69
20h05m
— Ian? Desculpe interromper — disse Bartlett.
— Ora, alô! — Dunross afastou-se dos outros convivas com quem estava conversando. Bartlett estava sozinho. — Vocês dois não estão indo embora, espero... isso aqui ainda vai até as nove e meia, pelo menos.
— Casey ainda vai ficar mais um pouco. Eu tenho um encontro.
— Espero que ela seja bonita, como convém — comentou Dunross, com um amplo sorriso.
— E é, mas isso é para mais tarde. Primeiro, tenho um encontro de negócios. Tem um minutinho?
— Mas claro. Dêem-me licença um minuto — falou Dunross para os outros, e foi conduzindo Bartlett para um dos terraços, saindo da ante-sala lotada. A chuva estava mais fraca, mas continuava implacavelmente. — A compra de controle da General Stores está quase certa, ao nosso preço, sem outro lance superior da Superfoods. Vamos mesmo ganhar uma nota preta... se eu conseguir deter o Gornt.
— É. A segunda-feira dirá. Dunross olhou atentamente para ele.
— Estou muito confiante.
Bartlett sorriu, com cansaço e preocupação por trás do sorriso.
— Eu notei. Mas queria lhe perguntar se a ida para Taipé amanhã continua nos seus planos.
— Ia sugerir que a adiássemos até a semana que vem, o fim de semana que vem. Amanhã e segunda-feira são muito importantes para nós dois. Não acha?
Bartlett concordou com um gesto de cabeça, ocultando o seu alívio.
— Para mim está ótimo. — "E isso resolve o meu problema com Orlanda", pensou. — Bem, então acho que já vou indo.
— Pegue o carro. Mande o Lim de volta quando não precisar mais dele. Vai à subida do morro, se não for cancelada? É das dez até mais ou menos o meio-dia.
— Onde é?
— Nos Novos Territórios. Mandarei o carro apanhá-lo, se o tempo permitir. Casey também, se quiser ir.
— Obrigado.
— Não se preocupe com Casey logo mais... farei com que chegue a casa em segurança. Ela está livre mais tarde?
— Acho que sim.
— Ótimo, então pedirei a ela que se reúna a nós... alguns de nós vamos jantar num restaurante chinês. — Dunross olhou-o atentamente. — Algum problema?
— Não. Nada que não possa ser resolvido.
Bartlett abriu um sorriso e se afastou, preparando-se para o próximo ataque... Armstrong. Encostara Rosemont num canto há alguns momentos e lhe contara sobre o encontro com Banastasio.
— É melhor deixar a coisa com a gente, Linc — dissera Rosemont. — No que lhe diz respeito, fomos informados oficialmente. O consulado. Passarei adiante a quem de direito. Deixe tudo como está... diga a Casey, certo? Se o Banastasio ligar para qualquer um de vocês dois, encham lingüiça, liguem para nós e daremos um jeito. Eis o meu cartão... é válido durante as vinte e quatro horas do dia.
Bartlett estava do lado de fora da porta da frente, agora, e reuniu-se aos outros que esperavam pacientemente por seus carros.
— Ah, oi, Linc! — disse Murtagh, saindo apressadamente de um táxi, e quase derrubando-o. — Desculpe! A festa ainda não acabou?
— Claro que não, Dave. Para que a pressa?
— Tenho que ver o tai-pan! — Murtagh baixou a voz, demonstrando o seu entusiasmo. — Há uma chance de que a matriz tope, se o Ian fizer algumas concessões! Casey ainda está aí?
— Está — respondeu Bartlett prontamente, e todos os seus sentidos ficaram alertados, todo o resto esquecido. — Que concessões? — indagou, cautelosamente.
— Dobrar o período de câmbio exterior. E terá que lidar diretamente com o First Central, dando-nos a primeira opção sobre todos os futuros empréstimos, durante cinco anos.
— Isso não é demais — disse Bartlett, escondendo sua perplexidade. — Como ficou todo o negócio, agora?
— Não posso parar agora, Linc. Tenho que obter a aprovação do tai-pan. Eles estão esperando, mas é exatamente aquilo que Casey e eu planejamos. Porra, se isso der certo, o tai-pan nos deverá favores até as galinhas criarem dentes! — exclamou Murtagh, afastando-se às pressas.
Bartlett ficou olhando para ele, apalermado. Seus pés começaram a reconduzi-lo para dentro de casa, mas deteve-se e voltou para o seu lugar na fila. "Há tempo de sobra", disse com seus botões. "Não há necessidade de perguntar nada a ela agora. Pense no assunto."
Casey lhe havia falado da ligação do Royal Belgium com o First Central, e durante a tarde Murtagh acrescentara como era difícil arranjar uma brechinha ali com o sistema. Isso fora tudo. Bartlett notara o nervosismo do texano e de Casey. No momento atribuíra-o às corridas.
"Mas e agora?", perguntou-se, desconfiado. "Casey, Murtagh e o tai-pan! 'O First Central vai topar o negócio se...' e 'o tai-pan nos deverá favores até as galinhas criarem dentes..." e 'exatamente aquilo que Casey e eu planejamos.' Ela é a intermediária? Ora, aquele palhaço não chega aos pés da Casey, e ela não é nenhuma menina de recados. Porra, é a Casey que tem que ir puxando o cara, ele não é páreo para ela. Assim, provavelmente foi ela quem o levou a... ao quê? Do que é que o tai-pan mais está precisando?
"De crédito, e depressa, milhões até segunda-feira.
"Pombas, o First Central vai apoiá-lo! Só pode ser isso. Se. Se ele fizer concessões, e terá que fazer algumas para se safar..."
— Quer o carro, senhor?
— Oh, sim, Lim, quero, sim. O quartel-general da polícia em Wanchai. Obrigado.
Entrou no banco de trás, a mente fervendo.
"Com que então a Casey está fazendo um joguinho particular. Já deve estar em andamento há um ou dois dias, mas ela nada me disse. Por quê? Se eu estiver certo, e o golpe tiver êxito, o Ian terá os meios para rechaçar o Gornt, até para vencê-lo. Ela se esforçou ao máximo para ajudá-lo contra o Gornt. Sem a minha aprovação. Por quê? Em troca do quê?
"O dinheiro do dane-se! Os prometidos meio a meio são um pagamento... meus dois milhões... mas ela racha meio a meio?
"Claro. É uma possibilidade... uma possibilidade de que estou tomando conhecimento agora. Quais são as outras? Meu Deus! Casey independente, quem sabe bandeando-se para o lado do inimigo? Os dois ainda são o inimigo, Ian e Gornt."
A excitação dele aumentou.
"O que fazer?
"O dinheiro entregue ao Gornt está coberto. Os dois milhões pagos à Struan também estão cobertos, e não vou retirá-los. Nunca planejei fazê-lo... estava apenas testando Casey. O negócio com a Struan é bom, de um jeito ou de outro. O negócio com o Gornt é bom, de um jeito ou de outro. Portanto, o meu plano ainda é bom... posso pular para um lado ou para o outro, embora a decisão da hora exata seja crucial.
"Mas agora existe Orlanda.
"Se escolher Orlanda, terá que ser só nos Estados Unidos, ou em outro lugar qualquer, menos aqui. É óbvio que ela jamais seria aceita no círculo dos vencedores do Happy Valley. Ou nos círculos sociais e clubes. Jamais seria convidada livremente para as grandes casas, exceto talvez pelo Ian. E pelo Gornt, mas apenas para debochar dela, para puxar as rédeas, para fazê-la recordar o passado... como ontem à noite, quando aquela outra moça subiu ao convés. Vi o rosto de Orlanda. Ah, ela disfarçou, melhor do que qualquer outra teria disfarçado, exceto talvez Casey. Ela odiou o fato de que a outra tivesse estado Iá embaixo, na suíte principal que já lhe pertencera.
"Será que o Gornt agiu deliberadamente? Talvez a garota tenha subido por conta própria. Desceu quase imediatamente. Talvez até não devesse ter subido. Quem sabe?
"Merda! Há coisas demais acontecendo que não consigo equacionar: como a General Stores e a recuperação do Ho-Pak... coisas demais combinadas por dois sujeitos num sábado... dois uísques aqui e um telefonema ali. É tudo dinamite, se você faz parte do clube, mas, puta que o pariu, cuidado se não faz! Aqui, a gente tem que ser britânico ou chinês para estar enturmado.
"Eu sou 'estrangeiro', igualzinho a Orlanda.
"Contudo, eu podia ser feliz aqui, por algum tempo. E podia dar um jeito de aceitarem a Orlanda, em visitas curtas. Podia cuidar da costa do Pacífico e de ter a Par-Con como a Casa Nobre, mas para ela ser aceita como a Casa Nobre pelos britânicos e chineses, ainda teria que ser Struan-Par-Con, com o nosso nome em letrinhas miúdas, ou Rothwell-Gornt-Par-Con, nas mesmas condições.
"Casey?
"Com a Casey a Par-Con poderia ser uma Casa Nobre facilmente. Mas será que a Casey ainda é digna de confiança? Por que ela não me contou? Foi envolvida por Hong Kong e está começando a fazer o seu joguinho para ser a Número Um?
"É melhor você escolher, meu velho, enquanto ainda é tai-pan."
— Sim, Phillip?
Estavam no gabinete, sob o retrato de Dirk Struan, e Dunross escolhera o lugar deliberadamente. Phillip Chen estava sentado à sua frente. Muito formal, muito correto e muito cansado.
— Como vai o Aleksei?
— Ainda inconsciente.
— O dr. Tooley falou que ficará bom se sair do estado de coma dentro de duas horas.
— Tiptop?
— Fiquei de ligar para ele às vinte e uma horas.
— Ainda nenhuma aprovação da sua oferta... por parte das autoridades?
— Conhece a proposta que ele fez? — perguntou Dunross, estreitando os olhos.
— Ah, sim, tai-pan. Eu... perguntaram-me. Ainda acho difícil acreditar... Brian Kwok? Deus nos ajude, mas, sim... perguntaram qual a minha opinião antes de lhe apresentarem a sugestão.
— Que diabo, por que não me contou? — perguntou Dunross, bruscamente.
— Com razão você não me considera mais o representante nativo da Casa Nobre e nem me favorece com a sua confiança.
— Considera-se digno de confiança?
— Sim. Já o provei no passado muitas vezes, o meu pai também... e o dele. Apesar disso, se eu fosse você e estivesse sentado no seu lugar, não estaria tendo este encontro. Não o receberia na minha casa, e já teria decidido as maneiras e meios de sua destruição.
— Talvez eu já tenha.
— Você, não. — Phillip Chen apontou para o retrato. — Ele o teria feito, mas não você, Ian Struan Dunross.
— Não aposte nisso.
— Aposto.
Dunross ficou calado, esperando.
— Primeiro a moeda: espere até lhe pedirem o favor. Tentarei descobrir o que é, antecipadamente. Se for demais...
— Será demais.
— O que ele irá pedir?
— Alguma coisa relacionada com narcóticos. Correm fortes boatos de que Quatro Dedos, Yuen Contrabandista e Lee Pó Branco estão de sociedade, contrabandeando heroína.
— Ainda estão pensando no assunto. Não são sócios, na realidade — falou Phillip Chen.
— Outra vez lhe pergunto: por que não me contou? É seu dever como meu representante manter-me informado, e não anotar detalhes íntimos dos nossos segredos e depois perdê-los para os inimigos.
— Outra vez, peço perdão. Mas, agora, chegou a hora de falar.
— Porque você está acabado?
— Porque eu posso estar acabado... se não puder provar mais uma vez o meu valor.
O velho olhou para Dunross, desanimado, enxergando o rosto de muitos tai-pans no rosto do homem à sua frente, sem gostar do rosto, ou do rosto do homem que encimava a lareira, cujos olhos pareciam penetrar nele... o demônio estrangeiro pirata que havia desamparado seu bisavô por causa do sangue mestiço, metade do qual era dele próprio.
"Ayeeyah", pensou, controlando a sua raiva. "Esses bárbaros e a sua intolerância! Servimos cinco gerações de tai-pans, e agora este aí ameaça modificar o legado de Dirk por causa de um erro?"
— Sobre o pedido: mesmo que esteja ligado à heroína ou aos narcóticos, estará relacionado a alguma ação ou atitude futura. Concorde com ele, tai-pan, e prometo que cuidarei de Quatro Dedos muito antes que o pedido tenha que ser concedido.
— Como?
— Estamos na China. Cuidarei da coisa à moda chinesa. Juro pelo sangue dos meus ancestrais. — Phillip Chen apontou para o retrato. — Continuarei a proteger a Casa Nobre como jurei fazer.
— Que outras safadezas você tinha no cofre? Já examinei todos os documentos e balanços gerais que entregou ao Andrew. Com aquelas informações nas mãos erradas, estamos expostos.
— É, mas apenas diante do Bartlett e da Par-Con, desde que ele as guarde para si mesmo e não as passe adiante para o Gornt ou outro inimigo aqui. Tai-pan, o Bartlett não me parece uma pessoa maliciosa. Talvez possamos fazer um acordo com ele para recuperar o que possui, e pedir-lhe que mantenha em segredo as informações.
— Para fazer isso, teríamos que permutar com um segredo que ele não queira que seja revelado. Conhece algum?
— Ainda não. Como nosso sócio, deveria proteger-nos.
— É. Mas ele já está negociando com o Gornt, e adiantou dois milhões de dólares americanos para o Gornt poder vender as nossas ações a descoberto.
Phillip Chen ficou branco.
— Eeee, não sabia disso. — Pensou por um momento. —
Quer dizer que na segunda-feira Bartlett nos deixará e passará para o lado do inimigo?
— Não sei. No momento, acho que ele está em cima do muro. É o que eu faria, se fosse ele.
Phillip Chen mudou de posição na cadeira.
— Ele gosta muito de Orlanda, tai-pan.
— É, ela poderia ser a chave. Gornt deve ter providenciado isso, ou talvez a tenha empurrado para cima do Bartlett.
— Vai contar-lhe isso?
— Não, a não ser que haja motivo para tanto. Ele é maior de idade. — Dunross ficou ainda mais duro. — O que você propõe?
— Vai concordar com as novas concessões que o First Central está querendo?
— Quer dizer que também está sabendo disso?
— Deve ter querido que todo mundo soubesse que está buscando o apoio deles, tai-pan. Por que outro motivo convidar Murtagh para a sua tribuna nas corridas, por que outro motivo convidá-lo para vir aqui? Foi fácil ligar os fatos, mesmo não tendo cópias dos telex deles...
— Você tem?
— De alguns. — Phillip Chen pegou um lenço e enxugou as mãos. — Vai fazer as concessões?
— Não. Disse a ele que pensaria no assunto... ele está Iá embaixo esperando pela minha resposta, mas tem que ser negativa. Não posso garantir-lhe a primeira opção para todos os futuros empréstimos. Não posso, porque o Victoria tem tanto poder aqui, e tantos dos nossos títulos, que nos espremeria até a morte. De qualquer modo, não posso substituí-los por um banco americano que já provou ser politicamente indigno de confiança. São excelentes como apoio, e será fantástico se conseguirem nos tirar desta confusão, mas não estou certo quanto a eles a longo prazo.
— Também devem estar prontos a ceder em alguma coisa. Afinal, ter-nos dado dois milhões para firmar a compra de controle da General Stores revela um grande voto de confiança, heya?
Dunross deixou essa passar.
— O que você tinha em mente?
— Posso sugerir que você faça uma contraproposta específica: todos os empréstimos canadenses, americanos, australianos e sul-americanos por cinco anos, isso cobre a nossa expansão nesses territórios, mais o empréstimo imediato para dois petroleiros gigantes a serem adquiridos através da Toda, no esquema de venda e arrendamento, e, para um associado, pedidos da firma para mais sete anos.
— Pela madrugada! Quem tem este tipo de operação? — explodiu Dunross.
— Vee Cee Ng.
— Ng Fotógrafo? Impossível.
— Daqui a vinte anos Vee Cee terá uma frota maior do que a do Onassis.
— Impossível.
— Muito provavelmente, tai-pan.
— Como sabe?
— Pediram-me que ajudasse a financiar e providenciar uma imensa expansão da frota dele. Se pusermos os sete primeiros petroleiros no nosso pacote, com a promessa de mais, e eu posso, eu posso, isso deverá satisfazer o First Central. — Phillip Chen enxugou o suor da testa. — Heya?
— Pombas, isso satisfaria o Chase Manhattan e o Banco da América juntos! Vee Cee? — Então a mente tumultuada de Dunross voltou ao normal, agindo com a máxima eficiência. — Ah! Vee Cee, mais tório, mais Velhos Amigos, mais todo o tipo de ferramentas delicadas, mais petróleo, mais Velhos Amigos. Certo?
Phillip ensaiou um sorriso.
— Todos os corvos sob os céus são negros.
— É. — E depois de uma pausa, acrescentou: — O First Central poderá topar. Mas, e quanto ao Bartlett?
— Com o First Central você não precisará da Par-Con. O First Central terá prazer em nos ajudar a conseguir um financiador, ou sócio alternativo nos Estados Unidos. Levaria algum tempo, mas com o Jacques no Canadá, David MacStruan aqui, Andrew na Escócia... Tai-pan, não sei o que está pensando sobre o Andrew e esse tal de Kirk, mas as teorias dele me parecem imaginosas, muito imaginosas.
— O que estava dizendo sobre Bartlett?
— Sugiro que rezemos para que o First Central morda a isca, que o Tiptop nos dê o dinheiro, que eu possa cobrir o First Central com uma associação de Mata, Pão-Duro e Quatro Dedos. Depois você, David MacStruam e eu poderemos facilmente encontrar uma alternativa para a Par-Con. Sugiro que abramos imediatamente um escritório em Nova York. Que o David o dirija por três meses com... talvez com o Kevin como assistente. -— Phillip deixou a sugestão no ar por um momento, depois continuou rapidamente: — Daqui a três meses saberemos se o jovem Kevin tem algum valor... acho que ficará muito impressionado, tai-pan, na verdade eu o garanto. Daqui a três meses saberemos o que o jovem George Trussler acha da Rodésia e da África do Sul. Quando ele tiver esse escritório montado e funcionando, podemos mandá-lo para Nova York. Ou, quem sabe, poderíamos convencer o seu outro primo, o virginiano Mason Kern, a sair da Cooper-Tillman, e colocá-lo à frente do nosso escritório em Nova York. Depois de seis meses, Kevin deverá ir para Salisbury e Johannesburg... tenho um grande pressentimento de que o comércio de tório e metal precioso irá se fortalecer cada vez mais.
— Entrementes, ainda temos os nossos problemas imediatos. Bartlett, Gornt e a corrida às nossas ações.
— Para nos assegurarmos do silêncio de Bartlett, teremos que separá-lo totalmente do Gornt e fazer dele um aliado, um aliado completo.
— E como se faz isso, Phillip?
— Deixe comigo. Há... há possibilidades.
Dunross manteve os olhos fitos em Phillip Chen, mas o velho não ergueu o olhar da mesa. "Que possibilidades? Orlanda? Tem que ser."
— Está certo — falou. — O que mais?
— Quanto ao mercado, com o Banco da China a nos apoiar, a corrida aos bancos termina. Com a compra da General Stores e um apoio financeiro maciço, a corrida às nossas ações tem que cessar. Todos correrão para comprar, e haverá a alta. Bem — continuou Phillip Chen —, sei que você não queria fazer isso antes, mas digamos que possamos fazer com que Sir Luís retire as nossas ações do pregão até segunda-feira ao meio-dia, aí...
— Como?
— É. Digamos que ninguém possa negociar com a Struan oficialmente até o meio-dia. Digamos que deixemos o preço como estava na quarta-feira passada... 28,80. Gornt estará preso na armadilha. Terá que comprar ao preço que for, para cobrir. Se ninguém oferecer ações suficientes, abaixo dessa quantia todos os lucros dele sairão pela janela, ele pode até se arrasar.
Dunross sentiu-se fraco. A idéia de imobilizar as ações ainda não lhe ocorrera.
— Meu Deus! Sir Luís jamais concordaria com isso. Phillip Chen agora estava muito pálido, gotas de suor molhando-lhe a fronte.
— Se o comitê da Bolsa tiver decidido que é necessário para "estabilizar o mercado"... e se as grandes firmas de corretagem de Joseph Stern e Arjan Soorjani também concordarem em não oferecer nenhuma ação, nenhuma ação a granel abaixo de 28,80, o que o Gornt poderá fazer? — Enxugou a testa com mãos trêmulas. — Esse é o meu plano.
— Por que motivo Sir Luís cooperaria?
— Acho... acho que vai cooperar, e Stern e Soorjani nos devem muitos favores. — Os dedos do velho se remexiam nervosamente. — Sir Luís, Stern, Soorjani, você e eu juntos controlamos a maior parte dos principais lotes de ações que Gornt vendeu a descoberto.
— Stern é o corretor de Gornt.
— É verdade, mas é yan de Hong Kong, e precisa mais de boa vontade do que de um cliente. — Phillip Chen mudou de posição, ficando mais exposto à luz, Dunross notou a palidez dele e ficou preocupadíssimo. Levantou-se, foi até o bar e trouxe dois conhaques com soda. — Tome.
— Obrigado. — Phillip Chen bebeu o dele rapidamente. — Graças a Deus pelo conhaque!
— Acha que podemos convencer a todos até a abertura da Bolsa, na segunda-feira? A propósito, cancelei minha viagem a Taipé.
— Ótimo, foi sensato da sua parte. Agora irá ao coquetel do Jason Plumm.
— Vou, disse que iria.
— Ótimo. Então poderemos conversar mais. Sobre Sir Luís. Há uma boa chance, tai-pan. Mesmo que as ações não sejam retiradas, o preço deve disparar, tem que disparar... se conseguirmos o apoio de que precisamos.
"É o óbvio ululante", pensou Dunross, com azedume. "Se." Deu uma olhada no relógio. Eram oito e trinta e cinco. Sinders devia ter telefonado às oito e trinta. Ele lhe dera meia hora de lambujem antes de ligar para Tiptop. Seu estômago parecia estar se desfazendo, mas ele o controlou. "Pombas, não posso ligar para ele", pensou, com irritação.
— O que foi? — indagou, pois não tinha escutado o que Phillip Chen dissera.
— O prazo que me deu para lhe entregar o meu pedido de demissão... meia-noite de domingo, se Mata ou Pão-Duro ou... posso pedir para que seja prorrogado por uma semana?
Dunross apanhou o copo de Phillip Chen para enchê-lo de novo, gostando da sutileza asiática do pedido. Pedia-lhe que prorrogasse o prazo para uma época em que não teria valor, Pois, dali a uma semana, a crise estaria já há muito resolvida. O modo como o pedido foi feito não desprestigiava nenhuma das duas partes. "É, mas ele tem que fazer um esforço espetacular. Será que sua saúde agüentará? É a única coisa que estou realmente levando em consideração." Enquanto servia o conhaque, pensava em Phillip Chen, Kevin Chen, Claudia Chen, no velho Chen-chen, e no que faria sem eles. "Preciso de cooperação e serviço, e não mais de traição ou falsidade."
— Pensarei no caso, Phillip. Nós o discutiremos depois da oração matinal, na segunda-feira. — A seguir, acrescentou, cuidadosamente: — Talvez se justifiquem prorrogações.
Agradecido, Phillip Chen aceitou o conhaque e tomou um grande gole, já com uma cor melhor. Percebera o plural hábil, e sentira-se aliviadíssimo. "Só o que tenho a fazer é acertar. Só isso." Levantou-se para sair.
— Obriga...
O telefone soou irritantemente, e ele quase deu um salto. Dunross também.
— Pronto! Oh, alô, sr. Sinders! — Dunross podia ouvir o bater do seu coração abafando o ruído da chuva. — O que há de novo?
— Muito pouco, infelizmente. Discuti a sua sugestão com o governador. Se "aquilo" estiver nas minhas mãos até o meio-dia de amanhã, tenho motivos para acreditar que o seu amigo poderá ser entregue ao terminal da fronteira de Lo Wu ao entardecer de segunda-feira. Naturalmente, não posso garantir que ele queira cruzar a fronteira para a China Vermelha.
Dunross soltou a voz, com dificuldade:
— Há muitos "motivos para acreditar" e "poderá ser" nessa história, sr. Sinders.
— É o melhor que posso fazer, oficialmente. — Que garantias me dá?
— Nenhuma, infelizmente, da parte do sr. Crosse e da minha. Parece que precisa haver confiança dos dois lados.
"Filhos da mãe!", pensou Dunross, furioso, "sabem que estou encurralado."
— Obrigado, pensarei no que disse. Meio-dia de amanhã? Vou participar da subida do morro, se não for cancelada... das dez ao meio-dia. Irei ao quartel-general da polícia tão logo possa, depois que a subida acabar.
— Não precisa se preocupar, sr. Dunross. Se ela não for cancelada, também estarei presente. Meio-dia pode ser o prazo limite tanto Iá quanto aqui. Certo?
— Certo. Boa noite. — Dunross desligou, sombriamente. — É um talvez, Phillip. Talvez, até o entardecer de segunda-feira.
Phillip Chen sentou-se, horrorizado. Sua palidez aumentara.
— Será tarde demais.
— Vamos descobrir. — Pegou o telefone e discou de novo. — Alô, boa noite! O governador pode atender, por favor? É Ian Dunross. — Sorveu o seu conhaque. — Lamento incomodá-lo, senhor, mas o sr. Sinders acaba de ligar, e o que ele disse foi: talvez. Talvez ao entardecer de segunda-feira. Pergunto-lhe se pode garantir isso.
— Não, Ian, não posso. Não tenho jurisdição sobre esse assunto. Lamento. Terá que tomar as providências diretamente. Contudo, Sinders me pareceu um homem razoável. Não achou?
— Não me pareceu nada razoável — disse Dunross, com um sorriso duro. — Obrigado. Não faz mal. Desculpe o incômodo, senhor. Ah, a propósito, se isso puder ser resolvido, Tiptop disse que o seu carimbo seria exigido, juntamente com o meu e o do banco. O senhor estaria disponível amanhã, se houver necessidade?
— Naturalmente. E, Ian, boa sorte.
Dunross repôs o fone no gancho. Depois de um momento, disse:
— Será que eles concordariam com o dinheiro amanhã em troca do sujeito ao entardecer de segunda-feira?
— Não creio — disse Phillip Chen, desalentado. — Tiptop foi claro: "Quando os procedimentos corretos forem cumpridos". A troca tem de ser simultânea.
Dunross recostou-se na cadeira alta, bebericou o seu conhaque e deixou a mente vagar.
Às nove em ponto, ligou para Tiptop e bateu papo, informalmente, até chegar o momento.
— Ouvi dizer que o subalterno da polícia será sem dúvida despedido por ter cometido um tal erro, e que a pessoa prejudicada poderá estar em Lo Wu ao meio-dia de terça-feira.
Fez-se um grande silêncio. A voz ficou mais fria do que nunca.
— Não acho que isso seja imediatamente.
— Concordo. Talvez eu consiga persuadi-los a antecipar para segunda. Talvez seus amigos possam ser um pouco pacientes. Eu o consideraria um favor muito grande.
Usou a palavra "favor" deliberadamente, e deixou-a no ar.
— Passarei adiante o seu recado. Obrigado, tai-pan. Por favor, ligue para mim às sete horas da noite de amanhã. Boa noite.
— Boa noite.
Phillip Chen rompeu o silêncio, muito preocupado.
— Esta é uma palavra cara, tai-pan.
— Eu sei. Mas não tenho opção — falou, a voz dura. — Sem dúvida haverá a exigência de um favor em troca, algum dia. — Dunross afastou os cabelos dos olhos e acrescentou: — Talvez seja com o Joseph Yu, quem sabe? Mas eu tinha que pedir.
— É. Você é muito sensato. Sensato como um homem mais velho, muito mais sensato do que Alastair e seu pai, mas não tão sensato quanto a Bruxa. — Um pequeno arrepio o percorreu. — Foi sensato em negociar o tempo, em não tocar no dinheiro, no dinheiro do banco, muito sensato. Ele é esperto demais para não saber que precisamos disso amanhã, no máximo até a noite.
— Daremos um jeito de consegui-lo. Isso tirará a pressão do Victoria de cima de nós. O Paul vai ter que convocar uma reunião de diretoria logo — acrescentou Dunross, de cara fechada. — Com Richard na diretoria, bem, o Richard nos deve muitos favores. A nova junta diretora votará pelo aumento do nosso fundo, assim não precisaremos do Bartlett, do First Central ou do amaldiçoado Mata.
Phillip Chen hesitou, depois falou, atropeladamente:
— Detesto ser o portador de outras más notícias, mas ouvi dizer que parte do acordo de Richard Kwang com Havergill incluiu o seu pedido de demissão assinado e não datado da junta diretora do Victoria, e uma promessa de votar exatamente como Havergill desejar.
Dunross soltou um suspiro. Tudo se encaixava. Se Richard Kwang votasse com a oposição, aquilo neutralizaria a sua posição dominante.
— Agora, só o que nos falta é perder mais um que nos apoie, e Paul e a sua oposição nos esmagarão. — Ergueu os olhos para Phillip Chen. — É melhor tentar aliciar o Richard.
— Vou tentar, mas ele já foi aliciado. E quanto ao P. B. White? Acha que ajudaria?
— Não contra o Havergill, ou o banco. Poderia, com o Tiptop — disse Dunross, pesadamente. — Ele é o próximo, e o último, da lista.