LOUISE
O meu filho nasceu. Carlos. Até para lhe dar um nome, a política assume precedência e o mundo tem de saber quem é o seu pai.
O parto, claro, é agonizante. Contudo, não é nada em comparação com a dor de entregar o bebé a uma ama-de-leite para o amamentar como se fosse seu. Os meus seios, entumescidos, molham de leite os meus belos vestidos franceses. No entanto, este seria também o meu dever se fosse uma esposa: voltar à corte como se nada tivesse acontecido, como se ter filhos fosse tão fácil que não me afecta minimamente.
Carlos gosta de crianças. É uma surpresa, uma vez que é ele próprio um homem tão mimado, tão facilmente distraído. Mas gosta de se sentar com o bebé ao colo, brincando com os seus labiozinhos franzidos. Mas só por pouco tempo, claro. Quando o bebé chora, devolve-o à ama.
– Que choro vigoroso – diz, suavemente. – É melhor levá-lo. – Não gosta de quem faz exigências, muito menos tão ruidosas.
– Diga-me – pergunta. – Em que religião será ele educado?
Já pensei nisso, claro. Para eu poder ser rainha de Inglaterra, os meus filhos teriam de ser protestantes. No entanto, se optar por esse caminho, estarei a dizer que não acredito que Carlos alguma vez honre a sua promessa de se converter.
– Será educado na Fé Verdadeira – digo. – Talvez, um dia, o rei e o seu filho possam rezar juntos.
– Talvez – diz ele, de forma prudente.
Escrevo aos meus pais para lhes dar a notícia e convido-os a virem conhecer o neto. Com orgulho discreto, descrevo os favores que o rei me concede, o tamanho dos meus aposentos, as jóias que ele me deu. Deixo bem claro que eles não me viriam causar o mínimo incómodo.
Tenho esperança de, até lá, já me ter conseguido livrar de madame Gwynne. Isso é algo que preferia que os meus pais não vissem: a filha a ser chamada de meretriz por uma actriz inglesa.
Em termos políticos, as intrigas neste momento giram à volta das eventuais noivas para o irmão do rei. Os Ingleses puseram de parte a esperança de ele aceitar uma esposa protestante. Luís XIV ainda preferia a fecunda mas feia duquesa de Guise, mas Jaime, diz-me o rei, está a guardar-se para uma bela virgem.
– Já tem alguém em mente? – pergunto.
Carlos ergue as mãos.
– O problema é esse. Ele diz que está abaixo da sua dignidade escolher a sua própria esposa… mas depois rejeita todas as que lhe sugiro. Até agora, já recusou a arquiduquesa de Innsbruck por causa da figura, a princesa de Württemberg por causa da mãe, a princesa Maria da Alsácia por causa do cabelo ruivo, e duas princesas alemãs por causa de serem alemãs. Os meus ministros estão de cabeça perdida. Já lhe disse que é um disparate casar por beleza. Numa semana, habituamo-nos de tal maneira a uma cara que, de qualquer maneira, deixa de nos agradar ou desagradar. – Hesita. – Não a sua, claro.
Sorrio para mostrar que sei que não pretendeu insultar-me.
– Tenho uma jovem prima muito bela.
O rei ergue as sobrancelhas.
– De boas famílias?
– Françoise Marie é filha da duquesa d’Elboeuf e princesa da casa de Lorraine.
– Claro – murmura ele. – Às vezes esqueço-me de que está ligada a todas as melhores famílias de França.
Estará a provocar-me?
– Tenho o retrato dela nos meus aposentos. Talvez possa persuadir o seu irmão a vir conhecer o novo sobrinho e o retrato lhe chame a atenção?...
Carlos ri-se e dá-me uma palmadinha no joelho.
– Oh, como tive saudades suas, minha querida. Somos tão parecidos.
– Claro que sim – respondo. – É a nossa educação.
Jaime visita-me e mostra-se profundamente intrigado pelo retrato de Françoise Marie. Poucas horas depois, Colbert, furioso, entra intempestivamente nos meus aposentos.
– Sua Majestade Cristã ordenou-me expressamente para trabalhar no sentido de conseguir o noivado com a viúva de Guise – quase guincha.
– Estou certa que sim – respondo, calmamente. – Mas Jaime é um devasso e descobriu recentemente a religião; em resultado, quer casar com uma rapariga da idade das filhas. Só um tolo pensaria que ele vai casar com uma viúva feia.
– Está a chamar tolo a Luís XIV? – balbucia Colbert.
– Claro que não. Referia-me àqueles que o aconselharam. Aqueles que, quando o plano de Guise for por água abaixo, Luís culpará por certo.
Vejo Colbert pensar nisso. Se puder usar-me para mudar a mira de Luís para um alvo mais fácil de atingir, pode colher os louros se resultar, e pôr as culpas em mim se falhar.
– Luís que encontre outra rapariga católica – digo. – Mas tem de ser jovem, atraente e virgem. Depois nós os dois podemos trabalhar juntos para garantir o casamento.
– Na verdade, há outra candidata – diz ele, com alguma hesitação.
– Quem?
– A princesa Maria de Modena. Treze anos de idade, e dizem que vai ser uma grande beleza. Mas ela manifestou o seu desejo de entrar para um convento em vez de casar com um homem muito mais velho.
– Uma jovem beleza devota? – digo. – Parece perfeita. Mande trazer o retrato dela de imediato.
Um mês depois, está tudo tratado. Casarão no próximo ano, assim que ela fizer catorze anos. Em troca, Jaime concordou em ter duas cerimónias de casamento – uma privada, católica, e uma pública, segundo os rituais anglicanos.
– Como é que consegue? – quer Carlos saber. – Comigo, ele é teimoso que nem uma mula. Mas parece que a Louise consegue fazer dele o que quer.
– Talvez ele tenha ciúmes de si.
– Ciúmes? – Carlos parece surpreendido.
– O seu irmão ainda está um bocadinho apaixonado por mim, sabe. – Encolho os ombros com modéstia. – Não sei porquê.
– Sim, claro. – Carlos olha para mim e percebo que está a ver-me através dos olhos do irmão: desejável, um bom partido, mas acima de tudo inatingível. – Jantará comigo esta noite, senhora? – pergunta, abruptamente.
Sorrio.
– Com todo o prazer, Carlos.
Nessa noite, ele toma-me como se eu fosse outra vez virgem e ele um jovem garanhão.
Depois, diz-me:
– Meu Deus, estava muito ávida hoje.
Beijo-lhe o peito.
– Carlos, é tão delicioso. Não consigo afastar a boca de si.
Ele recosta-se, satisfeito. Continuo a beijá-lo: o peito duro, as costelas que se destacam sob a pele como o casco de um navio. Não sei se é por causa do bebé, ou de alívio por estar de novo nas suas boas graças, ou outra coisa qualquer, mas sinto uma certa ternura por ele, um desejo que nunca senti antes. Viro-me sobre ele, beijando-lhe os mamilos, soltando exclamações sobre o seu sabor delicioso, sobre a sensação e a força das suas mãos quando se cruzam sobre a minha cabeça.
E assim, tudo está novamente alinhado. Estou na cama de Carlos e nas boas graças de Luís. Fiz com que Colbert parecesse ineficaz e os meus aposentos são, mais uma vez, o verdadeiro parlamento de Inglaterra.
Carlos quer dar-me um colar. Os meus espiões dizem-me que há um que Nell anda a tentar obter: está a ensinar o rei a pescar, na esperança de o conseguir. O colar custa mais de oito mil libras. Como seria bom conseguir arrancá-lo dos dedos dela!
Mas o meu jogo vai mais além.
– Meu amor? – digo.
– Hum?
Estamos deitados na cama, depois de fazer amor.
– Não quero presentes caros.
– A sério? – Ele parece surpreendido.
– Ser amada por si é toda a recompensa de que preciso. No entanto, se quer realmente mostrar a sua boa vontade…
– Sim? – diz ele, e percebo que está a preparar-se para alguma exigência escandalosa: uma pensão, talvez, ou o pagamento de uma dívida de jogo.
– Como sabe, venho de uma família nobre e antiga.
– Sim.
– A minha avó materna era marquesa. Os de Keroualle são Seigneurs de Brest há mais de setecentos anos. No entanto, creio que algumas pessoas na corte não estão conscientes da minha linhagem. Vêem apenas que sou sua amante e, como não possuo qualquer título inglês, consideram-me pouco melhor do que uma vulgar menina das laranjas.
Ele acena com ar pensativo.
– Quer um título inglês?
– Se fosse de sua vontade.
Ele reflecte sobre o pedido. É, aparentemente, um presente barato, mas Carlos sabe tão bem como eu que, normalmente, os títulos vêm com pensões ou outros rendimentos.
– Sou capaz de estar disposto a dar-lhe algo dessa natureza – diz, lentamente.
– Obrigada. – Beijo-lhe a face, a barba dura do final do dia. – Claro que, para isso, terá de me fazer também cidadã inglesa. Caso contrário, não posso ser duquesa. Ou o que quer que decida fazer de mim. Na verdade, é completamente consigo.
Penso que começo a compreender agora um pouco melhor o papel de amante. Não é apenas ouvir, mas reflectir; não é apenas estar disponível, mas agir como representante de todas as outras mulheres que não o estão – as mulheres que ele teria também, se tivesse tempo e oportunidade. Ser a mulher que todos os homens desejam mas que apenas um pode ter.
Compreendo agora por que motivo Nell Gwynne mandou colocar a sua cama num Salão de Espelhos.
Estava enganada quando disse a Carlo que não sabia nenhum truque de alcova. Os truques mais subtis não são feitos com o corpo, nem podem ser aprendidos num livro de posições.