LOUISE


Agora os canais e lagos no Parque de St. James estão congelados. Carlos e o seu irmão Jaime ensinam-me a deslizar no gelo – «patinar», como lhe chamam. Aprenderam nos anos que passaram nos Países Baixos. Jaime é o melhor dos dois, algo que irrita Carlos, uma vez que em todos os outros desportos é muito superior ao irmão mais novo.

Às vezes, Jaime patina ao meu lado para me segurar: uma mão sobre o lado do meu corpo para me equilibrar, a outra esticada à minha volta para eu não cair, fazendo-me acelerar num grande arco, os dois impelidos apenas pelos movimentos das suas pernas compridas, enquanto eu me concentro em manter as pernas direitas e firmes para não cair.

– Raios, ele parece prestes a tomá-la nos braços – resmunga Carlos.

Está com ciúmes. E não totalmente infundados: Jaime aperta-me um pouco mais do que precisaria, coloca as mãos um bocadinho mais abaixo ou mais acima do que seria necessário.

É um homem estranho. Fisicamente, é parecido com Carlos – quer isto dizer, atraente. Contudo, de alguma forma, aquilo que em Carlos se transformou em charme, em Jaime tornou-se frieza. Questões de fé e política perturbam-no. No rosto ostenta perpetuamente uma expressão de ansiedade ou arrependimento. No entanto, diz-se que é mais inteligente do que o irmão e que faz a maior parte do meticuloso trabalho governamental quando Carlos perde a paciência.

O seu gosto em amantes é uma anedota em Whitehall: diz-se que, numa espécie de penitência, se certifica de que são sempre mais feias do que a mulher.

Contudo, é também almirante da Frota. Nessa qualidade, ninguém é mais importante em termos de aconselhar Carlos a entrar ou não em guerra. Consta também que, secretamente, tem uma inclinação para a Fé Verdadeira. Se assim for, não terá os mesmos escrúpulos que alguns dos ministros do rei sobre entrar em guerra com uma nação protestante. Esta guerra pode até ser vista como um teste. Decidir-se-á por salvar a própria alma, ou por ajudar o irmão a manter o trono? É um dilema difícil para um homem devoto.

E quem melhor para falar com ele sobre estas questões, do que uma dama católica de grande virtude, recentemente chegada de França?

Passamos longas tardes a ler Lettres Provinciales e a discutir a opinião de Pascal sobre a alma.

Carlos não acha muita graça.

– Porque passa tanto tempo a ler com o meu irmão?

– Vossa Majestade é bem-vindo para se juntar a nós.

– Não imagino nada mais entediante do que discutir religião com o Jaime. Apesar de qualquer um de nós ter pouco com que se ocupar neste momento. Se o solo não descongelar rapidamente, as corridas terminarão antes mesmo de ter começado, este ano.

– Cuidado para não prolongar isto tempo de mais – avisa-me lady Arlington. – O rei fica irritável quando o tempo está assim. Na verdade, seria uma época perfeita para passar na cama. Uma lareira quente e uma manta de peles, e o apartamento dele seria o sítio mais acolhedor do reino.

A minha táctica, quando ela fala assim, é parecer vaga.

– A minha lareira chega perfeitamente, obrigada. O carvão marinho aqui em Londres é muito bom, não acha?

Nesse Inverno, um dos membros do parlamento põe a circular um poema que começa assim:

Se tivéssemos tempo e mundo suficientes,

Este pudor, minha dama, não seria crime…

Carlos envia-mo com um bilhete: Este homem é um dos meus inimigos e um panfletário infame, mas, de alguma forma, conseguiu exprimir os meus pensamentos de forma mais eloquente do que eu próprio.

À noite, entretenimento. A grande moda, este Inverno, são os bailes de máscaras. Na Casa de Banquetes, nas mansões de Pall Mall, dançamos e trocamos mexericos atrás dos nossos disfarces. Tenho uma dúzia de máscaras diferentes, feitas com renda, penas, folha de prata e cabedal trabalhado.

E uma que continuo a usar quando tiro as outras.

Tantas camadas de disfarces. Já vi o rei sem a sua máscara, mas não sem a cabeleira. Será que a tira quando se deita com uma mulher, pergunto-me? Tenho uma imagem súbita do rei, de camisa de noite, sem a cabeleira luxuriante na cabeça, o cabelo verdadeiro cortado como o de um soldado. Rente e escuro. Devia ser cómico, ridículo, o monarca despido da sua dignidade – mas, em vez disso, sinto uma espécie de ternura.

Nos bailes, o rei e o irmão identificam-se facilmente, tanto pela qualidade das suas roupas como pela sua altura acima da média. No entanto, por vezes, é difícil distinguir um do outro. Apenas a postura do rei – a forma atlética como dança – os diferencia.

E isto: Jaime namorisca comigo, um pouco desajeitadamente. Tenta conversar comigo, captar o meu interesse com actualidades ou mexericos.

Carlos limita-se a olhar para mim por trás da máscara, os olhos escuros e brilhantes mais eloquentes do que palavras.

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