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18h25m

Robert Armstrong esvaziou o copo de cerveja.

— Mais uma — falou, com voz pastosa, fingindo estar bêbado. Estava no Namorada Boa Sorte, um bar lotado e barulhento de Wanchai, no cais do porto, cheio de marujos americanos do porta-aviões nuclear. Recepcionistas chinesas assediavam os fregueses com bebidas, e aceitavam em troca pilhérias, toques e drinques aguados, a preços altos. Ocasionalmente, uma delas pedia um uísque de verdade e o mostrava ao parceiro, para provar que aquele era um bar dos bons, onde não havia trapaça.

Acima do bar ficavam os quartos, mas não era conveniente para os marujos se utilizarem deles. Nem todas as garotas eram limpas ou cuidadosas, não por livre escolha, mas por ignorância. E, no final da noite, podiam afanar-lhes a grana, embora só os muito bêbados fossem roubados. Afinal de contas, não havia necessidade: os marujos estavam dispostos a gastar tudo o que tinham.

— Quer fuque-fuque? — perguntou a criança excessivamente pintada.

"Dew neh loh moh para todos os seus ancestrais", teve vontade de lhe dizer. "Você devia estar em casa, na cama, lendo livros escolares. " Mas não o disse. Não ia adiantar nada. Provavelmente, os próprios pais lhe haviam arranjado aquele emprego, agradecidos, para que toda a família pudesse sobreviver um pouco melhor.

— Quer tomar alguma coisa? — perguntou, sem revelar que falava cantonense.

— Escocês, escocês — pediu a criança, imperiosamente.

— Por que não pede chá, e eu lhe dou o dinheiro, de qualquer maneira? — disse ele, com azedume.

— Fodam-se todos os deuses e as mães dos deuses, não sou trapaceira! — Altivamente, a garota mostrou-lhe o copo sujo que o garçom jogara sobre a mesa. Continha mesmo uísque, dos mais baratos. A garota esvaziou o copo sem uma careta. — Garçom! Outro escocês e outra cerveja! Você bebe, eu bebo, depois nós fuque-fuque. Armstrong olhou para ela.

— Como se chama?

— Lily. Lily Chop. Vinte e cinco dólares, pouco tempo.

— Quantos anos tem?

— Bastante. Quantos anos você?

— Dezenove.

— Hum, tiras sempre mentem!

— Como sabia que sou um tira?

— Patroa contou. Só vinte dólares, heya?

— Quem é a patroa? Onde está?

— Atrás do bar. Ela mama-san.

Armstrong forçou a vista, em meio à fumaceira. A mulher era uma magricela na casa dos cinqüenta que suava e dava duro, mantendo um papo constante e vulgar com os marinheiros enquanto atendia aos pedidos.

— Como ela soube que sou tira? Lily deu de ombros de novo.

— Escute, ela mandou deixar você contente, ou eu no olho da rua. Vamos subir, heya? Por conta da casa, nada de vinte dólares.

A menina se levantou. Dava para ver o medo dela, agora.

— Sente-se — ordenou.

Ela sentou-se, com mais medo ainda.

— Se eu não agrado, ela me joga na...

— Você me agrada. — Armstrong soltou um suspiro. Era um truque antigo. Se você ia, pagava, se não ia, pagava, e o patrão sempre mandava uma jovenzinha. Entregou-lhe cinqüenta dólares. — Tome. Vá e dê para a mama-san, com meus agradecimentos. Diga a ela que agora não posso fuque-fuque porque estou incomodado! O Honorável Vermelho está comigo!

Lily fitou-o, boquiaberta, depois casquinou como uma velha.

— Eeee, fodam-se todos os deuses! Essa é boa!

E lá se foi ela, equilibrando-se com dificuldade, sobre os saltos altos, o cheong-sam vulgar fendido bem alto, mostrando as pernas e nádegas magras, muito magras.

Armstrong acabou a cerveja, pagou a conta e ficou de pé. Imediatamente, tomaram conta da sua mesa, e ele foi abrindo caminho até a porta por entre os marujos suados e ruidosos.

— Será sempre bem-vindo — disse a mama-san, quando ele passou por ela.

— Claro — respondeu ele, sem malícia.

A chuva agora não passava de uma garoa, e estava ficando escuro. Na rua havia muitos outros marujos bagunceiros, todos americanos — os comandantes dos navios britânicos tinham dado ordem ao seu pessoal para não entrar naquela área por alguns dias. Sentia a pele úmida e quente sob a capa de chuva. Dali a um momento, tinha saído da Gloucester Road e do cais do porto e subia a O'Brien Road, no meio do povo, pisando nas poças d'água, a cidade com cheiro bom de coisa limpa e lavada. Na esquina, dobrou a Lochart Road, e finalmente achou o beco que procurava. Estava movimentado, como de costume, com barraquinhas de rua, lojas e cães esqueléticos, galinhas engaioladas, patos secos fritos e carnes pendendo de ganchos, legumes e frutas. Pouco além do começo do beco ficava uma barraquinha com bancos, sob um toldo de lona para proteger da garoa. Ele fez um gesto de cabeça para o proprietário, escolheu um canto na sombra, pediu um prato de talharim de Cingapura — fininho, levemente frito, seco, com pimenta, temperos, camarão cortidinho e verduras frescas — e esperou.

Brian Kwok.

Sempre de volta a Brian Kwok.

E sempre de volta aos quarenta mil em notas usadas que encontrara na gaveta da sua mesa, aquela que mantinha sempre trancada.

"Concentre-se", disse para si mesmo, "ou vai escorregar. Vai cometer um erro. Não pode se dar a esse luxo!"

Estava exausto, e sentia-se sujo, uma sujeira que água quente e sabonete não conseguiam limpar. Com esforço, fez os olhos buscarem a presa, os ouvidos escutarem os sons da rua, e o nariz saborear a comida.

Tinha acabado de esvaziar a tigela quando viu o marujo americano. O homem era magro, usava óculos, e era bem mais alto que os pedestres chineses, embora caminhasse levemente curvado. Estava abraçado a uma mulher da rua. Ela segurava um guarda-chuva, cobrindo-os, e puxava o braço dele.

— Não. Por aí, não, benzinho — pedia. — Meu quarto outro lado... compreende?

— Claro, boneca, mas primeiro vamos para este lado, e depois para o seu lado. Tá? Vamos, querida.

Armstrong encolheu-se mais na sombra. Observou-os enquanto se aproximavam, perguntando-se se ele seria o tal. O sotaque era sulista, doce, e ele tinha vinte e tantos anos. Enquanto andavam pela rua movimentada, ele olhava de um lado para outro, procurando se orientar. Depois, Armstrong notou que ele vira a loja do alfaiate num dos cantos do beco, chamada Ternos Feitos à Mão, de Pop-ting, e, do lado oposto, um restaurante pequeno e aberto, iluminado com lâmpadas nuas e com um cartaz toscamente escrito pregado num poste: bem-vindos os marinheiros americanos. A coluna de caracteres chineses que encimava a porta dizia: mil anos de saúde para O RESTAURANTE MAO TSÉ-TUNG.

— Vamos, boneca — disse o marujo, animando-se. — Vamos tomar uma cerveja aqui.

— Lugar não presta, benzinho, melhor vir meu bar, heya? Melhor...

— Porra, vamos tomar uma cerveja aqui! — Entrou no restaurante aberto e sentou-se a uma das mesas de plástico, volumoso no seu impermeável. Ela o seguiu, de cara amarrada. — Cerveja! Duas cervejas! San Miguel, tá? Sacou?

De onde estava, Armstrong podia vê-los nitidamente. Uma das mesas estava ocupada por quatro cules, que tomavam sopa de talharim ruidosamente. Lançaram um breve olhar para o marujo e a garota. Um deles fez um comentário obsceno, e os outros riram. A garota enrubesceu e deu-lhes as costas. O marinheiro cantarolava enquanto olhava ao seu redor com cuidado, bebericando a cerveja. Depois levantou-se.

— Tenho que ir à privada.

Sem hesitar, dirigiu-se para a parte dos fundos, atravessando a cortina de contas carcomidas, o empregado do balcão a observá-lo com azedume. Armstrong soltou um suspiro e relaxou. A armadilha fora acionada.

Dali a um momento, o marinheiro voltou.

— Vamos — disse —, vamos sair daqui.

Esvaziou o copo, pagou, e eles se retiraram de braços dados, como haviam chegado.

— Quer mais talharim de Cingapura? — o dono da barraquinha perguntou grosseiramente a Armstrong, os olhos hostis meras fendas no rosto de maçãs altas.

— Não, obrigado. Só outra cerveja.

— Não tem cerveja.

— Fodam-se você e toda a sua descendência — sibilou Armstrong num perfeito cantonense de sarjeta. — Será que sou algum idiota da Montanha Dourada? Não, sou um freguês da sua merda de restaurante. Arranje-me uma merda duma cerveja ou mandarei meus homens abrirem o seu Saco Secreto e darem os amendoins que você chama de tesouro ao cachorro mais próximo!

O homem ficou calado. Emburrado, foi até a barraquinha vizinha, pegou uma San Miguel, trouxe-a e colocou-a sobre o balcão, aberta. Os outros fregueses ainda fitavam Armstrong, espantados. Abruptamente, ele escarrou ruidosamente e lançou um olhar gélido ao homem mais próximo. Viu que ele estremeceu e desviou o olhar. Inquietos, os demais voltaram a se concentrar nas suas tigelas, constrangidos por estarem na presença de um policial bárbaro que tinha as péssimas maneiras de soltar palavrões daquele jeito, na língua deles.

Armstrong ajeitou-se mais confortavelmente no banquinho, depois correu os olhos pela rua e pelo beco, esperando pacientemente.

Não teve que esperar muito até ver o europeu pequeno, atarracado e robusto subindo o beco, junto à parede, parando e espiando a vitrine de uma loja de sapatos baratos por trás das barraquinhas que lotavam o beco estreito.

"Ah, é um profissional", pensou Armstrong, muito satisfeito, sabendo que o homem estava usando o vidro como espelho para observar o restaurante. O homem não tinha pressa. Usava um impermeável de plástico e um chapéu informe, e não chamava a atenção. Seu corpo ficou momentaneamente oculto quando um cule passou por ele, oscilando sob a carga de pesados embrulhos em cada extremidade do pedaço de bambu que levava aos ombros. Armstrong notou as panturrilhas retesadas do cule, cheias de varizes, enquanto vigiava os pés do outro homem. Eles se moveram, e o homem saiu do beco, coberto pelo cule, e não parou, subindo a rua.

"Ele é muito bom", pensou o policial com admiração, sem perdê-lo de vista. "O sacana já fez isso antes. Deve ser do KGB, para ser esperto assim. Bem, não vai demorar muito, agora, meu rapaz, para você ser fisgado", falou com seus botões, sem rancor, como o faria um pescador ao ver uma truta gorda rondando a isca.

O homem estava olhando as vitrines de novo. "Venha, peixinho. "

O homem agia exatamente como uma truta. Desfilava longamente, afastava-se e voltava, mas sempre com muito cuidado, e sem chamar a atenção. Finalmente, entrou no restaurante aberto, sentou-se e pediu uma cerveja. Armstrong soltou um suspiro, agora feliz.

Pareceu haver passado um tempo interminável até que o homem também se levantasse, perguntasse onde ficava o banheiro, caminhasse por entre os poucos fregueses e atravessasse a cortina de contas. Dali a pouco reapareceu, e foi para a sua mesa. Imediatamente os quatro cules que jantavam atacaram-no pelas costas, prendendo-lhe os braços e deixando-o indefeso, enquanto outro amarrava-lhe uma coleira alta e dura no pescoço. Os outros fregueses do restaurante, fregueses de verdade, e não policiais disfarçados do sei, ficaram boquiabertos. Um deles largou os pauzinhos com que comia, dois fugiram, e os outros ficaram imóveis.

Armstrong levantou-se calmamente do seu banquinho e foi para lá. Viu o chinês carrancudo de trás do balcão tirar o avental.

— Cale a boca, seu filho da mãe — disse o sujeito, em russo, para o homem que xingava e se debatia, impotente. — Boa noite, superintendente — disse a Armstrong com um sorriso maroto. Chamava-se Malcolm Sun, era um agente graduado do sei, e o chinês mais antigo naquele 16/2. Fora ele que organizara a intercepção, pagara ao cozinheiro que trabalhava nesse turno e tomara o seu lugar.

— Boa noite, Malcolm. Saiu-se muito bem. — Armstrong voltou a atenção para o agente inimigo. — Como se chama? — perguntou, amavelmente.

— Quem você? Solta... Solta! — falou o homem, num inglês com forte sotaque.

— Ele é todo seu, Malcolm — disse Armstrong. Imediatamente Sun falou, em russo:

— Escute, seu filho da puta, sabemos que você é do Ivánov, que é um mensageiro, e que acaba de pegar um material deixado pelo americano do porta-aviões nuclear. O filho da mãe já está sob custódia, e é melhor...

— Mentiras! Cometeram um erro — gaguejou o homem em russo. — Não sei nada de nenhum americano. Soltem-me!

— Como se chama?

— Vocês cometeram um erro. Soltem-me!

Uma multidão de espectadores boquiabertos cercava agora o restaurante.

Malcolm Sun virou-se para Armstrong.

— Este está preparado, senhor. Não entende russo direito. Parece que teremos que prendê-lo — falou, com um sorriso retorcido.

— Sargento, vá buscar o camburão.

— Sim, senhor.

Um outro agente se afastou rapidamente, enquanto Armstrong chegava mais perto. O russo era grisalho, um homem atarracado, de olhos pequenos e irados. Estava absolutamente preso, sem chance de escapar ou de pôr a mão no bolso ou na boca, para destruir as provas ou a si mesmo.

Armstrong revistou-o habilmente. Nenhum manual ou rolo de filme.

— Onde o colocou? — perguntou.

— Eu não compreendo!

O ódio do homem não incomodava Armstrong. Não tinha raiva dele. O sujeito era apenas um alvo que fora preso na armadilha. "Quem será que denunciou esse pobre sacana, que está morto de medo, e com razão, que agora está arruinado para sempre junto ao KGB e ao seu pessoal, e que pode se considerar um homem morto? Por que será que a batida é nossa, e não de Rosemont e da sua turma da CIA? Como foi que nós ficamos sabendo da entrega do material, e não os ianques? Como foi que Crosse ficou sabendo de tudo isso?" Crosse apenas lhe dissera onde e como, e que o material ia ser deixado por um marujo do porta-aviões e apanhado por alguém do Ivánov.

— É o responsável, Robert. E, por favor, não entorne o caldo.

— Não o farei. Mas, por favor, arranje outra pessoa para o Brian...

— Pela última vez, Robert, vai fazer o interrogatório de Kwok, e está subordinado ao sei até que eu o libere. E se você reclamar mais uma vez, farei com que o expulsem da polícia, de Hong Kong, com que perca sua aposentadoria. E não preciso lembrar-lhe de que o braço do sei é muito comprido. Duvido que voltasse a trabalhar, a não ser que virasse criminoso. E, então, que Deus tenha piedade de você. Fui claro?

— Sim, senhor.

— Ótimo. Brian estará pronto para você às seis horas, amanhã de manhã.

Armstrong estremeceu. "Que sorte impossível tivemos ao pegá-lo! Se Wu Óculos não fosse de Ning-tok... se a velha amah não tivesse falado com o Lobisomem... se a corrida ao banco... Deus, meu, quantos ses! Mas é assim que se pega um peixe dos grandes. Na maioria das vezes, sorte pura, e nada mais. Santo Deus, Brian Kwok! Pobre coitado!

Estremeceu de novo.

— Está bem, senhor? — perguntou Malcolm Sun.

— Estou. — Armstrong voltou a olhar para o russo. — Onde enfiou o filme, o rolo de filme?

O homem fitava-o, desafiador.

— Não compreende! Armstrong soltou um suspiro.

— Compreende, e muito bem. — O camburão preto atravessou a multidão espantada e parou. Dele saltaram mais homens do sei. — Ponham-no lá dentro e não o soltem — disse Armstrong para aqueles que o seguravam. A multidão olhava, tagarelava e vaiava enquanto o homem era carregado para o camburão. Armstrong e Sun entraram atrás dele e fecharam a porta.

— Pode arrancar, motorista — ordenou Armstrong.

— Sim, senhor.

O motorista atravessou a multidão com cuidado e entrou no tráfego congestionado, dirigindo-se para o QG da Central.

— Pois bem, Malcolm. Pode começar.

O agente chinês pegou uma faca ultra-afiada. O soviético empalideceu.

— Como se chama? — perguntou Armstrong, sentado num banco à sua frente.

Malcolm Sun repetiu a pergunta em russo.

— D... Dmítri Metkin — resmungou o homem, ainda seguro firmemente pelos quatro homens, e incapaz de mover um dedo, quer da mão quer do pé. — Marinheiro, primeira classe.

— Mentiroso — falou Armstrong. — Prossiga, Malcolm. Malcolm Sun pôs a faca sob o olho esquerdo do homem, e ele quase desmaiou.

— Isso fica para mais tarde, espião — falou Sun, em russo, com um sorriso gélido. Habilmente, com violência malévola e deliberada, Sun cortou fora rapidamente a capa de chuva. Armstrong revistou-a com muito cuidado, enquanto Sun usava a faca com perícia, cortando fora a camiseta de marinheiro e o resto das roupas que o homem vestia, até deixá-lo nu. A faca não o cortara uma só vez, nem mesmo de leve. Uma revista cuidadosa, feita duas vezes, nada revelou. Nem nos sapatos, ou na sola dos sapatos.

— A não ser que seja uma cópia em micropontos, e nós a tenhamos deixado passar até agora, tem que estar nele — falou Armstrong.

Prontamente os homens que seguravam o russo o dobraram ao meio e Sun pegou as luvas cirúrgicas, a pomada cirúrgica e sondou profundamente. O homem se crispou e gemeu, e lágrimas de dor escorreram-lhe dos olhos.

— Dew neh loh moh — exclamou Sun, contente. Seus dedos retiraram um pequeno tubo de celofane.

— Não o soltem! — falou Armstrong rapidamente. Quando se certificou de que o homem estava seguro, fitou o pacotinho cilíndrico. Dentro dele podia enxergar os círculos de ponta dupla de um rolo de filme.

— Parece um Minolta — falou, distraidamente. Usando alguns lenços de papel, embrulhou com cuidado o tubo de celofane e sentou-se de novo em frente ao homem.

— Sr. Metkin, é acusado segundo a Lei dos Segredos Oficiais de tomar parte num ato de espionagem contra o governo de Sua Majestade e seus aliados. Qualquer coisa que disser será anotada e usada como prova contra o senhor. Bem, senhor — continuou, suavemente —, foi apanhado. Todos pertencemos ao Serviço Especial de Informações, e não estamos sujeitos às leis normais, da mesma forma que o seu KGB. Não queremos machucá-lo, mas podemos detê-lo para sempre, se quisermos. Na solitária, se quisermos. Queremos um pouco de cooperação. Apenas as respostas a algumas perguntas. Se o senhor se recusar, extrairemos as informações que queremos. Usamos muitas das suas técnicas do KGB, e podemos, às vezes, até ir além delas. — Notou um lampejo de terror nos olhos do homem, mas algo lhe dizia que aquele homem seria difícil de ser dobrado. — Qual o seu nome verdadeiro? O seu nome oficial no KGB?

O homem apenas o fitava.

— Qual o seu posto no KGB?

O homem ainda o fitava. Armstrong soltou um suspiro.

— Posso deixar meus amigos chineses se encarregarem de você, se preferir, meu velho. Eles não gostam nem um pouquinho de vocês. Seus exércitos soviéticos invadiram a aldeia de Malcolm Sun, na Manchúria, e a destruíram, assim como à família dele. Lamento, mas preciso ter o seu nome oficial no KGB, seu posto no Soviétski Ivánov, e sua posição oficial.

Novo silêncio hostil. Armstrong deu de ombros.

— Vá em frente, Malcolm.

Sun estendeu a mão e arrancou o pé-de-cabra grosseiro, e, enquanto os quatro homens viraram Metkin brutalmente de bruços e abriram-lhe as pernas, Sun enfiou a ponta. O homem berrou.

— Espere... espere... — falou, ofegante, no seu inglês gutural — espere... sou Dmítri... — Outro berro. — Nikolai Leonov, major, comissário político...

— Chega, Malcolm — falou Armstrong, abismado com a importância da sua presa.

— Mas, senhor...

— Chega — falou Armstrong com aspereza, deliberadamente protetor, assim como Sun era deliberadamente hostil. Com força e violência, Sun devolveu o pé-de-cabra ao gancho onde estivera preso. — Levantem-no — ordenou Armstrong, sentindo pena do homem, da indignidade sofrida. Mas o truque jamais deixava de produzir nome e posto verdadeiros, se fosse feito imediatamente. Era um truque, pois jamais enfiariam fundo, e o primeiro grito era sempre de pânico, nunca de dor. A não ser que o agente inimigo desse logo o serviço, eles se deteriam, e depois continuariam o interrogatório no QG, de modo adequado e supervisionado. A tortura não era necessária, embora alguns fanáticos a utilizassem, contrariando ordens. "Esta é uma profissão perigosa", pensou, amargamente. "Os métodos do KGB são mais brutais e os chineses têm uma atitude diferente em relação à vida e à morte, ao vitorioso e ao derrotado, à dor e ao prazer... e ao valor de um berro. "

— Não nos leve a mal, major Leonov — disse, bondosamente, quando os outros o haviam erguido e sentado no banco, ainda firmemente agarrados a ele. — Não queremos machucá-lo... ou deixar que se machuque.

Metkin cuspiu nele e começou a soltar palavrões, lágrimas de terror, ódio e frustração escorrendo-lhe pelo rosto. Armstrong fez um sinal para Malcolm Sun, que pegou o chumaço de algodão preparado e segurou-o com firmeza sobre o nariz e a boca de Metkin.

O cheiro pesado, adocicado e enjoativo do clorofórmio encheu a atmosfera abafada. Metkin se debateu, impotente por um momento, depois cedeu. Armstrong verificou os olhos e o pulso dele, para se certificar de que não estava fingindo in-consciência.

— Podem largá-lo, agora — disse-lhes. — Todos trabalharam muito bem. Providenciarei para que conste um elogio nas suas folhas de serviço. Malcolm. É melhor cuidarmos muito bem dele. Pode tentar o suicídio.

— É. — Sun recostou-se com os outros, no camburão em movimento, que se arrastava pelo tráfego intenso de maneira irritante, parando e andando. Mais tarde, ele deu voz ao pensamento que estava em todas as cabeças. — Dmítri Metkin, aliás Nikolai Leonov, major, KGB, comissário político do Ivánov. O que um peixão desses está fazendo num trabalhinho simples como esse?


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