CARLO
Por mais picante que seja o ruibarbo, o sumo de um limão reforçará o seu sabor.
O Livro dos Gelos
Mesmo a meio do Inverno, os Ingleses cultivam uma estranha colheita: metade vegetal, metade fruta. Parece-se um pouco com aipo, mas os caules são de um rosa vivo, uma curiosidade que ainda é mais estranha pelo facto de terem de os obrigar, como dizem, a crescer em baldes virados ao contrário e barracões escuros. A planta parece medrar no escuro e no frio: na verdade, ambas as coisas são necessárias para o ruibarbo desenvolver o sabor picante, quase como o de um morango, que tanto apreciam.
Fiz-lhe um gelo da fruta do Inverno, o primeiro ruibarbo do ano, os rebentos amargos um lembrete de todas as colheitas ainda por vir.
Depois de a decisão estar tomada, ela não perdeu tempo a lamentá-la. Era tarde de mais para mudar de ideias e, além disso, qualquer sinal de indecisão só enfraqueceria a sua posição.
Só por uma vez a vi preocupada com a forma como poderia ser vista.
– Pode certificar-se de que isto chega à Bretanha?
Olhei para o envelope que ela me tinha dado. Estava dirigido ao conde e à condessa de Keroualle, em Brest.
– Sabe que será lida, de qualquer maneira? Se não for pelos espiões ingleses, pelos franceses?
– Eu sei. Tentei ser circunspecta. Não duvido de que eles receberão a notícia por terceiros muito em breve, mas queria que soubessem que, apesar de tudo, ainda sou sua filha.
Tirando essa ocasião, portou-se de forma muito terra-a-terra. Até que, um dia, disse:
– Carlo?
Esperei.
– Como é que… – Hesitou. – Como é que se comporta uma mulher apaixonada?
O seu tom de voz era prático, como sempre, mas estava ligeiramente mais corada do que habitualmente.
– Com o homem por quem está apaixonada, é isso que quer dizer?
Ela acenou afirmativamente.
– Na cama?
Novo aceno.
– Os seus romances e livros não explicam isso?
– Oh… esses. – Fez um gesto desdenhoso. – Pelos vistos, tenho de suspirar e desfalecer. Ou protestar estridentemente todos os minutos que ele não estiver comigo. Ou portar-me como uma megera ciumenta. Desconfio que nenhuma destas opções me ajudaria a cativar Carlos.
– Nem pareceriam naturais em Louise de Keroualle – concordo. – No entanto, presumo pela sua pergunta que está com receio de que ele perceba que não o ama, não é assim?
– Ele tem muito mais experiência do que eu.
– Bom, não sou a melhor pessoa a quem perguntar, uma vez que não creio alguma vez ter sido amado por uma mulher da forma que descreve. Nem devia estar demasiado ansiosa por renegar a sua inocência, já que, para muitos homens, é em si mesma uma espécie de afrodisíaco. Posso dizer-lhe o pouco que sei.
– Sim, por favor. – Ela está agora muito vermelha.
Tentei recordar as relações do meu passado. Olympe não me amava, mas tinha um à vontade consigo própria, uma confiança, que fazia com que deitar-me com ela fosse uma espécie de banquete. Ela fazia-me sentir um homem do mundo, sofisticado, para quem o sexo era apenas mais um dos prazeres sensuais que uma pessoa educada devia apreciar.
Com Emilia não houvera cópula, mas quando me lembrava da avidez e deleite dos seus beijos, da excitação que ambos sentíamos, a alegria de descobrir que a pessoa amada sentia o mesmo por nós do que nós por ela, isso fora ainda mais doce do que a pele perfumada de Olympe.
Perguntei a mim próprio como teria sido com Louise, se o destino e a sorte tivessem sido diferentes.
– Tem de fazer com que ele sinta que ambos são continentes novos, à espera de serem explorados – disse-lhe. – Que, de cada vez que ele lhe toca, é como uma nova descoberta… como se, tal como com o microscópio de Hooke ou os telescópios de Newton, estivesse a ser revelada uma nova maravilha até então escondida. Tem de ser ávida, mas a sua avidez tem de parecer surpreendê-la a si própria. Os seus beijos devem ser tão excitantes para ele como o primeiro ananás que os jardineiros alguma vez cultivaram, e, quando ele a beijar, tem de pensar na coisa mais surpreendente, mais encantadora e mais extraordinária que alguma vez viu ou fez.
– Nesse caso, pensarei na primeira vez em que provei um gelado.
– Mas não se engasgue, nem grite, nem leve as mãos à garganta e diga que está dormente, como as pessoas fazem frequentemente quando provam os meus gelos.
Ela sorriu.
Mas eu não consegui.
– Assim? – perguntou, suavemente, beijando-me.
Ela beijou-me.
Ela beijou-me.
– Não, assim não – disse-lhe, com voz rouca, quando finalmente nos afastámos. – Foi demasiado meiga e demasiado triste. Se o beijar assim, ele vai pensar que tem pena dele.
Quando cheguei ao Lion, disse a Hannah:
– Para cima.
Silenciosamente, ela seguiu-me até ao meu quarto.
Uma cópula sem palavras, como os animais.
No entanto, desta vez, não consegui acabar. Um grande cansaço abateu-se sobre mim. Parei, caí sem forças sobre a cama e fiquei imóvel.
– Pode ir – disse, de olhos postos no tecto.
Talvez ela estivesse com medo que eu não lhe pagasse este fracasso, ou que estivesse a ficar farto dela e em breve deixasse de a procurar. Fosse qual fosse a razão, ouvi-a dizer baixinho:
– Vou buscar-lhe um cordial.
Tinha na ponta da língua a resposta torta de que eu próprio era criador de cordiais e não precisava de mais.
Contudo, não disse nada.
Mais tarde, ouvi a porta abrir-se quando ela regressou.
– Aqui tem. – Estendeu-me uma caneca. Cheirava a ervas aromáticas, algo verde, como o sabor de trigo de Primavera quando arrancamos um caule branco e grosso do seu invólucro de folhas e esmagamos a sua suculência leitosa entre os dentes.
Algo amargo, também, um gosto que ficava na boca.
– Valeriana – disse ela, adivinhando os meus pensamentos. – Casca de salgueiro e hipericão e extracto de urtigas.
– Medicinal?
– De certa forma.
Resmunguei:
– Normalmente não me vou abaixo desta maneira.
– Não é para… – Calou-se. – Beba, seja como for.
Engoli a bebida.
– Obrigado – agradeci, de má vontade, devolvendo a caneca.
Quando me deitei, ouvi-a mexer na minha bolsa e o tilintar de moedas. Depois, surpreendentemente, mergulhei num sono profundo e sem sonhos.
Mais tarde, quando acordei, estava tudo silencioso. Desci. Hannah não estava lá. Fiquei contente por isso.
Em cima do balcão da copa, algo me chamou a atenção. Um livro.
Peguei-lhe. O Herbário Completo, de Nicholas Culpeper. Olhei para a prateleira onde ela guardava os seus livros de receitas. Havia um espaço vazio onde o tirara, entre Excelentes Receitas de Culinária e O Companheiro da Criada.
Abri-o e folheei-o. Parecia ser tanto sobre astrologia como sobre ervas. Sabemos que Marte é quente e seco, e sabemos também que o Inverno é frio e húmido; então, podemos saber também o motivo pelo qual as urtigas, comidas na Primavera, consomem as superfluidades mucosas do corpo de um homem, que a frieza e a humidade do Inverno deixaram para trás…
Passei as páginas até encontrar uma referência ao hipericão. Estranhamente, Culpeper não parecia prescrevê-lo para a impotência, mas sim para os males do coração.