LOUISE
Carlos ouve-me tocar, refastelado numa cadeira ao meu lado, com as pernas compridas quase a tocar nas minhas. No seu colo, um spaniel coça a orelha amarfanhada com a pata de trás, letargicamente.
– Haveis pensado na questão dos Holandeses? – pergunto, como se não fosse mais importante do que qualquer um dos outros temas que costumamos discutir.
Ele ergue os olhos para mim.
– Porquê? O seu rei está a ficar impaciente?
Toco outra frase.
– O meu rei? Agora tenho dois reis. – Sorrio-lhe. – Contudo, se vos referis a Luís, creio que ele está sempre consciente da necessidade de se apressar.
Carlos resmunga.
– Ouvi dizer que, por vezes, é demasiado apressado.
– Como estadista?
– Em todos os aspectos. – Inclina-se para a frente. – Eu prefiro fazer as coisas com calma.
– Como estadista?
– Em todos os aspectos.
Em resposta, reduzo a velocidade com que toco, de forma cómica, de andante para adágio.
– Já estive noutras guerras, sabe – diz ele. – Raramente são tão gloriosas como as pessoas pensam. Quando era jovem… um rapaz, na verdade… lutei contra Cromwell, o meu exército contra o dele, lanças contra espadas, inglês contra inglês… Isso deixou-me com uma aversão vitalícia ao derramar de sangue humano. – Sorri tristemente. – Não diga nada aos meus ministros, mas sempre preferi a negociação à conquista.
Há uma insinuação neste último comentário: já não estamos a falar unicamente de guerras.
– Gosto de a ver tocar – diz, distraidamente. – Sabia que levanta o queixo no começo de cada compasso?
– Luís acredita que adiar só tornará a guerra mais penosa. Um ataque rápido e decidido poupará mais vidas do que as que custará.
– Estou familiarizado com esse argumento – concorda ele. – Mas não explica por que motivo temos sequer de atacar.
– Para ter paz na Europa…
– É preciso haver guerra primeiro? Mas não haverá paz na Europa se houver uma guerra civil aqui em Inglaterra.
Sorrio e toco mais um pouco. Ambos sabemos que não me cabe a mim tecer comentários sobre a política de França.
– Aceita jantar a sós comigo esta noite, mademoiselle? – pergunta, abruptamente.
Mantenho os olhos na folha de música.
– Vossa Majestade sabe que não posso.
– Porquê?
– As pessoas falarão.
Ele faz um gesto impaciente.
– Deixá-las falar.
– Pensava que Vossa Majestade tinha sugerido ainda agora que não é, por natureza, pessoa de apressar as coisas? – digo, num tom que espero que seja de malícia sedutora.
– Contudo, já acharia bem que me precipitasse para esta guerra. – De súbito, fala em tom petulante. – A Louise não pode ser apressada, ao que parece, mas eu sim. A Louise tem de conservar a sua honra, mas eu devo abandonar a minha.
Toco sem dizer nada por um minuto. Estes acessos de irritação surgem-lhe de vez em quando e, geralmente, passam com igual rapidez.
Mas não desta vez.
– Por amor de Deus, mulher, como é que isto é justo? – troa ele. Do outro lado da sala, Anne e Lucy erguem os olhos da costura, espantadas. O spaniel, assustado, salta rapidamente para o chão quando Carlos se levanta sem aviso. – Quer que eu lute contra os Holandeses, mas consigo… consigo…
Continuo a tocar, ansiosa por não fazer uma cena ainda maior.
– Consigo tenho de ser um pau-mandado – diz ele, dando um pontapé ao cão. – Jantarei noutro lado. Quanto à guerra… diga a Luís que vou tratar disso.
Mas não o faz.
– Ele é um homem habituado a manejar o poder – diz lady Arlington. – O desejo que sente por si é tanto, que é a Louise que detém o poder neste momento, não ele. Nenhum homem gosta de estar nessa posição.
– O que hei-de fazer?
– Ceder, claro. Nada devolve tão depressa a boa disposição a um homem como despir uma amante nova.
Mas eu não cederei. Nem o rei.
– Já o perdeu – diz lady Arlington. – Ouvi dizer que ele tem visitado a casa da Nell Gwynne em Pall Mall. Bem pode voltar para França.
Tenho de ter cuidado com a forma como lido com a situação. Vejo-o nos rostos deles – de Arlington, do embaixador: todos pensam que, para ele declarar a guerra, terá de haver uma troca.
O meu corpo por um exército. É um negócio que quase todos os envolvidos considerariam uma pechincha.