LOUISE
Recebo uma carta. Uma carta do próprio Luís XIV.
Leio-a sentada ao meu cravo, com o embaixador de pé ao meu lado. Ele tem um sorriso sofredor nos lábios, como se fosse um professor de música e eu uma aluna particularmente recalcitrante.
– Sabe o que aqui diz? – pergunto, depois de acabar de ler. Coloco a carta no suporte da música, para que ele não perceba como a minha mão treme.
– Não tenho a presunção de adivinhar os pensamentos do meu rei. – Reparo que não responde concretamente à minha pergunta. – Talvez ele tenha algum conselho paternal para lhe dar?...
– «O rei de França recomenda-lhe que agrade ao rei de Inglaterra.» O que supõe que ele quer dizer com isto?
Colbert não responde.
– Embora, naturalmente, sendo eu uma súbdita leal, ele tenha todo o prazer em me receber de volta a França quando eu desejar regressar. E, em consideração pela estima que Madame tinha por mim, falou com a abadessa do convento de Marselha, que teve a generosidade de me oferecer um lugar como noviça; isto, claro está, se decidir que prefiro realmente virar costas à diplomacia e prosseguir, em vez disso, uma vida de virtude e reflexão. Bom, o rei não falou realmente com ela, uma vez que a ordem em questão fez votos de silêncio, mas trocaram correspondência. Ao que parece, as freiras desse convento estão a fazer um trabalho admirável junto dos leprosos. É por isso que há a certeza de uma vaga, uma vez que as irmãs são recompensadas pela sua virtude sendo chamadas para junto de Deus mais cedo do que a maioria das pessoas.
– Como sempre, os conselhos de Sua Majestade são muito generosos – murmura ele.
– Oh, sim… e há umas terras em Brest, que pertenceram anteriormente à minha família e que reverteram agora para o rei. Ele está a pensar o que há-de fazer com elas. Então, o que pretende que faça, Excelência?
O sorriso de Colbert é inescrutável.
– Como assim?
– Sua Majestade termina sugerindo que eu procure o seu conselho… o seu e o dos Arlington. Bom, já sei qual será o deles. Lady Arlington pensa que eu devo ceder ao rei, sem reservas. Foram essas as suas palavras, ainda esta manhã. «Ceder sem reservas.» O que me diz a isso?
Ele parece aflito.
– Aqui em Inglaterra têm uma maneira de falar que, por vezes, é detestavelmente franca. Grosseira, mesmo.
– E contudo, uma coisa podemos dizer a seu favor: é também perfeitamente clara. Por exemplo, só agora é que eu compreendo o total alcance dos desígnios do meu rei. – Falo calmamente, mas só com grande esforço não mostro a minha fúria.
Ele consegue parecer ao mesmo tempo ignorante e inquisitivo, apenas com um erguer de sobrancelha.
– Oh, penso que ambos sabemos o que isso significa – digo. – Ou prefere que eu seja ainda mais grosseira do que lady Arlington?
– Ah, sim, compreendo. Bom, deve fazer aquilo que achar melhor.
– De facto. – Dobro a carta e entrego-lha. – É evidente para mim que Sua Majestade Cristã não foi informado da existência de outra possibilidade.
– Qual?
– Refiro-me à sugestão de lorde Arlington de que eu poderei tornar-me rainha de Inglaterra, quando Catarina de Bragança falecer.
O embaixador empalidece. Os seus olhos desviam-se para a porta, como se quisesse confirmar que não há ninguém à escuta.
– Lorde Arlington fez essa proposta?
– Sim. Não estava a par deste plano? O raciocínio é simples. Uma francesa… uma católica… no trono de Inglaterra significaria…
– Não diga essas coisas! – sussurra ele. – Nem sequer as pense!
– Tinha presumido que sabia…
– Não há plano algum! – guincha ele. – E não acredito que lorde Arlington, de todas as pessoas, alguma vez tenha sugerido que havia.
– Ele disse… – começo, mas depois calo-me. O que dissera Arlington, concretamente? Tento recordar. Com um aperto no estômago apercebo-me de que, na verdade, ele não disse nada. Foram apenas insinuações, sugestões. Desenhos traçados no ar. – Ele disse que o estado de saúde da rainha é muito grave.
Colbert acena afirmativamente.
– Isso é certo. Naturalmente, França espera que Sua Alteza recupere completamente.
– E disse que podia ser Luís, e não o parlamento inglês, a decidir a sua sucessora.
O embaixador olha para mim como se eu estivesse a dizer disparates sem sentido.
– Se houvesse uma sucessora, e se Sua Majestade Cristã fosse consultado, naturalmente que daria ao primo o benefício dos seus conselhos. No entanto, qualquer rainha sugerida seria de sangue real.
– Eu sou uma de Keroualle, e portanto descendente indirecta dos antigos reis da Bretanha pela parte da minha mãe…
– É uma dama de companhia! E na miséria, ainda por cima!
– A minha linhagem…
– Linhagem! Que conversa é esta sobre linhagem? Isso é para cães, não para rainhas e princesas de sangue real. – Ele passa a mão sobre o rosto. – As rainhas têm dotes. Catarina de Bragança trouxe ao rei inglês Tânger e Bombaim. Sem ela, ele não teria nada. Não poderia ter sido rei.
Olho para ele, aturdida e sem palavras. Todo este tempo, enquanto eu tenho estado a tentar Carlos, eles estavam a tentar-me a mim; a seduzir-me com a ilusão de um futuro que não tinham a mínima intenção de ver concretizado.
– Mas se Carlos casasse comigo…
– Claro que o rei Carlos não casará consigo. Não pode. O parlamento nunca o permitiria. Os seus conselheiros não o permitiriam. Sua Majestade Cristã não o permitiria.
Estou quase a chorar. Sinto as lágrimas a arderem-me nos olhos.
– Se ele quiser casar por amor…
– O casamento não é o que os reis fazem quando amam – diz ele, calmamente.
Voltamos portanto a isso.
– Nesse caso, o que quer que eu faça? – pergunto, entorpecida.
Ele faz uma vénia.
– É como dissemos. A senhora tem a sorte de ser alvo das atenções de um rei, e assim encontra-se em posição de prestar um grande serviço a França. Porém, se sentir que esta… esta honra, é algo que a deixa pouco à vontade, tem uma alternativa. – Indica a carta com um aceno. – O convento. Portanto, agora, é duplamente afortunada. Poucas mulheres, na sua posição, têm o luxo de poder escolher.