LOUISE


No Parque de St. James, aproximo-me de um grupo de cortesãos, pensando que o rei está entre eles, mas em vez disso encontro a actriz a andar de um lado para o outro, com o nariz empinado, a falar numa algaraviada com sotaque francês e a chamar-se a si própria «Madame Zarolhabela». Alguns dos que a rodeiam conseguem parar de rir quando eu me aproximo, mas a actriz vira-se para mim sem qualquer atrapalhação.

Oui? Bonjour? – diz. Mais risos. Reparo que ela tem a cabeça inclinada para o lado, com um olho semicerrado, como se estivesse a espreitar por um telescópio. A troçar do meu olho preguiçoso.

– Estava à procura do rei – digo, calmamente. – Mas vejo que não está aqui. Vou procurar noutro lado.

– Oh, Sua Majestade está muito bem – diz ela, agora com a sua voz normal. – Na verdade, nunca o tinha visto em melhor forma do que como esteve comigo ontem à noite.

– Obrigada – agradeço, em tom gelado. Quando me afasto, oiço-os aplaudir a representação dela.

Merci, merci – diz ela, com uma reverência delicada. – Mas madame Zarolhabela prefere jóias a aplausos.

*

Parece espantoso que ela tenha permissão para frequentar a corte, tendo em conta a sua grosseria. No entanto, ele instalou-a numa casa ao fundo de St. James, com um portão que liga o jardim dela ao parque.

Lembro-me daquelas damas de companhia. Teria sido a repreensão de Carlos para elas também um aviso codificado para mim? Aquelas com quem me deito são companhia adequada para os maiores deste país. Terei de aceitar não só partilhar a sua predilecção, como que esse facto me seja esfregado na cara?

Só me resta um caminho possível: ignorá-la e esperar que isto passe depois da minha gravidez.

Parece que é mais uma das situações em que tenho de me comportar como uma rainha.

Entretanto, é preciso lidar com Jemmy Monmouth, o primeiro bastardo do rei. Ele voltou do seu curto – demasiado curto – exílio e anda à procura de sarilhos.

Visita o rei quando ele está comigo e pergunta, abruptamente, se podem falar a sós.

– Jemmy – protesta Carlos –, não tenho segredos para a Louise.

– Ainda assim, deixo-vos a sós – digo, graciosamente. E, para o espicaçar um pouco mais, acrescento: – Talvez nos voltemos a ver daqui a pouco, Carlos?

– Muito pouco, espero eu.

O olhar furioso de Monmouth segue-me enquanto saio da sala.

Claro que, depois, Carlos me conta o que ele queria. Agora que o exército está em batalha, Monmouth quer que o rei o coloque no comando.

– Tentei dissuadi-lo – diz Carlos. – Mas, como todos os jovens, ele quer provar o seu valor no meio dos perigos da batalha.

Mais provavelmente, penso, quer provar que é digno da Coroa. Em voz alta, digo:

– Suponho que, do ponto de vista dele, é justo. Afinal de contas, o seu irmão tem o comando da marinha. Porque não havia o seu filho de comandar o exército?

Uma sombra passa pelo rosto de Carlos.

– É muito diferente. O meu irmão é filho legítimo de um rei, e meu herdeiro.

– Pensa que, se o Jemmy comandasse o exército, isso transmitiria a impressão errada? – pergunto, com ar pensativo. – Sim, não tinha pensado nisso.

– Eu também não, até termos esta conversa. Mas agora estou decidido… ele não deve ir.

Isto é bom – mas pode ser ainda melhor.

– Talvez haja um meio-termo – sugiro. – Deixe-o ir combater para a Holanda, mas apenas com um cargo honorário. Assim pode provar a sua coragem sem que o rei sugira de qualquer forma que ele é mais do que apenas um súbdito leal. Penso que seria um acto de bondade, deixá-lo redimir-se das coisas terríveis que fez o ano passado.

– Louise, é muito boa para ele.

– Se sou boa para ele, é apenas porque sei como ele é importante para si – digo, com um sorriso.

Os perigos da batalha. Gosto do som dessas palavras: um sítio mais do que satisfatório para o bastardo mais velho do rei.

Buckingham também está a candidatar-se ao cargo.

– Estou inclinado a fazer-lhe a vontade – diz Carlos com ar pensativo. – Apesar de isso tirar o Jemmy da corrida.

Não esqueci o insulto que Buckingham me fez em Dieppe. Foi enviada para o seduzir. Na verdade, ele estava certo, mas a presunção de que podia enfiar-me na sua própria cama ainda me fere.

– O Buckingham? E ele é de confiança?

– O George é imprudente, sim, e um pouco presunçoso, mas essas são qualidades úteis num soldado. Sim, penso que o cargo deve ser dele.

Fala como se a decisão já estivesse tomada. Penso rapidamente.

– Ele é protestante, não é?

– Sim. – Carlos encolhe os ombros. – Tal como eu.

– Por enquanto – observo. – Mas um protestante a liderar o exército contra os Holandeses… Luís não verá isso como um sinal de que pretende adiar a sua conversão?

– Não é essa a minha intenção. – Carlos parece inquieto. É sempre vago quando falamos sobre a altura exacta da sua conversão. Já escreveu a Luís, sugerindo que pretende primeiro discutir com o papa certas questões que a conversão pode levantar. Infelizmente, o papa encontra-se demasiado doente para poder viajar, neste momento.

– Se o Buckingham deixar Inglaterra, metade das senhoras da corte ficarão de coração partido – digo, em tom de provocação. – Principalmente a pobre lady Shrewsbury.

A paixoneta desta dama por ele é lendária, apesar do facto – ou talvez por causa dele – de Buckingham ter matado o seu marido num duelo.

Carlos parece aliviado.

– Muito bem. Dir-lhe-ei que as damas de Inglaterra não podem ficar sem ele.

Buckingham fica furioso e chega ao ponto de acusar o rei, à minha frente, de se deixar influenciar por mim: o rei, igualmente furioso, diz-lhe que a decisão é apenas dele.

É assim que as coisas funcionam, estou a descobrir: não podemos dizer a um homem o que deve pensar, mas apenas aquilo que ele próprio está a pensar. Nove em cada dez vezes, ele percebe que está de acordo.

Então, se consigo lidar com Monmouth, Buckingham e Arlington, porque não Nell Gwynne? Ela afirma nunca ter lido um livro, muito menos uma peça – para decorar as suas falas, alguém lhas lê em voz alta; a sua voz é estridente e vulgar, embora, quando quer imitar uma da grandes damas da corte, consiga ser extraordinariamente fiel. Quando a oiço falar com a voz de Elizabeth Arlington – «Não, Bennet, temos absolutamente de construir outra casa antes do Natal, caso contrário teremos de ficar no mesmo palácio dois meses seguidos!» – há algo nos maneirismos, no sentido de oportunidade, que é ao mesmo tempo Elizabeth e, contudo, de alguma forma, ainda mais engraçado do que Elizabeth. Suponho que a imitação que faz de mim é igualmente fiel: embora eu não consiga vê-lo.

No entanto, se ela consegue falar como uma senhora quando quer, por que diabo não o faz sempre?

Há muitos meses que não choro. Nem por ela, nem por mim. Mas agora, com a chegada do bebé iminente, choro.

A minha honra é uma coisa invisível e, além disso, às vezes é possível esquecer que fui desonrada. Mas um bebé – uma criança – é algo tangível. Será ele conhecido para sempre como o bastardo de uma amante? Ou será o filho da rainha de Inglaterra?

O embaixador visita-me e, na minha confusão, choro por causa de Carlos. O idiota afectado entende imediatamente que deve dar-me uma repreensão.

– Não é correcto – opina Colbert –, especular sobre a saúde de Sua Alteza. Particularmente porque há boas notícias a esse respeito. Parece que o seu médico terá sido precipitado. O doutor Frazer pensa agora que, afinal, não é de tísica que ela sofre, ma sim de um excesso de susceptibilidade ao prazer.

Não acredito no que oiço.

– Um excesso de susceptibilidade?

Ele acena.

– Como deve saber, o rei é abençoado com os meios para proporcionar às senhoras uma satisfação excepcional. Parece que a rainha sofria de tais paroxismos de felicidade quando o rei se deitava com ela, que sangrava. Agora que se viu aliviada da necessidade de copular com ele, a sua saúde melhorou muito.

– Mas tinha-me dito…

– A medicina não é uma ciência exacta. Felizmente, neste caso.

– Então ela não vai morrer – digo, entorpecida. – A rainha não vai morrer.

– Todos vamos morrer – diz ele, piedosamente. – Mas a rainha pode, ao que parece, gozar ainda de muitos anos de boa saúde.

– Mentiram-me. O senhor e o Arlington mentiram-me. Disseram-me que ela morreria.

Ele franze a testa.

– Penso que lhe disse na altura que isso era irrelevante, já que a senhora não é de forma alguma feita do mesmo pano de que são feitas as rainhas. O que quero dizer é que não lhe compete continuar a especular…

– Não me compete? Não me compete? – As minhas lágrimas dão lugar à raiva. – Há anos que o senhor faz pouco mais senão especular sobre esses assuntos. Não se atreva a dizer-me o que me compete ou não. Os membros da minha família já eram cortesãos quando os seus ainda andavam a lavrar os campos, como animais. – Um pouco injusto, talvez, mas quero apenas magoá-lo.

– Deixo-a, senhora – diz ele com uma vénia rígida. – Vejo que está perturbada e é bem sabido que as senhoras no seu estado precisam de manter a calma, pelo bem da criança. A propósito, Sua Majestade Cristã autorizou-me a transmitir as suas congratulações pessoais por esta ocasião tão afortunada.

Colbert. Estou mais determinada do que nunca a fazer com que seja demitido, mas ainda não: um inimigo de cada vez.

Tento uma abordagem diferente: fazer amizade com ela. O rei está ausente, a inspeccionar a frota em Portsmouth, pelo que a corte está sossegada. Enquanto passeio pelo parque com as outras senhoras, vejo que Nell traz um vestido novo.

– Que vestido tão bonito, Miss Gwynne – digo, em tom agradável.

Não é verdade, claro: ela não tem qualquer gosto ou contenção. Não é capaz de ver uma fita cara ou um fio de prata sem que, como uma gralha, tenha de os usar aos metros.

Ela devolve o sorriso.

– Suficientemente bonito para uma dama, é o que quer dizer?

– Estava a perguntar-me quem seria a sua modista. Tem de me dar o nome dela.

– Porquê? A senhora já anda suficientemente bem arranjada para uma meretriz.

Mesmo na corte inglesa, são palavras fortes; oiço algumas exclamações abafadas, mas as damas que nos rodeiam parecem petrificadas. Nell olha em volta.

– Se ela é uma senhora de tão alta sociedade, porque se rebaixa ao ponto de ser uma meretriz? – pergunta, despreocupadamente. – Devia morrer de vergonha. Quanto a mim, é a minha profissão; não finjo ser melhor do que aquilo que sou. E, mesmo assim, o rei ama-me tanto como a ela.

Sinto-me um pouco tonta, mas consigo dizer:

– E que belos sapatos. Acho que os vossos sapateiros ingleses são os melhores da Europa.

Fico com esta pequena vitória: o que quer que ela diga, independentemente daquilo que eu sou agora, não conseguirá provocar-me ao ponto de discutir com ela, como se fosse uma peixeira vulgar. É essa a minha honra, a minha educação, nos dias que correm. Enquanto tiver as minhas maneiras, não sou o que ela é.

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