho-Pak é uma blue chip autêntica. Há anos que não baixa de valor.

— É.

— O que andou ouvindo?

— Boatos — falou Gornt, seriamente, rindo consigo mesmo. — Que tal almoçar cedo, lá no clube?

— Estarei lá.

Gornt desligou, depois discou outro número particular.

— Pronto.

— Sou eu — disse Gornt, cautelosamente. — Está sozinho?

— Estou. E?

— No nosso encontro, o ianque sugeriu uma incursão.

— Ayeeyah! E?

— E Paul está na jogada — falou, o exagero saindo com naturalidade. — Sigilo absoluto, naturalmente. Acabo de falar com ele.

— Então, pode contar comigo. Desde que eu fique com o controle dos navios da Struan, sua operação de propriedades em Hong Kong, e quarenta por cento das suas terras na Tailândia e em Cingapura.

— Você está brincando!

— Nada é demais para aniquilá-los, não é, meu rapaz? Gornt escutou a risada refinada e zombeteira e odiou Jason

Plumm por ela.

— Você o despreza tanto quanto eu — falou Gornt.

— Ah, mas você vai precisar de mim e dos meus amigos especiais. Mesmo com Paul em cima do muro, ou embaixo, você e o ianque não vão ter êxito, não sem mim e os meus.

— Por que outro motivo estaria conversando com você?

— Escute, não esqueça que não estou pedindo nenhum pedaço do bolo americano.

Gornt manteve a voz calma.

— E o que tem isso a ver com a história?

— Eu o conheço. Ah, sim, conheço, meu velho.

— Conhece mesmo?

— Conheço. Não vai se satisfazer apenas em destruir o nosso "amigo", vai querer o bolo inteiro.

— Não diga!

— Digo. Há muito tempo que está querendo pôr um pé no mercado americano.

— E você?

— Não. Sabemos de que saco é a nossa farinha. Satisfaze-mo-nos em seguir atrás, direitinho. Satisfazemo-nos com a Ásia. A gente não quer ser nobre coisa nenhuma.

— É?

— É. Então, negócio fechado?

— Não — falou Gornt.

— Deixarei de lado os navios. Em vez disso, ficarei com a Investimentos Kowloon de Ian, a operação Kai Tak, e quarenta por cento das terras na Tailândia e em Cingapura, e aceitarei vinte e cinco por cento da Par-Con e três postos na diretoria.

— Ora, vá se lixar!

— A oferta é válida até segunda-feira.

— Qual segunda-feira?

— A próxima.

— Dew neh loh moh para todas as suas segundas-feiras.

— E as suas! Farei uma última oferta. A Investimentos Kowloon e a sua operação Kai Tak, integral, trinta e cinco por cento das terras na Tailândia e em Cingapura, e dez por cento do bolo americano, com três postos na diretoria.

— Só isso?

— Só. Repito, a oferta é válida até segunda que vem. E não pense que pode nos engolir no meio do caminho.

— Ficou maluco?

— Já lhe disse... conheço você. Negócio fechado?

— Não.

Novamente a risada macia e malévola.

— Até segunda... segunda que vem. Tempo de sobra para você se decidir.

— Verei você logo mais na festa do Ian? — perguntou Gornt, suavemente.

— Está louco? Não iria nem se... Santo Deus, Quillan, você vai mesmo aceitar? Em pessoa?

— Não estava pretendendo ir... mas agora acho que vou. Não gostaria de perder o que talvez seja a última festança do último tai-pan da Struan...


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