LOUISE


Passam quase duas semanas até ele voltar aos meus aposentos.

– Vossa Majestade – digo, com uma reverência.

– Oh, está aí – diz ele, como se eu tivesse estado fora; como se tivesse sido eu, e não ele, a evitar este momento. Estende o punho. – Tenho uma coisa para si.

– Não preciso de presentes, senhor.

– «Senhor», não. «Carlos». A menos que estejamos acompanhados, o que, felizmente, não é o caso.

– Carlos. – A palavra sai-me dos lábios com algum embaraço, devido à minha pronúncia francesa.

Ele sorri.

– A minha irmã também nunca o pronunciava bem.

Tento de novo.

– Não preciso de presentes… Carlos.

– Está melhor. Mas ainda é mais bonito quando o pronuncia mal. – Levanta a mão. – Aqui tem.

Mantém a mão fechada, pelo que sou obrigada a virá-la e a abrir-lhe os dedos, afastando-os um a um do presente. Um relógio de bolso, o mais pequeno que já vi, uma ostra de ouro reluzente.

– Abra-o.

Abro a tampa. É diferente de todos os relógios de bolso que já vi. Tem três ponteiros, um dos quais corre sobre o mostrador.

– Diz os segundos – explica ele, orgulhoso. – É uma mola dentro do mecanismo, mais apertada do que qualquer pêndulo. E veja atrás.

Viro-o. Tem uma inscrição: Não desperdices estas horas com arrependimentos. E uma data.

É o dia em que cheguei a Inglaterra.

– Foi o dia em que começou o meu calendário – diz ele, simplesmente.

Carlos quer mostrar-me o seu apartamento. Passamos pelo quarto real, onde ele nunca dorme, e entramos por uma porta quase escondida atrás de uma cortina. Do outro lado está uma sala de trabalho, não muito maior do que a de Madame, cheia de relógios. O barulho que fazem é como chuva, um aguaceiro ensurdecedor de tempo; segundos e minutos a tombarem em volta dos nossos ombros.

Ele vai buscar os seus preferidos – o relógio que diz as fases da Lua, o relógio de mesa que contém um carrossel de cavalos de prata minúsculos a perseguirem uma raposa. São feitos por um dos seus virtuosi, o seu bando de filósofos e eruditos. Tem muitos grupos, como começo a perceber. Gosta de passar de um para outro, mudando de papel ao fazê-lo: aqui o libertino, aqui o filósofo, aqui o estadista, mas sempre ávido por entretenimento, por diálogo, por entusiasmo. Sempre como um menino.

Certamente que é difícil de acreditar que, entre o seu irmão Jaime e ele, Carlos seja o mais velho. Ou que tem mais do dobro da minha idade. Contudo, um rei é jovem aos quarenta e dois anos, uma mulher é velha aos vinte.

É chamado para tratar de um assunto mas pede-me que espere. Quando chega a hora certa, uma dúzia de carrilhões toca, o som saltando de relógio para relógio.

Curiosa e um pouco entediada, inspecciono o que me rodeia. Há uma porta que dá para uma latrina almofadada. Outra divisão contém os seus químicos e máquinas. E depois há uma sala iluminada e quadrada, numa torre, forrada com painéis de madeira do chão até ao tecto.

Um dos painéis está entreaberto. Aproximo-me para ver me­lhor: tem dobradiças, como a porta de um armário.

Abro-o. Na parte de dentro, de modo a que ele possa escolher exibi-la ou não, está uma pintura. Uma mulher, completamente nua, reclinada sobre uma cama de almofadas e veludos. A sua pele clara parece brilhar, como o luar, contra os tecidos escuros e pesados. À sua volta há adereços teatrais, um cenário pintado. Cabelo ruivo, um sorriso malicioso.

A actriz.

Será que ele manda pintar todas as suas mulheres assim, pergunto-me? Abro outro painel. Outro corpo nu, com rosto altivo. Reconheço a mulher que falou comigo no baile do embaixador francês. E outra – uma mulher com o vestido enrolado por baixo dos seios, a sorrir descaradamente. Abro outro, depois outro… os painéis baloiçam e embatem suavemente uns contra os outros, como as páginas de um livro de madeira gigantesco.

Oiço vozes na outra sala. Rapidamente, volto a fechá-los todos, um a um, terminando com Nelly. Novamente escondida atrás dos lambrins, da madeira castanha e respeitável, para o prazer exclusivo do rei.

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