CARLO
Os gelos, como a vingança, devem ser servidos frios: mas, tal como na vingança, o excesso de frio embotará o sabor.
O Livro dos Gelos
Parecia que nada conseguiria impedir a conquista de Louise na corte. No final do ano, Arlington já fora afastado do seu cargo. Em Janeiro foi a vez de Buckingham ser impugnado, julgado pelo mesmo parlamento que ele ajudara a ser tão poderoso e cujos votos tentara vender a França. À última hora, tentou cair nas boas graças dos seus acusadores, declarando que a culpa não era sua, mas do rei e do irmão.
– Posso caçar a lebre francesa com uma matilha de cães, mas não com uma braça de lagostas – disse-lhes. Uma observação tola, pois custou-lhe o apoio das duas únicas pessoas que se erguiam agora entre ele e a Torre. Desesperado, anunciou então ter compreendido os erros dos seus actos. Baniu para um convento a sua amante, lady Shrewsbury, reconciliou-se com a esposa, abandonou os luxos e adoptou a indumentária e os hábitos de um puritano. Conseguiu salvar a vida, mas não o orgulho, e daí em diante foi um homem sem qualquer influência.
Carlos assistiu, sem nada fazer para o ajudar.
Nell Gwynne convenceu um dos seus compinchas, o velho Tom Killigrew, a aparecer na presença do rei em traje de montar, incluindo a capa e o pingalim. Quando o rei lhe perguntou onde ia com tanta pressa, o homem gritou:
– Ao Inferno, buscar Mestre Cromwell para nos governar de novo, pois ele não faria pior do que isto.
Carlos olhou para ele com expressão impassível: para variar, o seu bom humor abandonou-o e disse em tom seco:
– A política não é o seu forte, Nell, tal como não era o forte do seu amigo George Buckingham. Faria melhor se deixasse esses assuntos para quem os compreende.
Agora apenas Louise podia aconselhá-lo, juntamente com Osborne e o novo embaixador, Ruvigny. O rei cobria-a de prendas – não simples jóias, mas feudos, pensões, rendas e terras. Ela era a senhora do seu palácio, o seu primeiro-ministro não oficial e a rainha não reconhecida: a mulher por quem tinham de passar todos os pedidos, cujas opiniões se tornavam política de Estado; a mulher que tomava as decisões no lugar de um rei que preferia não ter de o fazer.