NOTA HISTÓRICA
É uma heresia, segundo o credo de um verdadeiro amante, alguma vez forjar uma infidelidade. Mas quando a mera natureza é o motivo, é possível um homem pensar de forma mais justa do que a opinião comum, e argumentar que uma rival não tira nada senão o coração, e deixa tudo o resto.
George Savile, marquês de Halifax, sobre Carlos II
Na altura da morte de Carlos II, em 1685, Louise de Keroualle tinha trinta e quatro anos de idade. Voltou para França como uma mulher rica, retirando-se para o seu feudo ducal de Aubigny, onde viveu uma vida discreta até à morte, aos oitenta e cinco anos de idade. Voltaire conheceu-a quando ela tinha setenta e descreveu-a como tendo «um rosto ainda nobre e agradável, que os anos não destruíram». Nunca casou, dedicando-se em vez disso a obras de caridade e ao jogo de apostas elevadas.
A «bonita e espirituosa Nell», como Pepys lhe chamava, morreu em 1687, aos trinta e sete anos de idade. Na altura da sua morte tinha acumulado dívidas consideráveis.
O trono de Carlos foi herdado pelo seu irmão, Jaime, mas o parlamento inglês revoltou-se, argumentando que ele abdicara em virtude da sua escolha de religião. O exército recusou-se a dar-lhe o seu apoio e ele não teve outra opção senão fugir do país. O parlamento convidou então o protestante Guilherme de Orange para ser seu governante. Foi a primeira vez na Europa em que um corpo eleito nomeou efectivamente o seu próprio rei, um golpe quase sem sangue que se tornou conhecido como A Revolução Gloriosa. Um dos primeiros actos do novo parlamento foi aprovar uma lei que proibia o monarca inglês de ser católico ou de casar com uma católica – uma lei que consta ainda hoje dos códigos.
A técnica persa de fazer sorvetes e gelados de água era conhecida em Florença na década de 1660, embora o processo exacto fosse um segredo bem guardado. Um visitante francês, um tal L. Audiger, conseguiu de alguma forma levá-lo para Paris por volta de 1665. Tornou-se limonadier de Luís XIV, tendo levado ao rei algumas ervilhas fora de época à laia de apresentação. Não se sabe como a técnica chegou a Inglaterra e como se desenvolveu para o «gelado» a tempo da grande festa de Carlos II para a Ordem da Jarreteira em 1671, nem se sabe o nome do confeiteiro que, segundo a ementa escrita, serviu «Um prato de morangos brancos e um prato de gelado» apenas para a mesa do rei. Contudo, o nome Demirco há muito que é atribuído ao homem que decidiu não permitir que os gelados continuassem a ser um privilégio real. Alguns relatos colocam-no ao serviço de Carlos I, mas como não há registos da sua presença na casa real nessa altura, e como o gelado ainda não tinha sido inventado, parece provável que, ao longo dos séculos, os dois Carlos tenham sido simplesmente confundidos.
Nas décadas que se seguiram à morte de Carlos II, o conhecimento de como fazer gelado espalhou-se lentamente pela Europa. Um dos primeiros livros de receitas foi um manuscrito anónimo de oitenta e cinco páginas intitulado A Arte de Fazer Gelos que, através das marcas de água no papel, foi datado a um período pouco depois de 1700. Inclui receitas de gelados de violetas, de rosas, de chocolate e de caramelo – sabores que teriam parecido tão extraordinários na altura como algo concebido pelos gastrónomos moleculares nos dias de hoje. Em 1718, uma mulher chamada Mary Eales, que afirmava ter sido confeiteira na corte inglesa, publicou uma receita de «creme gelado… simples ou adoçado, ou com frutas.» Há também uma receita de gelado em A Arte da Culinária Simples e Fácil da inglesa Hannah Glace, em 1751, que é admiravelmente simples: «Para fazer gelado… coloque-o na tigela maior. Encha com gelo e um punhado de sal.»
Entretanto, os Quakers e outros não-conformistas tinham levado o fabrico dos gelados para a América. O primeiro registo que existe nesse país encontra-se na Pensilvânia em 1744: «Entre as raridades… estava um belo gelado, que, com os morangos e leite, sabia deliciosamente.» Tanto George Washington como Thomas Jefferson serviram gelados em jantares de Estado.
Madame Henrietta d’Angleterre, irmã de Carlos II, morreu realmente depois de beber um copo de água de chicória gelada. Apesar de se ter suspeitado de veneno, na altura, pensa-se agora que a sua morte foi resultado de uma peritonite causada por uma úlcera perfurada. O Tratado de Dover secreto para o qual ela tanto trabalhara e que foi assinado duas semanas antes da sua morte, era conhecido apenas de uma dúzia de pessoas em Inglaterra, entre elas Louise de Keroualle. Incluía a cláusula: «O rei de Inglaterra fará uma profissão pública da fé católica e receberá de Sua Majestade Cristã, no decurso dos próximos seis meses, a soma de dois milhões de coroas para o ajudar neste projecto. A data desta declaração é deixada inteiramente à sua discrição.» Talvez não seja surpreendente que Carlos tenha negado terminantemente a existência deste tratado ao parlamento, quando foi questionado sobre ele em 1675: «Não existe qualquer outro tratado com França, antes ou depois, que não esteja já impresso e dado a conhecer.» Uma cópia do tratado foi finalmente encontrada e publicada em 1830.
Os registos do embaixador francês em Londres mostram que os Franceses gastaram muitos milhões de coroas a subornar políticos e ministros ingleses durante esta época. Parece provável, embora nunca tenha sido provado, que o derradeiro objectivo de França seria engolir a Holanda e depois invadir a Inglaterra, possivelmente usando o pretexto de salvar o católico Carlos II do seu próprio parlamento. Isto deixaria a Alemanha isolada como o único grande país protestante da Europa.
A Real Sociedade, também conhecida como Real Sociedade de Londres para o Progresso do Conhecimento Natural, foi fundada por Carlos II em 1660. Contava entre os seus membros e convidados Robert Boyle, Isaac Newton, Christopher Wren, Samuel Pepys, John Hooke, Gottfried Leibniz, Nicholas Mercator, John Locke e Edmond Halley, para mencionar apenas alguns. Boyle estava particularmente interessado na congelação e o seu ensaio «Observações sobre o Frio» foi um dos primeiros textos a investigar cientificamente os métodos de congelação artificiais. Ele pode ter sido influenciado pelo facto de a Europa, na altura, estar a passar pela «pequena idade do gelo», que possibilitou a realização das feiras do gelo no rio Tamisa. Os interesses dos outros membros iam desde o fabrico de garrafas de champanhe, às leis da luz e do movimento. São geralmente considerados os primeiros pensadores do Iluminismo.