CARLO

Para uma ocasião especial, nada é melhor do que um gelo.

O Livro dos Gelos


–É um ataque a todos nós – disse Arlington. – A Nell é uma criatura do Buckingham. Ele ainda não se esqueceu de como foi enganado com o tratado. Tem estado à espera de uma oportunidade.

– É, particularmente, um ataque a França – disse Colbert. O pequeno embaixador francês juntou-se desta vez à nossa reunião. – Não podemos dar-nos ao luxo de o ignorar.

– Não devíamos fazer nada. – Era Walsingham. – A sátira da Nell pode ter feito o rei rir, mas o seu único efeito prático foi empurrá-lo ainda mais para os braços de madame Carwell. Ele não voltou a visitar Nell desde a morte da irmã. Nem qualquer outra das suas amantes habituais, na verdade. A duquesa de Cleveland está reduzida a ter de satisfazer os seus apetites carnais com um artista da corda bamba.

Ninguém lhe perguntou como sabia. Presumia-se que a informação de Walsingham era sempre correcta.

Vocês podem ignorá-lo – admitiu Colbert. – Mas eu não posso. É a reputação de França que está em jogo.

– E o que pensa fazer? – perguntou Arlington em tom irónico. – Ripostar com uma peça sobre o Cerco de Orleães?

– Um baile – disse o embaixador com firmeza. – Vou dar um baile. Afinal de contas, impõe-se que celebremos o regresso da saúde de Sua Majestade. E será uma oportunidade para mostrar aos vossos conterrâneos como se fazem estas coisas. Não serão poupados esforços, nada! – Olhou directamente para mim. – Teremos gelos, signor. Gelos, para oitocentos convidados. Temos de recordar a toda a gente de onde vêm os prazeres do rei.

Não era um pedido.

Porém, na verdade, mesmo que o embaixador me tivesse dado a possibilidade de recusar, eu teria agarrado com unhas e dentes a oportunidade que este baile representava. Estava a ficar louco, aqui em Inglaterra, fechado nesta pequena corte, neste pequeno país, a fazer gelos para um círculo tão reduzido.

Não era apenas o embaixador que queria mostrar-lhes como estas coisas se faziam em Versalhes.

Aos poucos, os planos foram surgindo. Íamos apoderar-nos do Parque de St. James e transformá-lo numa réplica dos jardins de Versalhes. Haveria um grande palácio de lona e papier mâché, erigido apenas por uma noite, como acontecia nos divertissements de Luís XIV. Uma orquestra de músicos franceses, trazida especialmente para a ocasião. Os próprios convidados nobres estariam todos mascarados, como num baile de máscaras.

Até os gelos seriam particularmente notáveis. Colbert ia servir o vinho pétillant blanc de Champagne que era um tão forte símbolo da cooperação anglo-francesa: o vinho era francês, mas as garrafas extra fortes que o tornavam possível tinham sido inventadas por um membro da mesma Sociedade Real a que pertencia o ilustre Robert Boyle.

E eu – eu serviria sorvetes de champanhe.

Sabia muito bem que a inclusão de álcool dificultava muito a preparação dos gelos. O vinho era particularmente complicado; o vinho espumante ainda mais. No entanto, a crescente confiança que tinha nas minhas próprias capacidades era suficiente para querer tentar.

Não seria esse o único gelo na ementa, claro. Depois de muito reflectir, decidi-me por um sorvete de romã com molho de champanhe; uma geleia de maçã e crisântemo e um granite de leite de funcho. As cozinhas do embaixador produziriam o prato principal, uma refeição leve de carnes francesas, mas as sobremesas seriam todas minhas: uma selecção de sorvetes e – finalmente! – a primeira aparição pública do meu gelo cremoso de pêra e crème anglaise, essa nobre aliança, servido numa dupla coroa de biscoito, para representar a feliz união dos dois reis.

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