LOUISE
Está feito. Estou deitada na cama real, molhada com a semente do rei. Ungida pelo ungido do Senhor. As minhas coxas ensanguentadas. A minha virgindade misturada com os fluxos do seu desejo.
O sangue de Louise, derramado para que Luís possa derramar o sangue holandês nos Países Baixos.
Aturdida, na cama, com as palavras em turbilhão na minha mente. Sou uma fortaleza em chamas, uma aldeia saqueada, terra queimada.
– Por favor, não chore, meu amor – murmura ele. – Meu amor, meu amor querido.
Por favor, Louise.
Estou acabada, desonrada, caída em desgraça. Sou Eva, Madalena, a Meretriz da Babilónia, a libertina dama recém-chegada de França que os panfleteiros sempre disseram que eu era. A minha preciosa honra roubada, manchada como os lençóis. Estou, literalmente, despedaçada.
Porém, acima de tudo, o que eu penso é…
A sério?
Este espalhafato todo, por isto? De certeza?
Oh, claro que doeu. Eu estava à espera que doesse. Mas a primeira vez acabou tão depressa que mal tive tempo para dizer a mim própria que não era tão mau como eu esperava.
Talvez seja esta a natureza da sua famosa perícia como amante? Talvez seja como ser um cirurgião – se conseguir serrar um braço em menos de um minuto, os pacientes não lhe largam a porta.
Fico ali deitada, incapaz de me mover, todos os meus membros serrados, espalhados pelo quarto, para onde ele os atirou. Carlos, o cirurgião, a limpar o suor da testa com as costas da mão.
Sim, ele tira a cabeleira. Por baixo, o cabelo curto está a ficar grisalho. Não, não dá pontapés aos cães. Graças a Deus, os três que ele trouxe para Newmarket são demasiado pequenos para conseguirem saltar para a cama. Toda a noite os ouvi a agitarem-se do outro lado das cortinas.
Carlos, o cirurgião, foi muito mais lento na segunda operação do que na primeira. Talvez esteja cansado. Os seus dedos em mim, frios da sua semente, a trabalharem entre as minhas pernas. Porque é que está a fazer aquilo, lá dentro? Será para preparar o caminho, de alguma forma?
A serrar, a serrar, a serrar.
Penso em Aretino, todas aquelas imagens que estudei tão atentamente em preparação para esta noite, para tentar compreender o que iria acontecer. Até tirei apontamentos. Mas agora não há a mínima hipótese de eu fazer nada dessa natureza. Nem ele parece esperá-lo, felizmente. Só com grande esforço consigo ficar aqui deitada sem parecer exausta, quanto mais agachar-me ou ajoelhar-me ou qualquer outra dessas contorções.
– Meu amor, meu amor – diz ele, colocando-se novamente em cima de mim. E outra vez. Esmaga-me. Penso, com súbita inveja, no mecanismo de um relógio, frio e mecânico e limpo.
Com um gemido, ele unge-me pela segunda vez. Um súbito estremecimento nas suas pernas. Da primeira vez pensei que fosse algum tipo de ataque, que eu tinha matado o rei. Desta vez não me alarma tanto. Mas não é menos desagradável.
Setecentos anos de serviços leais a França. Para isto.
O polegar dele toca-me na face, numa carícia.
– São lágrimas de alegria – murmuro.
Satisfeito, ele deixa-se cair sobre mim, um peso morto. Sinto o seu coração a bater contra os meus seios. Todo ele é tão duro e sólido como uma estátua. Excepto a suavidade húmida onde estamos unidos. Onde a estátua derrete dentro de mim.
Da terceira vez, o dia está a nascer. Acordo com ele ajoelhado sobre mim, o seu mastro erguido perante os meus olhos, grosso e aterrorizador. Os pêlos nos seus ombros largos e no ventre são escuros como os de um macaco.
Viro a cabeça para o lado e ele beija-me na face, lenta e deliberadamente, enquanto me penetra.
Como uma bandeira. Agora, sou território seu. Conquistada.
Desta vez o serrar é lento e sonoro.
Depois, ele pergunta:
– Como foi?
É como se estivesse a pedir a minha opinião sobre uma peça.
Reflicto um pouco.
– Não foi bem como eu esperava.
– Não? Como assim?
– Foi mais como montar a cavalo ou jogar ténis do que como poesia ou música.
Ele franze a testa e lembro-me de onde estou. Com quem estou. E porquê.
– Quero dizer, foi maravilhoso. Eu era a rapariga mais feliz do mundo; agora, sou a mulher mais feliz.
Apaziguado, ele afasta a cortina da cama do seu lado. Aparecem instantaneamente dois criados de quarto, um com uma bacia de água, outro com uma toalha.
O que segura a bacia, o mais novo, está a olhar para a frente. Depois, como se não conseguisse evitá-lo, os seus olhos viram-se para onde eu estou, deitada, com os seios húmidos do suor do rei. Ontem, talvez o tivesse mandado chicotear pela sua ousadia. Hoje, sou uma mulher desgraçada. Ele que olhe.
Carlos levanta-se. Vejo o membro real ser lavado, as roupas interiores reais levantadas para ele as enfiar. Nesta altura está já rodeado por uma boa multidão, criados que o pulverizam e sacodem e ajeitam até que, por fim, já não é o homem que ali está, mas o monarca, a puxar as mangas de renda da sua sobrecasaca.
Finalmente, a cabeleira.
Ele dá um passo em frente, na direcção da porta, que se abre como que por magia.
Música. Aplausos.
Do meu lado da cama, a cortina é também afastada. Estão ali duas criadas, de olhos baixos, à espera para fazerem o mesmo por mim. Oiço os zunzuns de conversas vindos da divisão contígua. Um grito:
– Para Newmarket, Vossa Majestade? Ou já montastes o suficiente por hoje?
Os risos erguem-se, masculinos e ruidosos. Entram no quarto, grossos e húmidos. Há um cântico, canções, uma dúzia de vozes ásperas a gritarem o refrão.
– Um grande viva para o velho Rowley!
Ponho os pés no chão, rígida e um pouco dorida. Lady Arlington está ali, à espera.
– Há trabalho a fazer – diz ela, simplesmente.
Tenho de ficar com o meu déshabillé a manhã toda, em sinal de que estou casada. Escovam-me o cabelo, mas não muito. Foi encomendado um retrato de nós os dois, um presente do embaixador – ou melhor, dois retratos: as conveniências sociais têm de ser observadas. Eu ficarei com a mão direita estendida, Carlos com a esquerda, na direcção da moldura; não temos propriamente as mãos dadas mas, quando os quadros forem pendurados lado a lado, o simbolismo será evidente. Contudo, o pintor não terá muita sorte em conseguir que o rei pose hoje. Uma hora, no máximo, e depois ele partirá para as corridas.
Lorde Arlington aparece ao meu lado.
– Está tudo bem? – pergunta baixinho.
– Sim.
– Peça-lhe esta manhã. Antes que ele trate de outros assuntos.
– Como desejar.
Aproximo-me de Carlos. Ele vira-se para mim com um sorriso e os cortesãos que o rodeiam afastam-se.
– Lorde Arlington deseja que eu lhe peça um favor.
Ele ergue as sobrancelhas.
– O momento do pedido também é por solicitação dele.
Carlos acena, reconhecendo que eu compreendi – como Arlington devia ter compreendido – que esta falta de subtileza não é apropriada ao espírito da ocasião.
– Ele deseja ser lorde Chanceler.
Carlos parece genuinamente chocado com o tamanho da exigência de Arlington. Depois diz, com ar pensativo:
– Vejo que me transmite o pedido, Louise, sem me pedir que o conceda.
Encolho os ombros.
– O Arlington é um idiota – diz ele, calmamente. – Devia ter-lhe dito para mo pedir ontem. Ontem, eu ter-lhe-ia dado tudo o que quisesse.
– Eu sei – respondo. – Foi por isso que não o pedi ontem.
Carlos ri-se e alguns dos cortesãos erguem os olhos.
– Então não quer que nomeie um idiota para o cargo mais elevado do país?
– Nem por isso.
– Ele é o meu amigo mais antigo.
– E construiu o mais recente palácio do reino às custas disso – digo, olhando em volta.
– Se não ele, então quem?
– Para chanceler? O Shaftesbury.
– O Shaftesbury?!
– Se um parlamentar descobrir que nem sequer consegue equilibrar as contas, o parlamento não terá outra opção senão aprovar a atribuição de mais fundos. E será difícil para Shaftesbury opor-se à guerra se o rei tiver de o encarregar disso. – Além do mais, a nomeação de Shaftesbury irritará lorde Arlington mais do que qualquer outra coisa em que eu consiga pensar.
Ele acena.
– E suponho que estava a pensar nisto, mesmo enquanto estávamos na cama?
– Claro que não – minto. – Estava demasiado ocupada a pensar em si, meu amor adorado.
– Bom, vou tratar disso. Já?
Sorrio para o outro lado da sala, onde os Arlington fingem estar a conversar um com o outro.
– Oh, penso que podemos manter lorde Arlington na expectativa mais algum tempo, não acha? Hoje quero ir às corridas e conhecer esse garanhão de que tanto ouvi falar. Afinal de contas, já tive oportunidade de conhecer bem aquele em honra de quem foi baptizado.