CARLO
Gelado de morango e pimenta branca; sorvete de amoras silvestres e nata; leite-creme de chocolate e baunilha… Independentemente de quantas combinações novas inventarmos, os melhores gelos serão sempre os mais simples.
O Livro dos Gelos
Caminhei pelos corredores escuros do palácio, com uma arca de gelo nos braços. Se alguém perguntasse, ia levar um gelo à amante abandonada do rei, para a consolar. Qualquer pessoa que se desse ao trabalho de verificar encontraria dentro da arca um gelado de morangos vermelhos e pimenta branca, aninhado numa grinalda de folhas de morangueiro.
Ninguém me deteve. Ninguém fez perguntas. O rei estava fora. Os que tinham ficado para trás não eram importantes.
Os aposentos dela, geralmente tão apinhados com cortesãos e ministros, estavam vazios.
– Mandei-os todos embora – disse, quando me viu olhar para as sombras. – Não seremos incomodados.
Tinha o cabelo solto, torcido numa espécie de corda sobre um dos ombros do déshabillé. Estava descalça e retirara as jóias do rei. Mas não era isso que a tornava tão diferente hoje. Parecia mais nova, de alguma forma, como se parte do cansaço tivesse sido retirada dos seus ombros juntamente com o peso dos rubis do rei.
– Está feliz – disse-lhe, espantado. – Acho que nunca a tinha visto feliz.
Ela aproximou-se de mim. Sem os sapatos da corte, era mais baixa do que o habitual. Pousei as mãos nos ombros dela…
– Espere – disse baixinho, beijando-me e recuando. – Quero que esta noite dure para sempre.
– Já esperámos tempo suficiente. – Peguei-lhe ao colo e levei-a em braços para o quarto.
A sua pele branca, tão branca: da cor de velas, de morangos brancos, de gelado.
Coloquei uma colherada de gelo de morango na sua barriga e levei-lha até aos lábios com a boca. Passámos a doçura de um para o outro, até se ter derretido em nada nas nossas línguas.
Ela demorou mais tempo a derreter. O gelado em breve desaparecera, mas continuei a lambê-lo da sua barriga. Da sua barriga e do prato suave e aveludado ao cimo de cada coxa, e da sua boca, fria e cremosa com beijos e gelo.
Esperara tantos anos. Podia esperar mais alguns minutos.
Até que, por fim, com um suspiro, ela puxou a minha cabeça para a sua e me beijou com uma súbita paixão desesperada, e percebi que estava preparada para sentir o prazer.
Esta era uma nova Louise. O seu desejo nessa noite – a sua avidez – quase me apanhou de surpresa. Era como se estivesse esfomeada de sensações há tanto tempo que agora tinha de se banquetear com elas sem limitações.
No entanto… no entanto…
Não lhe disse isto, mas enquanto estávamos deitados, juntos, senti a presença de uma terceira pessoa no quarto – ou talvez seja mais correcto dizer que senti a ausência dele. Quando ela virava a cabeça, assim, era porque ele a beijara ali, na face; quando olhava para mim com aqueles olhos sonolentos e sorridentes, era porque ele gostava que olhasse assim para ele. Quando arquejava, era um arquejo que ele ouvira mil vezes.
E quando o paroxismo se apoderou dela, todos os músculos tensos enquanto aguardava o momento da libertação, murmurando imprecações em francês demasiado depressa para eu compreender, foi quase como se nos tivesse deixado a ambos, levada pelo prazer para um sítio onde nenhum de nós a poderia seguir.
É bem sabido, claro, que no meio do êxtase do amor podemos sentir um momento de tristeza inesperada. Senti-a nessa noite. Conseguira aquilo que o meu coração desejava e não estava desapontado – longe disso – mas faltava alguma coisa, algo que eu não conseguia identificar ou nomear.