LOUISE
Parece que Londres inteira fala da minha rivalidade com Nell. E não só Londres: o embaixador deixa escapar que também em Paris observam, na expectativa.
Os homens podem travar duelos com espadas, ou raquetas de ténis, ou competir por honrarias no campo de batalha. Mas eu tenho de combater com Nell apenas com sorrisos e palavras.
Infelizmente, as palavras são o forte dela. Mesmo na minha língua mãe, não possuo o seu espírito vivaz. A última história que se conta diz que ela descobriu que a sua casa em Pall Mal, que lhe foi oferecida por Carlos, estava apenas arrendada e que o arrendamento não era de mais que vinte anos. A implicação é óbvia: enquanto o rei partilhar a sua cama, ela será mantida com esplendor, mas quando o caso terminar voltará para a sarjeta. Por algum motivo, as pessoas de Londres adoptaram esta causa como sua e a Questão da Propriedade de Nell tem sido esmiuçada em todos os jornais e periódicos de escândalos.
Nell, diz-se, informou o rei de que se entregou a ele isenta de encargos e não por aluguer, e espera a mesma cortesia em troca. Ao que parece, Carlos achou tanta graça a isto que cedeu. Para celebrar, ela vai mandar construir uma salle des miroirs no seu quarto, bem como uma cama de prata trabalhada, com bustos esculpidos do rei e dela, e as iniciais de ambos entrelaçadas! Com certeza que Carlos, cujo bom gosto é inatacável, se encolherá de horror perante tal exibição de mau gosto?
Digo-lhe que vou reconstruir os meus aposentos para se assemelharem mais aos de Minette em Versalhes. Claro que ele concorda. Mais tapeçarias, mais carpetes, mais pratas, mas tudo da melhor qualidade – ou seja, francês. Quando ele finalmente tiver de escolher, as suas opções têm de ser bem claras: exibicionismo ou educação, grosseria ou requinte.
Parece que Nell encontrou o seu lacaio a lutar na rua: quando lhe perguntou porquê, ele disse que estava a lutar com um homem que lhe chamara puta.
– Nesse caso, tem de encontrar outro motivo – disse ela. – Pois é o que eu sou.
Como é que posso combater alguém que não se envergonha daquilo que é?
Se ela tem uma fraqueza, é a de não ver a diferença entre nós. Para ela, meretriz e amante são uma e a mesma coisa; menina das laranjas e dama de companhia diferem apenas em grau.
Apesar de todo o seu despudor, tem pretensões a um título e será isso, sem dúvida, a sua desgraça. Se Carlos fizer dela duquesa, todas as famílias nobres de Inglaterra se sentirão aviltadas.
A minha estratégia, assim, é recordar a Carlos a nobreza do meu berço. Surge uma oportunidade quando um meu familiar distante, o Chevalier de Rohan, morre. É verdade que foi executado por Luís por estar de conluio com os Holandeses, mas posso fazer luto por ele, de qualquer maneira, e descende dos antigos reis da Bretanha, o que significa que é também parente afastado de Carlos.
Carlos vê-me de preto e pergunta-me, em frente da corte, o que se passa.
– Estou de luto pelo nosso primo, o príncipe de Rohan – explico.
Tenciono usar preto apenas uma semana, não mais – o período de tempo apropriado para um familiar tão afastado. Contudo, quando chego à corte no dia seguinte, Nell está também vestida de negro. Enquanto o rei fala com alguns dos seus conselheiros, ouve o som de soluços abafados provenientes da direcção dela. Por fim, chama-a.
– Então, Nell? A sua mãe morreu?
– Não – responde ela. – Não foi a minha mãe.
– Então quem foi?
– O Cã da Tartária – soluça ela. – Está morto. Oh, meu Deus, está morto.
– Mas qual é a sua relação com o Cã da Tartária? – pergunta ele, espantado.
– Exactamente a mesma – funga ela –, que a do Chevalier de Rohan com a Louise: ou seja, absolutamente nenhuma.
Há um momento de silêncio e depois as gargalhadas erguem-se na corte. Como um cão que tivesse fugido das cozinhas com uma fiada de salsichas na boca, o riso salta de canto para canto, de grupo para grupo, e, embora eu o persiga furiosamente com os olhos, não consigo travá-lo.
– Nesse caso – diz o rei, limpando os olhos –, talvez a Nell e a Louise possam dividir o mundo entre ambas, pois entre a Tartária e Rohan haverá uma grande quantidade de estranhos por quem ficarem de luto.
– Já o fizemos – responde ela com naturalidade. – A única coisa que não ficou decidida é qual de nós ficará com Inglaterra.
Agora todos se riem abertamente. Estou envergonhada: não me apercebera de que a minha abordagem era assim tão óbvia. Contudo, o que ela não compreende é que, de cada vez que faz uma destas cenas ultrajantes, joga a meu favor. Podem rir-se com ela, mas vêem cada vez mais claramente que ela não é um deles; mais cedo ou mais tarde, terão de cerrar fileiras sobre ela e eu triunfarei.