LOUISE


Enquanto o rei nada, lady Arlington caminha comigo pela Galeria de Pedra, o mais comprido e ornamentado dos claustros de Whitehall.

– Aqueles são os aposentos do rei – diz, apontando. – As casas do outro lado são para os cortesãos preferidos. E aqui – faz uma pausa carregada de significado –, estão a ser preparados novos aposentos.

Abre umas portas de madeira. Lá dentro, quatro homens de cabeleiras curtas, pintores da corte, estão a trabalhar num fresco. Na parede oposta, homens em cima de escadotes estão a pendurar uma tapeçaria de estilo francês. Outro trabalhador, um marceneiro, está a instalar uma estante embutida de nogueira e bordo, com a ajuda de um aprendiz. O ar cheira a serradura e tinta fresca. Quan­do entramos, os homens inclinam a cabeça respeitosamente e regressam ao que estavam a fazer.

– Que quarto maravilhoso – digo, com sinceridade, aproximando-me da janela. Os vidros altos fazem-me lembrar Versalhes. Do outro lado fica um bonito jardim com um grande relógio de sol de vidro e o longo lago cintilante do Parque de St. James por trás.

– É para si.

Viro-me, espantada.

– Para mim?

– Ele mandou-o arranjar especialmente para si. E veja. – Aproxima-se de outra porta e abre-a. Dá para uma escada. – Pode visitá-la directamente dos seus aposentos.

– Sem ninguém saber, é o que quer dizer?

Lady Arlington acena afirmativamente.

– Pode haver alturas em que pretenda ser discreto. Pelo menos, ao princípio.

Olho para ela.

– Mas eu nunca permitiria que ele me visitasse dessa maneira a menos que fosse meu marido.

– Não seja tola, Louise – diz ela baixinho. – Tem de fazer o que é necessário, como as jovens bonitas sempre fizeram com os reis. A única questão é o que poderá ganhar com isso. Vossa Majestade. – Baixa-se numa reverência e, por um momento, penso que está a troçar de mim. Depois viro-me e vejo que o rei entrou na sala.

– Informaram-me da sua presença – diz ele, impacientemente. – Aprova os seus aposentos? Estarão terminados no final da semana. Talvez queira fazer-me a honra de se mudar para aqui.

– Não posso… – começo, mas lady Arlington é mais rápida.

– É muito oportuno, senhor. Vamos começar algumas obras de reconstrução para a semana, pelo que a Louise teria de nos deixar, de qualquer maneira.

– Senhor – digo –, não posso de forma alguma aceitar estes aposentos. São demasiado bons para uma dama de companhia.

– Pelo contrário. A Louise é que é boa de mais para eles. – Carlos fita-me com uma intensidade que acho desconcertante. – Caminhe comigo – diz, baixinho, com um olhar a lady Arlington. – Vamos conversar um pouco.

Leva-me para a Galeria de Pedra e lady Arlington segue-nos a quinze passos de distância, fingindo-se muito interessada nas estátuas.

*

Contudo, durante algum tempo, não falamos muito. O rei limita-se a apontar-me onde vivem os vários cortesãos. Depois tira uma chave da roupa e abre uma pequena porta.

– Este é o meu jardim privado – diz, fechando a porta atrás de si. Reparo que lady Arlington ficou do outro lado. – Para meu uso exclusivo.

– Vossa Majestade deve ter dificuldade em encontrar solidão.

– Na verdade, nunca costumava procurá-la. Só desde a morte dela… – Olha para mim. – Diga-me, Louise. Contou-me que ela a deixava ler a nossa correspondência.

– Sim.

Com um desinteresse estudado, ele pergunta:

– Nesse caso, o que sabe sobre Dover? Além do facto de a minha irmã já estar muito doente nessa altura.

São terrenos perigosos, mas não vale a pena negar.

– Estou a par do tratado. Madame fez de mim sua confidente desde o princípio.

– Compreendo. – Ele toca no bigode. – Nesse caso, presumo que está consciente de que se trata de um segredo conhecido apenas por um punhado de pessoas. Neste país, são seis, além da minha pessoa. Sete, agora que está aqui connosco. Se a noticia se espalhasse, podia afectar todo o rumo do meu reinado.

– Eu sei. E prometo que nunca trairei a confiança de Madame.

Ele acena.

– O facto de ela ter confiado em si é suficiente para mim. Mas diga-me… – Hesita. – Foi… honrado?

– Senhor?

– Muitos dos meus súbditos diriam… se, Deus não o permita, alguma vez soubessem… que quando eu assinei aquele papel e aceitei a pensão de Luís, vendi a minha honra. Tenho andado a pensar muito nisso, nestes últimos meses. Gostaria de saber a sua opinião.

Está a perguntar a minha opinião. Tento imaginar Luís XIV a ter esta conversa e não consigo. É extraordinário, estarmos a conversar assim, quase como iguais.

Tenho de ter muito cuidado.

– Se um homem tivesse assinado aquele documento, talvez pudesse ser considerado uma desonra. Mas vós não sois um homem. Sois o rei… sois Inglaterra. Não podeis estar limitado pelas mesmas considerações que os homens vulgares, tal como não podeis estar limitado pelos desejos do parlamento.

– Sim. – Ele começa a andar e eu com ele, tentando acompanhar os seus passos largos. – Foi o que pensei, na altura. Mas desde a morte dela… Vejo o meu povo e estão fartos de guerras e de divisões religiosas. Talvez na minha cobiça… na minha ansiedade por ser um governante independente… e no meu desejo de agradar à minha irmã, tenha colocado os meus interesses à frente dos interesses dos meus súbditos.

– Mas Madame não tinha qualquer interesse pessoal nisto. Ela queria apenas o que era melhor para vós.

– É verdade. Contudo, talvez tenha sido influenciada pelas suas próprias convicções religiosas. Para não mencionar a sua… admiração por Luís. – Olha para mim de soslaio e percebo que ele sabe, ou pelo menos suspeita, da relação entre a irmã e o rei. – Ela era como todos os Stuart – continua em tom apologético. – O seu apetite pela vida era grande e, por vezes, permitia que isso influenciasse o seu discernimento. – Cala-se por um momento. – É bom conversar sobre isto. Desde que ela morreu, não tenho tido ninguém com quem discutir o assunto.

Pressinto uma abertura.

– Podeis conversar comigo sempre que o desejardes, senhor. Na verdade, espero que o façais.

Ele lança-me um olhar triste.

– Não poderia impor-lhe esse fardo.

– Não seria um fardo. E é apenas o que todos esperam.

– Sim? Porquê?

Hesito e sinto-me corar.

– Alguns dos vossos ministros pensam que Vossa Majestade se interessará por mim.

– Ah – diz ele, baixinho. – Claro. – Olha para mim de lado. – Compreendo porque pensariam tal coisa. Confesso que, no passado, mostrei frequentemente ter um fraco deplorável pela beleza feminina.

Coro ainda mais.

– Mas eu posso ajudar-vos com isso. Posso ser vossa confidente, tal como a vossa irmã era. Posso fazer chegar mensagens a Luís, posso torná-lo consciente das pressões a que vós estais sujeito. Já percebi que seria impossível anunciardes agora a vossa conversão. Farei com que isso chegue até ele.

Carlos ergue as sobrancelhas.

– Intercederia junto do seu rei a meu favor?

– Poderia ser uma intermediária, da confiança de ambos. Tal como a vossa irmã.

– Então, que sejam esses os termos do Tratado do Jardim de Rosas – diz ele, lacónico. – Mas… apenas para que eu fique esclarecido… não iremos mais longe? Conversará apenas comigo, e nada mais?

Volto a corar.

– Perdão – diz ele. – Mais palavras francas. Mas prefiro chocá-la agora com a minha franqueza do que ofendê-la com uma sugestão indesejada no futuro.

– Nesse caso, falarei também francamente. – Francamente, penso, mas com cautela. – Nunca permitiria que a minha conduta trouxesse vergonha à minha família.

Ele acena. Está desapontado ou satisfeito? É impossível ter a certeza. No entanto, é importante que saiba que eu não vou fazer aquilo que lady Arlington anda a insinuar que devo fazer.

Chegámos ao relógio de sol no centro do jardim, um aparelho elaborado com globos de vidro transparente embutidos com vitrais. Na base, está gravada uma inscrição:

A cada dia esquece os dias anteriores:

Não desperdices estas horas com arrependimentos.

Carpe diem – diz ele, quando repara que eu estou a ler. – Uma boa instrução para ambos. Compreende que se formos vistos juntos, a falar, as pessoas podem tirar as suas próprias conclusões? Estou certo de que a sua reputação não motivaria tal resposta, mas temo não ter sido sempre tão bem-comportado.

– Será melhor que o façam – digo, francamente. – Ficarão muito menos preocupadas do que se julgarem que estamos a discutir questões políticas.

– Uma resposta astuta. E vejo, por cima do seu ombro, que lady Arlington está a espiar-nos neste preciso momento da janela do seu apartamento. Deve estar a tentar adivinhar o tema da conversa.

– Talvez fosse melhor se déssemos a entender… – interrompo-me.

– Precisamente o que estava a pensar – concorda ele.

Pega-me na mão, leva-a aos lábios e beija-me o pulso. Depois, sem a largar, puxa-me facilmente para os seus braços. Por um momento, dou por mim a fitá-lo nos olhos. Será um brilho divertido – ou calculista, até – que vejo nas suas profundezas escuras?

– Fui sincero no que disse há pouco – diz ele suavemente. – Não lhe farei quaisquer sugestões, juro. Mas não posso negar que, se fosse outro tipo de mulher, o teria feito sem hesitação.

– Então? – pergunta lady Arlington. – O que é que ele disse?

– Disse… – Não posso dizer-lhe o que ele disse. – Nada. Lisonjas e palavras de afecto e essas coisas.

Lady Arlington sorri.

– E suponho que a Louise lhe disse para guardar as lisonjas para si?

Não respondo.

– Não se preocupe. Eu estava a observar aqui de cima. Vi a forma como estavam juntos. Sabia que ficaria encantada com ele, Louise. Há qualquer coisa numa coroa que leva a melhor até sobre os escrúpulos mais obstinados, não é?

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