LOUISE


–Chegaram – diz Anna, que está à janela. Junto-me a ela.

A procissão que se dirige a nós pela Galeria de Pedra é uma visão algo estranha. A rainha é inconfundível – embora seja uma mulher muito pequena, veste um belo vestido espanhol e tem o porte que só uma princesa pode ter. As suas damas de companhia, contudo, são outra questão. Trazem chapéus estranhos e altos, como freiras, e as suas saias têm cosidas anquinhas arcadas que as fazem baloiçar de um lado para o outro enquanto caminham.

– Valha-nos Deus – diz lady Arlington atrás de mim. – Ela trouxe toda a frota portuguesa. Mal posso esperar para ver a expressão naqueles rostos morenos quando perceberem que foram usurpadas.

É fácil acreditar que a rainha está a morrer. Parece ainda mais frágil do que Madame nos meses que antecederam a sua morte, e as madeixas grisalhas do cabelo sugerem que já sofre assim há anos.

A reverência que lady Arlington faz é tão superficial que mais parece que está apenas a desviar-se de algo que lhe atiraram à cabeça.

– Vossa Alteza, permiti que vos apresente Louise de Keroualle. Creio que a dada altura estava previsto que fosse uma aia do vosso quarto – diz, com uma ligeira ênfase no «vosso». – No entanto, o rei encontrou outro lugar para ela na corte.

Se a rainha repara na insinuação, não o mostra.

– O rei é muito atencioso – diz-me. – Lembro-me de como foi amável comigo quando cheguei a este país. Quando quero alguma coisa, basta-me pedir-lhe. – Pode parecer fraca, mas o significado é claro. Não tente humilhar-me, ou tratarei de a afastar.

Segue-se um silêncio desconfortável. Felizmente, os gelos chegam nesse momento.

– Esta é a última moda em França, Vossa Alteza – digo, enquanto Lucy os coloca num aparador. – Significa que não é preciso interromper o jogo de cartas. Podemos simplesmente comer os gelos à mesa e ficaremos refrescadas.

Ela sorri.

– Parece muito agradável.

O jogo, por outro lado, é um problema diferente. Eu sei jogar o jogo preferido da rainha, basset – também é popular em França – mas não tenho dinheiro para jogar.

– Eu empresto-lhe algum – sussurra lady Arlington entre dentes. – Afinal de contas, em breve deverá ter mais do que suficiente. – Em voz mais alta, diz: – Quereis que baralhe, Vossa Alteza? As damas estão todas juntas.

Não é preciso grande perícia para jogar basset; é simplesmente um jogo de coragem e sorte. A carta vencedora ganha a quantia que tenha sido apostada nela. Mas se, em vez de recolhermos os ganhos, deixarmos a carta na mesa e esta voltar a vencer, a aposta é multiplicada por sete; à terceira vez, por quinze e depois por trinta. É possível ganhar uma fortuna, mas as probabilidades vão diminuindo progressivamente. Um quarto de hora depois, eu já perdi cinquenta guinéus, a maioria deles para lady Arlington.

– Eu empresto-lhe mais – diz ela, imediatamente.

– Não, obrigada. Vou ficar de fora um pouco, a assistir.

Vejo como lady Arlington, depois de passar a banca, fica corada de excitação ao fazer le quinze, a aposta a multiplicar por quinze, apenas para perder tudo na jogada seguinte. Isso diz-me algo sobre ela, penso: não só é uma jogadora, como é uma jogadora temerária.

– Não joga? – murmura uma voz atrás de mim.

Viro-me. O rei entrou, sem ninguém reparar e sem cerimónias. As outras começam a levantar-se mas ele corta as formalidades com um gesto.

– Por favor, não quero interromper o vosso jogo. Vou sentar-me aqui a conversar com mademoiselle de Keroualle.

A rainha lança um olhar ansioso ao marido antes de voltar obedientemente ao jogo.

– Diga-me, porque parou de jogar? – pergunta ele baixinho. – Não quero arrogar-me a vaidade de acreditar que foi na remota probabilidade de eu aparecer.

– Não gosto muito de jogos de risco.

Ele ergue as sobrancelhas.

– Os planos que a minha irmã delineou eram bastante arriscados.

– Refiro-me ao risco apenas pelo risco. Na diplomacia, claro que se deve tentar arriscar o mínimo possível. No basset, arriscar ao máximo é o objectivo do jogo.

Ele acena.

– Pessoalmente, prefiro poque. Requer um certo talento para fazer bluff.

– Em França, o poque é conhecido como o jogo da batota – digo, com alguma malícia.

– Salvo a devida modéstia, creio ter também algum talento nesse sentido – diz ele, com o fantasma de um sorriso nos olhos.

– Senhor, está a afastar mademoiselle de Keroualle da mesa – chama lady Arlington. – E ela tem de jogar, se quer recuperar o que perdeu.

O rei lança-me um olhar interrogativo.

– Parece que ela quer afastar-me de vós – explico, entre dentes. – Tem a ideia de que, quanto mais eu o mantiver à distância, mais ansiosamente procurareis a minha amizade.

– Nesse caso, é melhor ir ter com ela – murmura o rei. – Mas, enquanto elas jogam basset, nós estaremos a jogar poque.

Quando me dirijo à mesa, ele segue-me.

– Quanto é que mademoiselle de Keroualle deve, lady Ar­lington?

– Cinquenta guinéus, senhor.

– Aqui tem cem. – Carlos atira uma bolsa para a mesa. – E se ela incorrer em mais alguma dívida, espero que a minha palavra seja aval suficiente.

Lady Arlington abre tanto os olhos que quase lhe chegam ao cimo da cabeça.

– Senhora, boa-noite – diz, curvando-se perante a rainha. – E para si também, lady Arlington. Mademoiselle. – Faz-me uma vénia por último, como manda o protocolo, mas é em mim que os seus olhos se demoram, enquanto trocamos um olhar de cumplicidade.

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