LOUISE
«O duque de Buckingham levou consigo mademoiselle de Keroualle, que era muito ligada a Sua Alteza falecida; é uma jovem muito bela e pensa-se que o plano é fazer dela amante do rei da Grã-Bretanha; pois diz-se que as senhoras têm grande influência na mente do rei de Inglaterra…»
Marquês de Saint-Maurice, embaixador de Savoy, para o duque Carlos Emanuel II, 19 de Setembro de 1670
Fora um choque, inicialmente, descobrir que o rei me ia mandar para Inglaterra. No entanto, quando pensei melhor no assunto, comecei a perceber o raciocínio por trás deste gesto. Se queríamos obrigar o rei Carlos a cumprir os termos do tratado, fazia todo o sentido introduzir na corte inglesa alguém cuja presença lhe recordaria as suas obrigações.
Foi outra observação de Lionne que me deixou mais confusa.
– Afinal de contas, já estamos a par da consideração que o rei inglês tem por si, graças à questão da caixa de jóias – disse ele distraidamente.
– A caixa de jóias, senhor?
– Sim. Não sabia? Aparentemente, em Dover, quando Carlos pediu à irmã um presente como recordação, ela mandou-a ir buscar a caixa de jóias dela. Lembra-se disso? – Acenei afirmativamente. Era costume deles trocarem pedras preciosas como recordação. – Mais tarde, quando estavam sozinhos, Carlos disse-lhe que a jóia que mais admirara fora a que tinha ido buscar a caixa.
Fiquei um pouco desconcertada com esta observação, em parte porque Madame nunca me mencionara esta conversa quando falávamos do seu adorado irmão, e em parte por causa da franqueza do sorriso de Lionne.
– Estou certa de que Sua Majestade pretendeu apenas ser galante – disse-lhe. – Depois de eu estar na comitiva da rainha, será sem dúvida mais reservado com as suas galanterias.
– Sem dúvida. – Lionne consultou um calendário em cima da secretária. – Bom, seja como for, parte amanhã.
– Amanhã!
– Viajará com o confeiteiro até Dieppe, onde o duque de Buckingham tem o seu iate. O duque irá ao seu encontro e acompanhá-la-á na travessia do Canal. Não há tempo a perder. Temos de ter a declaração de guerra do rei contra os Holandeses antes de avançarmos, e cada semana de atraso custa-nos dinheiro.
Deixei Paris na manhã seguinte, depois de passar a noite a fazer as malas. Tinha poucos vestidos meus, mas fora-me dito que tirasse aquilo de que precisasse do guarda-roupa de Madame. Ao princípio, senti-me estranha por estar a experimentar roupas que ainda há tão pouco tempo a vira usar, mas não era a primeira vez que usava os vestidos que ela punha de lado e sabia que, se não os levasse, iriam para as outras damas de companhia. Não havia tempo para visitar os meus queridos pais; escrevi para Brest a explicar o que acontecera, tranquilizando-os com a certeza de que, se tudo corresse bem, estaria de volta a França dentro de um ano, e que esperava entretanto ter conquistado a gratidão do rei.
Porém, em Dieppe, não havia sinais de Buckingham. O seu iate estava no porto, mas a tripulação não sabia quando esperar o seu mestre. Felizmente, tinha dinheiro suficiente para um quarto numa estalagem.
Dois dias passaram a três, depois quatro. Passei o tempo a caminhar à beira-mar, sentindo o ar salgado no rosto, tal como costumava fazer antes de vir para a corte.
Depois, no quinto dia, recebi um bilhete. O duque de Buckingham requisita o prazer da sua companhia.
Encontrei o inglês refastelado numa poltrona ao lado da lareira, nos seus aposentos. Fiz uma reverência.
– Meu senhor – disse, em inglês. – É um prazer.
Já decidira que recriminações ou censuras cortantes não adiantariam de nada; era melhor ignorar o facto de que ele me deixara ali à espera, sem uma palavra, do que fazer um inimigo.
– Trate-me por George – disse ele, descontraidamente. – Afinal de contas, estamos prestes a conhecer-nos melhor.
O criado colocou os pratos do jantar na mesa e desapareceu. Ainda nem tínhamos começado a comer quando Buckingham veio por trás de mim e…
Uma vez que estou a escrever isto apenas para mim, vou dizê-lo sem rodeios: enfiou as mãos debaixo do meu vestido.
Levantei-me de um salto.
– Meu senhor, o que está a fazer?
Imperturbado, ele riu-se de mim.
– Não posso afiançar a qualidade de uma égua se não a tiver montado pessoalmente. Tal como assumiu a responsabilidade de provar a comida de Madame, eu tenho o papel de provar as mulheres do rei.
Tentei manter a voz nivelada, apesar de não ter a certeza de ter sido bem-sucedida.
– Não acredito que fosse capaz de insultar uma das suas conterrâneas desta maneira.
– Insultar? – Ele aproximou-se mais e vi que tinha os olhos vidrados da bebida. – Eu é que fui insultado, sua meretriz francesa.
– Não compreendo.
– Este suposto tratado que fui enviado aqui para negociar… O Tratado de Paris… ou deveria antes dizer o Tratado de Dover?
Então ele sabia. Isto era de facto uma má notícia.
– Sou ignorante em relação a esses assuntos. Era apenas dama de companhia de Madame…
Ele torceu o lábio num esgar desdenhoso.
– Não se ponha com esses jogos comigo. Foi enviada para o seduzir. As mulheres são a fraqueza dele, toda a gente sabe disso.
Abanei a cabeça, incapaz de falar.
– Bom, não importa. Mesmo que tivesse chegado à corte, não duraria muito tempo. Ele gosta das mulheres com um bocadinho mais de fogo entre as pernas. Toda a gente vê que você é uma cabra fria.
Disse-o tão calmamente que era difícil acreditar no que estava a ouvir.
– Quando terminar com este ultraje… – comecei.
– Oh, já acabei – interrompeu ele bruscamente. – Pode ir. Volte para o bordel francês onde o Lionne a encontrou. Não vou levá-la para Inglaterra. Já temos lá putas que cheguem.
Por um momento, olhámos um para o outro – eu horrorizada, ele desdenhoso. O que podia eu fazer? Nada apagaria as coisas que ele dissera, nenhum pedido de perdão desculparia o seu comportamento. Com toda a dignidade que consegui reunir, virei-me e saí apressadamente.
Foi enviada para o seduzir. Era um disparate, claro, mas… poderia haver nisso algum grão de verdade? Teria Lionne, ou mesmo Luís, pensado que Carlos engraçaria comigo? Parecia incrível. De qualquer forma, quem é que ganharia com isso? Mesmo que eu fosse mulher para encorajar esse comportamento, a ideia de que um rei mudaria as suas políticas apenas por causa de uma mulher era absurda. Até um rei tão absoluto como Luís estava rodeado de ministros, conselhos, peticionários. Mal lhes dava ouvidos a eles; quanto a dar ouvidos às suas amantes, por aquilo que eu ouvira, era mais ao contrário. E Carlos II de Inglaterra tinha o parlamento com que se preocupar.
Na manhã seguinte, já me convencera a mim própria de que Buckingham estava simplesmente bêbado e tentara enganar-me para me levar à sua cama. Esperaria que ele se desculpasse, aceitaria graciosamente e não se falaria mais no assunto.
Contudo, quando fui à janela, o seu iate já partira.
Passei o dia desesperada. Já falhara e não fora por culpa minha. Claro, podia voltar a Paris e explicar o que acontecera, mas a verdade era que agora Luís teria ainda menos razões para me manter na corte. Seria mais rápido, e mais simples, apanhar um barco de pesca e seguir directamente para Brest.
Ao pensar em voltar para junto dos meus pais sem cumprir a minha missão, o meu coração afundou-se.
Havia outra coisa que podia tentar. Peguei numa caneta e papel e escrevi uma carta para Ralph Montagu, o enviado de Carlos II à corte francesa e visita frequente dos aposentos de Madame em Versalhes.
Cinco dias depois, o estalajadeiro anunciou que tinha uma visita. Fiquei lisonjeada ao ver que era o próprio Montagu.
– Mademoiselle de Keroualle – disse ele, curvando-se sobre a minha mão. – Vim assim que recebi a sua carta.
– Não sabia a quem mais escrever…
– Fez a coisa certa – garantiu-me ele. – O próprio rei Carlos foi avisado da sua chegada iminente e aguarda-a ansiosamente. Tenciona recebê-la em Whitehall com todo o respeito devido à filha de uma das famílias mais antigas de França. – Acentuou ligeiramente a palavra «respeito», como se quisesse dizer que compreendia demasiado bem aquilo de que um homem como Buckingham podia ter-me acusado.
– Compreendo – respondi, aliviada. – Tenho de admitir que estava bastante receosa de que o duque de Buckingham tivesse insinuado algo diferente.
– Por favor, não julgue todos os meus conterrâneos pelo comportamento dele – Montagu apontou para o porto. – Lorde Arlington, um dos principais ministros de Carlos, vai enviar o seu barco para a levar. Quando chegar a Londres, convida-a a ficar instalada em sua casa, onde a esposa lhe fará companhia até serem preparados alojamentos adequados na corte.
– Nesse caso, estou muito grata a lorde Arlington pelo convite.
– Lorde Arlington pediu-me que vos deixasse bem claro que é um prazer ter esta oportunidade de vos ajudar. Deseja apenas que o mencione ao seu rei, se tiver oportunidade.
Isto fazia mais sentido. Pela primeira vez – falarei novamente com franqueza – senti o poder embriagante derivado de estar associada ao maior país do mundo, uma sensação que me é agora tão habitual que mal reparo nela, mas cuja falta, se me é retirada por algum motivo, como um fracasso temporário da minha diplomacia, sinto como se me tivessem tirado um braço.
– Com todo o prazer. Mas temo que a correspondência com Versalhes possa ser complicada em Londres.
– De todo. Já foram feitas disposições. O confeiteiro conseguirá transmitir as suas mensagens.
– Posso perguntar como sabe tudo isto? – inquiri, surpreendida.
– Os nossos países são agora aliados. É simplesmente conveniente que trabalhemos juntos. – O sorriso não fraquejou, mas os seus olhos ficaram mais sérios. – Além disso, alguns de nós, em Inglaterra, têm muito em comum com França. – Tocou no peito, logo abaixo do coração, e compreendi o que queria dizer. Era onde estaria um crucifixo.
– Lorde Arlington é um de nós – continuou ele. – Embora lhe custasse a sua posição se o admitisse abertamente. Buckingham, claro, é protestante. Estou certo de que é esse na realidade o motivo por trás da sua mudança de opinião. Alguém lhe chamou a atenção para o facto de que trazer outra católica para o… – hesitou por um instante – …círculo íntimo do rei dificilmente ajudaria a causa deles.
Rodas dentro de rodas.
– Fico-lhe muito grata por me dizer tanto sobre a situação política em Inglaterra. – Era evidente que teria de ter cuidado para não me deixar envolver nas suas rivalidades mesquinhas; só havia um rei cuja protecção me interessava, e esse residia em Versalhes, não em Whitehall.
Houve um momento embaraçoso antes de nos separarmos, quando me vi obrigada a pedir a Montagu que pagasse a minha conta na estalagem.
– Sua Majestade Cristã não lhe deu dinheiro para a viagem? – perguntou ele, claramente surpreendido.
Abanei a cabeça.
– Deve ter presumido que o duque de Buckingham cobriria as minhas despesas. – E eu fora demasiado tímida para tocar no assunto.
– Compreendo. – Por um momento pareceu pensativo, mas depois o sorriso de cortesão regressou-lhe ao rosto. – Bom, fico feliz por poder ajudar. E estou certo de que Carlos conseguirá combinar qualquer coisa com o embaixador francês em Londres. Por favor, não pense mais nesse assunto.
Uma semana depois, estava em Londres. Depois de toda esta espera, subitamente não havia tempo para nada. Um país novo, uma cidade nova, uma corte nova – os papéis dos que rodeavam o rei eram facilmente identificáveis como iguais, mudando apenas os títulos e as pessoas, como se fosse uma terra reflectida num espelho.
A minha apresentação ao rei foi tão cuidadosamente preparada como a entrada de um actor no palco. Haveria um baile em casa de Arlington, para o qual o rei fora convidado. Lorde Arlington entregou-me aos cuidados da sua esposa, Elizabeth, uma holandesa simpática que me mandou tirar as medidas para espartilhos e sapatos de dança.
– Este é o primeiro convite que o rei aceita desde a morte da irmã – explicou lady Arlington. – O Bennet… o meu marido… falou-lhe da sua chegada e sugeriu que talvez quisesse dar-lhe as boas vindas pessoalmente. Mas não é muito provável que ele queira dançar, portanto arranjámos-lhe outro par. Um bom dançarino e tão alto como a Louise, mas claro que não deve prestar-lhe muita atenção. Tem de atrair o olhar do rei…
– Como hei-de fazer isso, se estiver a dançar?
– O Bennet dirá ao rei quem é. Não precisa de fazer absolutamente nada. Se o rei decidir aproximar-se e conversar consigo, o Bennet fará um sinal. Mas será melhor não falar demasiado tempo com Sua Majestade. Diga que se sente cansada da viagem.
– Não compreendo… porquê?
– Se parecer demasiado fácil, ele perderá certamente o interesse.
– Se o quê parecer demasiado fácil? – perguntei, subitamente alerta.
Lady Arlington sorriu.
– A sua missão aqui requer delicadeza. Se parecer demasiado ansiosa, receio que o rei sinta que está a ser forçado a honrar as suas obrigações de acordo com o tratado… e, acredite, ele pode ser muito teimoso nestas coisas, quando quer. Será melhor que pense que é ele que está a convidá-la para o círculo da sua confiança, e não o contrário.
– E se não o fizer?
– Uma rapariga encantadora como a Louise? E com um sotaque francês tão delicioso? – Abanou a cabeça. – Se há alguma coisa que pode elevar o espírito do rei, será certamente a sua presença.
A noite do baile chegou. Foi uma ocasião resplandecente, mas – estando bem habituada a ocasiões resplandecentes – reparei quantos dos belos quadros e tapeçarias francesas que proclamavam o gosto requintado dos Arlington tinham sido trazidas apenas na véspera, por empréstimo de comerciantes e negociantes.
Pela minha parte, rejeitei o vestido que lady Arlington preparara para mim, preferindo um dos que trouxera de França, um vestido de veludo cinzento orlado com arminho preto e discretamente salpicado com pequenas pérolas. O que ela me oferecera era um pouco garrido de mais para o meu gosto.
O plano era que eu fizesse uma entrada discreta, mas assim que pus os pés na sala vi as cabeças virarem-se na minha direcção. Porque estavam a olhar assim para mim? Ouvi um murmúrio em tom de admiração: Esperta. Estariam a falar de mim? Foi um alívio quando o jovem escolhido para dançar comigo avançou e pude concentrar-me no movimento físico da galliard.
Não precisa de fazer absolutamente nada, dissera lady Arlington. Bom, se esta ia ser a minha única dança da noite, mais valia apreciá-la; embora tivesse ficado um pouco chocada ao descobrir que os Ingleses dançavam à moda da província, cada homem emparelhado com uma mulher, com o braço dele à volta da cintura dela, e dois compassos de beijos na face incluídos na dança. Era muito diferente da formalidade discreta das danças de Versalhes.
Depois vi os que nos rodeavam hesitarem. O meu parceiro recuou.
– O que… – comecei, antes de ver que ele estava a olhar por cima do meu ombro e a fazer uma vénia, juntamente com o resto da corte. Virei-me.
Já conhecera Carlos antes, claro, nos festejos em Dover, e o seu retrato estivera muito tempo pendurado no gabinete de Madame. Mas o homem que caminhava agora na minha direcção parecia muito diferente. O sofrimento gravara sulcos profundos no seu rosto, de tal forma que o bigode era emoldurado por um arco que ia do nariz ao queixo, de ambos os lados. Também os seus olhos pareciam assombrados e o corpo alto, vestido de negro profundo, estava magro.
Atrás dele, lorde Arlington aproximou-se rapidamente.
– Senhor, posso…
– Conheço esse vestido – disse Carlos com voz rouca. – Oh, céus, conheço esse vestido.
Vi lágrimas nos seus olhos e, horrorizada, percebi que fora eu que as causara.
– Ela usou-o em Dover. Ainda nem há três meses, no meu aniversário. Quando a vi a dançar, pensei… – a voz falhou-lhe.
Arlington também se calara a meio da frase, sem saber o que fazer. Os músicos tinham chegado ao fim da peça mas ninguém aplaudiu. O silêncio prolongou-se.
– Senhor – disse, desesperada –, sou Louise de Keroualle, dama de companhia da vossa irmã. Sua Majestade Cristã, o rei de França, deu-me este vestido dela antes de eu deixar Versalhes. Foi irreflectido da minha parte vesti-lo hoje. Por favor, aceitai as minhas desculpas.
Carlos limitou-se a olhar para mim, de olhos vazios.
– Se Vossa Majestade permitir, vou mudar de roupa – acrescentei.
– Por favor, não – disse ele. – Lembro-me bem de si, mademoiselle. E é uma alegria vê-la aqui. – Havia pouca alegria na sua expressão. – Deve considerar-me um pobre idiota, por a receber de forma tão deselegante.
A etiqueta exigia que eu respondesse a esta amabilidade com outra, uma frase de circunstância desprovida de significado que disfarçasse a minha gafe e a sua manifestação de emoções. Mas algo me fez dizer, baixinho:
– Pelo contrário, senhor. Não desejaria que fôsseis tão desumano. Amava a vossa irmã mais do que qualquer outra pessoa em França, e não se passa um único dia em que eu própria não chore por ela.
Os olhos dele perscrutaram-me o rosto e disse, tão baixo que só eu o consegui ouvir:
– Nesse caso, choraremos juntos, numa altura mais apropriada, e partilharemos as nossas memórias dessa mulher maravilhosa. – Depois olhou em volta e disse, em voz mais alta: – Esta noite tenho assuntos a tratar, mas divirta-se, e amanhã ouvirei as suas aventuras.
Dirigiu-se à porta, acenando brevemente aos músicos para que recomeçassem a tocar. Instantaneamente, um grupo de cortesãos reuniu-se atrás dele, todos ansiosos por seguir na sua peugada. Vi como ele caminhava mais depressa, erguendo os ombros com ar impaciente, como se quisesse fisicamente sacudi-los.
– Então – disse lady Arlington, aproximando-se de mim. Para minha surpresa, não parecia tão horrorizada como eu estava pelo meu faux pas. – Suponho que sabia que o vestido fora da irmã. Vejo que tem a sua própria estratégia.
– Sabia, mas nem pensei – respondi, desolada. Como pudera ter sido tão estúpida? Eu, de todas as pessoas, que tanto me orgulhava da minha perspicácia e sentido de decoro. – E asseguro-lhe que não há qualquer estratégia.
Contudo, enquanto falava, recordei que fora o próprio Luís que me pressionara a trazer aqueles vestidos de Madame. Teria ele, ou algum dos seus conselheiros, esperado que isto acontecesse? Estaria Lionne, ou outra mente oculta, a planear neste preciso momento o desenrolar dos eventos, a manipular-me de formas que eu não conseguia sequer começar a compreender, a dirigir os acontecimentos dos seus escritórios no Louvre?
Do outro lado da sala, um homem estava a olhar para mim. Era muito baixo, quase corcunda, e apoiava-se em duas bengalas. Percebi de imediato porquê. Tinha as pernas deformadas, uma virada para dentro e outra para fora. Apesar da sua estatura baixa, a cabeleira loira do aleijado chegava-lhe quase à cintura – uma afectação, ou possivelmente um sinal de vaidade, que juntamente com a figura disforme o fazia parecer levemente ridículo.
Ao ver que o observava, curvou a cabeça de forma cortês. Inclinei a minha em resposta.
– Quem é aquele? – perguntei.
Lady Arlington olhou.
– Lorde Shaftsbury, o parlamentar. Imagino que veio para a ver. Tal como a maioria das pessoas.
– Com certeza que não veio para dançar.
– Não me parece – concordou lady Arlington. – Embora, em certos aspectos, apesar daquelas bengalas, ele seja o mais ágil de todos nós.