LOUISE
Agora ele vem visitar-me todos os dias. Se está mais alguém presente – o embaixador, lorde Arlington, um dos muitos exilados franceses que parecem partir do princípio de que os meus aposentos são o seu salon – cumprimenta-os com uns bons dias secos.
E depois…
Tudo o que fazemos é falar. Palavras e lágrimas.
Quer isto dizer que ele fala da irmã. Mas falamos também do Grande Negócio, deste plano para uma Europa unida, uma espécie de segundo Sacro Império Romano, que se estenderia da Irlanda à Rússia. Um continente, unido sob uma só fé. Um lugar sem guerras, quase sem fronteiras.
E, pouco a pouco, começamos a falar de Luís. Como ele selou com a sua autoridade aquele que foi, em tempos, o reino mais dividido e desordeiro da Europa. Como reclamou lentamente as partes das suas terras na posse de potências estrangeiras. Como, mesmo agora, as suas fronteiras continuam a expandir-se – para a Holanda, para a Alsácia, para os Pirenéus.
É evidente que Carlos está fascinado com o seu primo francês – fascinado e um pouco invejoso.
L’état, c’est moi.
Falo-lhe sobre as glórias da arte francesa, os músicos e filósofos e poetas que trazem tanto brilho à corte de Versalhes.
– Também tenho os meus poetas – diz ele, um pouco defensivamente. – Tenho os meus pintores e os meus sábios.
– Claro que sim – respondo em tom tranquilizador.
– Então? Ele já fez amor consigo? – pergunta lady Arlington com um sorriso.
– Elizabeth! Que pergunta.
– Vou presumir que isso significa sim, está bem?
Não respondo.
– Vocês, francesas, e os vossos pudores! – exclama ela. E depois acrescenta, mais baixinho: – Muito bem!
Porque não lhe digo a verdade? Afinal de contas, ela nunca se riu dos meus escrúpulos, apesar de ter deixado bem claro que os considera irrelevantes. Contudo sinto que, neste ponto, pode tornar-se muito insistente.
Tal como ele.
Pois está a tornar-se cada vez mais evidente que o interesse do rei em mim, seja lá qual for, não é apenas por causa de Minette. O sofrimento deu lugar a algo mais. Quando olha para mim agora, nem sempre é com os olhos castos de um irmão.
No entanto, mantém a sua palavra. Não faz qualquer sugestão que possa embaraçar-me. Está tudo apenas no espaço entre as palavras: os olhares, a intensidade silenciosa dos seus olhos, os sorrisos súbitos, os silêncios.
Será isto que eu quero? Que força estarei aqui a libertar? Será um monstro que consigo dominar, ou que acabará por me destruir?
– Senhor, tenho um gelo para vós.
Estendo-lhe a taça. Minúscula, requintada, foi feita especialmente para este momento: um ananás do tamanho de um ovo, feito de ouro e vidro pintado, trabalhado como as escamas de um ananás, com a borda enfeitada com folhas douradas.
– Isto é?…
Aceno afirmativamente.
– Ananás, sim. Era o preferido da vossa irmã.
Ele pega na pequena taça e na colher ainda mais pequena, como algo que se usaria para servir sal. Leva a colher aos lábios.
E, um momento depois, acena com ar aprovador.
– Espantoso – sussurra.
Estende-me a segunda colher de gelado. Ergo a mão para a tirar dos seus dedos mas ele não a solta e os meus dedos fecham-se sobre os dele.
Os seus olhos fixam os meus, escuros e ilegíveis.
Guia as nossas mãos até à minha boca. Chupo os cristais gelados da colher. O sabor é doce, ácido, fugidio.
– Maravilhoso – concordo.
Ele leva a colher novamente à taça. Desta vez eu guio as nossas mãos até à boca dele. Obedientemente, ele abre-a, fecha-a.
Alternamos – uma para ele, uma para mim, as nossas mãos sempre juntas. Quando acabamos ele diz baixinho:
– Nunca tinha compreendido a admiração, até agora.
Está a olhar para a minha boca. Sinto a garganta seca – quero engolir, inspirar uma golfada de ar. Vejo os lábios dele entreabrirem-se e depois a sua cabeça inclina-se ligeiramente para o lado e aproxima-se um pouco.
– De que estávamos a falar? – pergunto rapidamente, levantando-me. – Eu ia procurar aquele livro de versos, não era?
Irrepreensível.
Uma tarde, ele pede-me que me sente ao seu lado na corte, na sala de audiências. Fico pouco à vontade – parece-me demasiado público, demasiado exposto, mas este é o objectivo por trás da minha presença aqui, incentivá-lo a voltar à vida pública, portanto não posso recusar. Assim, sento-me ao seu lado, a ser exibida como uma rainha, enquanto ministros e peticionários se aproximam com os seus pedidos. Aqueles que sofrem de hidropisia ou sezões até pedem que ele lhes toque, para curar as suas doenças. Como representante de Deus na Terra, tem alguns dos poderes de Deus. Ele aceita estas pessoas com cortesia e paciência, mas por cima das suas cabeças olha para mim e torce o nariz.
Um dos peticionários oferece-lhe um suborno – não um presente, como uma caixa de rapé ou um broche com pedras preciosas, mas dinheiro vivo. Ouve-se um murmúrio de revolta entre os cortesãos.
Carlos faz uma piada da situação.
– Dê o dinheiro a outra pessoa – diz. – Dê-o a… – Olha em volta. – À Louise. Ela está sempre a perder ao basset.
O peticionário segue o olhar dele e traz-me a bolsa.
– Não posso aceitar – digo, com firmeza.
– Por favor, madame? – diz o homem em voz fraca, consciente de que cometeu um erro terrível.
– Preferia cortar a garganta do que manchar a minha honra – digo-lhe.
– Bravo – murmura lorde Arlington. – Bem dito, Louise. – Aplaude delicadamente, incitando os restantes a fazer o mesmo.
De um dos lados, reparo numa mulher que está a olhar para mim. Pequena, ruiva, bastante bonita, mas vestida com uma indumentária extraordinária – o seu vestido é tão garrido que mais parece um vestido de boneca. Na verdade, ela é tão pequena que, por um instante, penso que é uma criança que veio à corte ver os crescidos. Ela fita-me fixamente, quase como se estivesse a estudar-me. Estranhamente, faz uma careta, depois inclina a cabeça para o lado e franze os olhos. Olha de mim para Carlos e novamente para mim, confusa, como se estivesse a tentar perceber o que se passa. Depois vejo-a mover os lábios, como se estivesse a murmurar qualquer coisa.
Tenho intenção de perguntar a Carlos quem ela é, mais tarde, mas acabo por me esquecer completamente.