CARLO
Poucos prazeres, na verdade, podem ser feitos de forma tão pouco dispendiosa como um gelo.
O Livro dos Gelos
A seguir a Slough encontrei uma pequena feira de cavalos. Não era nada de especial, o que a tornava precisamente mais especial: crianças em póneis mostravam a sua habilidade com pequenos obstáculos; havia malabaristas e vendedores de rendas, uma competição pela maior abóbora e outra pela vaca com o leite mais rápido. Nas bancas do mercado vendiam-se uvas-espins, groselhas negras, damascos e nozes.
Fiz um gelado de groselha negra e servi-o com as natas doces e ricas do leite.
Em Maidenhead fiz um gelo de creme de limão e hortelã, e vendi-o no dia do mercado por meio dinheiro o copo.
Em Newbury comprei uvas-espins e fiz uma mousse de gelado.
Em Hungerford quase causei um motim com um gelado de avelãs. Tinha preparado dez litros mas a procura foi tal que muitas pessoas tiveram de partilhar a sua dose. Vi raparigas e rapazes do campo a lamberem a mesma colher e, quando parti, havia danças em volta dos mastros enfeitados.
Em Castle Combe passei as noites a escrever as minhas receitas e a explicar como tornar o gelo mais frio com sal.
Na feira de Marlborough fiz uma demonstração – as pessoas acharam que era um truque e não paravam de perguntar umas às outras como é que eu estava a enganá-las. Tive de dar o gelado de graça para que acreditassem em mim.
Em Bath, estacionei a carroça em frente da Assembleia. Fiz um gelo de nectarinas e outro de pistácios e vi os lordes e damas elegantes darem saltinhos de alegria como gente do campo.
Quando cheguei a Bristol, já gastara todo o meu gelo, excepto um último meio litro. Pu-lo no quarto e, enquanto escrevia o meu livro de gelos, vi-o transformar-se em água – límpida e fresca e pura.
Bebi-a com algumas gotas de sumo de limão e um raminho de cerefólio.
Bristol é uma cidade grande – a maior de Inglaterra, a seguir a Londres. Diz-se que é possível obter aqui bom gelo, para uso da aristocracia. No entanto, por agora, tive a minha conta de gelos.
Encontrei um tal senhor Gregory, um vendedor de livros, que concordou em imprimir o livro. Parece um pouco surpreendido por eu não querer dinheiro. Tenho os meus instrumentos e a minha arte: é o suficiente, para mim.
Pergunto-me se encontrarei Hannah na América. Parece pouco provável – mesmo segundo o mapa inacabado que comprei, é evidentemente um país muito grande. Porém, de alguma forma, não parece impossível. De alguma forma, nada parece impossível, num país tão novo e fresco que ainda nem sequer foi devidamente cartografado.
Um sítio onde nenhum homem nasce com estribos nas costas, para ser montado por outros homens.
Um mapa do mundo novo e exacto.
Mesmo que não a encontre, encontrarei amor. Disso, estou certo. Sentirei o espírito da graça de Deus dentro de mim, tal como ela descreveu.
E enquanto estou aqui sentado nesta estalagem, a escrever, à espera do meu barco que só chega dentro de duas semanas, bebo um gole de água e sinto, algures nas profundezas do meu peito, um estilhaço de algo duro e frio, algo que lá está desde que me lembro, que começa finalmente a derreter.