CARLO

Para fazer um sorvete de romã: esprema romãs suficientes para encher duas chávenas de sumo. Adicione meia chávena de açúcar para adoçar, depois mexa e congele. Para servir, deite champanhe sobre o sorvete, decorando com sementes de romã e pedacinhos de laranja cristalizada.

O Livro dos Gelos


O fato de salteador ficava-lhe bem, realçando a cintura fina, as ancas esguias, as costas longas, o pescoço elegante. Mas era a sua postura que a distinguia das damas inglesas à sua volta. Bastaria observar o seu porte para perceber que era uma filha de boas famílias de França.

O rei dançou com ela. Não consegui desviar os olhos. Nem eu, nem ninguém: mas para mim era diferente.

Pela forma como as outras pessoas olhavam para ela, parecia que ela era uma galinha e eles uma matilha de lobos, prontos para a despedaçarem. Estava sozinha contra todos, mas nunca vacilou.

Olhei para ela e percebi que a amava.

Como podia tê-lo negado durante tanto tempo? Amava-a desde que a encontrara sob as nespereiras em Versalhes.

Talvez nos voltemos a encontrar.

Se ambos continuarmos à procura de sítios para estarmos sozinhos, signor, pode ter a certeza disso…

A dança chegou ao fim. O tempo retomou a sua marcha inexorável. Apesar disso, continuei a olhar para ela, enquanto o rei a soltava. Ela voltou para o fundo da sala. Não tinha ninguém com quem ir ter, ninguém com quem estar.

Já ouvi o amor ser comparado a um fogo, mas essa comparação está errada. Quando tocamos numa chama, afastamo-nos. A dor é rápida e súbita e depois desaparece.

O amor é como gelo. Apodera-se de nós sorrateiramente, penetrando no nosso corpo de forma furtiva, desfazendo as nossas defesas, encontrando os recantos mais escondidos da nossa carne. Não é como calor ou dor ou ardor, mas antes como um entorpecimento interior, como se o nosso coração estivesse a solidificar, a transformar-nos em pedra. O amor aperta-nos com uma força capaz de partir rochas ou estilhaçar o casco de barcos. O amor consegue levantar lajes do pavimento, desfazer mármore, fazer mirrar as folhas nas árvores.

Eu amava-a, e nunca a poderia ter.

Depois algo chamou a minha atenção e vi uma figura alta a observá-la também, por cima das cabeças dos seus cortesãos. As pessoas estavam a rir e a brincar mas ele não lhes prestava qualquer atenção. Estava a olhar para Louise, imóvel como uma estátua. Tão imóvel como eu.

O rei.

Vi que ele a amava, tal como eu.

Carlo e rei Carlos. Fruto da mesma árvore. Reflexos num espelho. Rivais, sem o serem.

Pois ele era rei e eu não. Ele podia tê-la e eu não. O gelo acabaria por deixar o seu coração, mas ficaria para sempre no meu.

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